Maurício Tragtenberg e a Pedagogia Libertária
Antônio
Ozaí da Silva *
Resumo:
Nosso
objetivo é resgatar o pensamento político-pedagógico
de Maurício Tragtenberg. De um lado, a crítica incisiva
que desvenda o modelo pedagógico burocrático fundado
na vigilância e na punição, na relação
de dominação, no saber formal transformado em mercadoria
de consumo, uma pedagogia que predomina na maioria das nossa escolas
e universidades. De outro, o itinerário de uma alternativa
pedagógica libertária, recuperada e sintetizada na práxis
do educador contemporâneo. No final do percurso, a certeza da
sua atualidade.
O
modelo pedagógico-burocrático: vigiar e punir
A
peculiaridade da pedagogia libertária se expressa pelo questionamento
de toda e qualquer relação de poder estabelecida no
processo educativo e das estruturas que proporcionam as condições
para que estas relações se reproduzam no cotidiano das
instituições escolares. É de conhecimento geral,
a tese de que a interação entre os diversos personagens
que atuam no espaço escolar reproduzem as relações
sociais predominantes na sociedade.
Deste
ponto de vista, Tragtenberg se coloca a seguinte questão: "conhecer
como essas relações se processam e qual o pano de fundo
de idéias e conceitos que permitem que elas se realizem de
fato". Sua análise busca apreender como a escola atua
enquanto "poder disciplinador" pois, conforme afirma o filósofo
Michel Foucault, "a escola é o espaço onde o poder
disciplinar produz saber". (TRAGTENBERG, 1985: 40)
Como
surge esta situação? As origens desta instituição
disciplinar remonta às necessidades de controle da força
de trabalho e, simultaneamente, das exigências técnicas
administrativas produzidas pelo avanço da revolução
industrial. Não por acaso, os métodos de controle do
operário assemelham-se àqueles utilizados no âmbito
do espaço escolar: delimitação e enquadramento
do tempo e da forma como este deve ser utilizado; e, domínio
dos processos, gestos, atitudes e comportamentos. (estes métodos
foram ainda mais intensificados com a adoção do taylorismo).
A
fusão de um saber, constantemente acumulado e renovado pela
própria natureza da instituição escolar, com
as técnicas disciplinadoras-burocráticas herdados dos
presídios avultam os efeitos da concentração
do poder de dominação e controle. A escola, através
do saber, aperfeiçoa os meios de controle, podendo dar-se ao
luxo de dispensar o recurso à força. A própria
prática de ensino pedagógica-burocrática permite-o,
na medida em que reduz o aluno ao papel de mero receptáculo
de conhecimento, fixa uma hierarquia rígida e burocrática
na qual o principal interessado encontra-se numa posição
submissa e desenvolve meios para manter o aluno sob vigilância
permanente (diário de classe, boletins individuais de avaliação,
uso de uniformes modelos, disposição das carteiras na
sala de aula, culto à obediência, à superioridade
do professor etc.).
Nesta
estrutura escolar, o poder de punir é legitimado e concebido
como natural. Como salienta Tragtenberg: "Na escola, ser observado,
olhado, contado detalhadamente passa a ser um meio de controle, de
dominação, um método para documentar individualidades.
A criação desse campo documentário permitiu a
entrada do indivíduo no campo do saber e, logicamente, um novo
tipo de poder emergiu sobre os corpos". (Idem)
A
prática de ensino resume-se, então, à transmissão
de um conhecimento 'superior' (no sentido de estar sob domínio
professoral) e à adoção de técnicas de
memorização de conteúdos. Um conhecimento, portanto,
formal e selecionado à revelia dos diretamente interessados
e passível de questionamento quanto à sua própria
utilidade.
Tudo
isto pode ser resumido em: vigiar e punir. De fato, esta prática
de ensino objetiva, essencialmente, a produção de "corpos
submissos, exercitados e dóceis". A estrutura escolar,
em nome da transmissão do conhecimento, termina por domesticar
o aluno, diferenciar os bons dos maus, salientar e reforçar
a imagem negativa dos rebeldes, 'problemáticos', estigmatizando
uns e outros, recompensando os primeiros, punindo os segundos com
a repetência e/ou a exclusão. O ensino do conteúdo
torna-se em si um meio para tal.
O
sistema de exames é a pedra angular deste edifício.
A avaliação do aluno reduz-se à aplicação
da prova, tornando-se um fim em si mesma. O objetivo principal, a
produção e transmissão do conhecimento, é
secundarizado. Sem alternativas, o aluno submete-se ao exame, memoriza
o conteúdo para tirar uma boa nota. Mas, o que prova a prova
senão apenas o ridículo fato de que ao aluno sabe fazê-la?
Por acaso, o exame dado nestas condições prova o saber
do aluno?
Na
medida em que o aluno memoriza o conteúdo, a pressão
do exame pressupõe que ele prove sua capacidade de decoreba.
