"No México existem dois
projetos de Nação... O primeiro, o do Poder... O outro
projeto... o do movimento"
Mesmo debaixo da feroz agressão
do Governo Mexicano e indiretamente dos Estados Unidos, a luta do
Exército Zapatista prossegue com notável força
moral e espiritual, obtendo apoio não apenas na comunidade
mexicana, mas principalmente de todo mundo. Tanto que há quem
considere que se existe hoje uma fagulha de esperança para
os pobres e marginalizados, não apenas de Chiapas, mas também
de todo o mundo, essa fagulha brilhou em 31 de dezembro de 1996, na
insurreição Zapatista.
Pela Frente Zapatista de Libertação
Nacional Desde o Rio Bravo ao Norte e o Suchiate ao Sudeste, em meio
aos dois oceanos, na cidade e no campo, recuperando o passado para
lutar no presente por um futuro melhor, falando com os que nada falam
e escutando aos que nada escutam, levantando a rebeldia como bandeira,
vivendo a dignidade como projeto de vida, e
Primeiro.—
Que no México existem dois projetos de Nação
que lutam entre si para definir o futuro de nosso país:
O primeiro, o do Poder, é o
da imobilidade. Implica na destruição da Nação
mexicana, nega nossa história e raízes, vende nossa
soberania, faz da traição e do crime os fundamentos
da moderna política, e da simulação e da mentira,
trampolins de êxito político, impõe um programa
econômico que só consegue prosperar na desestabilização
e na insegurança de todos os cidadãos e cidadãs,
e utiliza a repressão e a intolerância como argumentos
de governo.
O outro projeto, o dos mexicanos e
mexicanas do povo com ou sem organização, é o
do movimento. Implica na reconstrução da Nação
mexicana da única forma possível, a saber, de baixo
para cima; recuperar a história e a raiz de nosso povo; defender
a soberania; lutar por uma transição à democracia
que não simule uma mudança mas que seja um projeto de
reconstrução do país; lutar por um país
que tenha a verdade e o mandar obedecendo como norma do que fazer
político; lutar para que a democracia, a liberdade e a justiça
sejam patrimônio nacional, lutar para que o diálogo,
a tolerância e a inclusão construam uma nova forma de
fazer política.
Segundo.— Que
a vida política de nosso país vá além
da que nos é imposta pelo Estado Mexicano que exclui a imensa
maioria do povo; e que a luta por manter o Poder ou por tomá-lo
tem definido uma forma de fazer política que deixa grandes
cicatrizes na vida política nacional.
Terceiro.—
Que o levante Zapatista de 1994 não só evidenciou a
crise dentro do sistema de partido de Estado e o esquecimento ao que
se pretendia condenar aos indígenas mexicanos, mas que também
mostrou a necessidade e possibilidade de uma nova forma de fazer política,
sem aspirar à tomada do Poder e sem posições
vanguardistas, ademais que reconheceu e estabeleceu pontes com um
movimento civil e pacífico, não partidário e
heterogêneo, emergente: a sociedade civil.
Quarto.— Que
a sociedade civil, organizada ou espontaneamente tem ocupado os grandes
vazios que deixam os partidos políticos e, nos últimos
anos de forma mais importantes, tem conseguido as vitórias
políticas mais significativas do México moderno, que
se converteu, com o acompanhamento de algumas forças políticas,
na principal impulsora da transição à democracia
e na construtora essencial de uma nova sociedade plural, tolerante,
incluente, democrática, justa e livre, que só é
possível hoje em uma Pátria nova.
Quinto.— Que
a transição real à democracia é a única
esperança de que os cidadãos e cidadãs, todos
e todas, recuperem seu direito de fazer valer o artigo 39 da Carta
Magna, onde está escrito que: A soberania reside essencial
e originariamente no povo. Todo poder público emana do povo
e se institui para benefício deste. O povo tem todo o tempo
o inalienável direito de alterar ou modificar a forma de seu
governo, e que este direito é a base para a construção
de um novo país.
Sexto.— Que
a construção do projeto de uma Nova Pátria é
um processo cuja condução não corresponde uma
força hegemônica ou a um indivíduo, mas a um amplo
movimento nacional, popular e democrático.
