O texto que
segue foi publicado em 1903, sob o titulo "Nosso Programa",
por um grupo de italianos dos Estados Unidos. Em 1920, ele foi inteiramente
aceito pelo congresso da Unione Anarchica Italiana de 1 a 4 de julho.
O primeiro parágrafo não aparece em 1920 e os subtítulos
são, ao contrário, dessa época.
Nada temos a dizer de
novo. A propaganda não é, e não pode ser, senão
a repetição contínua, incansável, dos
princípios que devem nos servir de guia na conduta que devemos
seguir nas diferentes circunstâncias da vida.
Repetiremos, portanto,
com termos mais ou menos diferentes, mas no fundo constantes, nosso
velho programa socialista-anarquista-revolucionário.
O programa da União
Anarquista Italiana é o programa anarquista-comunista-revolucionário.
Há meio século ele foi proposto na Itália, no
seio da internacional, sob o nome de programa socialista. Mais tarde,
tomou o nome de socialista anarquista, como reação contra
a degenerescência, autoritária e parlamentar, crescente
do movimento socialista. Em seguida, finalmente, denominara-no anarquista.
1.
O que queremos.
Acreditamos que a maioria
dos males que afligem os homens decorre da má organização
social; e que os homens, por sua vontade e seu saber, podem faze-los
desaparecer.
A sociedade atual é
o resultado das lutas seculares que os homens apreenderam entre si.
Desconheceram as vantagens que poderiam resultar para todos da cooperação
e da solidariedade. Viram em cada um de seus semelhantes (exceto,
no Maximo, os membros de sua família) um concorrente e um inimigo.
E procuraram açambarcar, cada um por si, a maior quantidade
de prazeres possível, sem se preocuparem com os interesses
alheios.
Nesta luta, é óbvios,
os mais fortes e os mais afortunados deviam vencer, e, de diferentes
maneiras, explorar e oprimir os vencidos.
Enquanto o homem não
foi capaz de produzir mais do que o estritamente necessário
para sua sobrevivência, os vencedores só podiam afugentar
e massacrar os vencidos, e se apoderar dos alimentos colhidos.
Em seguida – quando,
com a descoberta da pecuária e da agricultura, o homem soube
produzir mais do que precisava para viver - os vencedores acharam
mais cômodo reduzir os vencidos à servidão e faze-los
trabalhar para eles.
Mais tarde, os vencedores
acharam mais vantajoso, mais eficaz e mais seguro explorar o trabalho
alheio por outro sistema: conservar para si a propriedade exclusiva
da terra e de todos os instrumentos de trabalho, e conceder uma liberdade
aparente aos deserdados. Estes, não tendo os meios para viver,
eram obrigados a recorrer aos proprietários e a trabalhar para
eles, sob as condições que eles lhes fixavam.
Deste modo, pouco a pouco,
através de uma rede complicada de lutas de todos os tipos,
invasões, guerras, rebeliões, repressões, concessões
feitas e retomadas, associação dos vencidos, unidos
para se defenderem, e dos vencedores, para atacarem, chegou-se ao
estado atual da sociedade, em que alguns detêm hereditariamente
a terra e todas as riquezas sociais, enquanto a grande massa, privada
de tudo, é frustrada e oprimida por um punhado de proprietários.
Disto depende estado de
miséria em que se encontram geralmente os trabalhadores, e
todos os males decorrentes: ignorância, crime, prostituição,
definhamento físico, abjeção moral, morte prematura.
Daí a constituição de uma classe especial (o
governo) que, provida dos meios materiais de repressão, tem
por missão legalizar e defender os proprietários contra
as reivindicações do proletariado. Ele se serve, em
seguida, da força que possui para arrogar-se privilégios
e submeter, se ela pode faze-lo, à sua própria supremacia,
a classe dos proprietários. Disso decorre a formação
de outra especial (o clero), que por uma serie de fabulas relativas
à vontade de Deus, à vida futura etc, procura conduzir
os oprimidos a suportarem docilmente o opressor, o governo, os interesses
dos proprietários e os seus próprios. Daí decorre
a formação de uma ciência oficial que é,
em tudo que pode servir os interesses dos dominadores, a negação
da verdadeira ciência. Daí os espíritos patrióticos,
os ódios raciais, as guerras e as pazes armadas, mais desastrosas
do que a próprias guerras. O amor transformado em negocio ignóbil.
