A
evocação desse valoroso lutador social, Domingos Passos, operário carpinteiro,
nascido e criado na cidade do Rio de Janeiro, negro, reúne em si uma
intensa história de vida, como também evoca a história de valentes combatentes
operários que enfrentaram sucessivos regimes de opressão, e com coragem
ameaçaram políticos, militares, policiais e patrões. Teve seu corpo
marcado pelas duras penas pelas quais passou, os calos da luta que acumulou
pelas inúmeras privações e prisões.
Não
vergava! Enfrentou persistentemente as autoridades, e inúmeras vezes
"repousou" algumas semanas na cadeia por agitar nos comícios. Suas palavras
eloqüentes não eram apenas frutos da importância que dava à leitura
esse operário autodidata, mas carregadas pela dura experiência das penúrias
e torturas por que passavam os lutadores anarquistas de sua época, quanto
mais se como ele, além de pobres, fossem negros. Seu destemor enfurecia
os soldados patronais, atormentados com sua audácia. Foi primordial
nas atividades de seu sindicato e também na organizaçao intersindical.
Sua sobrevivência ao campo de concentração de Clevelândia, no Oiapoque,
e sua fuga através da fronteira com a Guiana, atravessando a selva amazônica,
tinha algo de cinematográfico, impressionante, sendo batizado assim
de Bakunin brasileiro pelas suas audaciosas fugas da polícia, pela coragem,
por sua persistência e resistência às péssimas condições e torturas
nas prisões, assim como pelos seus discursos agressivos e coerentes.
Depois
de sua fuga mais espetacular até então, muda-se para São Paulo onde
volta à ativa no Comitê de agitação pró-Sacco e Vanzetti, da FOSP. Em
São Paulo conhece ainda mais as prisões e a tortura. Sua última prisão
foi ao voltar do Rio Grande do Sul, tendo escapado anteriormente da
polícia inúmeras vezes, é encarcerado finalmente na difamada Bastilha
de Cambuci, odiada pela população por sua clara função repressiva e
pelas condições com que eram tratados os presos. Lá passou alguns meses
numa cela escura, sem janela, onde recebia pouca comida e permanecia
incomunicável. Da cela foi retirado pela polícia com o corpo coberto
de chagas e atirado na mata de Sengés, no interior paulista. Conseguiu
atravessar a mata, chegando em situação deplorável a um povoado, de
onde escreveu uma carta para velhos companheiros. Estes enviaram-lhe
uma pessoa insuspeita da polícia com algum dinheiro para que sobrevivesse
algum tempo. Esta foi a última pessoa a dar notícias de Domingos. As
únicas notícias posteriores são as de boatos.
Em
sua história de luta do Rio de Janeiro a São Paulo, Paraná e Rio Grande
do Sul, enfrentou tanto a polícia como os políticos reacionários do
PCB, que se utilizavam dos métodos mais covardes para tirar as organizações
sindicais das mãos dos trabalhadores e controlá-las para suas próprias
finalidades. Muito contribuiu então para a manutenção da autonomia sindical,
a organização libertária dos trabalhadores, os ideais revolucionários,
a resistência à repressão policial, além de contribuir com seu maior
talento: a agitação.
Evocamos
este bravo lutador, inconformado de sua penúria, insurgente do povo,
que com imensa coragem enfrentou a ordem da miséria e da injustiça.
Insurgiu-se contra a opressão reinante, combateu os mercenários e carrascos
dos donos do poder, deu o sangue para abrir com seus companheiros o
caminho para uma nova ordem, uma ordem de pão e de justiça. Evocamos
um combatente digno, convicto em seus ideais, coerente na sua vida,
cujas feridas não lhe venceram, um homem de ferro.
Por
que a vida é luta!!!
Viva os que lutam!!!
Domingos Passos
Vive!!!
Coletivo
Domingos Passos - Niterói, 2001.