Documentos Sobre o Tema Mulheres

A MULHER NA LUTA PELA EMANCIPAÇÃO SOCIAL E HUMANA

Desde longa data o homem - com raras excepções - manteve a mulher numa posição de inferioridade, apesar do seu desempenho de tarefas tão ingratas e penosas quanto as suas.

Mas o aspecto dessa desigualdade mais gritante tinha suas origens no patriarcado e acentuava-se mais nos locais de trabalho onde o patronato usava e abusava de sua condição de "inferioridade".

Tratada como a fêmea do homem, aproveitada para trabalhos nem sempre dignos de uma cidadã que viria a ser esposa, a companheira e a mãe, a responsável pela procriação e pela continuação da raça humana, um dia levanta a voz e proclama sua libertação!

De começo tímida e sem apoio, não tardaria a conseguir a solidariedade de pequenos grupos e haveria de ver ao seu lado, correr em sua defesa, na defesa de seus direitos, o seu companheiro de infortúnio.

Passa desde então a participar de festas operárias, de conferências, de grupos de teatro social como elemento atuante e, aos poucos escreve jornais, publica manifestos, faz palestras e conferências, e organiza suas entidades de classe, onde se faz ouvir, onde emitem seus pontos de vista e proclamam a sua solidariedade humana.

Edgar Rodrigues


Documento 1
Às Mulheres, Aos Proletários, Aos Propagandistas


Nós todos temos interesse em não fazer nascer filhos não desejados, que os recursos de que disponhamos nos impediriam de alimentar e educar bem.

Os propagandistas resistirão melhor aos golpes da burguesia possuidora, se os encargos familiares lhes forem leves; e a batalha será dada mais audaciosamente.

Não sendo já esmagado por numerosos nascimentos seguidos de numerosas doenças muitas vezes mortais, o proletariado terá mais meios para fazer face à propaganda e à organização.

As mulheres libertadas da escravidão natural da fecundidade participarão das alegrias da luta pela emancipação ao lado dos seus companheiros. Nos lares entrará um pouco mais de bem-estar, e o homem e a mulher reconciliados pelo amor voluntariamente estéril encaminhar-se-ão juntos para a futura cidade da abundância e da liberdade.

A administração do periódico Regéneration, 27 rue de la Duée, Paris, XX (mensal, assinatura 1 fr. 50 por ano) envia por 0, fr.35 (cerca de 300 reis) os "Meios de evitar as grandes famílias" (em francês), brochura de 16 páginas, com gravura, e os pequenos folhetos seguintes a 0,05 cêntimos (cerca de 50 reis) cada um - "Livre amor, Livre maternidade" - "População e Prudência Procriadora"- "Maltheuse os neo-malthusianos" - "Educação Integral" - "Contra a Natureza" - "O Neo-Malthusianismo"- Próxima Humanidade" (todos em francês), dando as conclusões filosóficas e sociais desta ação salvadora ().

Documento 2
Pelas Operárias

É uma questão de humanidade esta que levantamos hoje, é a mais santa das causas esta que abraçamos e para a qual pedimos o auxílio de toda a imprensa honesta, de todos os homens de coração. Quem observe, embora superficialmente, o estado em que se acha São Paulo o elemento operário feminino, não pode deixar de reconhecê-lo triste, e de perguntar a si mesmo - se não é a maior das cobardias para nós e para todos olhar indiferentes um estado de coisas, que representa o assassínio moral de tantas infelizes. Exploradas ainda mais do que os homens, subjugadas mais do que eles a um horário insuportável, forçadas a submeter-se as mais brutais vexações, elas, as mulheres operárias vegetam inconscientemente em um ambiente embrutecedor.

São mocinhas costureiras e modistas que se submetem a permanecer até às 10-11 horas da noite nos ateliers, com o peito frágil curvado sobre o trabalho que deverá tornar bonita a mulher, a amante do burguês; são mulheres envelhecidas antes do tempo por serem obrigadas a ficar por 13-14 horas do dia na fábrica de tecidos e respirar os miasmas assassinos; são moças trabalhadoras em obras de carregação forçadas a conservar-se o dia inteiro e parte da noite pregadas à máquina de costura para depois receberem em troca de tão pesado trabalho não dinheiro, mas mercadorias as mais das vezes imprestáveis, sempre porém calculadas o triplo do seu valor real. E tudo por um salário tão irrisório, tão mesquinho que varia entre uma média de $500 a 2$000 diários.

E este estado de coisas continua, cada vez pior, porquê? Porque as mulheres operárias de São Paulo são inconscientes, e essa inconsciência é aproveitada contra elas.

Mas assim não pode, não deve ser.