O ódio mais ou menos latente, a rivalidade, a desconfiança,
a incerteza e o medo entre os seres humanos.
Queremos mudar radicalmente
tal estado de coisas. E visto que todos estes males derivam da busca
do bem-estar perseguido por cada um por si e contra todos, queremos
dar-lhe uma solução, substituindo o ódio pelo
amor, a concorrência pela solidariedade, a busca exclusiva do
bem-estar pela cooperação, a opressão pela liberdade,
mentira religiosa e pseudo-cientifica pela verdade.
Em conseqüência:
1) Abolição
da propriedade privada da terra, das matérias-primas e dos
instrumentos de trabalho_ para que ninguém disponha de meio
de viver pela exploração do trabalho alheio_, e que
todos, assegurados dos meios de produzir e de viver, sejam de fato
independente e possam associar-se livremente, uns aos outros, no interesse
comum e conforme as simpatias pessoais.
2) abolição
do governo e de todos poder que faça a lei para impô-la
aos outros: portanto, abolição das monarquias, republicas,
parlamentos, exércitos, policias, magistraturas e toda instituição
que possua meios coercitivos.
3) organização
da vida social por meio de associações livres e das
federações de produtores e consumidores, criadas e modificadas
segundo a vontade dos membros, guiadas pela ciência e pela experiência,
liberta de toda obrigação que não derive das
necessidades naturais, às quais todos se submetem de bom grado
quando reconhecem seu caráter inelutável.
4) garantia dos meios
de vida, de desenvolvimento, de bem-estar às crianças
e a todos aqueles que são incapazes de prover sua existência.
5) guerra às religiões
e todas as mentiras, mesmo que elas se ocultem sob o manto da ciência.
Instrução cientifica para todos, até os graus
mais elevados.
6) guerra ao patriotismo.
Abolição das fronteiras, fraternidade entre os povos.
7) reconstrução
da família, de tal forma que ela resulte da pratica do amor,
liberto de todo laço legal, de toda opressão econômica
ou física, de todo preconceito religioso.
Tal é nosso ideal.
2. Vias e Meios.
Até agora expusemos
qual é o objetivo que queremos atingir, o ideal pelo qual lutamos.
Mas não basta desejar
uma coisa: se seque obtê-la, é preciso, sem duvida, empregar
os meios adaptados à realização. E esses meios
não são arbitrários: derivam da necessidade dos
fins a que nos propomos e das circunstancias nas quais lutamos. Enganando-nos
na escolha dos meios, não alcançamos o objetivo contemplado,
mas ao contrario, afastamo-nos dele rumo a realidades freqüentemente
opostas, e que são a conseqüência natural e necessária
aos métodos que empregamos. Quem se põe a caminho e
se engana de estrada, não vai aonde quer, mas aonde o conduz
o caminho tomado.
É preciso dizer,
portanto, quais são os meios que, segundo nossa opinião,
conduzem ao nosso ideal, e que intencionamos empregar.
Nosso ideal não
é daqueles cuja plena realização depende do individuo
considerado de modo isolado. Trata-se de mudar o modo de viver em
sociedade: estabelecer entre os homens relações de amor
e de solidariedade, realizar a plenitude do desenvolvimento material,
moral e intelectual, não para individuo, não para os
membros de certa classe ou de certo partido, mas para todos os seres
humanos. Esta transformação não é medida
que se possa impor pela força; deve surgir da consciência
esclarecida de cada um, para se manifestar, de fato, pelo consentimento
de todos.
Nossa primeira tarefa
deve ser, portanto, persuadir as pessoas.
É necessário
atrair a atenção dos homens para os males que sofrem,
e para a possibilidade de destruí-los. É preciso que
suscitemos em cada um a simpatia pelos sofrimentos alheios, e o vivo
desejo pelo bem de todos.
