Pode-se entender ética
como aquilo referente aos valores morais nas práticas humanas,
aquilo que seria certo ou errado como forma de conduta. Considerando
que vivemos em uma sociedade capitalista, ou melhor, em uma sociedade
fundamentada na lei do egoísmo, do lucro pela desvantagem do
próximo, na exploração do homem e degradação
do planeta, e, principalmente, na total alienação do
indivíduo do controle de seu trabalho, sua vida social, sua
educação, sendo utilizado como instrumento, como força
social de acordo com o interesse das classes ou grupos dirigentes.
Enfim, considerando tudo isso, é fácil identificar que
tipos de ética e moral estão presentes em nossa formação:
uma moral construída pela burguesia e uma ética coerente
com essa moral, tudo isso viciando nossas práticas sociais
com a ideologia do patrão, do político, do capitalista,
da elite, do militar, de toda a escória que nos educa a servir
e obedecer sem questionar, a tratar o próximo como um concorrente
ou inimigo. Assim somos educados pelo estado, pelas classes dominantes
ou qualquer outro grupo organizado que exerça e impõe
sua influência perniciosa sobre a maioria da sociedade, através
de sua moral podre e pela repressão de seus empregados, utilizando-se
da força e da lei.
O que o Anarquismo propõe?
Existe esta situação em que vivemos, um sistema que
nos leva a morte, destruindo as relações sociais em
proveito do interesse de uma minoria. Nós, Anarquistas temos
uma crítica a este sistema e propomos uma mudança radical,
revolucionária, uma ruptura com tal prática de relação
social e econômica. Queremos o controle, pela sociedade, de
seu trabalho, saúde, educação e tudo mais que
lhe diga respeito, e nosso objetivo é estar atuando no meio
social, transformando o cotidiano, construindo alternativas, enfim,
propagando nosso ideal pela ação, pela prática.
O Anarquismo é esse instrumento de transformação,
e só é possível construir o Anarquismo praticando-o,
vivendo-o.
E onde entra a ética
Anarquista nisso? Procurando por em prática o Anarquismo, esse
instrumento de luta social, o mesmo tem como base os princípios
Anarquistas, aquilo em que acreditamos e pelo qual lutamos, tais como
o apoio mútuo, autogestão, internacionalismo, liberdade,
princípios que são a essência do movimento e o
que caracteriza o pensamento Anarquista. E a ética Anarquista,
nossa conduta, deve estar sempre coerente com estes princípios.
Se a moral hipócrita burguesa educa para formar escravos egoístas,
reprodutores de sua ideologia, nós Anarquistas propomos uma
outra educação, aquela que busque criar indivíduos
preocupados com o bem estar da sociedade e do meio em que vivem, vendo
o próximo com respeito e igualdade. Entendendo-se educação
aqui como tudo aquilo que assimilamos e reproduzimos enquanto vivendo
em sociedade, essa educação que propomos, essa ética,
só virá através da prática, seja em qualquer
atuação social, seja em um grupo de estudos, em uma
ocupação de terreno, em uma comunidade ou no sindicato,
para nós a prática deve estar coerente com nossos princípios.
Acreditamos que a prática
determina quem se é e o fim ao qual se vai chegar. O capitalista
e o autoritário podem utilizar-se do discurso para enganar,
mas suas práticas fazem com que suas máscaras caiam,
e levam a fins que conhecemos bem, fins que estão de acordo
com suas ações. Acreditamos que ser anarquista não
é algo que se possa abdicar em favor de um suposto objetivo
ou quando não for do nosso interesse, devemos sê-lo sempre,
no trato com as pessoas, nas relações afetivas, na militância,
etc. É claro que isso não quer dizer que devemos estar
falando de Anarquismo sempre e com todos como um fanático religioso,
ou sair por aí espancando os patrões e as autoridades
(embora isso dê vontade). Vivemos e crescemos em uma sociedade
injusta, desigual e autoritária, muitos de nós temos
que alienar nossa força de trabalho para um patrão ou
proprietário, e nossas relações muitas vezes
são com pessoas que reproduzem a ideologia do capital. Mas,
e aí está nosso diferencial, se nós somos Anarquistas
e propomos e lutamos por uma sociedade justa, igual e não hierarquizada,
nós não podemos ter uma prática, uma ética,
na vida política e outra na vida particular, ou então
agirmos como canalhas com os companheiros ou manipularmos politicamente
as pessoas com base em sofismas e calúnias, tudo em nome de
um suposto Anarquismo. Estar na luta é também buscar
limpar-se dos vícios do sistema estatal/burguês autoritário,
não adianta nada falarmos em Anarquismo e ao mesmo tempo caluniar,
ser sexista, tentar coagir, intimidar para exercer influência,
etc. Estar na luta é fazer a revolução agora,
com cada passo conquistado, tentando mudar a realidade hoje e não
por partes, em uma racionalização pobre que tenta desassociar
as ações no presente com os resultados no futuro.
Temos que ser um exemplo pelas
nossas ações, seja pelo que fazemos e como fazemos.
Vamos deixar os rótulos, a individualização,
o pragmatismo cego e implacável para o capitalismo, que, em
sua conduta, não vê impedimento e passa por cima de tudo
e todos para que uma minoria tenha seu poder e seu lucro garantidos.
Sejamos Anarquistas, não da boca pra fora, no discurso sedutor,
mas atuando socialmente e tendo nossa ética condizente com
nossos princípios. Nós Anarquistas lutamos para que
a maioria explorada fortaleça-se em relações
sociais justas, iguais e não hierarquizadas, para que, organizada,
ponha fim à ditadura do egoísmo.
Coletivo
de Estudos Anarquistas Domingos Passos, Niterói. Janeiro de
2004