Sétimo.—
Que é necessária uma força política que
não lute pela tomada de Poder nem com os velhos métodos
de fazer política, mas que lute por criar, somar, promover
e fortalecer os movimentos de cidadania e populares, sem tratar de
absorvê-los, dirigi-los ou utilizá-los; uma força
política cuja luta não é eleitoral mas que reconhece
que o terreno eleitoral se tem convertido em um espaço de ação
de cidadania válida e necessária, e que é indispensável
a luta por ampliá-la e democratizá-la; uma força
política que some sua luta com a de outras forças para
lograr a transformação democrática real; uma
força política que com sua prática contribua
para a construção de uma nova forma de fazer política;
uma força política que lute para que o que fazer político
seja um espaço de cidadania, que não use aos cidadãos
e cidadãs, mas que seja veículo e pretexto para o movimento
social e político; uma força política que não
olhe de cima em seu caminho e aspirações, mas que se
dirija aos lados em suas palavras, ouvidos e esforços; uma
força política que sempre levante a bandeira da dignidade
rebelde onde quer que se encontre.
É necessário pensar
em novas formas de relação entre a organização
política e o conjunto da sociedade. Novas formas de relação
onde a ética e a política não sejam inimigas.
É necessário que no
movimento e organização política não só
não se contraponham, mas que a una um a serviço do outro.
É necessário o diálogo
com e entre os espaços de participação e os movimentos,
a capacidade de convocar uns aos outros, de promover ações
conjuntas, e de somar e somar-se a suas iniciativas.
É necessário um espaço
de participação que, perante os movimentos e com eles,
possa organizar a demanda e a satisfação dos direitos
populares, possa organizar a resistência e o desenvolvimento
de formas sociais de autogestão, possa reconhecer a aparição
de novos atores sociais e acompanhar suas mobilizações,
possa organizar e promover a vigilância dos cidadãos
sobre os governantes, e possa criar novos espaços de mobilização.
É necessário que o espaço
de participação política tenha movimento interior
para não congelar as idéias como verdades inamovíveis,
mas que os pensamentos estejam em uma contínua confrontação
com a realidade, e que o espaço de participação
gere um pensamento crítico desde o Poder até a si mesmo.
É necessário que o espaço
de participação tenha lugar para a voz de todas e todos
os que nele se encontram.
É necessário que o espaço
de participação faça da construção
coletiva seu interesse principal.
Por tudo isso, por tratar de ocupar
um espaço vazio e não para competir com outros, por
tratar de aportar algo novo e não para disputar o monopólio
do velho, para tratar de somar e não de dividir, para tratar
de construir e não de destruir, para tratar de convencer e
não de vencer, para tratar de acompanhar e não de dirigir,
para tratar de incluir e não de excluir, para tratar de representar
e não de suplantar, para tratar de propor e não de impor,
para tratar de servir e não de servir-se, é que um grupo
de mexicanos e mexicanas, respondendo à convocatória
feita pelo EZLN em sua IV Declaração da Selva Lacandona,
nos propomos construir a Frente Zapatista de Libertação
Nacional segundo a seguinte...
DECLARAÇÃO
DE PRINCÍPIOS.
A Frente Zapatista
de Libertação Nacional adota os seguintes princípios
que definem sua identidade social e política:
1.— A Frente Zapatista de Libertação
Nacional é uma organização política mexicana,
presente em todo o território nacional, que recorre a formas
de luta civis e pacíficas para fazer realidade em nosso país
uma sociedade livre, justa, democrática e participativa, aberta
a todas as correntes de pensamento, plural em sua composição
cultural e étnica, incluindo respeito a todo tipo de minorias
e justa em sua ordem econômica e social. Para isso a FZLN se
sustenta em raízes étnicas, culturais e históricas
que formam a nação mexicana para fortalecer nossa identidade
como povos e enriquecer nosso caráter pluricultural, e recolhe
a tradição de luta que tem desenvolvido nosso povo,
ao longo de mais de 500 anos, por libertar-se dos diferentes tipos
de dominação que tem padecido. A FZLN reivindica a luta
pela dignidade que tem sustentado nosso povo ao longo de sua história
e busca com sua ação, tanto interna quanto externamente,
ser congruente consigo mesma.