A passagem do conhecimento do professor ao aluno resume-se nisto:
o aluno não é estimulado a produzir conhecimento, a
amalgamar seu saber ao do professor. Nessa relação dialética
entre o mestre e o discípulo não há saber ou
ignorância absoluta. Confrontam-se dois tipos de saber: "o
saber do professor inacabado e a ignorância do aluno relativa".
(Idem: 43)
Em
nome da avaliação do aluno, concretiza-se o processo
seletivo discriminatório: aos bons alunos os louros da vitória
na louca competição darwiniana. E os maus alunos? Como
recuperá-los e inserí-los em igualdades de condições
numa sociedade onde os valores de solidariedade são a cada
dia solapados? Seria esta uma preocupação da escola?
Não.
Como no mundo extra muros escolar, a culpa do fracasso recai sobre
o aluno, o rebelde indisciplinado e desinteressado pelos estudos.
Se há fatores extra classe que explicam e justificam sua situação,
não é problema da escola. Neste modelo pedagógico,
"as punições escolares não objetivam acabar
ou 'recuperar' os infratores". (Idem: 41) Na verdade a escola
termina por reforçar as tendências predominantes na sociedade.
No fundo, o mais importante não é o aprendizado do aluno,
mas que ele se enquadre aos padrões determinados pela escola
e a sociedade.
Hoje,
mais do que nunca, o sistema escolar se estrutura em função
de uma idéia produtivista que envolve docente e discentes numa
obsessiva competição: é preciso apresentar resultados.
As exigências de títulos e a necessidade de se superar
nos exames são cada vez mais intensas. Não há
espaço para os 'incapazes', para os que não conquistam
titulações. E, mesmo estes, vivem numa espécie
de estado hobbesiano onde a lei do mais forte se impõe e os
obrigam a derrotar seus oponentes, a ser o melhor.
A
realidade comprova o que Tragtenberg escreveu há mais de nove
anos: "Qualquer escola se estrutura em função de
uma quantidade de saber, medido em doses, administrado homeopaticamente.
Os exames sancionam uma apropriação do conhecimento,
um mau desempenho ocasional, um certo retardo que prova a incapacidade
do aluno em apropriar-se do saber. Em face de um saber imobilizado,
como nas Tábuas da Lei, só há espaço para
humildade e mortificação. Na penitência religiosa
só o trabalho salva, é redentor; portanto, o trabalho
pedagógico só pode ser sado-masoquista". (Idem:
43-44)
Mesmo
os professores críticos vêem-se aprisionados às
normas burocráticas, na medida em que são obrigados
a cumprir todo o ritual burocrático que permite ao aluno ascender
na organização, isto é, passar de ano. Seu poder
disciplinador também se manifesta através da aplicação
dos exames, das ameaças diretas ou veladas da nota baixa.
Como
afirma Tragtenberg, o professor é delegatário dessa
ordem hierárquica junto aos estudantes. Como tal, expressa
"o símbolo vivo" da dominação e "instrumento
da submissão", cuja função é, principalmente,
"impor a obediência". Tragtenberg, com o bom humor
que lhe era característico, observa que nesta relação
professor-aluno temos o encontro de dois tipos de adolescentes: "o
adolescente aluno a quem ele deve educar e o adolescente reprimido
que carrega consigo". (Idem: 43)
Também
ele, o professor, é vítima de um trabalho mortificante.
Com efeito, angustia-se no momento de corrigir as provas, diante da
'incapacidade' dos seus alunos em demonstrar que aprenderam a lição.
O baixo aproveitamento dos alunos, traduzido em notas baixas nas provas
empilhadas em sua mesa, desestimula e seu trabalho parece-lhe inútil.
Paternalista, empurra seus alunos para a série seguinte; rigoroso,
repete-os sem qualquer trauma de consciência – afinal,
a culpa não é dele, mas do aluno que não soube
ou não quis aprender.
Se
para o aluno a mortificação pedagógica se traduz
na ansiedade, no momento de fazer a prova (um vale tudo que inclui
até mesmo rezas, crendices, efeitos colaterais físicos,
a 'cola') e na espera do resultado, para o professor a redenção
se expressa quando ele consegue finalmente se livrar do encargo de
'dar a nota', publicada em edital ou lida em sala de aula; quando,
na disputa com seus colegas, consegue ascender internamente na organização
escolar.
Como
o aluno, que para redimir-se tem que ser aprovado no exame, o trabalho
do professor perde a dedicação ao conhecer, o prazer
de estudar, pesquisar, escrever, desenvolver as atividades docentes
etc. Em seu lugar, impõe-se as necessidades de sobrevivência:
somar mais pontos e exibir mais títulos, que permita-o suplantar
seus concorrentes. Os meios se transformam em fins. Chega um momento
em que dar aulas torna-se até mesmo um empecilho, um mal necessário,
pois toma o tempo precioso que poderia ser dedicado às atividades
que permitem acumular mais pontos na escala interna. Disto pode depender
o seu mestrado, o seu doutorado.