É necessário um trabalho sério, constante de regeneração entre nossas companheiras e esta é nossa tarefa, este é dever de quantos almejam a reivindicação da dignidade humana. Por outro lado faremos o possível para que as operárias de São Paulo cheguem ao conhecimento de si mesmas, dos meios a contrapor contra a marcha da exploração capitalista.

Duvidamos, porém, que as nossas forças cheguem para tanto, duvidamos que sós possamos derrubar tantos prejuízos estúpidos, vencer tantas relutâncias.

Por isto, em nome do mais justo dos direitos, em nome da causa mais santa nós lançamos um apelo, apelo enérgico, desesperado a todos os homens de coração sem distinção de partido, a toda a imprensa que não come à mangedoura do capital e a todos dizemos: Coragem, constância amigos!

Trabalhemos pelas nossas filhas e esposas, pelas mulheres operárias. Elas estão arrastando a vida entre as trevas, levemo-lhes a luz do direito, da liberdade; são as escravas, façamos delas mulheres!

Nada deixaremos de pôr em prática: conferências, folhetos, jornais, tudo, tudo quanto pudermos; porém mais do que isso, mais do que tudo serve a propaganda assídua em família, a palavra convencedora de amigos, de irmãos, de companheiros de oficinas.

Comecemos portanto, os que realmente desejamos ser úteis à causa das operárias, comecemos esse trabalho de convicção, procuremos lançar, desenvolver entre elas a idéia da associação de classe e teremos já feito alguma coisa.

Todos nós temos irmãs, filhas, namorada, conhecidas enfim, que trabalham, que são escandalosamente exploradas, e entre elas podemos, querendo, desenvolver a nossa atividade.

Despertai portanto, amigos. Não nos deixai clamar ao deserto. Avante! Pela causa das operárias().


Documento 3
União das Cozinheiras

Tendo sido aprovados os Estatutos desta Benemérita Sociedade em reunião da classe, no domingo 8 do corrente, na sede da Benemérita Sociedade Mecânica Paraense, levamos ao conhecimento das cozinheiras em geral que no domingo, 15 do corrente, das 8 às 10 horas da noite, no mesmo local reunir-se-á a classe em peso para a eleição da nova e 1º Diretoria desta Humanitária e Benemérita Sociedade que tem de reger os seus destinos até 1º de Maio de 1914.

Temos a certeza que nenhuma cozinheira faltará a esta importante e solene reunião que tem o nobre fim da instalação da Associação de sua classe, que vem, dentro de pouco tempo trazer além de outros, os seguintes benefícios:

1º - Uma creche (casa onde todas as associações deixarão os seus filhinhos pela manhã quando forem para o serviço, e à tarde os irão buscar para os levar para sua casa na certeza de que foram durante o dia bem tratados).
2º - Quando qualquer associada precisar para as necessidades do parto, auxílios até 200$000.
3º - Médico e remédios quando doentes.
4º - Ajuda do funeral de 50$000 e 100$000.


Como verão dos seus Estatutos que serão distribuídos em breve por todos, os seus fins são além de beneficentes são humanos e filantrópicos.

A comissão organizadora espera que nenhuma cozinheira falte a esta grande reunião da classe.

A jóia desta Benemérita Associação é apenas de 5$000 e a cota é de 5$000 por três meses (trimestre).

Todos no domingo 15, das 8 às 10 da noite, na Rua Aristides Lobo, nº 103

A Comissão


Documento 4
Liga Comunista Feminista - À Mulher no Brasil

Companheiras!

A Liga Comunista Feminista, recém-fundada na Capital da República, lança um apelo ao vosso coração generoso de mãe, de esposa, de filha, para que se faça uma reunião enérgica, firme, persistente e desassombrada em prol da situação social em que nos encontramos.

Mães! Vede o espetáculo assombroso, que a época apresenta, um mundo a cair, outro a erguer-se; um que morre, outro que se levanta. O mundo velho é sombra, é ocaso, é noite, é luto; o mundo novo é luz que fulgura, é aurora que refulge, é dia que brilha, beleza que canta. Os dois têm combatentes formidáveis; qual dos dois indicados aos vossos filhos? O que recua ao passado ou o que se adianta ao futuro? O que entenebrece a vida humana ou o que vive para o amor social?

A guerra maldita devastou, matou, arrasou. Criminosos e inocentes foram levados pelo vendaval em fúria; há saudades, dores, lágrimas e lutos pelos cantos da Terra. Mas a vida não pára; comecemos novamente a vida, mas a vida esplêndida da Liberdade e da Justiça. Fazei vossos filhos batalhadores do ideal, que marcha, para que eles sejam vencedoras no dia de amanhã.

