Proudhon:
Sobre a Educação
Sublinharíamos
que a noção de “educação progressiva”
está no centro de tudo o que, no pensamento proudhoniano, diz
respeito ás estreitas ligações entre o desempenho
individual e a reforma social. Quando o nosso autor trata da igualdade,
do trabalho ou da democracia, é sempre de educação
que ele fala. Além desta concepção abrangente,
Proudhon tinha também pontos de vista originais sobre a escola
e a formação profissional. Pode-se dizer sem excessos
que para ele a educação, sob os seus diferentes aspectos,
é por vezes o fim e os meios da Revolução.
Agitando-se na sua própria conduta e daquela que ele recomenda,
não deixou de considerar-se como um estudante perpétuo,
a sede do conhecimento era para ele primordial e permanente: “Toda
a vida do homem é uma aprendizagem” ( Carnets, 2-84 ).
É somente neste sentido que lhe pode atribuir-se de forma positiva
o epíteto de “autodidacta”, portanto o termo nele
foi frequentemente juntado em má parte. Tanto como, professando
que o conhecimento é efémero se ele não é
partilhado, ele reivindica como congenital a sua vocação
de ensinamento: “É um ensinamento que eu quis fazer,
um ensinamento de palavra e de exemplo” ( Carnets, 3-89 ). Aprender
sem parar, tendo como objectivo transmitir o seu saber aos demais
desarmados afim de torná-los aptos para transformar o mundo,
tal é a conversa daquele que nunca renegou as Lumières.
Este duplo apelo está desde já proclamado, com uma sonante
consciência sua, na célebre carta de candidatura à
Pension Suard, que vai determinar o futuro do jovem operário
tipógrafo. Mais particularmente no parágrafo final que
um conselho prudente fá-lo-á acalmar:
“Nascido
e criado na classe operária, surgem-lhe ainda, hoje em dia
e sempre, no coração, o génio, os hábitos
e sobretudo a comunidade dos interesses e dos desejos, a grande alegria
do candidato, se ele reunisse os vossos sufrágios, se ria (…)
ter sido julgado digno de ser o primeiro representante junto de vós;
e de poder muito trabalhar sem descanso, para a filosofia e ciência,
com toda a energia da sua vontade e todos os poderes do seu espírito,
a libertação completa dos seus irmãos e companheiros.”
( a Ackermann, de 13 de Junho 1838, Cor., I-52 ).
Cada um dos instantes do escritor permanecerá fiel a este empenho.
É a partir dele que ele praticará as suas três
actividades mais ou menos confusas do investigador, do autor e do
jornalista. Á parte, uma breve passagem - por outro lado, pouco
convincente! - à Assembleia nacional de 48, Proudhon não
fará nunca outra: a educação do povo ocupou-a
sem descanso e exclusivamente.
Portanto, ensinado por gosto e ensinando por dever, enfraquecendo-se
ao reunir como a transmitir uma informação sem ser aprofundada
e corrigida, colocando todas as suas esperanças no melhoramento
dos homens por uma educação a que nós chamaríamos
hoje “permanente”, Proudhon não consagrará
na totalidade algumas das suas inúmeras obras à educação.
É um paradoxo que poderia bem ser revelador.
Ele pode, ainda que nada ao nosso conhecimento o prove, que entre
o crescimento dos projectos nos quais Carnets conservam a marca, um
semelhante trabalho tinha sido considerado. Em Fevereiro de 1847 figura
sob a rubrica “Programa”, uma “Crítica de
ensinamento e dos sistemas propostos” ( Carnets, 4-94 ). A meio
de Maio do mesmo ano, Proudhon regressa sobre um assunto que evidentemente
preocupa-o, com um catálogo mais detalhado em pontos a abordar:
“Questões de ensino, aprendizagem, etc., etc. Reforma
universitária: reforma do Instituto, Organização
das bibliotecas; disciplina das escolas superiores” ( Carnets,
5-6 ). Contudo o objecto destas ajudas-memória não é
preciso. Ele agita-se num livro, ou de uma parte do livro? A menos
que isto não faça o esboço de um dos programas
nos quais aquele que se queria “construtor” depois de
ter demolido, acumulava os materiais nestes anos onde, desde já,
se podia aperceber os signos mensageiros dos acontecimentos próximos?
Nós nunca o saberemos.