Como
vemos, a escola não constitui uma ilha no continente social
em que se insere aluno e professor. Ambos incorporam os valores morais
e ideológicos da sociedade burguesa. Ambos assimilam um modelo
pedagógico que legitima e reproduz relações de
dominação, o darwinismo social, o uso do saber como
mais uma forma de poder opressivo etc.
Os
próprios alunos se tornam agentes fomentadores deste sistema
pedagógico. Imbuídos dos valores que enfatizam o individualismo
e não a coletividade, a competição e não
a solidariedade, a autoridade e não a liberdade, o saber formal-professoral
e não o saber como algo socialmente construído, doutrinados
e viciados desde a infância em procedimentos que ora legitimam
a pedagogia-burocrática, ora são formas negativas de
resistência, os alunos têm dificuldades de assumirem-se
enquanto sujeitos ativos do processo educativo, em estabelecer uma
relação não-autoritária com seus professores,
em desenvolverem processos de aprendizagem que objetivem a produção
do conhecimento e não apenas a memorização de
conteúdos.
Entre
a cruz e a espada, o professor crítico procura se equilibrar
enfrentando as dificuldades inerentes ao sistema escolar e aquelas
impostas por seus próprios alunos e colegas de trabalho. Neste
ponto, o principal legado do mestre é o exemplo de que é
possível ser e fazer diferente. Isto significa a busca constante
da coerência entre o discurso (teoria) e o fazer (prática).
A pedagogia libertária pressupõe esta atitude.
A
expropriação do saber
A
estrutura escolar fundada no vigiar e punir, na concessão de
prêmios e castigos, emergiu historicamente como uma instituição
diferenciada com a pretensão de monopolizar a aprendizagem
e a integração social. A partir do momento que ela se
impôs, o acesso à cultura passou a depender do consumo
do saber formal (o ensino) ministrado em seu espaço físico
e submetido ao cumprimento da legislação e das normas
pedagógicas e burocráticas. Desde então, procede-se
uma inversão que constitui seu traço distintivo: em
vez de priorizar o aprendizado do indivíduo, enfatiza-se o
sistema.
Como
vimos, não se trata da adoção de um processo
educacional que favoreça o livre desenvolvimento das potencialidades
de quem aprende, mas sim de adaptá-lo e enquadrá-lo
ao sistema, discipliná-lo.
Este
projeto educativo, de feição autoritária e alienante,
favorece o produtivismo e causa falsas identificações:
"aprender com ser ensinado, valer para alguma coisa com ser reconhecido
pelos títulos outorgados pelo sistema, ser inteligente com
assistir às aulas, submeter-se a exames, o grau de cultura
de um país com a porcentagem da população escolarizada".
(TRAGTENBERG, 1980: 54)
Perdidos
neste emaranhado de assemelhações, professores e alunos
não questionam o sentido real do 'ensino' formalizado enquanto
mercadoria a ser consumida (seja em escolas públicas ou privadas).
Passam ao largo da simples questão: a quais interesses servem
o ensino sistematizado? Este ensino satisfaz o objetivo que se propõe,
qual seja, transmitir conhecimentos? Cumpre a tão propalada
função de instrumento que permite ascensão social
dos seus consumidores?
Analisado
de um ponto de vista libertário, a resposta é negativa.
Tragtenberg argumenta que "a quantidade de coisas de tal sistema
impede o acesso é muito mais do que transmite; sob pretexto
de eliminar a ignorância científica a substitui por uma
ignorância titulada". Por outro lado, observa como a escola
acentuadamente induz à universalização das particularidades
dos valores, formas de pensar, sentir e agir dos que dominam. Os interesses
das classes dominantes aparecem como sendo do conjunto da sociedade.
"A esta falsa universalização contribuem não
só o conteúdo do que é ensinado mas a forma,
sua própria estrutura interna", enfatiza. (Idem)
Como
isso ocorre na prática? Primeiro, pela delimitação
da área do saber, o qual passa a ser o único legitimamente
reconhecido pela sociedade. O saber, construído historicamente
pela práxis coletiva e social, passa a ser identificado com
o 'ensino' transmitido nos centros especializados.
Em
segundo lugar, este conhecimento transforma-se em artigo de consumo.
O conhecer não se dá mais pela experiência direta
do educando, "mas pelo consumo dosificado de um produto elaborado
e administrado na forma de programa". O objeto do aprender passa
a ser determinado pelo grau de importância que os outros conferem,
ou seja, alguém, que não é o educando, decide
o que é "importante" para ensinar". (Idem)
Terceiro,
o ato de aprender é substituído pela necessidade de
memorizar para tirar boas notas. Os exames condensam em si o terrorismo
ao qual o aluno está submetido, como em outras civilizações,
representa uma espécie de rito de passagem. Os títulos
são disputados objetos de consumo. Ir bem num exame, adquirir
um título, significa muito mais do que simplesmente superar
uma etapa na vida estudantil-profissional. Ascender em titulação
pressupõe ter poder sobre os não titulados ou com títulos
hierarquicamente inferiores. Os pares não são iguais:
o doutor já olha de viés e com indisfarçável
desdém o colega que só tem mestrado ou apenas graduação;
seu título dá-lhe prerrogativas, privilégios
e argumentos para se sobrepor ao colega em situações
concretas (como a escolha de coordenadores de grupos de trabalho,
participação em congressos, seminários etc.).