Esposas! Vossa tarefa é grandiosa, é insubstituível. Tendes a responsabilidade do vosso lar, o futuro de vossa família. Trabalhai por ele, esforçai-vos por ela. Sede a fiel companheira de vosso esposo, alentai-o, quando o vires desanimado, fortalecei-o, quando o choque da luta for tremendo e quebrantador. Animai-o sempre em perseverar nas boas ações, na tendência a conquistar aquilo que não tem, aquilo que lhe roubaram os magnatas do governo e os exploradores da burguesia.

O momento não comporta fraqueza. Urge trabalhar, agir; e deveis agir no sentido de que vosso companheiro seja uma unidade ativa no meio social, a lutar pelo advento de uma sociedade, em que não haja homens famintos, mulheres tuberculosas e crianças esfarrapadas.

Filhas! O futuro é vosso, que o futuro é dos novos. Ide-vos educando desde já para ele. Abandonai os míseros preconceitos de pátria e religião, pois que o futuro não terá estas duas megeras. Não vejais no homem o casamento rico, mas o amor livre, a plena união de dois seres que se adoram. Só assim a família que constituirdes será digna do futuro para que caminhamos: família livre, na humanidade livre, sobre a Terra livre!

Mães, esposa e filhas, que viveis no Brasil: vinde até nós, uni-vos, associai-vos! A Liga Comunista Feminina abre-vos os braços, acolhe-vos fraternalmente; vinde até nós, trabalhar por vós, por vossa família e pela humanidade!

vA Comissão


Documento 5
Bases de Acordo do Centro Feminino Jovens Idealistas

Fins

Considerando que a emancipação da mulher constitui uma necessidade para a liberdade dos povos e que essa emancipação só se conseguirá mediante a instrução racional e científica e pela luta consciente em prol dos seus direitos e reivindicações, este Centro propõe:

1º - Reunir em seu seio o maior número possível de pessoas de sexo feminino;

2º - Manter nas mais estreitas e amistosas relações com todas as pessoas que tenham aspirações de liberdade e com as instituições cujos fins tendam à emancipação da Humanidade.

3º - Trabalhar no sentido de instruir e educar as mulheres para assim elevar-lhes o caracter e torná-las aptas a conquistar a sua emancipação.

Para este fim empregará os seguintes meios:
a) Criar escolas gratuitas para as jovens e meninas que desejem instruir-se;
b) Fundar bibliotecas, editar publicações de propaganda de educação e regeneração social;
c) Organizar conferências, festivais instrutivos e recreativos, etc;

4º - Combater todos os males sociais assim como as causas que as originam, e aderir a todas as iniciativas que tiverem esse fim.

Orientação

5º - Este Centro não obedecerá a nenhuma seita religiosa nem tem tendências políticas. Orientar-se-á simplesmente pelos sãos princípios dos ideais modernos, tendentes a regenerar e educar a Humanidade.

6º - A sua obra de educação não se limitará a desenvolver-se entre o elemento feminino. Ela se estenderá aos trabalhadores em geral, sempre que lhe for possível.

7º - Sendo todas as sócias consideradas absolutamente iguais entre si, o Centro não concederá a ninguém distinções honoríficas.

8º - Como o principal fim deste Centro é instruir as suas associadas, serão permitidas em seu seio discussões e trocas de idéias, quaisquer que sejam as tendências dos que usarem deste direito, sempre que não descambem para o terreno das questões pessoais e das injúrias. Aceitará, pois, todas as propostas que lhe forem feitas, para a efetuação de conferências ou palestras, dando aos que as efetuarem a mais ampla liberdade de palavra, liberdade que se estenderá a qualquer pessoa que queira controverter a primeira;

9º - Como os fins deste Centro não tendem a separar os sexos e sim a fazer que melhor se compreendam e se respeitem, o que eqüivale a uni-los com laços mais sólidos que os existentes, embora não aceite como sócios a pessoas do sexo masculino, não recusará o concurso que este possa e queira prestar-lhe. Pelo contrário, deseja-o até ficando grato a quantos o ajudarem na obra que pretende realizar.

Comissão

10º - Não terá o Centro uma diretoria com poderes autoritários. Para as necessidades de representação e administração e para a execução dos acordos tomados, bastará uma comissão eleita por unanimidade, sem tempo determinado de exercício, constituída por uma secretária, uma tesoureira e várias auxiliares em número indeterminado, conforme as necessidades do momento;

11º - Os trabalhos de propaganda e execução dos fins deste Centro, não recaem unicamente sobre a comissão. Todas as sócias deverão prestar o concurso que lhe for possível;

12º - Os membros da comissão não receberão salário algum. Apenas, se alguma sócia operária, pertença ou não à comissão, tiver de perder um ou mais dias de trabalho em serviço do Centro, este a restituirá no equivalente aos dias perdidos.

