Emilio
Gennari
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emiliogennari@osite.com.br
O
desmatamento golpeia o México
Nick Miles. Site da BBC 06/03/2002
O
tema do desmatamento, considerado pelos ecologistas como um dos principais
problemas que atingem o planeta, tem sido um dos pontos mais importantes
da reunião dos ministros do Meio-Ambiente do mundo inteiro que
começou esta semana em Nova Iorque.
Há
uma ênfase especial em relação ao México,
um dos países mais atingidos, pois está perdendo suas
áreas de floresta a um ritmo duas vezes maior do que havia sido
pensado: mais de um milhão de hectares estão sendo sacrificados
a cada ano. O presidente Vicente Fox anunciou novas iniciativas para
resolver o problema, como a expulsão dos colonos ilegais das
áreas protegidas.
Contudo,
os ecologistas sublinham que os colonos são apenas um bode expiatório
e que o governo está ignorando o verdadeiro problema: o corte
ilegal. De acordo com os informes recentemente divulgados pelo governo
mexicano, o ritmo de desmatamento do México é o mais rápido
do mundo, e vem só depois do Brasil.
E
não há desmatamento pior que o do estado de Chiapas. Na
região sudeste de Chiapas está a Selva Lacandona, um milhão
de hectares que até pouco tempo atrás constituíam
uma floresta tropical intocada. Trata-se de um dos lugares de maior
diversidade biológica do mundo, com uma grande quantidade de
aves raras, mamíferos e centenas de espécies de árvores.
Do alto, é fácil ver o prejuízo causado pelo desmatamento
e pela ocupação dos agricultores, os milharais formam
manchas em meio ao imenso bosque tropical. “Os colonos não
têm direito a terra. Esta é uma reserva”, diz Hermán
Alonzo, chefe da agência florestal do governo de Chiapas.
Suspeita
Ao
chegar no povoado San Gregório, seus moradores nos recebem com
receio. Em San Gregório vivem 50 famílias. Até
20 anos atrás, se tratava de agricultores que trabalhavam no
norte do estado, mas perderam seus empregos quando a criação
de gado passou a ser a principal atividade da região. “Aqui
o povo sofre o tempo todo ameaças de desalojamento por parte
do governo”, apontou Antonio Jiménez, que dirige uma organização
que representa os agricultores. “Eles não têm literalmente
para onde ir e não são eles que provocam a destruição
ambiental apontada pelo governo. Eles protegem o meio-ambiente. É
seu interesse fazer isso”.
E
as palavras de Jiménez são respaldadas pelos ecologistas
que trabalham na região. “Os agricultores cultivam a terra
de forma sustentável”, sublinha o botânico Miguel
Angel Garcia. “Não precisam mais derrubar os bosques porque
seus campos se mantêm produtivos”.
Cortina
de fumaça.
É
cada vez mais forte a corrente de opinião que defende que o principal
interesse do governo em desalojar os colonos é o de criar simplesmente
uma cortina de fumaça para desviar a atenção do
crescente problema que a exploração florestal ilegal representa
para o país. Ryan Zinn, membro de uma organização
de desenvolvimento que se encontra na cidade de San Cristóbal,
é um dos que estudou o problema. “Os bosques ao redor dos
povoados têm sido devastados por empresas de exploração
florestal de pequeno porte”, apontou. “Os governos municipais
outorgam licenças ilegais às empresas locais. Em muitos
casos, vemos que não são as grandes empresas madeireiras,
e sim os intermediários, que provocam o maior desmatamento”,
acrescentou Zinn.
Tarefa
gigantesca.
É
um problema que o governo federal reconhece. “Estamos trabalhando
para acabar com a corrupção”, disse Hermán
Alonzo. “A corrupção tem sido um dos problemas endêmicos
entre os funcionários, em função dos baixos salários
dos fiscais e dos grandes lucros. Estamos nomeando novas equipes de
fiscais para controlar a madeira que sai do estado”, acrescentou.
Contudo, esta é uma tarefa gigantesca. O órgão
tem apenas cem fiscais que devem cobrir uma área de cerca de
150 mil quilômetros quadrados. Inclusive, se existe a vontade
de proteger o meio-ambiente nesta região do México, se
faz necessário um maior financiamento para chegar a uma verdadeira
mudança.