Não importa como ele se tornou doutor nem a mediocridade disfarçada
sob o título; importa apenas sua titulação.
Um
quarto aspecto a considerar é a relação professor-aluno
ou, como afirma Tragtenberg, o "seqüestro do conhecimento".
Retomamos esta questão apenas para resgatar como o 'corpo professor'
contribui para reproduzir a relação dominante-dominado.
O corpo docente atua como um "estamento burocrático que,
pretendendo monopolizar a transmissão do conhecimento –
na realidade a seqüestra –, substitui-a pela "necessidade"
da existência de si mesmo como "separado" do social".
(Idem: 55)
Os
alunos são apenas apêndices da sua atividade, às
vezes indesejáveis, outras vezes suportáveis. O docente
existe para si, seu conhecimento lhe basta, trata-se apenas de manter
o fictício status de professor. Na realidade, é cada
vez mais comum, mesmo na elite docente – o professor universitário
– a angústia diante da queda acelerada do padrão
de vida e da necessidade de vender sua força de trabalho a
quem pagar mais, não importa se no setor público ou
privado. Ostenta um padrão de consumo escorado no crédito
e na especulação informal e oficial. Tudo isto amparando-se
no puro simbolismo da autoridade do saber formal.
Por
fim, devemos ter em conta tudo o que constitui a estrutura do ensino:
horários, as estruturas dos cursos, o planejamento das disciplinas
(deslocadas da realidade social e das necessidades efetivas dos alunos),
a redução da pessoa à "condição
de aluno", isto é, "matéria prima gratuita"
cujo valor é proporcional ao tempo que ele permanecer na escola.
O aluno diplomado e titulado se insere na sociedade ("mercado
dos bens simbólicos") como mercadoria, um produto à
venda sob a forma de assalariamento. (Idem: 55-56)
Enquanto
técnico e especialista, ocupará lugares hierarquicamente
definidos e desempenhará funções que, na maioria
dos casos, contribuirá para a manutenção do status
quo e a permanência das relações de exploração
e de dominação. Em outras palavras, a democratização
do ensino, a chamada escola cidadã, não supera o conteúdo
de classe expressado neste processo nem muito menos a função
do sistema escolar: reprodução do sistema social capitalista.
A
expropriação do saber pelo sistema de ensino formal,
resulta em sua progressiva racionalização enquanto mercadoria
escolar. A realidade atual é farta de exemplos onde a concorrência
interna, as parcerias etc., submetem o processo educativo à
máxima da eficiência capitalista: trata-se, sob qualquer
circunstância, de extrair o máximo rendimento com o menor
custo. Em tempos de globalização, os recursos disponíveis
tornam-se escassos – o que acentua a fabricação
de projetos, a disputas por financiamentos – e reforçam-se
os mecanismos de submissão do trabalho intelectual às
exigências do capital.
A
educação, transformada em mercadoria, submetida às
leis do mercado, encontra-se longe de constituir 'capital humano'.
Mesmo hoje quando várias vozes clamam por um ensino crítico,
adaptado às novas exigências da revolução
tecnológica, paradoxalmente, intensifica-se o que Tragtenberg
denominou de 'taylorismo intelectual", qual seja:
a)
Submissão do trabalho intelectual às leis de reprodução
do capital;
b) Submissão à hierarquização social e
do trabalho;
c) Aquisição do hábito compulsivo de consumir
títulos;
d) Subordinação do individual e específico ao
abstrato e genérico da "razão burocrática";
e) Divisão do conhecimento em compartimentos estanques (em
que pese a tão falada interdisciplinaridade);
É
verdade que a universidade seguiu os passos da democratização
– embora limitada –ocorrida no conjunto da sociedade.
Até mesmo "conquistou" uma autonomia capenga. Mas,
em sua essência, o "complô das belas almas",
como dizia Tragtenberg, "recheadas de títulos acadêmicos,
de doutorismo substituindo o bacharelismo, de uma nova pedantocracia,
da produção de um saber a serviço do poder, seja
ele de que espécie for", é de uma atualidade a
toda prova. (TRAGTENBERG, 1990: 11)
Hoje,
as "belas almas" conspiram sobre a melhor forma de abocanhar
os recursos internos, de como garantir financiamentos de agências
governamentais, como garantir as parcerias, isto é, "conquistar"
o capital privado, como partilhar do dinheiro do FAT. As "belas
almas" tentam nos fazer crer que a universidade abandonou seu
conteúdo classista – aliás, alguns mais extremados
afirmam mesmo que as classes desapareceram – e que constituiu-se
numa instituição crítica.
Mas,
por acaso superamos o "saber institucionalizado", este "saber
burocratizado" apresentado como o único que é legítimo?
A resposta pode ser buscada na política dos governos estaduais
e federais em relação ao ensino superior público
e gratuito – política que, devemos assumir, encontra vários
adeptos entre docentes e discentes. Façamos a corte ao capital
privado! Elaboremos projetos que sejam atraentes e rentáveis!
