Muitas vezes encontramos
pessoas que dizem não gostar de política, ou esforçam-se
em não reconhecer qualquer ligação entre seu
cotidiano e tudo aquilo que diz respeito ao social. Muitos querem
levar suas vidas em uma espécie de “independência”
do resto da sociedade, como se fosse “cada um por si”
e ninguém tivesse responsabilidade pelo que acontece diariamente.
Mas o conhecimento, que é utilizado como forma de ganhar dinheiro,
é produto dos esforços de toda sociedade, do trabalho
de outros. Enfim, todos dependemos uns dos outros, dependemos dessa
acumulação do que é transformado na natureza
pelo homem através do trabalho, e é claro, dependemos
da própria natureza. Não existe ninguém que vive
totalmente independente dos outros, a não ser que se isole
do mundo sem levar nada consigo, nem sua roupa, crie sua própria
língua, faça seus próprios objetos, etc.. Mas
mesmo assim, ao criar novos conhecimentos, ele estará utilizando
a tecnologia, o conhecimento que aprendeu de livros ou outra forma
qualquer que foi fruto da sociedade, do trabalho da humanidade, então
é praticamente impossível alguém alcançar
tal objetivo. Nós só somos humanos porque vivemos em
sociedade, nosso pensamento, nossa fala, tudo isso nos foi transmitido.
Se fôssemos largados no meio do nada não aprenderíamos
a falar e formar conceitos sozinhos, se não morrêssemos,
seríamos vegetais. Só é importante colocar que
a relação de dependência que temos com a sociedade
não é uma dependência prejudicial, mas natural
e necessária. Diferente da dependência em relações
de dominação de uma classe por outra ou de um indivíduo
por outro, onde há a exploração e coação
em detrimento da liberdade do dominado, assunto que será tratado
mais adiante.
Mas então, dependemos
do conhecimento social, utilizando-o e transformando-o de modo que
as gerações futuras façam uso dele, não
havendo um dono ou proprietário do mesmo, que é de todos,
de toda a humanidade. Mas apesar disso, ele é utilizado de
forma particular para que indivíduos ganhem dinheiro, por exemplo
quando alguém se forma na faculdade e arruma um emprego utilizando
aquele conhecimento aprendido, fruto do trabalho social, como se o
tivesse comprado em uma loja, o que não é muito diferente
da prática de ensino privado. E aí quando tentamos falar
com alguém, um estudante por exemplo, que o privilégio
que ele está tendo de estudar e tudo o que aprende veio da
sociedade, que ele tem uma responsabilidade, uma “dívida”
que irá retribuir utilizando o que sabe em prol do social,
muitas vezes temos como respostas rompantes, escapismos, ou a célebre
frase “o que eu quero é ganhar dinheiro!”, que
é a mesma coisa que “dane-se todo os outros!”.
Mas é fácil
concluir que se dependemos dessa relação de mutualismo
social para viver, todos os nossos conceitos, opiniões, individualidades
e idiossincrasias são formados a partir de vários fatores
sociais, somados a nossas predisposições. Assim, nossa
individualidade vem do social, e como indivíduos vamos conjuntamente
formar aquilo que é chamado de sociedade, que por sua vez vai
influenciar na formação de novas gerações
de indivíduos e o ciclo continua de forma contínua e
simultânea. Daí é meio incoerente alguém
dizer que não se interessa por política, ou aquele que
se proclama um individualista ferrenho e até mesmo o artista
que defende a absoluta “arte pela arte”, porque de qualquer
forma nós vamos expressar aquilo que somos naquilo que fazemos,
e o que somos, como já foi dito, é basicamente fruto
do coletivo. Nós (ainda) não somos máquinas,
mesmo não fazendo arte “engajada” o artista transforma
aquilo que percebe do mundo no momento de criar, passando sua visão
humana, e aquele que se alija das questões sociais e políticas
vai sofrer a ação da realidade (considerando política
no sentido comum nas práticas sociais, e não apenas
a arte ou ciência de governar), até o anarquista que
se proclama individualista não se fez, nem conseguiria viver
absolutamente sozinho e independente.