Forças
de segurança se preparam para desalojar 35 comunidades da reserva
dos Montes Azuis. Hermann Bellinghausen. La Jornada 16/03/2002
San
Cristóbal de las Casas, Chiapas, 15 de março. A operação
desalojamento-reassentamento das comunidades situadas nos cobiçados
limites da reserva da biosfera dos Montes Azuis está praticamente
em andamento. Aproveitando o período das secas, a força
pública federal e, inclusive, o Exército estariam se preparando
para entrar na selva e tirar os moradores de, pelo menos, 35 comunidades
indígenas aí localizadas. Esta velha obsessão do
zedillismo torna-se uma questão de segurança, não
mais nacional, e sim internacional. Para o governo federal, trata-se
de um sério problema de “ingovernabilidade”.
Nas
esferas de decisão federal e estadual já se admitem os
passos a serem seguidos para esta manobra. O fio da meada está
no conjunto de denúncias, apresentadas em 12 de setembro passado,
por Margarito Chanka Yun Yuc, Pablo López Rodas e Fidencio Martínez,
representantes de três comunidades lacandonas (são seis
ao todo), contra os moradores de 16 comunidades. A acusação,
que até hoje segue o seu curso legal, é de “invasão,
danos à ecologia e suas conseqüências”. Em Chiapas,
são delitos graves, de alçada federal, inafiançáveis,
e a pena pode ser de até oito anos de prisão.
Um
dia depois, em 13 de setembro, foi instalada em Tuxtla Gutiérrez
a Mesa sobre Meio-Ambiente, presidida pelo governador Pablo Salazar
Mendiguchía com a participação das instâncias
estaduais e federais. Enquanto se iniciavam as averiguações
prévias contra os 16 povoados, dita Mesa acordou começar
a agir em algumas comunidades dos Montes Azuis. (Há uma semana,
no dia 7 de março, o delegado da Procuradoria Federal de Proteção
ao Meio-Ambiente – PROFEPA – membro da Mesa declarou que
esta já havia adiantado em “90 por cento” os seus
trabalhos que envolvem o “reassentamento” das comunidades).
Desde
então, ocorreram reuniões de vários fóruns
de decisão nacional e internacional. As comunidades zapatistas
e da ARIC Independente, que desde setembro passado são ameaçadas
pelo desalojamento, vêm denunciando incursões do Exército,
sobrevôos em baixa altitude e sinais de desalojamento iminente.
Conforme
declarou quatro meses atrás o titular da PROFEPA, Ignácio
Campillo Garcia, o governo federal “mapeou nove pontos de alta
ingovernabilidade”. Destes, dois são prioritários:
Montes Azuis e El Vizcaíno (reserva das baleias no mar da Califórnia).
Estes pontos foram escolhidos “como as regiões de maior
prioridade para instaurar a ordem e o estado de direito”, especificou
o funcionário (El Universal, 25 de dezembro de 2001) que, por
sua vez, aceitava a provável participação do Exército
Federal “na medida em que fosse necessária. Vamos pedir
que nos apóiem nas operações e, em seguida, nos
trabalhos de operacionalização e vigilância”.
A
“alta ingovernabilidade” destas regiões já
havia sido apontada em novembro pelo então conselheiro nacional
de Segurança e hoje representante do México no Conselho
de Segurança da ONU, Adolfo Aguilar Zinser.
No
caso de Chiapas, a Mesa sobre Meio-Ambiente, encarregada de “azeitar”
a governabilidade, é integrada pela SEMARNAT, PROFEPA e CONAFOR,
como instâncias federais; e, por parte do governo chiapaneco,
pelos secretários de Governo, de Desenvolvimento Agrário
e Povos Indígenas, bem como pelo Instituto de História
Natural e Ecologia, pela SEDESO estadual e pela Procuradoria de Justiça.
O
Plano Puebla-Panamá
Nos
círculos governamentais, muitas coisas se dão por certas
na medida em que existe a determinação de que o Plano
Puebla-Panamá venha a ser implementado, aconteça o que
acontecer. De imediato, já está traçado aquele
que será o caminho das maquiladoras entre Benemérito de
las Américas e Palenque, ao longo de todo o perímetro
norte da selva Lacandona. Nos próximos meses colocarão
pra funcionar diversas indústrias e está tudo pronto para
transformar em rodovia de quatro pistas a nova estrada de fronteira
que passa a poucos quilômetros dos Montes Azuis.