Sejamos técnicos e apolíticos! Busquemos parceiros! Cobremos
mensalidades nos cursos de especialização e pós-graduação
stricto sensu! E porque não uma 'pequena taxa' a ser cobrada
dos graduandos? Afinal, boa parte não é da classe média?
Estejamos dispostos, como Fausto, a vender a própria alma! Tudo
em nome da defesa do ensino público e da comunidade.
Tragtenberg
afirma que o conhecimento formal universitário exprime "a
concepção capitalista de saber" e que, na academia,
"se constitui em capital e toma a forma nos hábitos universitários".
(Idem: 13) Prisioneiros das armadilhas que criamos, nosso pensamento
e ação são balizados pelos mesmos valores burgueses
que criticamos.
Nos
período ditatorial, os intelectuais despiam-se de qualquer
responsabilidade política e social em nome da "segurança
nacional", ou seja, da sua segurança pessoal. São
raros os que arriscaram seus títulos e a possibilidade de ascenderem
na carreira. Hoje, não temos mais as peias da ditadura militar.
Ninguém precisa colocar sua cabeça a prêmio. Pelo
contrário, a corrida é justamente pelo prêmio.
Ontem,
"a política das "panelas" acadêmicas de
corredor universitário e a publicação a qualquer
preço de um texto qualquer se (constituía) no metro
para medir o sucesso universitário". Ontem, a maioria
dos congressos acadêmicos servia de "mercado humano",
onde entravam "em contato pessoas e cargos acadêmicos a
serem preenchidos, parecidos aos encontros entre gerentes de hotel,
em que se trocam informações sobre inovações
técnicas, revê-se velhos amigos e se estabelecem contatos
comerciais". (Idem: 15)
Essa
realidade mudou? Hoje, como ontem, nos seminários, colóquios
etc., financiados com o dinheiro público ou não, paga-se
para apresentar trabalhos a si mesmos ou aos amigos, que se revezam
entre falantes e ouvintes. Da mesma forma, o imperativo da quantidade:
não interessa o conteúdo e a qualidade do que se publica,
mas sim quantos pontos vale; também não importa se alguém
lerá o artigo; de preferência que seja publicado em algum
país vizinho, pois as revistas internacionais garantem uma
pontuação maior. Transformemos aulas em palestras! Nos
insinuemos aos nossos amigos para que nos convidem a proferir palestras!
Façamos acordos de corredores! É preciso fazer currículo
a qualquer custo!
Eis
a "delinqüência acadêmica" revitalizada!
A alternativa pedagógica libertária
Não
sejamos pessimistas. Se a realidade atual exacerba os elementos críticos
da pedagogia burocrática apontados por Tragtenberg, ainda é
possível pensar e agir de forma diferenciada. O mestre nos
oferece as pistas para uma nova pedagogia fundada na solidariedade,
na autonomia e liberdade dos indivíduos e na autogestão.
Trata-se da reapropriação do saber pelos trabalhadores,
de desnudá-lo e resgatar seu caráter social e coletivo.
Não mais o saber formal ingressado pela instituição
escolar: a própria escola precisa ser transformada.
De
fato, o educador crítico se encontra num dilema: o meio no
qual desenvolve sua atividade é plenamente influenciado por
valores e idéias que ele combate, mas que também incorpora;
ele próprio é fruto deste meio. Como superar esta contradição?
Bakunin, um dos pensadores que influencia Tragtenberg, põe
esta questão nos seguintes termos: "Como iriam (professores
e pais) dar aos alunos o eles próprios não têm?
Só com o exemplo é que se prega bem moral, e, ao ser
a moral socialista contrária à moral atual, os professores,
necessariamente dominados por esta, fariam diante dos alunos exatamente
o contrário do que estariam pregando. De sorte que a educação
socialista é impossível nas escolas assim como nas famílias
atuais". (MORIYÓN, 1989: 49)
Parece
que o impasse só pode ser superado pela criação
de outro meio social, ou seja, "o problema mais importante é
o da emancipação econômica", a qual engendra
a emancipação política, moral e intelectual.
Bakunin, ironizando os "bons socialistas burgueses" que
defendem a educação do povo como condição
para a sua emancipação, afirma: "Primeiro vamos
emancipá-lo e ele se educará por si mesmo". (Idem)
O
Congresso Anarquista de Bruxelas (1867), adotou uma resolução
que aponta uma solução mediadora, sugerida por Bakunin:
"Reconhecendo que no momento é impossível organizar
um ensino racional, o Congresso convida as diferentes seções
a estabelecer aulas públicas seguindo um programa de ensino
científico, profissional e produtivo, isto é, ensino
integral, para remediar o mais possível a insuficiente educação
que os operários recebem. E naturalmente a redução
das horas de trabalho é considerada como uma condição
prévia indispensável". (Idem)
Aparentemente,
estamos diante de uma encruzilhada histórica. Se a educação
libertária não tem espaço para frutificar na
sociedade capitalista, então só nos resta esperar a
revolução. Não nos enganemos: a fala de Bakunin
corresponde muito mais às necessidades colocadas pela realidade
do movimento operário no século XIX e, principalmente,
pela estratégia inerente ao seu pensamento.