Admissão de Sócias

13º - Poderão fazer parte deste Centro todas as pessoas do sexo feminino que assim o desejarem, sem distinção de idade, nacionalidade ou condição social, bastando para isso, indicar à secretaria o nome e endereço;

14º - Poderá também ser sócia qualquer mulher que, embora possuindo idéias contrárias à orientação deste Centro, não pretenda dar a esta uma outra, gozando no entanto, de maior liberdade para expor os seus princípios ou tendências.

Administração

15º - Será confiada à tesoureira eleita pela assembléia;

16º - O Centro não constituirá fundos sociais. Em caixa só poderá haver quantias insignificantes, tendo em conta que, se quisermos desenvolver a nossa obra, teremos muito em que empregar o produto de mensalidades ou contribuições voluntárias;

17º - As necessidades do momento indicarão a melhor forma de contribuição monetária.

Assembléias

18º - Todas as questões de importância deverão ser resolvidas em assembléia geral, salvo casos excepcionais;

19º - A Comissão poderá resolver os assuntos insignificantes ou de urgência.

Documento 6
O Comitê das Mulheres Trabalhadoras Apoia os Gráficos Paulistas em Greve!

Aos Camaradas gráficos de São Paulo

O Comitê das Mulheres Trabalhadoras, seguindo a linha do seu programa de ação, é solidário convosco em todas as manifestações de protesto contra as arbitrariedades cometidas pelo governo paulista contra operários que reclamam pacificamente direitos sagrados e incontestáveis que lhes eram negados por patrões gananciosos.

Mães, filhas e companheiras de operários, nós não podemos fugir ao vosso apelo sobre auxílios materiais às famílias dos nossos camaradas grevistas. E vos comunicamos que, não só nos constituímos em Comitê Pró-Socorro aos Grevistas, como faremos publicar nos jornais um caloroso apelo a todas as mulheres trabalhadores do Brasil para que fundem comitês de socorros idênticos, de norte a sul do país.

Vivam os grevistas de São Paulo!

Viva a futura C.G.T.!

Viva a solidariedade operária

A Todas as Trabalhadoras do Brasil

Companheiras!


Mais de 6.000 operários gráficos de São Paulo, exigindo pão para os filhos e o cumprimento do Código de Menores e da lei de férias, acham-se em greve pacífica, em luta contra patrões gananciosos e pérfidos, e contra o governo paulista que, unido aos patrões, persegue e prende os grevistas. Quer dizer: mais de 6.000 mulheres e crianças proletárias estão ameaçadas de morrer de miséria e de fome; mais de 6.000 lares proletários mergulham-se hoje em tristeza e angústias pavorosas.

O Comitê Pró-C.G.T. pede que os operários do Brasil socorram essas mulheres e crianças, apaziguando as torturas dos corações dessas mães e secando as lágrimas dessas crianças famintas! Solidário com esse apelo, o Comitê das Mulheres Trabalhadoras recorre ao coração e à energia das mães proletárias do Brasil.

Que cada companheira, de norte a sul do país, concorra com o seu auxílio a essa obra de solidariedade proletária!

Que se fundem por todo o país, comitês femininos de socorro às mães, companheiras e filhos dos grevistas.

Que cada comitê envie ao Comitê Pró C.G.T., através do Comitê das Mulheres Trabalhadoras do Rio (Rua da América, 56 sobrado), as quantias apuradas, para serem entregues aos grevistas e às suas famílias!

Vivam os grevistas de São Paulo!

Viva a futura C.G.T.!

Viva a solidariedade proletária da mulher trabalhadora do Brasil!

O Comitê das Mulheres Trabalhadoras

Documento 7
Mães Brasileiras, Mulheres do Brasil!

Doloroso e trágico presente, deixaremos transformar-se em foros de justiça...fascista, dentro da Constituição Brasileira, jurada ontem, se não nos opusermos, pertinentemente, se não protestarmos - até que consigamos a sua liberdade - contra o atentado inominável que a polícia política do Brasil acaba de cometer, prendendo, incomunicável, uma menina indefesa sob o pretexto de extremismo. Mulheres brasileiras!

Geny Gleiser é uma operária. Geny é dessa classe explorada, cujos expoentes de caracter, de convicções, de coragem, são trucidados lá pelas matas da Tijuca, apodrecem no fundo dos cárceres ou nos porões dos navios, sem que os seus amigos ou camaradas consigam arrebatá-los ao seu martírio. Mas, os moços bonitos, da fina e alta sociedade, os vossos filhos, filhos de altas patentes militares, de políticos, de capitalistas, de diplomatas, os filhos de Papai, esses têm o direito (de classe...) de gritar alto as suas convicções de comunistas ou integralistas, vestem a camisa verde do fascismo nacional, sem que, por isso, a polícia política os incomode.