A quem tem fome e frio,
mostraremos que seria possível e fácil assegurar a todos
a satisfação das necessidades materiais. A quem é
oprimido e desprezado, diremos como se pode viver de modo feliz em
uma sociedade de livres e iguais. A quem é atormentado pelo
ódio e pelo rancor, indicarmos o caminho para encontrar o amor
pelos seus semelhantes, a paz e a alegria do coração.
E quando tivermos obtido
êxito em disseminar na alma dos homens o sentimento da revolta
contra os males injustos e inevitáveis, dos quais se sofre
na sociedade atual, e em fazer compreender quais são suas causas
e como depende da vontade humana elimina-las; quando tivermos inspirado
o desejo vivo e ardente de transformar para o bem de todos, então
convictos por impulso próprio e pela persuasão daqueles
que os precederam na convicção, se unirão, desejarão
e poderão por em pratica o ideal comum.
Seria – já
o dissemos – absurdo e em contradição com nosso
objetivo querer impor a liberdade, o amor entre os homens, o desenvolvimento
integral de todas as faculdades humanas pela força. É
preciso contar com a livre vontade dos outros, e a única coisa
que podemos fazer é provocar é provocar a formação
e a manifestação dessa vontade. Mas seria da mesma forma
absurdo e em contradição com nosso objetivo admitir
que aqueles que não pensam como nós impedem-nos de realizar
nossa vontade, visto que não os privamos do direito de uma
liberdade igual à nossa.
Liberdade, portanto, para
todos, de propagar e experimentar suas próprias idéias,
sem outros limites senão os que resultam naturalmente da igual
liberdade de todos.
Mas a isto se opõem,
pela força brutal, os beneficiários dos privilégios
atuais, que dominam e regulam toda a vida social presente.
Eles controlam todos os
meios de produção: suprimem, assim, não somente
as possibilidades de aplicar novas formas de vida social, o direito
dos trabalhadores de viverem livremente de seu trabalho, mas também,
o próprio direito à existência. Obrigam os não-proprietários
a se deixarem explorar e oprimir, se não quiser morrer de fome.
Os privilegiados têm
as policias, as magistraturas, os exércitos, criados de propósito
para defende-los, e para perseguir, encarcerar, massacrar os oponentes.
Mesmo deixando de lado
a experiência histórica, que nos demonstra que nunca
uma classe privilegiada despojou-se, total ou parcialmente, de seus
privilégios e que nunca um governo abandonou o poder sem ser
obrigado a faze-lo pela força, os fatos contemporâneos
bastam para convencer quem quer que seja de que os governos e os burgueses
procuram usar a força material para a sua defesa, não
somente contra a expropriação total, mas contra as mínimas
reivindicações populares, e estão sempre prontos
a recorrer às perseguições mais atrozes, aos
massacres mais sangrentos.
Ao povo que quer se emancipar,
só resta uma saída: opor violência à violência.
Disso resulta que devemos
trabalhar para despertar nos oprimido o vivo desejo de transformação
radical da sociedade, e persuadi-los de que, unindo-se possuem à
força de vencer. Devemos propagar nosso ideal e preparar as
forças morais e materiais necessárias para vencer as
forças inimigas e organizar a nova sociedade. Quando tivermos
força suficiente, deveremos, aproveitando as circunstâncias
favoráveis que se produzirão, ou que nós mesmos
provocaremos, fazer a revolução social: derrubar pela
força o governo, expropriar pela força os proprietários,
tornar comum os meios de subsistência e de produção,
e impedir que novos governantes venham impor sua vontade e opor-se
à reorganização social, feita diretamente pelos
interessados.
Tudo isso é, entretanto,
menos simples do que parece a primeira vista. Relacionamo-nos com
homens tais na sociedade atual, em condições morais
e materiais muito desfavoráveis; e nos enganaríamos
ao pensar que a propaganda é suficiente para eleva-los ao nível
de desenvolvimento intelectual e moral necessário à
realização de nosso ideal.
Entre o homem e a ambiência
social há uma ação recíproca. Os homens
fazem a sociedade tal como é, e a sociedade faz os homens tais
como são, resultando disso um tipo de circulo vicioso: para
transformar a sociedade é preciso transformar os homens, e
para transformar os homens é preciso transformar a sociedade.