2.— A Frente Zapatista de Libertação
Nacional se declara independente ideológica, política
e economicamente dos partidos políticos, das igrejas, do Estado
Mexicano e de qualquer outro Estado no mundo.
3.— A Frente Zapatista de Libertação
Nacional com o caráter incluente que possui, porque sabe que
seu objetivo não pode ser obra de uma só força
sem o labor coletivo, reconhece que é necessário promover
e participar em um amplo movimento nacional de onde confluam outras
forças políticas de oposição independentes
e cuja tarefa é a transformação do México
em um país com democracia, liberdade e justiça para
todos. É por isso que a busca da unidade, mediante o diálogo
e ações conjuntas, entre todas as forças que
lutam por este novo México, assim como a busca pela integração
das diversas formas de luta pacíficas e civis, será
uma atitude permanente dentro das atividades que realiza a FZLN.
4. — A Frente Zapatista de Libertação
Nacional não aspira à tomada do Poder. Sua razão
de ser é a construção de estruturas organizativas
no seio do povo para que este possa tomar coletivamente as decisões
políticas que respondam a seus interesses e exerça sua
soberania sobre o desenvolvimento econômico, político
e social. A FZLN lutará sempre contra toda forma de exploração,
discriminação e opressão econômica, social,
ideológica e cultural, para construir uma sociedade em que
todos os mexicanos vivamos em condições justas e dignas.
5. — A Frente Zapatista de Libertação
Nacional assume como princípio fundamental o de "mandar
obedecendo", que se opõe à relação
mando/obediência que vem desde o Poder e que busca permear toda
sociedade. A FZLN propõe a toda a nação adotar
este princípio como base de todas as relações
sociais e políticas no México, buscando sempre que nas
relações sociais pese mais a busca do interesse coletivo
sobre os interesse pessoais. De tal forma que, como complemento a
este princípio, em todas as atividades organizativas que requeiram
um trabalho de coordenação, os membros da FZLN funcionarão
sobre a lógica do coordenar respeitando.
6. — A Frente Zapatista de Libertação
Nacional assume o princípio de "para todos tudo, nada
para nós", por seu profundo conteúdo comunitário
e porque reflete a decisão de seus militantes de não
buscar o benefício individual, sectário ou partidarista
no desenvolvimento da luta, mas de lutar pelo bem estar coletivo.
7. — A Frente Zapatista de Libertação
Nacional sabe que sua luta é parte do novo movimento internacional
que se opõe ao neoliberalismo e se propõe contribuir
nesta grande batalha, desde seu país, para a vitória
de todos os povos do planeta em favor da humanidade e contra o neoliberalismo,
a construção de um mundo onde caibam muitos mundos.
PROGRAMA DE LUTA DA FZLN
CONSIDERANDO QUE...
O programa da FZLN deve refletir que
somos uma força política que não busca a tomada
do poder, que não pretende ser a vanguarda de uma classe específica,
ou da sociedade em seu conjunto.
O programa de uma força política
de novo tipo deve recolher o conjunto de demandas dos diversos atores
sociais e de cidadania, os direitos individuais e comunitários;
não a partir de uma perspectiva acadêmica, mas a partir
da participação ativa e consciente dentro do movimento
social em luta, tratando que a sociedade, a começar pelo cidadão,
se aproprie da política.
O programa de luta deve considerar
que a soberania popular se cria com a força autônoma
do povo com respeito ao Estado, com programas próprios decididos
pela maioria, com projetos de desenvolvimento legitimados não
pela institucionalidade, mas pela participação e auto
criação popular.