Também
Ferrer, outro pedagogo que influenciou Tragtenberg, se vê diante
de duas opções: renovar a escola tradicional ou fundar
novas escolas. Ferrer conclui pela criação da Escola
Moderna, baseada no ensino científico e racional oposto ao
ensino religioso e controlado pelo Estado. Num tempo em que o Estado
não se opõe à educação das massas,
antes reconhece sua necessidade, parece contraditório defender
uma escola não-estatal. O que motiva sua atitude é a
compreensão de que os governos estimulam a educação
apenas enquanto ela corresponder à formação de
mão-de-obra para a indústria. (como na atualidade, as
inovações tecnológicas exigem uma nova formação
escolar dos trabalhadores).
Por
outro lado, sua opção está estritamente vinculada
à realidade econômica, social e política da Espanha:
atrasada, econômica e culturalmente, onde a Igreja, vinculada
ao Estado, cumpre a função de organizar a hegemonia
cultural e intelectual e o Estado encontra-se anexado à nobreza
(o que Weber denominou de "dominação hierocrática");
uma Espanha, enfim, obscurantista.
Os
libertários brasileiros do início do século também
enfrentaram o mesmo dilema. Com efeito, um dos principais obstáculos
para a divulgação das idéias libertárias
era precisamente o baixo nível de instrução do
operariado brasileiro. Só uma minoria alfabetizada lia as diversas
publicações operárias da época. Os anarquistas
lançaram-se então à tarefa de instruir os operários.
Críticos à educação burguesa estatal e
religiosa, assumiram os preceitos pedagógicos de Ferrer e fundaram
suas próprias escolas, mantidas pelos trabalhadores, criaram
Centros de Cultura e inclusive a Universidade Popular.
Também
eles perceberam que o espaço formal onde se processava o ensino
era impeditivo à educação libertária.
Como Bakunin, acentuaram a necessidade da revolução,
pois somente esta poderia transformar e universalizar a educação.
Este traço libertário é, a nosso ver, positivo,
na medida em que não outorga à educação
um papel redentor, deixando evidente seus limites quando se pensa
na transformação integral da sociedade. A educação,
embora cumpra uma função de fundamental importância,
não substitui a dinâmica social e as respectivas formas
de organização que os trabalhadores constroem.
Devemos,
portanto, compreender tais manifestações de repúdio
absoluto ao espaço escolar dentro de determinadas circunstâncias
históricas. Do contrário, seremos obrigados a concordar
que a escola é mero 'aparelho ideológico' do capital.
Reconhecemos que a educação crítica se alimenta
do próprio espaço criticado. A escola interage com a
sociedade, incorporando tanto seus aspectos negativos como positivos.
A própria realidade na qual o professor desenvolve seu trabalho
intelectual – enquanto assalariado, submetido à hierarquia
e espremido pelas exigências burocráticas –, induz
à contestação, à crítica. Como
ressalta Tragtenberg, o mesmo movimento que reforça o papel
do professor e da educação enquanto reprodutores da
ordem social vigente, "cria condições para a emergência
de uma pedagogia antiburocrática". (TRAGTENBERG, 1980:
57)
Esta
pedagogia exige a união indissolúvel entre trabalho
e pesquisa, entre a teoria e a prática. Ela representa o resgate
e a reafirmação dos princípios educacionais defendidos
pela Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT):
"uma educação 'integral e igualitária' como
condição de auto-emancipação dos trabalhadores
e portanto de toda a sociedade". Tragtenberg esclarece aos espíritos
incautos que esta 'educação integral' não requer
a "introdução de artes manuais nas academias, nem
de parcializações acadêmicas, trata-se de definir
temas a partir de centros de interesses comuns e a estruturação
da apreensão do conhecimento se dar como conseqüência
deste processo". (Idem)
Trata-se
de inverter a ordem dos procedimentos pedagógicos. Em vez de
se colocar como tarefa "dar um curso", por que não
se perguntar: "em que medida o saber acumulado e formulado pelo
professor tem chance de tornar-se o saber do aluno?" (TRAGTENBERG,
1985: 45)
Para
que isto ocorra é preciso contrapor à pedagogia burocrática
uma pedagogia crítica fundada na:
Autogestão:
gestão da educação pelos diretamente envolvidos
no processo educacional e a "devolução do processo
de aprendizagem às comunidades onde o indivíduo se desenvolve
(bairro, local de trabalho)"; Autonomia do indivíduo:
"O indivíduo não é um meio: é fim
em si mesmo. No universo das coisas (mercadorias) tudo tem um preço,
porém só o homem tem uma dignidade. Negação
total de prêmios ou punições"; Solidariedade:
crítica permanente de todas as formas educativas que estimulam
ou fundamentem-se na competição; crítica a todas
as normas pedagógicas autoritárias. (TRAGTENBERG, 1980:
58)
Esta
proposta pedagógica pressupõe ainda: educação
gratuita para todos; superação da divisão dos professores
em categorias; liberdade de organização para os trabalhadores
da educação.