A miséria embrutece
o homem e, para destruir a miséria, é preciso que os
homens possuam a consciência e a vontade. A escravidão
ensina os homens a serem servis, e para se libertarem da escravidão
é preciso homens que aspirem a liberdade. A ignorância
faz com que os homens não conheçam as causas de seus
males e não saibam remediar esta situação; para
destruir a ignorância, seria necessário que os homens
tivessem tempo e meios de se instruírem.
O governo habitua as pessoas
a sofrerem a lei e a crerem que ela é necessária à
sociedade; para abolir o governo é preciso que os homens estejam
persuadidos da inutilidade e da nocividade dele.
Como sair deste impasse?
Felizmente, a sociedade
atual não foi formada pela clara vontade de uma classe que
teria sabido reduzir todos os dominados ao estado de instrumento passivo,
inconscientes de seus interesses. A sociedade atual é resultante
de mil lutas intestinas, de mil fatores naturais e humanos, agindo
ao acaso, sem direção consciente; enfim, não
há'nenhuma divisão clara, absoluta, entre indivíduos,
nem entre classes.
As variedades das condições
materiais são infinitas; infinitos os graus de desenvolvimento
moral e intelectual. É até mesmo muito raro que a função
de cada um na sociedade corresponda às suas faculdades e às
suas aspirações. Com freqüência, homens caem
em condições inferiores àquelas que eram as suas;
outros, por circunstâncias particularmente favoráveis,
conseguem elevar-se acima do nível em que nasceram. Uma parte
considerável do proletariado já sair do estado de miséria
absoluta, embrutecedora, a que nunca deveria ter sido reduzido. Nenhum
trabalhador, ou quase nenhum, encontra-se em estado de inconsciência
completa, de aquiescência total às condições
criadas pelos patrões. E as próprias instituições,
que são produtos da historia, contem contradições
orgânicas que são como germes letais, cujo desenvolvimento
traz a dissolução da estrutura social e a necessidade
de sua transformação.
Assim, a possibilidade
de progresso existe. Mas não possibilidade de conduzir, somente
pela propaganda, todos os homens ao nível necessário
para que possamos realizar a anarquia, sem uma transformação
gradual prévia do meio.
O progresso deve caminhar
simultaneamente e paralelamente entre os indivíduos e o meio
social. Devemos aproveitar todos os meios, todas as possibilidades,
todas as ocasiões que o meio atual nos deixa para agir sobre
os homens e desenvolver sua consciência e suas aspirações.
Devemos utilizar todos os progressos realizados na consciência
dos homens para leva-los a reclamar e a impor maiores transformações
sociais hoje possíveis, ou aquelas que melhor servirão
para abrir caminho a progressos ulteriores.
Não devemos somente
esperar poder realizar a anarquia; e, enquanto esperamos, limitar-nos
à propaganda pura e simples. Se agirmos assim, teremos, em
breve esgotado nosso campo de ação. Teremos convencido,
sem duvida, todos aqueles a que a circunstancia do meio atual tornam
suscetíveis de compreender e aceitar nossas idéias,
todavia, nossa propaganda ulterior permaneceria estéril. E,
mesmo que as transformações do meio elevassem novas
camadas populares à possibilidade de conceber novas idéias,
isto aconteceria sem nosso trabalho, e mesmo contra, em prejuízo,
como conseqüência de nossas idéias.
Devemos fazer com que
o povo, em sua totalidade e em suas diferentes frações,
exija, imponha e realize, ele próprio, todas as melhorias,
todas as liberdades, que deseja na medida em que concebe a necessidade
disso e que adquire força para impô-las. Assim, propagando
sempre nosso programa integral e lutando de forma incessante por sua
completa realização, devemos incitar o povo a reivindicar
e a impor cada vez mais, até que ele consiga sua emancipação
definitiva.
Para Saber mais, "A
Luta Política e Economica dos Anarquistas"
3.
A luta econômica
A opressão que
hoje pesa de uma forma mais direta sobre os trabalhadores, e que é
a causa principal de todas as sujeições morais e materiais
que eles sofrem, é a opressão econômica, quer
dizer, a exploração que os patrões e os comerciantes
exercem sobre o trabalho, graças ao açambarcamento de
todos grandes meios de produção e de troca.