O programa se vai construindo ao lado
da democracia participativa, desde a auto-organização
do povo, garantindo seu protagonismo com o desenvolvimento da iniciativa
e a criatividade popular. Buscamos que nosso programa seja uma ferramenta
útil, mas flexível, que permita mirarmos no espelho
da sociedade.
agrupar em seis eixos programáticos
as 13 demandas fundamentais do EZLN: Trabalho, Teto, Terra, Alimentação,
Saúde, Educação, Independência, Democracia,
Justiça, Liberdade, Cultura, Direito à Informação
e Paz, junto com as outras três que se agregaram durante a Consulta
aos Cidadãos de agosto de 1995: Segurança, Combate à
Corrupção e Defesa do Meio Ambiente; e o conjunto de
propostas elaboradas durante o Congresso de Fundação
da FZLN.
DEMOCRACIA, JUSTIÇA, LIBERDADE,
INDEPENDÊNCIA, NOVA CONSTITUINTE E NOVA CONSTITUIÇÃO,
A CONSTRUÇÃO DE UMA FORÇA POLÍTICA DE
NOVO TIPO DEMOCRACIA
No eixo da DEMOCRACIA defendemos tudo
que tem a ver com romper a relação mando/obediência
que o Estado e os grupos hegemônicos impõem à
sociedade, o mesmo que a necessária construção
de novas relações no próprio seio da sociedade.
Aqui retomaríamos o autêntico federalismo, o estabelecimento
de órgãos onde o povo exerça sua soberania (democracia
direta), a luta por um Estado de Direito, uma verdadeira reforma política,
onde sejam garantidos os instrumentos de controle pelos cidadãos
como o referendum, a revogação de mandato, a prestação
de contas, uma autêntica cidadanização de todos
os órgãos eleitorais, a desmilitarização
do país, a luta por democratizar os meios de comunicação.
Lutamos para que o conceito democracia
se entenda mais além do estritamente eleitoral; a democracia
deve organizar a participação de todos os setores e
permitir que a sociedade civil retome os espaços que lhe correspondem
na criação de uma nova sociedade e um novo estado, assim
como na regulação das relações entre ambos.
Neste eixo, também atribui
grande importância à luta por uma autêntica e profunda
Reforma do Estado, entendida como uma nova relação entre
as diversas partes da Nação, como uma reformulação
do papel dos diversos atores sociais em sua relação
com o Estado, começando por pagar a dívida histórica
que a Pátria tem com os povos índios. Uma autêntica
Reforma do Estado tem que ser conseqüente com o caráter
pluriétnico do México e reconhecer as comunidades indígenas
como origem e parte essencial da Nação, aceitando seu
direito à autonomia, tal e como foi formulado nos acordos de
San Andrés Sacamch'en de los Pobres. Uma Reforma que ponha
fim ao sistema de Partido de Estado e tudo o que isto implica a nível
social, político, ideológico e cultural. Que seja realidade
o Município Livre. Que garanta o direito à informação,
à ampliação dos direitos dos cidadãos,
em especial os direitos humanos. Que ponha fim à discriminação
de gênero e de orientação ou preferência
sexual. E que incorpore tudo que seja necessário para obter
a reconstrução democrática do México.
Buscamos uma reforma permanente e
cotidiana de tal forma que a democracia se exerça em todos
os níveis da vida econômica, política, ideológica
e social até a transformação profunda das relações
humanas, na família, entre pais e filhos, entre companheiros
e companheiras, entre cidadãos e cidadãs e para quem
é diferente, que ponham fim a todo tipo de discriminação,
de gênero, de força, de opção sexual e
de toda diferença que ponha o povo em desvantagem frente a
quem tem o poder.