Por que, oh esposas de juizes, de chefes de polícia, de delegados da ordem social, oh mães que vos preocupais exclusivamente com os vossos filhos, esquecendo-se dos filhos das outras mães: - na sociedade injusta, cruel, sanguinária em que vivemos, há apenas duas classes sociais: a dos trabalhadores manuais e a dos exploradores dos braços humanos.

Mas os tempos são chegados...

Observai bem o que se passa no mundo. Notai, mulheres brasileiras que os tempos estão mudados. Na Alemanha nazista, grandes damas da "alta e boa sociedade", ainda dentro do regime burguês, defendido por vós, já foram degoladas a machado, como na idade média, pela tirania paranóica de Hitler.

Vamos entrar no período de fogo do ciclo negro da transformação social. Daí a loucura coletiva dos dirigentes do mundo inteiro, daí o delírio do autoritarismo do Direito da Força contra o Direito do Viver das consciências livres que se abrem para um sonho mais alto de liberdade.

Ontem, São Paulo lutou contra todo o Brasil para exigir a Constituição Brasileira e colocar o país sob o regime da legalidade. Hoje, é a polícia política de São Paulo que salta por cima da Constituição, sob o pretexto de extremismo, martirizando uma menina operária indefesa, encarcerada sem sumário de culpa, sem processo, cujo crime consistiu em comparecer a um Congresso de jovens.

Para que servem as leis? Onde anda a Constituição jurada por São Paulo? Em que pensam os juizes de menores desta terra?

Notai, oh mães brasileiras, que a juventude de hoje já não é aquela de uma geração atrás: um mundo novo está sendo forjado através da inquietação dos vossos filhos, cada qual buscando a solução para os angustiosos problemas sociais que nos atormentam a todos, neste momento amargurado por que passa a humanidade.

Somos a ponte entre dois ciclos da evolução humana.

A luta de classes já é uma dura realidade de hoje, para o princípio de um grande fim...

Se, até aqui, a burguesia das castas e do poder governou o mundo, tiranizou os oprimidos e explorou o trabalhador, de agora em diante, mulheres brasileiras, atentai bem: não haverá mais nenhuma consideração ao sexo, à idade, à fragilidade feminina, à riqueza ou à posição social.

A Itália de Mussolini, na sua fúria de rapinagem, acaba de decretar a "mobilização de experiência" de dez milhões, incluídas as mulheres e as crianças!

Cuidado com as vossas filhas!...

Hoje é Geny Gleiser a encarcerada incomunicável, amanhã será qualquer bonequinha de salão, dessas que fazem a delícia das vossas vidas de mães burguesas, indiferentes às desgraças do mundo inteiro.

Se hoje não vos preocupa o martírio inominável de uma menina quase criança, sujeita, quem sabe, às maiores humilhações do cárcere comum, amanhã, oh mães, isso mesmo se passará com as vossas filhas queridas.

Porque, oh mulheres da minha geração, a geração dos vossos rebentos é já o alvorecer do novo mundo. E, o que vos parece indisciplina, independência, imoralidade, loucura dos vossos filhos ou dos filhos das outras mães, o que não podeis compreender neles, é essa inquietação moderna, resolvida a abalar os alicerces da sociedade brutal em que vivemos, em busca de uma vida nova, que há-de vir, apesar do caos da reação do Direito da Força.

Esse anseio de Liberdade palpita angustioso no coração da juventude moderna. Geny Gleiser, mulheres brasileiras, é judia. É descendente dessa raça de titãs que renasceu das torturas medievais. No Brasil, oh mulheres desta terra maravilhosa de luz e de beleza, mulheres da terra fraternal que recebe os povos de todas as terras, no Brasil, não pode haver preconceitos de raça.

Somos a amálgama de todas as raças, de vários povos de todos os continentes. A perseguição a uma judia, é outro precendente aberto para dar forças ao fascismo nacional sedento de um bode expiatório para o seu delírio de crueldade, esse mesmo fascismo, irmão do nazismo alemão, o qual degola a machado também as mulheres lindas da alta burguesia...

Não! mulheres do Brasil, não podemos consentir no atentado inominável à liberdade de uma criança, quase inconsciente, cuja exaltação emotiva, cuja inteligência, cuja coragem desafia a covardia do Direito da Força armada da polícia política - que teve o extremismo de uma menina franzina de 17 anos de idade.