Para suprimir radicalmente
e sem retorno possível esta exploração, é
preciso que o popovo, em seu conjunto, esteja convencido de que possui
ouso dos meios de produção, e de que aplica este direito
primordial explorando aqueles que monopolizam o solo e a riqueza social,
para coloca-los à disposição de todos.
Todavia, é possível
passar direto, sem graus intermediários, do inferno onde vive
hoje o proletariado, ao paraíso da propriedade comum? A prova
de que o povo ainda não é capaz, é que ele não
o faz. O que fazer para chegar à expropriação?
Nosso objetivo é
preparar o povo, moral e materialmente, para esta expropriação
necessária; é tentar e renovar a tentativa, tantas vezes
quantas a agitação revolucionária nos der a ocasião
para fazê-lo, até o triunfo definitivo. Mas de que maneira
podemos preparar o povo? De que maneira podemos realizar as condições
que tornarão possível, não somente o fato material
da expropriação, mas a utilização em vantagem
de todos, da riqueza comum?
Nó dissemos mais
acima (*) que a propaganda, oral ou sozinha, é impotente para
conquistar para nossas idéias toda a grande massa popular.
É preciso um,a educação pratica, que seja alternadamente
causa e resultado da transformação gradual do meio.
Deve-se desenvolver pouco a pouco nos trabalhadores o senso da rebelião
contra as sujeições e os sofrimentos inúteis
dos quais são vitimas, e o desejo de melhorar suas condições.
Unidos e solidários, lutarão para obter o que desejam.
E nós, como anarquistas
e como trabalhadores, devemos incita-los e encoraja-los à luta,
e lutar com eles.
Mas estas melhorias são
possíveis em regime capitalista? Elas são úteis
do ponto de vista da futura emancipação integral pela
revolução?
Quaisquer que sejam os
resultados práticos da luta pelas melhorias imediatas, sua
principal utilidade reside na própria luta. É por ela
que os trabalhadores aprendem a defender seus interesses de classe,
compreendem que os patrões e os governantes têm interesses
opostos aos seus, e que não podem melhorar suas condições,
e ainda menos se emancipar, senão unindo-se entre si e tornando-se
mais forte do que os patrões. Se conseguirem obter o que desejam,
viverão melhor. Ganharam mais, trabalharão menos terão
mais tempo e força para refletir sobre as coisas que os interessam;
e eles sentiram de repente desejos e necessidades maiores. Se não
obtiverem êxito, serão levados a estudar as causas de
seu fracasso e a reconhecer a necessidade de uma união maior,
de maior energia; e compreenderam, enfim, que para vencer, segura
e definitivamente, é preciso destruir o capitalismo. A causa
da revolução, a causa da elevação moral
dos trabalhadores e de sua emancipação só pode
ganhar, visto que os operários unem-se e lutam por seus interesses.
Todavia, uma vez mais,
é possível que os trabalhadores consigam, no estado
atual em que as coisas se encontram, melhorar de fato suas condições?
Isto depende do concurso de uma infinidade de circunstancia. Apesar
do que dizem alguns, não existe nenhuma lei natural (lei dos
salários) que determine a parte que vai para o trabalhador
sobre o produto de seu trabalho. Ou, se quiser formular uma lei, ela
não poderia ser senão a seguinte: o salário não
pode descer normalmente abaixo do que é necessário à
conservação da vida, e não pode normalmente se
elevar ao ponto de não dar mais lucro ao patrão. É
obvio que, no primeiro caso, os operários morreriam, e, assim
não receberiam mais salário; no segundo caso, os patrões
deixariam de fazer trabalhar e, em conseqüência, não
pagariam mais nada. Mas entre estes dois extremos impossíveis,
há uma infinidade de graus, que vão das condições
quase animais de muitos trabalhadores agrícolas, até
aquelas quase decentes dos operários, em boas profissões,
nas grandes cidades.
O salário, a duração
da jornada de trabalho e todas as outras condições de
trabalho são o resultado das lutas entre patrões e operários.