Em
suma, o objetivo desta educação crítica é:
"Evitar a emergência de "novos patrões"
e "dirigidos", como "vanguardas", "elites"
e "intelectuais" carismaticamente qualificados ou não,
criando estruturas onde a ação se faça pela concordância
de todos e não pela imposição de cima para baixo".
(Idem)
Um
modelo prático desta pedagogia libertária é a
experiência do Sindicato do Ensino da Espanha (ligado à
Confederação Nacional do Trabalho). Este sindicato desenvolveu
uma campanha contra o sistema de exames, questionando os mecanismos
de avaliação e a titulação enquanto fonte
de privilégios. Seus objetivos são:
a)
Devolver a educação à sociedade;
b) Desenvolver a autogestão;
c) Combater todo tipo de autoritarismo e produzir uma prática
pedagógica onde todos são iguais em direitos e deveres;
d) Fundir o trabalho intelectual com o trabalho manual;
e) Superar o dualismo professor-aluno.
Este
sindicato incorpora todos os envolvidos no processo educativo (docentes,
discentes, moradores, pais). Funciona através da democracia direta
(abolição da hierarquia, delegação revogável);
com responsabilização coletiva pelas tarefas e uma estrutura
federativa (com os grupo autônomos ligados entre si pela solidariedade,
sendo as assembléias gerais fóruns de decisões
unitárias). Seu princípio é: "A libertação
dos trabalhadores tem que ser obra dos próprios trabalhadores".
Conclusão
A importância de um pensamento político-pedagógico
reside não apenas naquilo que seu protagonista conseguiu legar
para as gerações futuras através da sua obra
e, principalmente, da sua práxis. Aqueles que tiveram a feliz
oportunidade de conviver com o mestre – seus alunos, orientandos,
colegas de profissão, sindicalistas, trabalhadores em geral
etc. – são a comprovação viva da sua influência.
O próprio Tragtenberg, com a simplicidade que lhe era peculiar,
atesta tal ascendência em seu 'Memorial'. Com efeito, ele conseguiu
fecundar a obra de intelectuais reconhecidos, o que significou a mudança
de paradigmas.
Qual
a extensão desta influência? Quantos educadores por este
Brasil afora não foram afetados positivamente pelo convívio
pessoal ou através da leitura da sua obra crítica? Questão
difícil de responder, mesmo porque um pensamento fecundo não
somente sobrevive ao seu criador como permanece atuando silenciosamente
sobre os corações e mentes dos seus discípulos
e daqueles que preocupam-se em desenvolver uma crítica pedagógica
da sua própria ação.
Porém,
não nos iludamos. Estas questões nunca fariam parte
do rol das preocupações do mestre. A própria
relação mestre-discípulo não pode ser
compreendida se restrita às formalidades acadêmicas:
a definição 'mestre' expressa simplesmente o respeito
e estima, a gratidão própria do indivíduo que
se vê no outro e que reconhece neste a autoridade legítima
e natural. Esse reconhecer-se no outro pode fundar-se tanto numa relação
de dominação, onde o mestre se sobrepõe de tal
maneira ao discípulo que impede-o de desenvolver suas potencialidades,
quanto numa relação dialética mediada pelo diálogo
e respeito ao conhecimento do aluno.
O
mestre tanto pode ser um obstáculo ao livre desenvolvimento
crítico da formação do discípulo, como
pode representar uma espécie de âncora na qual este se
apóia para alçar seus próprios vôos e,
se possível, ultrapassar o próprio mestre. Gusdorf,
nos fornece um exemplo ilustrativo, citando o filósofo Hegel
o seu discípulo Karl Mark: "Os bons alunos de Hegel recitaram
a lição de Hegel, simples repetidores do espírito
absoluto (...) Mas os melhores alunos de Hegel acabaram por se levantar
contra o ídolo, encontrando a sua própria verdade na
denúncia de qualquer pretensão totalitária à
verdade". (1995: 103)
Neste
exemplo, a superação da relação desigual
do mestre com o discípulo deveu-se muito mais às qualidades
do segundo. Sabemos o quanto é comum, principalmente em política,
que os discípulos, cegos seguidores de ideologias congeladas
no tempo, contentem-se em venerar ícones e despojem-se de qualquer
referência crítica a um pensamento sacralizado, o qual,
em geral, fruto das diversas interpretações, transformaram-se
em sua antítese.