Notai bem, mulheres de hoje, já é cadáver uma sociedade armada até aos dentes e que aponte como perigosa, à ordem social, uma menina, uma operariazinha modesta, uma adolescente, sexo frágil... nascida entre os párias desarmados...

A sociedade burguesa é impermeável: não chega a compreender que uma menina nascida na Romênia, naquela terra descrita magistralmente por Panait Istrati, no seio da miséria e dos cardos de Baragan, uma menina que viu sua mãe se suicidar porque não pode ver os filhos morrerem de fome, a mentalidade burguesa não chega a compreender que uma menina dessas viveu cem anos e busca por toda a parte a solução para os problemas da miséria e das injustiças sociais.

Não compreende que, sofrimentos tais, torna a juventude encouraçada contra todas as tiranias.

Atentai ainda, mulheres brasileiras, vós que não conheceis os cardos de Baragan, vede bem: de 1924 para cá, aqui mesmo, entre nós, as prisões têm sido abertas para receber mulheres da boa sociedade, artistas e intelectuais da pequena e da alta burguesia, e o exílio tem abrigado políticos "eminentes". deputados, senadores, presidente da República...jornalistas, delegados da Ordem Social... E quantos deles se na hora da troca de donos?

O mundo está ás vésperas de notáveis transformações de valores.

Não apelamos nem mesmo, para a emotividade proverbial ou para a generosidade tão decantada, em prosa e verso, da mulher brasileira, mas, apelamos para o vosso egoísmo de mães: se quereis a liberdade dos vossos filhos, defendei a liberdade dos filhos das outras mães. Se quereis a felicidade do vosso lar, lembrai também dos lares desgraçados, onde a dor se alojou na tortura de um pai que viu suicidar-se a mulher, vencida pela miséria, e vê, hoje, a filha martirizada pelo crime inominável de buscar, por toda a parte, a solução para o problema da solidariedade humana de fraternidade universal.

Não se discutem agora, as idéias políticas ou as convicções de uma menina que conheceu a desgraça ainda quase no berço e é por isso, que aprendeu a pensar.

Sim, porque, quem nasceu entre os trapos da miséria não sabe olhar o mundo como os que se divertem nos Copacabana Palace...

Daí que os altos chefes de Polícia e dos juizes de menores não podem conceber como uma menina de 17 anos possa pensar em Congressos, porque as suas filhinhas só pensam em corridas, em bailes e nas lindas fantasias para o carnaval... Dois mundos antagônicos.

Mas, saibamos pelo menos respeitar o heroísmo de uma operariazinha de 17 anos que, depois de trabalhar o dia inteiro, à noite procura instruir-se em uma escola noturna ou freqüenta Congressos, para aprender o que é sociologia, economia política ou o que significa materialismo histórico.

Geny Gleiser é um símbolo: o da nova geração de avanguardistas.

Não! Mulheres Brasileiras! Não podemos consentir em tamanha barbaridade.

Se dentro de 10, de 5 anos, o mundo capitalista entra na fase final da sua agonia, pela incapacidade burguesa de solucionar o problema social da equidade econômica, as vossas filhas serão também atiradas no sorvedouro do naufrágio de um ciclo histórico. Serão engolidas no torvelinho, sem a sua incapacidade de compreensão e egoísmo as embotar dentro do poder, da autoridade ou da reação. Mas sairão rejuvenescidas da luta construindo o mundo novo, se a sua inquietação e a sua generosidade as impelir a ser solidárias com todos os avanguardistas de todos os matizes, todos os que sonham com a fraternidade humana - onde haverá pão para todas as bocas e um raio de luar para cada consciência.

É com um mundo desses que sonhou Geny Gleiser, onde a sua mãezinha não se suicidaria porque viu com fome a sua filhinha querida...

Vamos, mulheres da milha terra, mulheres da nossa terra tão grande que pode abrigar povos de todas as terras; arranquemos do cárcere essa menina que já não tem mãe e que bem podemos adotar como filha. E não faremos mais do que o nosso dever de mulheres e de mães que se prezam de o ser.

E mandemos, num beijo maternal, duas palavras a essa menina mártir.

Geny Gleiser: Neste momento, todas as mães brasileiras conscientes reivindicam um pouco dos direitos maternais da tua mãezinha que morreu amargurada, na tortura inominável de te ver com frio e com fome, naquela terra infeliz dos cardos de Baragan. E não descansaremos, enquanto não te restituirmos à liberdade a que tens direito.

Responsabilizamos a polícia política e acusamos os detentores da tua liberdade, se a tua saúde se ressentir ou se um traumatismo te fizer sangrar os nervos na tortura da tua imaginação de adolescente.

O nosso coração está junto do teu coração. Até breve, Geny Gleiser().


