A Greve de 56 na Argentina
"Barraqueiros,
Condutores de Carros, Portuários, Federação Marítima,
Construções Navais - enumera lento, até suntuoso
- tinham um acordo pelo que se denominaram "grêmios pactantes"
e qualquer conflito - faz uma pausa, me olha e segue - que se originava
em um, imediatamente os outros saíam em solidariedade. Isso
foi lá pelo 26 e durou até o 30, quando deportaram,
entre outros, a Atilio Biondi e Usuahia" - explica José
Domingo Trama, de 90 e com 70 anos entregues à militância,
rodeado de fotos modificadas pelo tempo. Foi então que lhe
falaram dois companheiros: Atilio Biondi e Hermenegildo Rosales. Iniciou
entre os Navais como passarremaches e, em pouco tempo, lhe ofereceram
ser o bibliotecário do grêmio. Em 1956, com sua prisão
no cárcere de Devoto durante 6 meses, culminou a greve dos
astilheiros TARENA, conhecida como a mais longa do século.
-
Sabes por que te mantemos preso? Me disse ao sair o comissário
Ducasse de Ordem Gremial. E... haverá sido para tirar-me do
meio, lhe contestei. Não. Para que não te ocorresse
- disse ele - tirar da galera alguma proposta de negociação:
a greve estava perdida e o sindicato tinha que desaparecer. Caímos
lutando pelas 6 horas. Exclareço-lhe que entre nós havia
muitos operários peronistas. Defendiam a capa e espada a Federação
e coinscidiam com tudo, por sua confiança nos homens, que tinham
as mãos limpas. Muitos choraram ao perder a Federação
durante a greve. E lhe digo que eram quissá mais em porcentagem
que os anarquistas, que éramos ao redor de 15%. Ao ano da greve,
ilegalizados e clandestinos, com proibição de empregar-nos
aos Navais, os patrões nos chamavam. Com um - Lucio Ryan -
chegamos a firmar um convênio superior à CGT, mas estes
os obrigaram a passar-lhes nossa cotização mensal.
Em
Devoto esteve entre os presos comuns. Seu advogado defensor - Eduardo
Zanoni - lhe propôs solicitar translado mas ele se negou. "Me
receberam muito bem os chorros", explica agora e se desliza calmo
por suas recordações.
-
Sucederam coisas impressionantes entre nós, lhe falo do tempo
de Perón. Resulta que tínhamos um local formidácel
na Boca. E, o patrão, de sobrenome Raggio, nos quiz vender
a casa e o levamos à Assembléia. Mas, triunfou a maioria
que dizia que nós não podíamos ser patrões...
Trama
- orador legendário no porto, um dos últimos "Bicos
de Ouro" da FORA - não desdenha dizer o seu sobre o presente.
E se vale de frases bem precisas.
-
A grande desocupação que hoje padecemos obedece a que,
quando se privatizaram as empresas, estes sindicalistas modernos aceitaram
a demissão de pessoal em grande escala. Provas ao canto: SEGBA,
Telefônicos, YPF, e outros grêmios, que eram numericamente
poderosos. Por isso o movimento operário deve lutar pela prática
constante da solidariedade.
-
Que sente ante a CGT, apresentando os arquivos da FORA?
-
Quem os facilitou? Pergunto eu. Unicamente a polícia poderia
ter esses elementos. E se os entregou a polícia, a CGT não
tem outro caminho que devolvê-los aos seus legítimos
destinatários. Eles não têm direito a usurpar
de uma sigla, nem de um movimento operário que fez história
no país. Por sua seriedade, por seus homens de bem, por suas
regras e valores, que eram todo o contrário de quem hoje vive
aos custos dos trabalhadores e não lhes cabe, à luz
desse passado, outra denominação que delinqüentes
sindicais.
Trama
conta que seguia a Alfredo Palacios a quanto motim o tivesse por orador.
Aprendia de memória partes inteiras de seus discursos, as palavras
que usava.
-
A Humberto Correales a paravam os políticos para escutá-lo.
Uma coisa era o Bico de Ouro e outra o da barricada. Edmundo Latelalaro,
da Construção, era outro. O de barricada atropelava,
como dizia González Pacheco: "Que se sinta o peso de nossas
pelotas". O Bico de Ouro adornava com idéias, era conversador
brilhante. Rodolfo Almeida em câmbio, não servia para
a tribuna. Resolvia e fazia coisas que resultavam inverossímeis.
Era inteligente, mas em voz baixa. Depende também da tribuna.
Se ocupa uma do movimento operário, não vá querer
que vai falar muito às anchas...
-
Lembra de algum mestre?
Atilio
Biondi e Hermenegildo Rosales. Rosales, um índio ranquel. Tinha
uma cultura superior, era mui respeitoso. Me ensinou a diagramar um
periódico, a dar palestras, me ensinou a tudo. Tinha uma melena
a Palacios, pese que trabalhava em uma indústria onde a vestimenta
não requeria de muito luxo.
-
Quais são as idéias mais importantes do anarquismo,
úteis para um trabalhador hoje?
-
A Solidariedade, a Fraternidade e o Apoio Mútuo. Com esses
três eslaboles se pode arvorecer uma bandeira. A Solidariedade
é a daquele que por oportunidade dispõe de um pedaço
mais de pão e o brinda a outros. A Fraternidade trata do amor
ao próximo: os trabalhadores se abraçam em uma batalha
por conseguir um Convênio melhor. E o Apoio Mútuo significa
que um com outro e outro e outro vão formando um bastião.
E aí se vai tropessar o que vem para investir.
Nicolás
Doljanin, entrevista com José Domingos Trama - Argentina, 2001.
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