Nosso
debate sobre Kronstadt teve seu eixo principal sobre o acúmulo revolucionário
desta cidade. Lembremos que a Revolução Russa não começou em 1917,
mas sim é parte de um processo que podemos datar com maior ênfase
em 1905. Lembremos que o acontecimento mais marcante deste ano atribulado
ocorreu na vizinha Petrogrado, numa covarde repressão dos homens do
czar sobre a população descontente. Neste mesmo ano foi criado o primeiro
soviete de que se tem notícia, também em Petrogrado, e ocorreram levantes
da armada, entre os quais encontramos o imortalizado encouraçado Potenkin,
no Mar Negro, e no Mar Báltico, na própria Kronstadt, onde entre os
navios rebelados estava ele mesmo, o encouraçado Sevastopol, o mesmo
de 1921. Foi principalmente durante os descontentamentos de 1905 que
uma cultura revolucionária que vinha da Europa Ocidental e que até
ali ainda encontrava muitas dificuldades de sair dos círculos intelectuais,
encontrou campo fértil. Recordemos desta tradição as lições do "1848"
francês e da Comuna de Paris, isto para citar apenas o caso da
França. Antes de 1905, os intentos do meio revolucionário na
Rússia estavam bastante limitados ao campo dos atentados políticos,
não havendo encontrado suficiente espaço popular. Justiça seja feita
a iniciativas como a dos populistas russos, que foram ao campo buscando
na própria cultura camponesa eslava o espírito socialista.
Foram justamente em cidades como
Kronstadt e Petrogrado que o "1905" russo teve seguramente maior repercussão. À experiência de luta da
Armada neste período, e dos trabalhadores somou-se a atividade de
pequenos grupos de diferentes tendências socialistas criando um ambiente
propício de acúmulo revolucionário que irá justamente culminar na
derrubada do absolutismo e posteriormente do próprio czar num curto
período de tempo, junto com as tendências tanto aristocratas quanto
burguesas da elite. Em 1917 as condições estavam propícias para uma
grande transformação na Rússia. O descontentamento atingia seu limite
e a soma da tradição revolucionária às classes populares vinha criando
uma arraigada cultura classista. Praticamente seguido à derrubada
do absolutismo, deu-se a derrubada do novo regime político, a Duma.
Pouco tempo durou portanto o parlamento burguês. É um disparate falar
apenas em fraqueza da burguesia. Rapidamente houve inúmeras expropriações
e haviam se espalhado pela Rússia uma rede de conselhos populares,
os sovietes. Uma iniciativa tão grandiosa da população não poderia
ter sido tomada sem o devido acúmulo de forças da classe trabalhadora.
A burguesia não caiu, foi derrubada. E lá estavam trabalhadores, marujos
e soldados de Kronstadt novamente. O que queriam? Todo o Poder aos
Sovietes. E ao perceberem após três anos e meio a ameaça bolchevique
às suas aspirações, não hesitaram em voltarem à luta. E de onde viria
tamanha clareza de propósitos, tamanha identidade de classe? Em Kronstadt
respiravam-se as inúmeras flores do socialismo, da revolução, havia
anos semeadas. Suas demandas e seu desejo revolucionário tinham muita
história e muito sangue para poder-se quiçá pensar em desistir.
Kronstadt!!
A seguir seus Passos.
Coletivo
de Estudos Anarquistas Domingos Passos, março de 2002