Anarquismo Ou Morte!!!

Muitas vezes encontramos pessoas que dizem não gostar de política, ou esforçam-se em não reconhecer qualquer ligação entre seu cotidiano e tudo aquilo que diz respeito ao social. Muitos querem levar suas vidas em uma espécie de “independência” do resto da sociedade, como se fosse “cada um por si” e ninguém tivesse responsabilidade pelo que acontece diariamente. Mas o conhecimento, que é utilizado como forma de ganhar dinheiro, é produto dos esforços de toda sociedade, do trabalho de outros. Enfim, todos dependemos uns dos outros, dependemos dessa acumulação do que é transformado na natureza pelo homem através do trabalho, e é claro, dependemos da própria natureza. Não existe ninguém que vive totalmente independente dos outros, a não ser que se isole do mundo sem levar nada consigo, nem sua roupa, crie sua própria língua, faça seus próprios objetos, etc.. Mas mesmo assim, ao criar novos conhecimentos, ele estará utilizando a tecnologia, o conhecimento que aprendeu de livros ou outra forma qualquer que foi fruto da sociedade, do trabalho da humanidade, então é praticamente impossível alguém alcançar tal objetivo. Nós só somos humanos porque vivemos em sociedade, nosso pensamento, nossa fala, tudo isso nos foi transmitido. Se fôssemos largados no meio do nada não aprenderíamos a falar e formar conceitos sozinhos, se não morrêssemos, seríamos vegetais. Só é importante colocar que a relação de dependência que temos com a sociedade não é uma dependência prejudicial, mas natural e necessária. Diferente da dependência em relações de dominação de uma classe por outra ou de um indivíduo por outro, onde há a exploração e coação em detrimento da liberdade do dominado, assunto que será tratado mais adiante.

Mas então, dependemos do conhecimento social, utilizando-o e transformando-o de modo que as gerações futuras façam uso dele, não havendo um dono ou proprietário do mesmo, que é de todos, de toda a humanidade. Mas apesar disso, ele é utilizado de forma particular para que indivíduos ganhem dinheiro, por exemplo quando alguém se forma na faculdade e arruma um emprego utilizando aquele conhecimento aprendido, fruto do trabalho social, como se o tivesse comprado em uma loja, o que não é muito diferente da prática de ensino privado. E aí quando tentamos falar com alguém, um estudante por exemplo, que o privilégio que ele está tendo de estudar e tudo o que aprende veio da sociedade, que ele tem uma responsabilidade, uma “dívida” que irá retribuir utilizando o que sabe em prol do social, muitas vezes temos como respostas rompantes, escapismos, ou a célebre frase “o que eu quero é ganhar dinheiro!”, que é a mesma coisa que “dane-se todo os outros!”.

Mas é fácil concluir que se dependemos dessa relação de mutualismo social para viver, todos os nossos conceitos, opiniões, individualidades e idiossincrasias são formados a partir de vários fatores sociais, somados a nossas predisposições. Assim, nossa individualidade vem do social, e como indivíduos vamos conjuntamente formar aquilo que é chamado de sociedade, que por sua vez vai influenciar na formação de novas gerações de indivíduos e o ciclo continua de forma contínua e simultânea. Daí é meio incoerente alguém dizer que não se interessa por política, ou aquele que se proclama um individualista ferrenho e até mesmo o artista que defende a absoluta “arte pela arte”, porque de qualquer forma nós vamos expressar aquilo que somos naquilo que fazemos, e o que somos, como já foi dito, é basicamente fruto do coletivo. Nós (ainda) não somos máquinas, mesmo não fazendo arte “engajada” o artista transforma aquilo que percebe do mundo no momento de criar, passando sua visão humana, e aquele que se alija das questões sociais e políticas vai sofrer a ação da realidade (considerando política no sentido comum nas práticas sociais, e não apenas a arte ou ciência de governar), até o anarquista que se proclama individualista não se fez, nem conseguiria viver absolutamente sozinho e independente.