Os primeiros procuram pagar aos trabalhadores o mínimo possível
e faze-los trabalhar até o esgotamento completo; os outros
se esforçam – ou deveriam se esforçar –
em trabalhar o mínimo e ganhar o máximo possível.
Onde os trabalhadores se contentam com qualquer coisa e, mesmo descontente,
não sabem opor resistência valida aos patrões,
são em pouco tempo reduzidos à condição
de vida quase animal. Ao contrario, onde têm uma elevada do
que deveriam ser as condições de existência dos
seres humanos; onde sabem se unir e, pela recusa ao trabalho e pela
ameaça latente ou explicita da revolta, impor que os patrões
os respeitem, eles são tratados de maneira relativamente suportável.
Assim, pode-se dizer que, em certa medida, o salário, é
o que operário exige, não enquanto individuo, mas enquanto
classe.
Lutando, portanto, resistindo
aos patrões, os assalariados podem opor-se, até certo
ponto, à agravação de sua situação,
e, até mesmo, obter melhorias reais. A historia do movimento
operário já demonstrou esta verdade.
Não se deve, entretanto
exagerar o alcance das lutas destas lutas entre explorados e exploradores
no terreno exclusivamente econômico. As classes dirigentes podem
ceder, e cedem amiúde, às exigências operarias
expressadas com energia, enquanto não são muito grandes.
Contudo, quando os assalariados começam – e é
urgente que eles o façam – a reivindicar aumentos tais
que absorveriam todo o lucro patronal e constituiriam, assim, uma
expropriação indireta, é certo que os patrões
apelariam ao governo e procurariam reconduzir os operários,
pela violência, às condições de todos os
escravos assalariados.
E antes, bem antes que
os operários possam reivindicar receber em compensação
ao seu trabalho o equivalente a tudo que produziram, a luta econômica
se torna impotente para assegurar um destino melhor.
Os operários produzem
tudo, e sem seu trabalho não se pode viver. Parece, portanto,
que recusando trabalhar, os trabalhadores poderiam impor todas as
suas vontades. Mas a união de todos os trabalhadores, mesmo
de uma única profissão em um único país,
é dificilmente realizável: à união dos
operários se opõe a união dos patrões.
Os primeiros vivem com o mínimo para sobreviver no dia a dia
e, se fazem greve, falta-lhes o pão logo a seguir. Os outros
dispõem, por meio do dinheiro, de tudo o que foi produzido;
podem esperar que a fome reduza os assalariados à sua mercê.
A invenção ou a introdução de novas maquinas
torna inútil o trabalho de grande numero de trabalhadores,
aumentando o exercito dos desempregados, que a fome obriga a se venderem
a qualquer preço. A imigração traz, de repente,
nos países onde as condições são mais
favoráveis, multidões de trabalhadores famintos que,
bem ou mal, dão ao patronato o meio de reduzir os salários.
E todos estes fatos, resultando necessariamente do sistema capitalista,
conseguem contrabalançar o progresso da consciência e
da solidariedade operaria. Com freqüência, eles têm
efeito mais rápido, do que esse progresso que eles detêm
e destroem. Desta forma, resta sempre este fato primordial segundo
o qual a produção no sistema capitalista está
organizada por cada empregador para seu proveito pessoal, não
para satisfazer as necessidades dos trabalhadores.
A desordem, o desperdício
das forças humanas a penúria organizada, os trabalhos
nocivos e insalubres, o desemprego, o abandono das terras, a subutilização
das maquinas etc, são tantos males que não se podem
evitar senão retirando dos capitalistas os meios de produção,
e, por via de conseqüência, a direção da
produção.
Os operários que
se esforçam em se emancipar, ou aqueles que de fato procuram
melhorar suas condições devem rapidamente se defender
do governo, ataca-lo, pois ele legitima e sustenta, pela força
brutal, o direito de propriedade, ele 'e obstáculo ao progresso,
obstáculo que deve ser destruído se não se quiser
permanecer indefinidamente nas atuais condições, ou
em outras ainda piores.