O facto é que, sobre a questão que nos ocupa, nada verá
tão depressa o dia. Se excluirmos as anotações
sugestivas mas breves reencontradas desde os seus primeiros escritos
e em seguida, Proudhon não tratará de um dos assuntos
que ele tem como essenciais antes do seu grande livro A Justiça,
ou seja, no último período da sua vida. Ele fará
ainda uma maneira que se pode estimar senão alusiva, ao menos
bastante sumária para responder inteiramente à tentativa
que o seu público tinha, tal como nós próprios.
Seguros que o “Programa de filosofia popular” inscreve,
a partir da segunda edição, em função
da mais ambiciosa das suas obras, constitui para ele um único
manifesto a favor de uma educação descansando sobre
outros princípios do que sobre aqueles onde a burguesia elitista
estabeleceu o seu poder. É preciso ler este texto não
somente como tal, mas sobretudo tendo no espírito o que eram
o lugar da filosofia e a forma na qual ela ensinava naquela época
( sem falar naquilo que elas se tornaram ) para aí aperceber
uma acentuação profundamente revolucionária.
Tomados pelo sério, a exigência que lá é
formulada supõe efectivamente uma concepção e
uma prática universalista da cultura nas quais as nossas sociedades
ditas “avançadas” são ainda fortemente remotas.
Todavia este discurso, por mais significativo que ele seja do fundo
do pensamento proudhoniano sobre a educação, talvez
tido na sua carta como preliminares sobretudo um exposto completo
sobra a educação. É o 5º estudo da mesma
obra, que contém justamente este título, que é
preciso reportar-se ( II tomo da edição Rivière
) para encontrar a esperança de ver o assunto enfim tratado.
Enfim! Apesar da riqueza deste capítulo, tanto sob os ângulos
biográfico e literário que tratava as ideias, permanecemos
ainda sobre o nosso desejo. As digressões e uma polémica
com a Igreja, um pouco obsessiva parecem fazer-nos perder pouco do
que está em causa. Mesmo se todos estes aspectos estivessem
para o autor estreitamente ligados, é preciso ler nas entrelinhas
para discernir o longo comentário do “Pater” ou
nas páginas sobre a morte - por mais admiráveis que
elas sejam - um programa educativo. Menos ainda a maneira de o aplicar.
A resposta encontra-se acima de tudo no 6º estudo, que depois
do seu título conduz “O Trabalho” ( III tomo da
edição Rivière ). É efectivamente lá
que o autor expõe com alguns detalhes a sua concepção
bastante pessoal da educação pelo trabalho, fundando-a
sobre o axioma iminente proudhoniano: “A ideia, com as suas
categorias, nasce da acção e deve retornar à
acção” (Justiça, III-69 ). Os mesmos pontos
de vista serão retomados, e sobre alguns pontos desenvolvidos,
nas várias passagens importantes da Capacidade política
das classes operárias.
Assim, além das derivas que conduzem o seu impulso à
escritura, nós apercebemo-nos que o sentido englobante dado
por Proudhon ao conceito de “educação” leva-o
a tratar tudo como um especialista, menos ainda como um técnico.
O de libertar-se dos determinismos da natureza como dos da sociedade.
No fundo, se Proudhon, mais que alguém persuadido pela importância
essencial da educação, tem no total escrito pouco sobre
o assunto, e em todo o caso nunca lhe foi consagrado um exposto sistemático,
é porque provavelmente ela é para si neste ponto fulcral
importante, não sabendo tratá-la de uma forma isolada.
Ela aplica-se a tudo o que diz respeito ao desenvolvimento humano,
individual e social, é uma dimensão de todas as questões
que coloca o futuro do homem e dos progressos que ele é capaz
de juntar.
É
isto que exprime esta declaração, no início e
para assim no preâmbulo do estudo da Justiça evocada
mais alto, que tem justamente como característica não
isolar o tema educativo de cada um dos outros. Pelo contrário,
ela insere-a no conjunto dos pontos de vista proudhonianos, para formar
o objectivo final e o movimento a que pode conduzir:
“A
educação […] constitui uma arte, a mais difícil
de todas as artes; uma ciência, a mais complicada de todas as
ciências, já que ela consiste em informar as mesmas verdades
dos espíritos que não são semelhantes; a ter
os mesmos deveres dos corações que não se abrem
do mesmo lado da Justiça. A educação é
a função mais importante da sociedade, aquela que tem
ocupado mais as legislativas e o judicioso” ( Justiça,
II, 333-336 ).