Avançam
também os projetos de uma represa monumental na depressão
da Boca Del Cerro, que dependerá das águas do rio Usumacinta
e das terras das florestas, inclusive dos povoados, propriedade de milhares
de indígenas. Um ambicioso projeto hidroelétrico transnacional,
em território mexicano e guatemalteco, carregado de promessas
de investimento.
É
exatamente aos investidores que, no Natal passado, se referia o titular
da PROFEPA, ao dizer que o governo federal deve oferecer-lhes “uma
infra-estrutura forte e bem azeitada”. Campillo Garcia declarava
tranqüilamente que isso acontecerá “na medida em que
possamos oferecer um marco jurídico adequado de inspeção
e vigilância”, para que os investidores nacionais e estrangeiros
estejam “dispostos a colocar mais recursos”, e mencionava
como primeiro exemplo os Montes Azuis. De acordo com observadores independentes,
as autoridades “querem tirar os povos da selva”.
De
acordo com várias denúncias, há 49 comunidades
em perigo. De imediato, para 16 delas já está em curso
a contagem regressiva das averiguações prévias:
Primero de Enero, Nuevo Caracol, Nuevo Chamizal, San Antonio Miramar,
Nuevo Aguadulce, Rancheria Corozal, San Francisco, San Gregório,
Nuevo Guadalupe Tepeyac, Nuevo Israel, El Semental, Salvador Allende,
Santa Cruz, Primera e Segunda Ampliación San Antonio Miramar,
Sol Paraíso e Arroyo Crsitalina.
Zapatistas
sofrem pela escalada de violência dos paramilitares.
Hermann Bellinghausen. La Jornada 21/03/2002.
San
Cristóbal de las Casas, Chiapas, 20 de março. Bases de
apoio zapatistas da zona norte denunciaram hoje uma nova escalada de
violência paramilitar dos membros de Paz e Justiça. Em
varias comunidades do município de Tila, civis armados têm
sido vistos realizando treinamentos de combate. Por sua vez, o povoado
Nueva Revolución denuncia a perseguição policial,
autorizada pelo juiz municipal, que acaba de expedir ordens de prisão
contra sete simpatizantes do EZLN de várias comunidades, sob
a falsa acusação de serem paramilitares. Ao mesmo tempo,
os paramilitares de Cruzero ameaçam atacar Nueva Revolución
a qualquer momento.
Estas
denúncias batem com as de novos patrulhamentos do Exército
Federal e da polícia judiciária nas regiões altas
e baixas de Tila e Sabanilla, especialmente em Jolnixtié.
Civis
armados, às vezes encapuzados, atuam em várias comunidades
de Tila e Sabanilla: Monterrey Segunda Sección, Willis Segunda
Sección, Anexo Pasijá de Morelos, Colônia Ocotal
e Nueva Esperanza. As bases de apoio do EZLN acusam o governo municipal
de Tila de dar respaldo a estes grupos.
Os
moradores de Nueva Revolución, do mesmo modo que, dias atrás,
os de Nuevo Limar (também em Tila), atribuem esta nova beligerância
paramilitar às represálias da organização
Paz e Justiça pela prisão de seu dirigente Diego Vázquez
Pérez, um mês atrás. O assassinato realizado pelos
paramilitares do jovem de 17 anos Raúl Hernández López,
entre Joleko e Miguel Alemán, em 22 de fevereiro, é parte
desta onda de vingança e intimidação. Em janeiro,
como se lembrará, o governo estadual conseguiu a assinatura de
um acordo de reconciliação entre várias organizações
antagônicas da zona norte. Apesar disso, Paz e Justiça
não participou das negociações e nem assinou o
acordo.
Indígenas
temem o desalojamento nos Montes Azuis.
Hermann Bellinghausen. La Jornada 27/03/2002.
Município
Autônomo Ricardo Flores Magón, Chiapas, 26 de março.
“Não é hora de perder o nosso caminho. Continuaremos
aqui, fortes e sem ajoelharmos”, diz, numa entrevista, o membro
do conselho municipal designado para falar em nome das autoridades autônomas.
É um jovem. Três homens mais velhos o acompanham. Todos
usam passamontanhas. Relata os temores de desalojamento das comunidades
no interior dos Montes Azuis ao longo dos próximos dias. “As
comunidades estão inteiradas e à espera do que o governo
tente fazer – acrescenta. Não há mais para onde
ir e vamos ficar aqui pelo que der e vier”.