JUSTIÇA
No eixo da JUSTIÇA, defendemos
tudo o que tem que ver com o objetivo de obter uma vida digna; Aqui
agrupamos: Trabalho, Terra, Teto, Alimentação, Saúde,
Educação, Justiça, Cultura, Segurança,
Contra a Corrupção, Defesa do Meio Ambiente. A luta
contra a impunidade, a luta contra a concentração de
riqueza; contra o neoliberalismo; pelo estabelecimento de novos critérios
e instâncias para a administração da justiça;
pelo seguro desemprego; por um salário que permita satisfazer
as necessidades fundamentais, sem discriminação por
sexo; por recuperar o espírito original do artigo 27 da Constituição,
para que os camponeses e indígenas recuperem seu direito a
ter terra e os meios para poder trabalhar essa terra e para que a
propriedade comunal seja inalienável e imprescritível;
contra a lei das AFORES; pela defesa da segurança social; pela
participação democrática nas comunidades para
a aplicação de programas de aproveitamento e distribuição
de água potável de forma eqüitativa; promover uma
educação científica, democrática e popular,
não sexista e de qualidade em todos os níveis, sem exclusão
nem exames de eliminação, que seja realmente laica,
obrigatória e gratuita, que garanta a igualdade de possibilidades
e não só de oportunidades para toda a população
e que também garanta a mulheres e homens, meninas e meninos
uma vida livre de violência e de opressão; por orientar
o programa econômico favorecendo aos setores mais despossuídos
do país, com uma proposta integral de desenvolvimento econômico
que elimine o neoliberalismo, a concentração da riqueza
e as injustas conseqüências sociais e políticas
que gera; contra a subordinação do poder judicial ao
poder executivo; contra a sociedade machista; por uma verdadeira justiça
em matéria de direitos humanos, de crianças, indígenas,
mulheres, soropositivos e todo grupo marginalizado ou minoritário;
por um uso sustentado dos recursos naturais e a distribuição
equitativa dos mesmos, que promova o aproveitamento integral da natureza
e que considere a conservação da diversidade ecológica
e muitas outras que refletem a constante mobilização
de nosso povo por mudar a terrível deterioração
social em que estão submetidos.
LIBERDADE
No eixo LIBERDADE, defendemos as demandas
que buscam romper as ataduras que nos impedem de viver livremente:
A luta por erradicar o corporativismo e o caciquismo; pela livre filiação
sindical; a liberdade de expressão e manifestação;
a defesa dos direitos humanos; a liberdade dos presos e desaparecidos
políticos; pela liberdade de preferência sexual e tantas
outras que dia a dia se expressam nas ruas e povos de nosso país.
Por criar espaços físicos, culturais, sociais e políticos
inspirados na forma das Aguascalientes Zapatista, conquistados e geridos
de maneira independente das instituições governamentais,
ou seja, autogestionados e autogovernados.
INDEPENDÊNCIA
No eixo INDEPENDÊNCIA, defendemos
as iniciativas da maioria dos mexicanos que não nos resignamos
a hipotecar nosso futuro à irracionalidade da "nova ordem
mundial": A luta pela defesa da Soberania Nacional que se expressa
particularmente na defesa de nossos recursos naturais e humanos; a
luta contra a presença de corporações policiais
ou militares de outros países no México, contra a assistência,
capacitação e aprovisionamento de armamento e equipes
militares; contra o Tratado de Livre Comércio que firmou o
governo mexicano, reformando-o sobre bases justas, em benefício
social e não só das grandes empresas, garantindo a proteção
dos recursos e a satisfação das necessidades básicas
da população, consultando a maioria para a elaboração
de todas estas modificações; pelo desenvolvimento de
uma tecnologia própria; pela autosuficiência alimentícia;
pela autodeterminação dos povos; pela solidariedade
com povos que lutam libertação nacional; e por todas
aquelas demandas que em sua sabedoria o povo mexicano levanta para
evitar a destruição de nosso tecido nacional.
NOVA CONSTITUINTE
E NOVA CONSTITUIÇÃO
No eixo NOVA CONSTITUINTE E NOVA
CONSTITUIÇÃO, queremos assinalar a importância
que tem para muitos dos pontos anteriormente assinalados a realização
de um novo Congresso Constituinte que elabore uma nova Constituição,
que retome o melhor da de 1917, deixe de lado o sem número
de modificações antipopulares que foram levadas a cabo
desde o sistema de partido de Estado e tome em conta as distintas
vozes e posturas que desde fora do poder vem se manifestando a respeito
nos últimos tempos.
Uma nova Constituição
que, entre seus elementos, contemple em seu espírito e sua
redação às mulheres e seus direitos como cidadãs;
que inclua como processos básicos da democracia, a tomada de
acordos baseados na consulta, no referendum e no plebiscito. Que garantisse
uma nova forma de Estado, não só reformas ao atual sistema.