Da luta econômica
deve-se passar à luta política, quer dizer, contra o
governo. Ao invés de opor aos milhões dos capitalistas
os poucos centavos reunidos penosamente pelos operários, é
preciso opor aos fuzis e aos canhões que defendem a propriedade
os melhores meios que o povo encontrar para vencer a força
pela força.
4.
A luta política
Por uma luta política
entendemos a luta contra o governo. O governo é o conjunto
de indivíduos que detêm o poder de fazer a lei e de impô-la
aos governados, isto é, ao publico.
O governo é a conseqüência
do espírito de dominação e de violência
que homens impuseram a outros homens, e ao mesmo tempo, é a
criatura e o criador dos privilégios, e também seu defensor
natural.
É falso dizer que
o governo desempenha hoje o papel de protetor do capitalismo, e que
este ultimo tendo sido abolido, ele se tornaria o representante e
o gerente dos interesses de todos. Antes de mais nada, o capitalismo
não será destruído enquanto os trabalhadores,
tendo se livrado do governo, não tiverem se apoderado de toda
a riqueza social e organizado; eles próprios, a produção
e o consumo, no interesse de todos, sem esperar que a iniciativa venha
do governo, que, de resto, é incapaz de fazê-lo.
Se a exploração
capitalista fosse destruída, e o principio governamental conservado,
então, o governo, distribuindo todos os tipos de privilégios,
não deixaria de restabelecer um novo capitalismo. Não
podendo contentar todo o mundo, o governo necessitaria de uma classe
economicamente poderosa para sustenta-lo, em troca da produção
legal e material que ela receberia dele.
Não se pode, portanto,
abolir os privilégios e estabelecer de modo definitivo a liberdade
e a igualdade social sem por fim ao governo, mas à própria
instituição governamental.
Nisso, assim como em tudo
o que concerne ao interesse geral, e mais ainda a este ultimo, é
preciso o consentimento de todos. Eis porque devemos nos esforçar
em persuadir as pessoas de que o governo é inútil e
nocivo, e de que se vive melhor sem ele. Mas, como já o dissemos,
a propaganda sozinha é impotente para alcançar tudo
isso; e se nós contentássemos em pregar contra o governo,
esperando de braços cruzados, o dia em que as pessoas estariam
convencidas da possibilidade e da utilidade de abolir por completo
toda espécie de governo, este dia nunca chegaria.
Denunciando sempre esta
espécie de governo, exigindo sempre a liberdade integral, devemos
favorecer todo combate por liberdades parciais, convictos de que é
pela luta que se aprende a lutar. Começando a provar a liberdade,
acaba-se por deseja-la inteiramente. Devemos sempre estar com o povo;
e quando não conseguirmos fazer com que queira muito, devemos
fazer com que, pelo menos ele comece a exigir alguma coisa. Devemos
nos esforçar a que aprenda a obter por si mesmo o que quer
– pouco ou muito –, e a odiar e a desprezar quem quer
que vá ou queira fazer parte do governo.
Visto que o governo detém,
hoje, o poder de regular, por leis, a vida social, ampliar ou restringir
a liberdade dos cidadãos, e visto que ainda não podemos
arrancar-lhe esse poder, devemos procurar enfraquece-lo e obriga-lo
a fazer uso dele o menos perigosamente. Mas, esta ação,
devemos fazê-la sempre de fora e contra o governo, pela agitação
na rua, ameaçando tomar pela força o que se exige. Jamais
deveremos aceitar uma função legislativa, seja ela nacional
ou local, pois, assim agindo, diminuiríamos a eficácia
de nossa ação e trairíamos o futuro de nossa
causa.
A luta contra o governo
consiste, em ultima analise, em luta física e material.
O governo faz a lei. Deve,
portanto, dispor de força material (exercito e policia) para
impor a lei. De outra forma, obedeceria quem quisesse, e não
existiria mais a lei, mas uma proposição, que qualquer
um seria livre para aceitar ou recusar. Os governos possuem esta força
e servem-se dela para reforçar sua dominação,
no interesse das classes privilegiadas, oprimindo e explorando os
trabalhadores.
O único limite
à opressão governamental é a força que
o povo se mostra capaz de lhe opor. Pode haver conflito, aberto ou
latente, mas sempre há conflito. Isso se da porque o governo
não para diante do descontentamento e da resistência
populares senão quando sente o perigo de uma insurreição.