Nas
imediações de um povoado tzeltal nas montanhas, sentados
sobre um tronco, os membros do conselho autônomo garantem que
os paramilitares de Palestina “estão prontos para ajudar
os soldados no desalojamento de nossas comunidades. Disseram que não
vão mais esperar pelas ordens; se lhes disserem vamos, eles vão”.
(Cabe lembrar que a comunidade de Palestina, na selva, foi uma das preferidas
do ex-governador Albores; faltou pouco para que fizesse dela mais um
de seus “municípios” contra-insurgentes).
“A
principal pressão que sofremos é a de toda a contra-insurreição
contra as bases de apoio zapatistas”, garante o porta-voz da autoridade
autônoma. “O ambiente está muito mudado. Ainda que
ocultem isso ou o desmintam, os rumores continuam. As ameaças
estão alinhadas com o problema dos Montes Azuis, da Selva Lacandona
e das áreas de amortecimento. O governo diz à opinião
pública que está melhorando nossas condições.
Que há um acordo com as comunidades e as organizações.
O que dizem é falso”.
“Camponeses
de San Antonio Escobar estiveram cortando cedro e caoba”.
Parece
que podem se aproveitar deste momento de seca, quando se prepara a semeadura,
avisam as autoridades em rebeldia. “Já instruímos
nossos povos, para que previnam os incêndios, como sempre fazem,
para que não deixem escapar as chamas de seus trabalhos”.
Em seguida, diz que camponeses priistas de San Antonio Escobar estiveram
cortando cedro e caoba na reserva. As autoridades desta comunidade e
as de Santa Rita, que não são zapatistas, reconheceram
que estes camponeses agem contra a lei e contra os acordos comunitários.
“Mas
estes infratores têm uma serraria, e dizem que é com a
permissão do governo. A cada semana tiram da reserva caminhões
de três toneladas carregados de móveis. Imaginem quanta
madeira gastam – aponta o conselheiro autônomo. O ruim é
que querem usar estes crimes dos outros contra nós”.
“Como
os Acordos de San Andrés não são reconhecidos,
o governo considera ilegais as nossas estruturas e soluções.
É assim que planejam suas artimanhas para pressionar os indígenas.
Mas temos nossas próprias decisões e acordos. Para as
crianças e os adultos é muito importante ter esta terra.
Isso nos motiva a criar nossa rede de resistência e esperança
de solução”.
Reitera
denúncias anteriores de sobrevôos de aviões e helicópteros
sobre a área norte do município autônomo, em Arroyo
Granizo e outras comunidades do vale de Santo Domingo, bem como os patrulhamentos,
enquanto continuam se intensificando as manobras dos militares no vale
de Taniperla, ao sul de Flores Magón. Dessa forma a região
fica presa numa “pinça”. “E agora há
o pretexto de que os lacandones, para defender recursos naturais que
eles sequer conhecem, denunciam que os estamos destruindo”.
De
acordo com suas autoridades, o município rebelde reúne
110 comunidades em resistência. Vão desde o interior da
reserva da biosfera, incluídas as lagoas e a chamada “Zona
Lacandona” (propriedade virtual das famílias lacandonas
de Metzabok, assentadas a 100 quilômetros do latifúndio
dado como presente do governo federal nos Montes Azuis), alcançam
toda a área de amortecimento até San Jerônimo Tulijá,
e pelo sul as duas margens do rio Perla, até as faldas da serra
Cruz de Plata. “Estamos circundados por posições
militares bem estratégicas. Com base nisso, fizemos este documento
que vamos entregar aos meios de comunicação” conclui
o porta-voz. Sela duas cópias do documento mencionado que, em
seguida, é assinado pelo conselho autônomo: “A situação
é grave. Queremos que esta informação saia da melhor
forma possível”.
“Vamos
defender nossas comunidades”.