O objetivo será por como centro de sua atenção
as necessidades dos cidadãos e suas organizações.
CONSTRUÇÃO
DE UMA FORÇA POLÍTICA DE NOVO TIPO
No eixo da CONSTRUÇÃO
DE UMA FORÇA POLÍTICA DE NOVO TIPO defendemos precisamente
nossa decisão e nosso compromisso para intentar construí-la
dia a dia, na prática. Uma organização que também
deve construir-se aplicando em seu interior os eixos programáticos
de DEMOCRACIA, JUSTIÇA, LIBERDADE E INDEPENDÊNCIA, que
luta por não cair no discurso duplo e na dupla moral. Que tem
como objetivo atuar em seu interior como propõe à sociedade
atuar. Não queremos desenvolver um espaço de participação
política inóspito. Lutamos por uma FZLN Democrática,
Justa, Livre e Independente, responsável e comprometida, sem
protagonismo e hegemonismo.
A idéia que queremos expressar
com estas definições acerca do programa de luta, é
que a FZLN busca recolher as demandas mais sentidas que a sociedade
vem formulando, e ao mesmo tempo ter uma base programática
flexível que nos permita recolher as que se vão construindo
através dos novos movimentos sociais, assim como ter um guia
comum para planejar o momento político que se viva, assim se
poderá defender a importância de tal ou qual demanda
em particular.
O que se busca é agrupar não
para estreitar, mas para ampliar nosso horizonte, não unicamente
tomando em consideração aos movimentos sociais tal e
como se tem expressado no presente, mas abrindo-se às novas
formas em que se expressam estes novos movimentos sociais. Por isso
não é um programa de governo, nem está feito
para que a FZLN tome o poder; tem um objetivo diferente, possivelmente
maior: ajudar a desatar toda a energia social, para construir novas
relações humanas que permitam à sociedade tomar
posse do que a pertence: o controle de seu destino.
Por isso entendemos o programa como
uma ponte da FZLN com a sociedade e os movimentos sociais, um espaço
de diálogo permanente, um território comum, donde cada
resposta gere uma nova pergunta. É o instrumento por meio do
qual os Zapatista civis integrados na FZLN, buscamos organizar a luta
pela satisfação dos direitos populares, organizar a
resistência e desenvolvimento de formas sociais de autogestão,
reconhecer a aparição de novos atores sociais e acompanhar
suas mobilizações, organizar e promover a vigilância
dos cidadãos sobre os governantes e ajudar a criar novos espaços
de mobilização.
PLANO DE AÇÃO
Os seis grandes eixos programáticos
tem que se transformar em ações concretas, que nos ajudem
a dar-lhes corpo, a torná-los concretos em demandas específicas
e em planos de luta que busquem como satisfazê-lo, mediante
a organização e participação direta do
povo, nessas demandas. Isso é precisamente um plano de ação,
passar do por que lutamos para o como lutamos.
O Plano de Ação deve
mostrar claramente aos distintos indivíduos, comitês
e instancias organizativas, por onde começar, na prática,
a estender as pontes com o movimento social. É por isso que
o Congresso agrupou as diversas ações ao redor de campanhas
específicas de mobilização. Isto permitirá
que, ao largo do país, os militantes da FZLN se agrupem entre
si e com outros indivíduos, organizações e movimentos,
para dialogar, planificar e levar adiante as ditas campanhas, tomando
como ponto de partida as que já estão se desenvolvendo
em nossa sociedade. A nova força política deverá
ser capaz de enraizar-se atuar e influir nos diversos movimentos sociais
que hoje estão se desenvolvendo no país a partir da
situação em que se encontram, não na que desejaríamos
que se encontrassem.
Por isso mesmo, todas estas campanhas
de mobilização devem ser construídas desde baixo,
ou seja, parte do nível local, partindo das forças reais
de cada comitê, do diálogo e interação
que tenham com outras organizações e movimentos e a
idéia é ir enlaçando-as a nível local,
depois regional para assim chegar até o nível nacional.
A proposta da FZLN é que de
nossos eixos programáticos saiam demandas concretas, que por
sua vez demandem ações concretas para poderem se cumprir.