Quando o povo se submete
docilmente à lei, ou o protesto permanece fraco e platônico,
o governo se acomoda, sem se preocupar com as necessidades do povo.
Quando o protesto é vivo, insiste e ameaça, o governo,
segundo seu humor, cede ou reprime. Mas é preciso chegar à
insurreição, porque, se o governo não cede, o
povo acaba por se rebelar; e, se ele cede, o povo adquire confiança
em si mesmo exige cada vez mais, até que a incompatibilidade
entre a liberdade e a autoridade seja evidente e desencadeie o conflito.
É, portanto, necessário
preparar-se moral e materialmente para que, quando a luta violenta
eclodir, a vitória fique com o povo.
A insurreição
vitoriosa é o fato mais eficaz para a emancipação
popular, porque o povo, depois de ter destruído o jugo, torna-se
livre para se entregar às instituições que ele
crê serem as melhores. A distancia que existe entre a lei (sempre
retardatária) e o nível de civismo que a massa da população
alcançou, pode ser superada com um salto: a insurreição
determina a revolução, isto é, a atividade rápida
das forças latentes acumuladas durante a evolução
precedente.
Tudo depende do que o
povo é capaz de querer.
Nas insurreições
passadas, o povo, inconsciente das verdadeiras causas de seus males,
sempre quis bem pouco, e conseguiu bem pouco.
O que desejará
nas próximas insurreições?
Isto depende em grande
parte do valor de nossa propaganda e da energia que fomos capazes
de mostrar.
Deveremos incitar o povo
a expropriar os proprietários e a tornar comum seus bens, organizar,
ele próprio, a vida social, por associações livremente
constituídas, sem esperar ordens de ninguém, recusar
nomear ou reconhecer qualquer governo ou qualquer corpo constituído
(Assembléia, Ditadura etc) que se atribuíssem, mesmo
a titulo provisório, o direito de fazer a lei e impor aos outros
sua vontade, pela força. Se a massa popular não responde
ao nosso apelo, devemos, em nome do direito que temos de ser livres,
mesmo se os outros desejarem permanecer escravos, para dar o exemplo,
aplicar o maximo possível nossas idéias: não
reconhecer o novo governo, manter viva a resistência, fazer
com que comunas, onde nossas idéias são recebidas com
simpatia, rejeitem toda ingerência governamental e continuem
a viver a seu modo.
Deveremos, sobretudo,
nos opormos por todos os meios à reconstituição
da policia e do exercito, e aproveitar toda a ocasião propicia
para incitar os trabalhadores a utilizar a falta de forças
repressivas para impor ao Maximo de reivindicações.
Qualquer que seja o resultado
da luta, é preciso continuar a combater, sem trégua,
os proprietários, os governos, tendo sempre em vista a completa
emancipação econômica de toda a humanidade.
5.
conclusão.
Desejamos, portanto, abolir
de forma radical a dominação e a exploração
do homem pelo homem. Queremos que os homens, unidos fraternalmente
por uma solidariedade consciente, cooperem de modo voluntário
com o bem estar de todos. Queremos que a sociedade seja constituída
com o objetivo de fornecer a todos os meios de alcançar igual
bem-estar possível, o maior desenvolvimento possível,
moral e material. Desejamos para todos pão, liberdade, amor,
e saber.
Para isso, estimamos necessário
que os meios de produção estejam à disposição
de todos e que nenhum homem, ou grupo de homens, possa obrigar outros
a obedecerem à sua vontade, nem exercer sua influencia de outra
forma senão pela argumentação e pelo exemplo.
Em conseqüência:
expropriação dos detentores do solo e do capital em
proveito de todos e abolição do governo.
Enquanto se espera: propaganda
do ideal; organização das forças populares; combate
continuo, pacifico ou violento, segundo as circunstancias, contra
o governo e contra os proprietários, para conquistar o Maximo
possível de liberdade e de bem-estar para todos.
Tradução
Plínio Augusto Coêlho
Escritos
Revolucionários - Errico Malatesta - Ed. Imaginário