“Uma
sombra de morte se levanta no coração de nossa terra,
de nossa mãe, de nossa selva. Uma névoa de soldados, paramilitares,
planos e projetos chega de novo para ameaçar-nos, para roubar-nos
o sonho e desalojar nossas comunidades indígenas. Mas há
também a dignidade de um povo que caminha apesar das tormentas,
fala com verdade e com força, que nunca mais irá calar,
e denuncia as artimanhas do governo para fazer a sua guerra de extermínio
contra as comunidades em resistência, agora com o pretexto das
áreas de preservação. Hoje, a voz deste povo repete
que nós, comunidades indígenas de Ricardo Flores Magón
não vamos permitir nem o desalojamento e nem o reassentamento
de nossas comunidades. Vamos defender nossas terras e nossas comunidades
com tudo o que estiver em nossas mãos, em nossa verdade, direitos
e razões”.
Em
seu novo documento, as autoridades autônomas consideram que “o
projeto para exterminar da selva as nossas comunidades é parte
estratégica do Plano Puebla-Panamá”. De conseqüência,
apontam que o PPP “é, por sua vez, um plano de contra-insurreição,
porque os interesses neoliberais são atravancados por nossas
diferentes culturas que entendem a terra como mãe, como bem comum
que não pode ser usado em benefício de alguns. Devido
às grandes, únicas e especiais riquezas naturais que aqui
se reúnem, mas também devido à luta, dignidade
e resistência das comunidades indígenas e do EZLN contra
o neoliberalismo e a injustiça, a selva Lacandona torna-se um
território estratégico para os interesses das empresas
multinacionais, dos governos, do Exército federal e da guerra
de contra-insurreição que garante a tranqüilidade
dos interesses políticos e econômicos”.
Por
isso, já foram elaborados vários programas “que
eles tentam impor aos povos e apresentam como elaborados por eles”:
Programa Nacional de Atendimento a 250 Micro-Regiões, Programa
para o Desenvolvimento Sustentado da Selva e Programa Integral para
o Desenvolvimento Sustentado da Selva. Outro programa, que não
divulgam, elaborado com as empresas interessadas, coloca o desalojamento
através da força militar daquelas comunidades que se negam
a negociar e a abandonar as terras. Para isso, vão utilizar os
recursos legais que são oferecidos pelas leis das áreas
de preservação que, contudo, violam a Convenção
169 da OIT e os Acordos de San Andrés.
“Estão
preparando a guerra”.
De
acordo com o conselho autônomo, com o propósito de “não
permitir o desenvolvimento das comunidades, se planejam os chamados
Centros Estratégicos de Desenvolvimento (CED) para concentrar
as ajudas e obrigar os camponeses a sair de suas comunidades por falta
de oportunidades”. Nestes centros, terão que procurar trabalho
nas maquiladoras e no turismo. A idéia é a de que deixem
de ser camponeses e indígenas “e que parem de ensinar estas
coisas a seus filhos. Assim, pouco a pouco, o amor pela terra irá
sendo esquecido, e se esquecerão da resistência e da luta.
Contudo, para conseguir isso, precisam dividir e para dividir há
a contra-insurreição, as artimanhas de sempre, as ameaças,
a pressão política, econômica e, a pior de todas,
a pobreza extrema”.
Dizem
que na região selva foram criadas 34 micro-regiões, com
um CED em cada uma. Tentaram dividir o território de Ricardo
Flores Magón em oito micro-regiões e, sem o verdadeiro
apoio das assembléias e das comunidades, criaram os chamados
conselhos micro-regionais que serão a mentira com a qual o governo
diz que consulta e recebe propostas das comunidades, e, com isso, justifica
a entrada do PPP e as medidas de contra-insurreição.
“As
mais de 110 comunidades, povoados e sítios deste município
autônomo correm o risco de serem desalojados e reassentados por
vários meios, já que em sua totalidade se encontram dentro
da área de amortecimento, outras no interior da reserva, outras
na zona Lacandona. O perigo, que hoje pesa sobre algumas comunidades,
é um aviso para todas”.
O
documento das autoridades de Ricardo Flores Magón conclui que
“ainda que o governo diga que não faz nada, na realidade,
está fabricando a mentira legal do desalojamento e a guerra contra
nós, e, enquanto oculta suas intenções com máscaras
legais, o Exército federal tem retomado as operações,
circundando ou internando-se nas comunidades atingidas pela reserva”.
Os grupos paramilitares, acrescenta, “têm ganhado novas
forças, os sobrevôos rasantes dos helicópteros são
constantes e os comandos da PFP em Chiapas se preparam para atacar junto
ao Exército federal para tomar o controle militar de toda a reserva
da biosfera”.