Documento 8
Estatutos do Sindicato de Tecedeiras e Classes Correlativas

Art. 1º - O Sindicato de Tecedeiras e Classes Correlativas, fundado na cidade do Rio Grande, Estado do Rio Grande do Sul a 27 de Março de 1919, compor-se-á de todas as operárias empregadas nos respectivos misteres, e terá por fim:

a) completa emancipação do sexo feminino;
b) a defesa de seus interesses morais e econômicos;
c) resistir ao monopólio e à exploração do capital;
d) aumentar progressivamente o salário e diminuir as horas de trabalho;
e) regulamentar o trabalho e melhorar as condições higiênicas nas dependências em que labutarem as suas associadas;
f) manter uma biblioteca de obras sociológicas e de educação doméstica;
g) promover conferências, palestras, distribuir manifestos, e sempre que as condições do Sindicato o permitirem, auxiliar a manutenção de um jornal operário;


Art.2º - O Sindicato, tendo em cada associada um membro e em todas a força, não terá pontos fixos a obedecer, competindo às Assembléias resolverem todos os casos de utilidade, incumbindo aos delegados ou qualquer nomeada por elas, executar-lhe as decisões, respondendo pelos seus atos perante as mesmas.

Art. 3º - O Sindicato não poderá tomar parte em manifestações políticas ou religiosas, assim como nenhuma associada poderá servir-se do nome do Sindicato para tais fins.

Administração


Art. 4º - Os trabalhos administrativos serão feitos por uma Comissão Executiva eleita por seis meses a contar da data em que foi empossada, e composta de seis associadas assim designadas: Secretária Geral, Secretária de Atas, Secretária Auxiliar, Bibliotecária, Tesoureira e Vice Tesoureira.

Art. 5º - Às associadas componentes da C. Executiva, compete:


À Secretária. Geral: Convocar as reuniões da C. Executiva e presidi-las; encarregar-se de toda a correspondência do Sindicato, assiná-la; autorizar despesas e pôr o - Pague-se- em todas as contas; acompanhar a Tesoureira ao banco quando tiver de retirar qualquer quantia; deixar cópias de toda a correspondência e assinar com a Tesouraria a Caderneta associativa; abrir os trabalhos das Assembléias. À Secretária de Atas - Redigir fielmente as atas de todas as Assembléias, secretariando-as; organizar o expediente de todas as Assembléias; substituir a Secretária Geral em todos os seus impedimentos temporários; acompanhar a Tesoureira quando tiver de fazer retirada de alguma quantia do banco; enviar à redação do jornal operário, toda a notícia que interessar à classe.

À Secretária Auxiliar - Auxiliar a Secretária de Atas todas as vezes que esta precisar, assim como à Bibliotecária; substituir a Secretária de Atas nos seus impedimentos passageiros.

À Tesoureira - Encarregar-se de todo o serviço concernente à tesouraria e manter os respectivos livros escriturados em dia; apresentar mensalmente um balancete do movimento da tesouraria; pagar as contas com o -Pague-se- da Secretária Geral; depositar em conta corrente o excedente de trinta mil reis, única quantia que poderá ter em seu poder, em um banco que a Assembléia autoriza-lhe; retirar do banco, em companhia da Secretária Geral e da Secretária de Atas, toda a quantia autorizada pela Assembléia.

À vice-Tesoureira - Auxiliar a Tesoureira em tudo que lhe for solicitado; substituir a Tesoureira em seus impedimentos temporários.

À Bibliotecária - Encarregar-se de todo o movimento da Biblioteca, tendo catalogados todos os livros da mesma; passar recibo de toda a saída de livro da biblioteca; zelar pela conservação da biblioteca, pela qual é a única responsável; tratar do seu desenvolvimento constante.


Art. 5º - A Comissão Executiva reunir-se-á tantas vezes quantas forem necessárias.


Art. 6º - A Comissão Executiva apresentará mensalmente à Assembléia um projeto de orçamento para o mês que começa.


Art. 7º - Em caso da Comissão Executiva achar-se embaraçada no desmpenho de suas funções solicitará da Assembléia autorização para recorrer à Federação Operária local pedindo pessoas de confiança para auxiliá-la e sem que sejam remuneradas.


Art. 8º - Qualquer componente da Comissão Executiva que faltar a três reuniões consecutivas sem motivos justificados será destituída pela Assembléia.


Art. 9º - A Comissão Executiva, cujas funções são apenas executivas nunca de mando, poderá ser destituída pela Assembléia quando não estiver correspondendo aos interesses da coletividade.

Das Assembléias


Art. 10º - As Assembléias serão convocadas pela Comissão Executiva, com três dias de antecedência, por meio de boletins e pelo jornal operário.