Para impulsionar as ditas ações, temos que enquadrá-las
nas seguintes campanhas de mobilização:
Pelo reconhecimento constitucional
dos direitos indígenas e por uma paz justa e digna.
Aqui englobamos as propostas sobre
a autonomia indígena recolhidas nos Acordos de San Andrés
Sacamchen. Lutar pela pluralidade cultural, pela desmilitarização
em todo o país e contra os grupos paramilitares.
Consequentemente, contra o desenvolvimento
da Guerra de Baixa Intensidade, e tudo o que tenha que ver com lograr
para o México uma Paz com Justiça e Dignidade e por
conformar uma denúncia formal ante os tribunais internacionais
para que se sancione o governo federal por sua cumplicidade com os
paramilitares. Aqui também entra lutar pela liberdade de todos
os presos políticos e pela apresentação dos desaparecidos
políticos.
Pelo direito dos camponeses e dos
trabalhadores do campo à terra e à liberdade, e dos
trabalhadores do campo à livre organização sindical,
sob os princípios do ideal Zapatista "a terra é
para quem a trabalha" pondo ênfase em lograr reverter as
contra-reformas salinistas do artigo 27 da Constituição
e dar-lhe seu sentido original sobre a propriedade social; apoiar
aos trabalhadores e trabalhadoras migrantes.
Pela democracia desde baixo, que agrupe
tudo o que tem que ver com uma nova reforma eleitoral, realmente democrática,
começando por restituir a autonomia aos municípios,
tanto indígenas como mestiços e que chegue até
os elementos da democracia direta;
Criar um amplo movimento social que
lute pela criação de uma nova constituição,
surgida da sociedade civil e dos povos e nações indígenas
para dar luz a uma nova Constituição que reflita um
projeto de Nação, que responda aos interesses históricos
de nosso povo e que tenha como centro todas e todos os mexicanos.
Lutar pela abertura dos meios de comunicação,
que garanta a liberdade de expressão, o direito à informação
e à participação dos cidadãos e de organizações
sociais, civis e políticas.
Criar instâncias de gestão
e ação que ajudem a resolver conjuntamente as necessidades
e demandas da sociedade civil.
No caso das zonas urbanas, lutar por
cidades democráticas, organizadas desde os bairros. Participar
em todas as formas civis de mobilização do povo. Recolher
as demandas destas lutas para construir um programa realmente popular;
fortalecer a organização de foros nos quais participe
todo povo, tratando de unificá-los em um grande foro nacional.
Pelo direito dos trabalhadores ao
emprego, ao salário, à segurança social e à
organização livre e democrática.
Todas as propostas que tem que ver
com a luta dos trabalhadores e trabalhadoras, como é o caso
da mobilização conta as Afores, seguro desemprego, contra
o TCL imposto pelo governo, a luta por uma pensão digna e por
um salário justo e digno, contra o assédio sexual no
trabalho, etc. Por uma reforma fiscal a favor dos que menos tem, que
tribute o capital e não o trabalho.
* A luta e a promoção
da vinculação e reconhecimento entre o movimento laboral
organizado em sindicatos democráticos ou comitês democráticos
e o movimento das trabalhadoras e trabalhadores das fábricas,
do campo e do setor informal.
Por estabelecer uma política
de alianças com as forças políticas e sociais
que se oponham ao regime de partido de estado e contra o neoliberalismo.
Lutar por uma política de alianças
para lograr a vinculação com os partidos políticos
de oposição; trabalhar com as organizações
sociais para vincular-nos a elas democrática e respeitosamente.
Discutir e impulsionar os acordos e propostas derivadas das reuniões
e iniciativas internacionais com este propósito.
Levar a cabo um encontro nacional
para estruturar o projeto completo de Nação antes do
fim do milênio e submetê-lo a referendum.
Participar ativamente na promoção
de uma frente ampla pela democracia.
Ações de mobilização
social pela democracia direta.
Organizar propostas e demandas dos
cidadãos para sua solução, tanto dentro do espaço
de mobilização existente, como no âmbito dos não
organizados para que se organizem e sejam movimento. Criar espaços
de participação social donde se discutam as demandas
e se construam as propostas.