A natureza não foi criada por nenhum ser humano, muito menos para o ser humano. Temos uma relação com ela de dependência e responsabilidade. Ao mesmo tempo que a utilizamos diretamente ou a transformamos em nosso benefício, temos a responsabilidade de fazer isso de uma forma não destrutiva ou predatória, afim de que a sobrevivência hoje e futura seja garantida. Não temos o direito de agredir a natureza, assim como não temos o direito de comercializa-la, de nos apropriarmos dela. Como reagiríamos se nos fosse retirado todo o ar e toda a luz do sol e tivéssemos que pagar para utiliza-los? Se uma minoria fosse proprietária de todos os recursos naturais, fazendo com que todo o resto da humanidade ficasse dependente deles, em uma relação desigual e com vantagem para apenas um lado, o menor. Com certeza nos revoltaríamos, mas isso é feito com a terra e começa a ser com a água, o pior é que muitos acham natural um latifundiário com “suas” terras enquanto milhões passam fome, a ainda reproduzem o ideologia das classes dominantes ao acusar de baderneiros e coisa pior aqueles que lutam pra mudar essa situação.

Isso é conseqüência do fato da terra, da natureza, ser tratada como uma mercadoria, assim como ocorre com o conhecimento, o sexo, os alimentos, aquilo que é produzido, etc.. Há uma prática capitalista onde mercadorias recebem valores e acabam tornando-se um fim em si mesmas, não há mais seres humanos que necessitam de coisas para viver, mas mercadorias que precisam ser valorizadas, trocadas, comercializadas. Tal prática tem como único objetivo gerar lucro para as classes dominantes, as minorias que coagem os povos a trabalhar para elas em troca de dinheiro, dinheiro para comprar mercadorias fornecidas pelas mesmas minorias exploradoras. Ocorre uma relação de dominação, dependência prejudicial dos trabalhadores para com os patrões, que possuem os meios de produção.

Dessa forma, as classes dominantes não dominam o povo, os trabalhadores, apenas fisicamente e economicamente, eles o fazem também ideologicamente, pois intentam perpetuar seu sistema vampiro por toda a eternidade. Toda idéia, ação ou pensamento que vá contra o sistema deve ser combatido e eliminado, e para isso as elites fazem uso dos aparelhos de estado, das mídias e das instituições atreladas aos interesses do capital. A moral é a moral das classes dominantes, a ideologia é a forma com a qual vão exercer seu domínio sobre a sociedade, fazendo com que os trabalhadores trabalhem não em prol do social, mas que produzam para o lucro do burguês patrão, é o trabalho alienado. São explorados achando que é normal, aceitam o Estado como natural, reproduzem a ideologia das classes dominantes.

Anarquismo ou morte! Não há futuro para uma sociedade que vive nesse sistema suicida e doente. Não temos escolha que não seja lutar para mudar isso, não há “etapas de transição”, “mudanças seguras”, “bolos que precisam crescer” ou “partidos do povo”, o único caminho é a ruptura com esse sistema, o fim das relações de domínio, o fim da propriedade e todos tendo aquilo de que necessitam para viver. Só há o lutar ou a morte lenta da sociedade, sociedade pela qual todos somos influenciados, da qual dependemos e temos responsabilidade, mesmo que não aceitemos. Somos resultado dela, através da prática anarquista nós nos modificamos como indivíduos, mas a luta é para transformar essa triste realidade social, não para mudar um por um individualmente. Construindo novas práticas sociais, através das quais os princípios libertários tornar-se-ão um hábito, e novas relações de igualdade entre pessoas livres e conscientes do que fazem, e não entre escravos de aluguel alienados. Lutar, ou morrer lutando pelo anarquismo!

 

Coletivo de Estudos Anarquistas Domingos Passos. Fevereiro de 2003