Parágrafo Único - Aberto os trabalhos da Assembléia pela Secretária Geral, esta convidará aquela a clamar uma associada para presidir os respectivos trabalhos.

Art. 11º - As assembléias funcionarão com a presença de 50 sócias quites; passando, porém, uma hora à marcada para a abertura dos trabalhos, funcionarão com o número que estiver presente.

Art. 12º - As Assembléias ordinárias que se realizarão, impreterivelmente, de 1 a 8 de cada mês, servirão:

a) para se discutir e se fazer propostas;
b) nomear comissões necessárias;
c) discutir e aprovar o projeto de orçamento apresentado pela Comissão Executiva;
d) tomar conhecimento de todas as ocorrências surgidas durante o mês anterior e resolver todos os casos de interesse para a classe;
e) tomar conhecimento do balancete da Tesoureira, fiscalizando-o;
f) aprovar regulamentos e pô-los em vigor.

Disposições Gerais


Art. 13º - As retiradas de dinheiro do banco, serão feitas pela Tesoureira, Secretária Geral e Secretária de Atas, depois de autorizadas pela Assembléia.

Art. 14º - A Secretária Geral só poderá autorizar despesas de 20$ além das previstas no orçamento aprovado pela Assembléia.

Art. 15º - Toda vez que 15 sócias quites requererem por ofício uma Assembléia, a Comissão Executiva terá de convocá-la dentro do prazo de três dias.

Art. 16º - Fica criada a Caderneta Associativa, nas seguintes condições e na parte exterior da capa levará as letras S.T.C.C. e impressos os presentes Estatutos, tendo a ainda páginas com 12 quadros em branco, por página, afim de serem apensos os selos de quitação com o carimbo do Sindicato.

Parágrafo Único - Em caso de extravio da Caderneta Associativa, que só será fornecida gratuitamente de três em três anos, a associação terá de pagar 2$000 para adquirir outra.

Art. 17º - Cada associada pagará 500 rs de mensalidade.

Art. 18º - Perde os direitos de sócia toda a associada que deixar de pagar três mensalidades, sem motivos justificados.

Art. 19º - O Sindicato poderá admitir como sócias, ex-operárias ou não, que a juízo da Assembléia possam ser úteis à classe.

Art. 20º - A associada que presidir os trabalhos da Assembléia só terá o voto de desempate, não podendo tomar parte nas discussões e não permitirá alterações ou apartes imprudentes, concedendo a palavra pela ordem que for sendo pedida.

Art. 21º - O Sindicato reconhece como dia de descanso o 1º de Maio, em sinal de protesto contra o despotismo da classe dominante.

Art. 22º - O Sindicato terá sem remuneração de qualquer espécie, dois delegados junto à Federação Operária Local, os quais deverão ser genuínos operários e poderão ser destituídos toda a vez que não correspondam aos interesses do Sindicato.

Parágrafo Único - Aos delegados junto a F. O. cabe interpretar os interesses do Sindicato e transmitir a este as deliberações da F. Operária.

Art. 23º - Toda a associada que exercer mando no desempenho das funções, não pode pertencer à Comissão Executiva, sem ser nomeada para qualquer comissão.

Art. 24º - O Sindicato manterá relações de solidariedade com todas as associadas operárias do país e do estrangeiro.

Art. 25º - O Sindicato não poderá admitir a intervenção de pessoas estranhas à classe, quer esteja em greve ou não, sem prévia comunicação à Federação Operária Local, a qual deliberará a respeito.

Art. 26º - O Sindicato não poderá declarar greve sem prévio aviso e assentimento da Federação Operária Local.

Art. 27º - Será eliminada toda a associada que a juízo da Assembléia, tiver praticado atos que prejudiquem os interesses de classe.

Art. 28º - A Assembléia, além do disposto no art. 12º e suas letras, nomeará uma comissão que cumprirá a sua missão durante os seus trabalhos, para examinar o balancete da Tesouraria e lavrar parecer.

Art. 30º - O Sindicato não se responsabiliza por dívidas que não forem direta e legalmente contraídas por ele

Art. 31º - A bandeira do Sindicato será encarnada e debruada de preto; sobre o centro, em linha horizontal, as letras S.T.C.C. de cor preta, também.

Art. 32º - Os presentes Estatutos poderão ser reformados toda a vez que uma Assembléia para tal fim convocada ; para o que nomeará uma comissão para estudá-los e apresentar o seu projeto de reforma.

Art. 33º - Qualquer caso imprevisto nestes Estatutos a Assembléia resolverá.

Art. 34º - Revogam-se as disposições em contrário.

Documentos reunidos por Edgar Rodrigues

Arquivo de história social Edgar Rodrigues