Neste
modelo pedagógico, o bom aluno não deve ter a pretensão
de questionar ou mesmo ultrapassar o professor: se Hegel anuncia o
fim da história e da filosofia, seu aluno deve apenas satisfazer-se
em repetí-lo ou, se voltar atrás, será somente
no sentido de "justificar a inutilidade de qualquer reflexão
futura". Ontem, como hoje, "o fruto seco consola-se por
ser fruto; pois, se o mestre disse tudo, não há mais
nada a dizer senão aquilo que o mestre disse". (Idem:
125)
Bem
diferente é a relação professor-aluno quando
se trata de uma pedagogia libertária. A práxis do mestre
interage com as certezas e dúvidas do discípulo, um
diálogo fundado na negação do autoritarismo e
do discurso do intelectual prepotente e 'competente' que se erige
à divindade de um semideus do saber.
A
pedagogia libertária põe em evidência precisamente
o problema da autoridade. Neste sentido, Tragtenberg resgata a tradição
autogestionária já presente na I Internacional, (AIT).
Em seus escritos, há a referência constante aos marinheiros
de Kronstadt, esmagados pelo exército vermelho liderado por
Trotsky; à revolução camponesa maknovista na
Ucrânia, também derrotada pelos bolcheviques. Esta alusão
sempre é acompanhada da defesa da liberdade como valor e da
crítica à burocracia – "essa desgraça
do nosso século" (TRAGTENBERG, 1991:37).
Os
autores que Tragtenberg se apóia para fundamentar teoricamente
sua militância libertária incluem desde os clássicos
do anarquismo e MARX, passando pelos marxistas heterodoxos (GORTER,
MAKAYA, BORDIGA) , pela crítica antiburocrática de KOLLONTAI
e LUXEMBURGO, autores como FERRER, LOBROT , WEBER e até mesmo
o TROTSKY crítico do leninismo que muitos trotiskistas fingem
desconhecer. Esta gama variada de suporte teórico longe de
caracterizá-lo como eclético, exime-o de tal imputação:
Tragtenberg dialoga com todos, é um exemplo do exercício
da liberdade intelectual, da tolerância e respeito às
idéias divergentes e, por outro lado, testemunha sua erudição.
Neste
debruçar-se sobre obras e autores tão diversos, Tragtenberg
traça um fio de continuidade, destacando-se os seguintes pontos
em comum: a defesa da LIBERDADE, da AUTO-ORGANIZAÇÃO
dos trabalhadores; a crítica `a BUROCRACIA, ao vanguardismo
e ao fetichismo do PARTIDO; a valorização do SABER dos
trabalhadores e da DEMOCRACIA pela base; a SOLIDARIEDADE.
Tragtenberg
firma-se pelo exemplo de coerência entre o discurso e a prática.
Seu relacionamento com os sindicalistas combativos, as oposições
sindicais, os trabalhadores e seus colegas de trabalho e os estudante
comprova-o. Seus artigos na coluna "Batente" e em outros
jornais revelam uma permanente valorização do conhecimento
operário, uma constante disposição, rara entre
nossos intelectuais, de 'dar uma força', de servi-lo. Seu carinho
e dedicação aos intelectuais orgânicos dos trabalhadores
é outra prova viva de uma pedagogia fundada na verdade e na
convicção de que os indivíduos são capazes
de se apropriarem do saber.
Tragtenberg
nos legou uma alternativa. Basta romper o conformismo e tentar! É
preciso opor-se à "delinqüência acadêmica".
Afinal, é na instituição universitária
que formam-se aqueles que são – ou serão –
os educadores dos nosso filhos. A transformação social
pressupõe que o educador seja educado. As escolas precisam
ser algo mais do que "depósitos de alunos", ou como
diria Lima Barreto, "Cemitérios de Vivos". (TRAGTENBERG,
1990: 16)
Em
1979, Tragtenberg combatia pela "criação de canais
de participação real" dos professores, estudantes
e funcionários como forma de opor-se à "esclerose
burocrática" da instituição universitária.
Vinte anos depois, sua fala permanece atual: "A autogestão
pedagógica teria o mérito de devolver à universidade
um sentido de existência, qual seja: a definição
de um aprendizado fundado numa motivação participativa
e não no decorar determinados "clichês", repetidos
semestralmente nas provas que nada provam, nos exames que nada examinam,
mesmo porque o aluno sai da universidade com a sensação
de estar mais velho, com um dado a mais: o diploma acreditativo que
em si perde valor na medida em que perde sua raridade".(Idem:
16)
Talvez
o que mudou tenha sido simplesmente a periodicidade das provas e exames.
Ora, é preciso ir além. Nossas crianças e alunos
– universitários ou não – merecem e precisam
que perseveremos nesta senda.
Ao
resgatarmos esse ideal pedagógico libertário prestamos
nossa sincera homenagem e abraçamos sua utopia da maneira que
aprendemos: sem culto à personalidade, com a liberdade de divergir
e a possibilidade de superar-se e, acima de tudo, sem qualquer pretensão
à ilusão da neutralidade diante dos desafios concretos
que temos em nosso caminhar.
*
Antônio Ozaí da Silva é docente na Universidade
Estadual de Maringá (UEM), autor de História das Tendências
no Brasil (Origens, cisões e propostas), Proposta Editora,
1987; e, de Partido de massa e partido de quadros: a social-democracia
e o PT, São Paulo, CPV, 1996; membro do NEILS.
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