Mulher
e Igualdade
Tudo
é absorvido pela mídia e, como era esperado, o dia 8
de março, o dia da mulher, foi apresentado em jornais e tevês
de modo superficial, asséptico, com lindos versos, com imagens
prontas de belas artistas que se destacaram nos últimos meses.
Mas esta questão não é superficial e o pior é
que está dentro da gente, em nossos sentimentos, em nossos
comportamentos, na família, no trabalho, na educação
que tivemos, na educação que passamos para as próximas
gerações. Nosso dia-a-dia passa, e que passe. Mas para
que nossas idas e vindas resultem em algum crescimento, precisamos
não deixar passar sem comentários algumas questões,
e em função da data, a questão da mulher.
Para
toda a minoria que é discriminada pela sociedade, é
importante a união e a luta por seus direitos. Aí já
começa um problema, pois quando nos unimos e levantamos as
questões, com o objetivo de apontar e solucionar um conflito
já existente, muitas vezes, quem está de fora, especialmente
quem se sente ameaçado com esta postura, se levanta contra.
E mais conflitos são criados. Na questão da mulher,
acontece de, tanto o homem, como as próprias mulheres, se esquecerem
de que não estão lutando uns contra os outros, mas visando
alcançar a igualdade de direitos e deveres.
Obviamente
que as pessoas são diferentes. E igualdade de direitos e deveres
não implica terem que agir da mesma forma. A igualdade começa
pelo respeito mútuo, pelo mesmo direito de ser feliz e ter
prazer, pelo direito que se tem de optar, escolher, ouvir e ser ouvido,
dividir as tarefas, as tristezas e as alegrias.
Também
é importante analisar a dificuldade que as pessoas têm
hoje em se unir, independentemente do motivo. Cada um se preocupa
com seu próprio umbigo. Caminhamos como cavalos com antolhos.
E
este individua-lismo é tão presente que não podemos
nem criticar, é uma postura que está sendo imposta à
humanidade. A culpa deste individualismo generalizado, sabemos, é
do modo capitalista, que atinge da mesma forma homens e mulheres.
Respiramos capital, vivemos capital. E, também a questão
da mulher está mesclada de capital. Acontece que as mulheres
que conseguem se posicionar no mercado de trabalho, de modo geral
conseguem ter suas posições e necessidades mais bem
aceitas e atendidas do que as que ficam em casa ou não conseguem
uma boa situação e educação. Por isso
as mulheres caem, junto com outras minorias, no famoso paradigma de
que vencer na vida é agir como age quem está no poder,
invariavelmente dominador, autoritário, explorador e destruidor.
Porque, é verdade, quem ganha bem e abre a plumagem, é
respeitado. E quem não quer ser respeitado, e viver bem e com
mordomia? Isso resulta em que a mulher lute para se igualar ao homem
autoritário, mas esquece da luta maior que é a luta
pela igualdade de direitos e deveres para todos.
Outro
aspecto importante a ser analisado, se refere aos grupos que se formam
na luta contra as discriminações, ou a favor de seus
direitos. Muitas vezes estes grupos aparecem com um discurso em torno
da igualdade, apontando os preconceitos e arrochos a que estão
sendo submetidos, mas acabam criando burocracias, hierarquias, segregações,
autoritarismo. E muitas vezes presenciamos palavras como solidariedade
e igualdade serem ditas para justificar a união de um grupo
e a distribuição de tarefas, mas, em vez de avançarem
em direção à verdadeira igualdade de direitos
e deveres, são criadas estruturas internas e subgrupos que
se dizem revolucionários mas, na verdade, almejam controlar,
ditar as regras. Ou seja, dentro do próprio grupo são
criadas diferenciações.
Muitas
vezes o indivíduo, ou grupos, ou organizações
têm dificuldade em sair de seu mundinho e acabam presos em preconceitos
individuais ou criando pequenas violentas gangs que brigam entre si.
Em
geral, a mídia critica as utopias. Incorporam à palavra
utopia o sentido de irrealidade, fantasia, quimera. Ridicularizam
as utopias e focalizam apenas o agora, o presente. Entretanto, utopia
significa ter um objetivo, e o que está faltando, não
só para o indivíduo, ou para as comunidades, mas para
toda a humanidade, é justamente uma visão de conjunto
e um objetivo maior. Criticam as utopias, mas hoje, em meio a tanta
violência e miséria, a beleza do mundo está justamente
na beleza das utopias. Sem objetivo não se consegue traçar
o rumo.
O
anarquismo - que significa sem hierarquia, sem dominantes ou dominados
- procura a igualdade de direitos total da humanidade, a solidariedade
total, o respeito ao ser humano. Aponta as discriminações
a fim de mostrar a necessidade da igualdade. Direito à saúde,
à educação, ao lazer, ao ofício, ao abrigo,
ao prazer. Direito de ser gente, de se respeitado, direito a ser diferente,
direito à igualdade de direitos.
Por
falar em anarquismo e em mulheres, não podemos deixar de citar
algumas das mulheres anarquistas que se destacaram neste século,
de leitura indispensável, como Emma Goldman, Maria Lacerda
de Moura e Louise Michel.
As
mulheres, os negros, os sem-terra, os desempregados, os subempregados,
os deficientes, os miseráveis, assim como toda e qualquer minoria
têm que se defender ou serem defendidos. A luta tem que persistir
e, se ainda não existe, que seja erguida. Mas, sem transformar
qualquer minoria em grupo fechado. Porque o objetivo é a humanidade
livre, sem barreiras, igualdade de direitos e deveres, saúde,
educação e justiça igual para todos, dignidade
para o povo. E quando se vê este objetivo maior que engloba
toda a humanidade, se entende que a luta contra as segregações,
contra os preconceitos, é uma luta de todos, e não apenas
das minorias discriminadas. Porque enquanto houver discriminação,
não haverá igualdade e liberdade.
Libera
edição 82, Março de 1998