Não saberia portanto de admirar que o condensado do pensamento
do nosso autor a este respeito, tinha tomado um lugar de destaque
na ambiciosa obra onde Proudhon da maturidade quis juntar o conjunto
do seu método, da sua moral e da sua filosofia social. Dando
acima de tudo confiança às capacidades propriamente
indefinidas da razão humana, o reformador afirma que apesar
dos acolhimentos provisórios e mesmo da eventualidade - que
o assusta - de um insucesso final, inscrito na própria liberdade,
a virtude e o direito triunfarão. A Justiça, que é
a plenitude do humano, impor-se-à. Ou então tudo se
perderá.
Educar, educar sem trégua nem descanso, é a única
forma de fazer emergir progressivamente esta ideia soberana da Justiça,
para que ela se realize um dia senão na sua plenitude, ao menos
com a aproximação mais parecida. É assim que
o que é sempre tido por um observador e um analista das realidades,
não excluem mesmo a hipótese pior, revela afinal de
contas um optimista profundo, portanto activo.
O combate não parará nunca, porque a liberdade e a igualdade
não são “naturais” mas adquiridas. Ou sobretudo
conquistas para serem partilhadas. A humanidade será no futuro,
mais progresso onde ela é capaz de só obter o concurso
com todos os seus membros. “Democracia” é demopedia,
educação do povo”, repete Proudhon ( Carnets,
5-12-51 e Cor. IV-217 ). Contudo, o homem está só face
a ultrapassar a sua animalidade pela razão, ele é também
indefinidamente perceptível. É preciso, portanto apostar
sobre esta capacidade de evolução. Ela só pode
conduzir a este respeito dos outros que não é definitivo
que o amor consequente de si mesmo. Educação do povo
e revolução autêntica são sinónimos.
Ainda falta demonstrá-lo.
Proposição
de um “Corpo”
As referências são dadas pela edição Rivière,
para todas as obras que lá figurem. As outras edições
para as quais ele é reenviado, são indicadas entre parênteses
do título.
Carta de candidatura à Pensão Suard (1838), reproduzida
O que é a Propriedade?, pp. 9-16 e na Correspondência,
I-24-33.
Segunda Memória, Advertência aos proprietários,
(1842), pp. 198, 202-203.
Da Criação da Ordem na humanidade (1843), pp. 337, 409-412,
426, 442-443, 449-453.
Sistema das contradições económicas ou Filosofia
da Miséria (1846), II tomo, pp. 262-263.
O Direito ao trabalho e o Direito de propriedade (1848), publicado
antes da Segunda Memória ( v. em baixo ), pp. 433-436, 448.
Ideia geral da Revolução no século XIX (1851),
pp. 113, 140, 326-328.
A Justiça na Revolução e na Igreja (1858, 2ª
edição, 1860), “Programa de filosofia popular”,
I. pp. 187-284, em particular pp. 199 sq., 230-231. II ( 5º estudo
), pp. 327, sq., particularmente pp. 381, 387-388, 449, 458-460; III.
pp. 86-88 ( a aprendizagem ), 92-93, 103.
Do Príncipio federativo (1863), p. 328.
Da Capacidade política das Classes operárias (1865,
póstumo), pp. 214, 334-345, 414.
Cruzamento ( Ed.Lacroix, 1868 ), III. p. 170.
Correspondência ( Ed. Lacroix, 1875 ), III, p. 286; IV, p. 222;
V pp.88, 300; VI, p. 74, 92; VII, p. 7, 122, 124, 306; VIII, p. 320,
324, 331; XI, p. 14, 330; XIV, p. 307.
Carnets ( Edição Haubtmann-Rivière, 4 vol. 1960-1974
), I. pp. 17, 29, 85, 92; II. pp. 13 ,27, 30-31, 50, 66, 67, 77, 83,
84, 125, 127, 149, 152; III. pp. 67, 78, 89; IV. pp. 10, 16, 20, 36,
72, 94, 138, 139, 160, 169, 170, 183; V. pp. 6, 7, 14, 23, 72, 79,
93, 114, 137, 187, 193, 213, 214, 272-273, 308; VII. pp. 96, 183;
VIII. p. 203.
Estudos
Berthod, Aimé, “A Filosofia do Trabalho e da Escola”,
in Proudhon e o nosso tempo, Chiron, 1920.
Duveau, Georges, O Pensamento operário sobre a Educação,
Domat, 1948, p. 145-159.
http://www.franciscotrindade.com/francis/html/front.htm