O
ejido Morelia cercado por um bando de paramilitares.
Hermann Bellinghausen. La Jornada 29/03/2002.
Município
Autônomo 17 de novembro, Chiapas, 28 de março. “O
plano de contra-insurreição e a política dos governos
destruíram nossa comunidade; a divisão e os prejuízos
já estão feitos”, declaram, num tom inusitado, as
autoridades autônomas. O ejido Morelia, sede do Aguascalientes
IV, está prestes a ficar sob o controle de um bando paramilitar
que no último dia 16 iniciou uma ofensiva dentro da comunidade
com ostentação de armas e equipamentos de comunicação
de rádio, que deixou vários feridos entre as bases de
apoio zapatistas.
“Chegaram
roubando e agredindo com pedras no interior de algumas casas dos nossos
companheiros. O mais grave é a dedicação que colocavam
à semeadura e ao consumo da maconha”, acrescentam as autoridades
zapatistas. “O bando é armado e equipado pela base militar
e de Segurança Pública de Altamirano”.
De
fato, o ejido Morelia não é mais o mesmo. A convivência,
como denunciaram dias atrás as bases de apoio do Exército
Zapatista de Libertação Nacional (EZLN), deixou de ser
pacífica depois de oito anos. A ameaça de destruir o Aguascalientes
aumentou. Os paramilitares priistas alardearam que fariam isso com o
apoio do Exército mexicano.
“Usam
o sino da igreja para se reunir e planejar seus atos paramilitares,
violando assim o acordo da comunidade e demonstrando a falta de respeito
aos pactos e ao valor que o sino tem para nós. Temos visto eles
armados, com câmaras e rádio de comunicação.
Gravam tudo, tiram fotos e nos mantêm sob vigilância, comunicando-se
com seus instrutores”, dizem.
Diante
da decisão dos autônomos de defenderem suas terras e seus
direitos, a resposta tem vindo com novas agressões. “Nos
ofereceram o enfrentamento e até de fazer aqui um grande Acteal.
Nos fizeram chegar estes oferecimentos (ameaças) dos paramilitares
depois que falaram com seus chefes militares e com os funcionários
da prefeitura de Altamirano”, relatam.
Os
autônomos lamentam: “os priistas nunca respeitaram nosso
plano para a reserva ecológica. Se apropriaram das terras recuperadas
a seu bel prazer, sem a permissão do município autônomo,
da nossa comissão da terra e território, sem dar valor
e nem respeitar a nossa resistência, o sangue e as vidas que nos
custaram o que temos conseguido”.
O
conselho autônomo de 17 de novembro anuncia que tomou a decisão
de proteger a terra contra o corte das madeiras, o cultivo da maconha
e as pessoas que se deixam converter em paramilitares, “caminho
que nos leva à prostituição, ao alcoolismo, ao
consumo da maconha, à violência, à perda do respeito
e à perdição”. E denuncia: “Por trás
de tudo isso está a política dos governos”.
Em
relação aos atritos a partir de 16 de março entre
as bases de apoio do EZLN e os priistas, que chegaram à violência,
o conselho em rebeldia refere: “o sal para as nossas vacas foi
misturado com areia, arrebentaram as canoas (lugar onde se coloca o
sal dos animais), destruíram as cercas, fizeram fugir nossos
animais e uma vaca teve uma perna quebrada. A idéia de jogar
pedras foi deles, e como não tomaram cuidado e nem tiveram boa
pontaria, eles mesmos se feriram; por falta de coragem, agiram enquanto
estavam bêbados e drogados”.
Depois
de sair da cabeceira municipal de Altamirano, no dia 17, os priistas
voltaram à Morelia com a Segurança Pública, “mas
sua marcha foi parada pelas mulheres do município autônomo;
os paramilitares, que voltaram a responder com pedras, feriram uma das
companheiras”. As ameaças continuam. Bases de apoio zapatistas
têm sido agredidas e ameaçadas com armas de fogo.
Diante
desta situação, as autoridades autônomas declaram:
“queremos que o sino volte a tocar somente para chamar o povo
para as questões religiosas, não o queremos para o uso
dos paramilitares. Responderemos com inteligência às ameaças
de um Acteal que os paramilitares nos fazem. Defenderemos nossa terra
da devastação do corte das árvores, do cultivo
da maconha. Que os paramilitares se mandem para viver de vez no quartel
militar. Responsabilizamos a política econômica aplicada
pelo governo e o plano de contra-insurreição dos militares
e da Segurança Pública por tudo o que pode acontecer”.