Exercer a rebeldia dos cidadãos
que gere vínculos com a população; igualdade
e solidariedade com os excluídos; autogestão para a
produção e a comercialização;
Detectar os diferentes setores sociais
com tendência à mudança e promover sua autogestão
organizativa. Promover atividades culturais de e entre as distintas
localidades do país. Construir redes de intercâmbio entre
quem tem causa comum e espaços de diálogo em território
que não é comum.
Levar a cabo boicotes econômicos
e campanhas de difusão contra qualquer entidade privada ou
pública, nacional ou transnacional, que fira à dignidade
humana, fazer o mesmo para com os meios de comunicação
massiva, artigos de consumo, serviços, projetos culturais e
empresas que os patrocinem, incluindo indivíduos e organizações
sociais ou políticas que provoquem a morte da humanidade e
da natureza.
Criar "Aguascalientes" como
espaços de resistência civil em todo país. Assumir
a resistência como uma rebeldia civil, desenvolvendo ações
autogestivas para a produção e a comercialização.
Promover a organização
de assembléias comunitárias dos cidadãos, locais,
municipais, regionais e estatais.
Organizar desde as assembléias
de base a participação na constituinte e na elaboração
de propostas para a elaboração da Constituição,
resgatando os símbolos históricos da nacionalidade manipulados
pelo Estado.
Pela defesa do meio ambiente
A defesa do meio ambiente deve ter
como objetivo garantir uma qualidade de vida digna para todos os seres
humanos, promovendo um uso racional e eqüitativo dos recursos
naturais, a natureza e o cosmos a fim de garantir a sobrevivência
do planeta e da humanidade. Se deve promover uma cultura onde se contemple
a unidade e dependência que existe entre o ser humano e o meio
ambiente. Se deve reverter a tendência do sistema neoliberal
que busca o lucro máximo através de uma cultura consumista
que depreda, mudando-a para uma que contemple cobrir as necessidades
essenciais do ser humano.
Lutar por uma reforma urbana que inclua
o planejamento das comunidades: equipamento urbano, áreas de
lazer, etc.
Organizar-se e manifestar-se contra
os megaprojetos neoliberais que não levam em conta a população
concentradas nas futuras "áreas de desenvolvimento".
Impulsionar programas que permitam
um desenvolvimento equilibrado do habitat, onde não haja conflito
entre o desenvolvimento do homem com o meio ambiente.
Promover a autogestão das comunidades
para que sejam elas quem determinem e façam uso de seus próprios
recursos naturais, baseados no conhecimento que se tem sobre eles
e contemplando a capacidade dos ecossistemas que os suportam.
Exigir o respeito à soberania
sobre nossos recursos naturais, evitando que caiam em mãos
de transnacionais, como é o caso do projeto do corredor transistmico.
Pelo respeito e a promoção
dos direitos de setores primários sistematicamente marginalizados
e oprimidos, como mulheres, crianças, anciãos, homossexuais,
migrantes, soropositivos, descapacitados, etc. Pela defesa das garantias
individuais, civis e de trabalho.
Desenhar uma estratégia para
a construção de relações eqüitativas
dentro e entre os gêneros masculino e feminino, que oriente
todas as ações que realize a FZLN a nível nacional,
regional e local.
Pelo direito à educação
e à promoção de uma política cultural
libertadora.
Gerar um movimento de rua de comunicação
popular que recrie a problemática e as propostas de mudança,
que contraste na atitude ativa e crítica frente à passividade.
Pela defesa da escola pública
e por uma educação gratuita, científica, democrática
e de qualidade em todos os níveis. Democratização
das formas de governo dos plantéis educativos.
Promover a educação
não formal que resgate os saberes ancestrais, que afiancem
a identidade social, baseada em valores como a tolerância, a
perspectiva de gênero, a democracia, a comunidade e a auto-sustentabilidade.
Esta é uma tradução
livre dos documentos básicos da Frente Zapatista de Libertação
Nacional que foram aprovados durante o Congresso de Fundação
realizado na cidade do México, nos dias 13, 14, 15 e 16 de
setembro de 1997.