A natureza não foi
criada por nenhum ser humano, muito menos para o ser humano. Temos
uma relação com ela de dependência e responsabilidade.
Ao mesmo tempo que a utilizamos diretamente ou a transformamos em
nosso benefício, temos a responsabilidade de fazer isso de
uma forma não destrutiva ou predatória, afim de que
a sobrevivência hoje e futura seja garantida. Não temos
o direito de agredir a natureza, assim como não temos o direito
de comercializa-la, de nos apropriarmos dela. Como reagiríamos
se nos fosse retirado todo o ar e toda a luz do sol e tivéssemos
que pagar para utiliza-los? Se uma minoria fosse proprietária
de todos os recursos naturais, fazendo com que todo o resto da humanidade
ficasse dependente deles, em uma relação desigual e
com vantagem para apenas um lado, o menor. Com certeza nos revoltaríamos,
mas isso é feito com a terra e começa a ser com a água,
o pior é que muitos acham natural um latifundiário com
“suas” terras enquanto milhões passam fome, a ainda
reproduzem o ideologia das classes dominantes ao acusar de baderneiros
e coisa pior aqueles que lutam pra mudar essa situação.
Isso é conseqüência
do fato da terra, da natureza, ser tratada como uma mercadoria, assim
como ocorre com o conhecimento, o sexo, os alimentos, aquilo que é
produzido, etc.. Há uma prática capitalista onde mercadorias
recebem valores e acabam tornando-se um fim em si mesmas, não
há mais seres humanos que necessitam de coisas para viver,
mas mercadorias que precisam ser valorizadas, trocadas, comercializadas.
Tal prática tem como único objetivo gerar lucro para
as classes dominantes, as minorias que coagem os povos a trabalhar
para elas em troca de dinheiro, dinheiro para comprar mercadorias
fornecidas pelas mesmas minorias exploradoras. Ocorre uma relação
de dominação, dependência prejudicial dos trabalhadores
para com os patrões, que possuem os meios de produção.
Dessa forma, as classes
dominantes não dominam o povo, os trabalhadores, apenas fisicamente
e economicamente, eles o fazem também ideologicamente, pois
intentam perpetuar seu sistema vampiro por toda a eternidade. Toda
idéia, ação ou pensamento que vá contra
o sistema deve ser combatido e eliminado, e para isso as elites fazem
uso dos aparelhos de estado, das mídias e das instituições
atreladas aos interesses do capital. A moral é a moral das
classes dominantes, a ideologia é a forma com a qual vão
exercer seu domínio sobre a sociedade, fazendo com que os trabalhadores
trabalhem não em prol do social, mas que produzam para o lucro
do burguês patrão, é o trabalho alienado. São
explorados achando que é normal, aceitam o Estado como natural,
reproduzem a ideologia das classes dominantes.
Anarquismo ou morte! Não
há futuro para uma sociedade que vive nesse sistema suicida
e doente. Não temos escolha que não seja lutar para
mudar isso, não há “etapas de transição”,
“mudanças seguras”, “bolos que precisam crescer”
ou “partidos do povo”, o único caminho é
a ruptura com esse sistema, o fim das relações de domínio,
o fim da propriedade e todos tendo aquilo de que necessitam para viver.
Só há o lutar ou a morte lenta da sociedade, sociedade
pela qual todos somos influenciados, da qual dependemos e temos responsabilidade,
mesmo que não aceitemos. Somos resultado dela, através
da prática anarquista nós nos modificamos como indivíduos,
mas a luta é para transformar essa triste realidade social,
não para mudar um por um individualmente. Construindo novas
práticas sociais, através das quais os princípios
libertários tornar-se-ão um hábito, e novas relações
de igualdade entre pessoas livres e conscientes do que fazem, e não
entre escravos de aluguel alienados. Lutar, ou morrer lutando pelo
anarquismo!
Coletivo
de Estudos Anarquistas Domingos Passos. Fevereiro de 2003