A
ofensiva do grupo armado.
Por
sua vez, a Rede de Defensores Comunitários pelos Direitos Humanos
divulgou que, de acordo com a população em resistência
do ejido Morelia, há tempo “o grupo que milita no PRI começou
a explorar as terras recuperadas, tirando as árvores e aproveitando
o terreno de forma abusiva. Os priistas usam os projetos produtivos
do governo federal e estadual sem consultar o resto da comunidade, que
é contrária a estes projetos por eles causarem o endividamento
e a conseqüente perda, através da privatização,
das terras que foram recuperadas para serem trabalhadas coletivamente
em benefício de toda a comunidade e não de um único
grupo”.
Como
em outros municípios autônomos da região de Ocosingo-Altamirano,
no ano passado, aqui também surgiram conflitos pelo uso das terras
recuperadas. Uma autêntica ofensiva. A situação
assumiu tons violentos a partir do sábado 16, quando os camponeses
zapatistas tentaram levar o seu gado ao potreiro e foram bloqueados
por um grupo de 50 pessoas.
Diante
das seguidas provocações dos priistas, no dia 19 de março,
os zapatistas decidiram mobilizar-se rumo às terras recuperadas
para tirar o seu gado, e partiram de madrugada rumo ao sitio Buenavista.
Encontraram aí uns 15 priistas, alguns deles reconhecidos como
paramilitares, que impediram sua passagem. (Na verdade, em Buenavista
está planejada a construção de uma usina hidroelétrica
cujo lago destruirá as comunidades e as terras da região
expulsando seus habitantes). O gado foi resgatado pelos zapatistas num
clima de tensão. “Dois observadores internacionais pelos
Direitos Humanos foram insultados e ameaçados de morte”,
acrescenta a Rede. Enquanto isso, a situação no centro
da comunidade também ficava tensa, pois Estanislao Luna Sántiz,
identificado como paramilitar, começou a tirar fotos e a ameaçar
todas as mulheres zapatistas.
Mais
tarde, “esta pessoa, com Felipe Luna Sántiz, Agustín
Santíz Luna, Augusto Santíz Méndez, Antonio López
Pérez e Mariano Sántiz Vázquez, vestidos com um
uniforme azul, se dirigiram ao cemitério da comunidade onde realizaram
exercícios e treinamentos militares ao mesmo tempo em que as
mulheres priistas ameaçavam com a chegada do Exército”.
No
dia 20, bem cedo, umas 300 pessoas, bases de apoio zapatistas, marcharam
até o centro da comunidade denunciando a presença dos
paramilitares e revelando seus nomes, O grupo priista respondeu com
a violência. “A luta foi crescendo e, apesar das tentativas
de alguns zapatistas de apaziguar os ânimos, esta continuou por
quase uma hora”, documenta a Rede. Uma mulher adulta foi atingida
no rosto por uma pedra. Houve vários feridos. Às nove
da manhã um veículo da Segurança Pública
chegou até a entrada da comunidade em apoio aos priistas, mas
as mulheres exigiram que a polícia se retirasse.
Na
tarde da quinta-feira 21, Lorenzo López Luna, reconhecido como
paramilitar, em estado de embriaguez, perseguiu e tentou fotografar
uma mulher nas imediações do Aguascalientes. Mais tarde,
o mesmo sujeito entrou na horta de uma família zapatista, insultando-a.
As crianças correram para pedir ajuda, pois a mãe estava
cuidando de um bebê e o pai não estava.
O
testemunho da comunidade de Morelia inclui uma relação
dos paramilitares: Felipe Luna Sántiz, Sebastián Sántiz
Garcia, Jesus Sántiz Vázquez (funcionário público
de Altamirano), Manuel Pérez López, Humberto Sántiz
Luna (militar), Rafael López Luna (militar), Lorenzo López
Luna, Mariano Sántiz Vázquez, Abelardo Garcia López,
Armando Méndez Sántiz, Guadalupe Garcia López e
Estanislao Luna Sántiz.
Enquanto
isso, as agressões contra as mulheres zapatistas, suas crianças
e suas casas, continuam; os trabalhos agrícolas têm sido
dificultados e o risco de violência permanece latente.
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