Murray Bookchin
A partir de um diagnostico social
e político das causas dos problemas ecológicos, Murray
Bookchin traça neste artigo os contornos do que possa ser um
desenvolvimento integral de homem e comunidade dentro de uma sociedade
descentralizada. Importante pensador da Ecologia Social, Bookchin ressalta
ainda as diferenças entre uma visão ecológica radical
e o que chama de "primitivismo" e "tecnicismo".
Não é possível,
atualmente, considerar os problemas ecológicos como marginais,
sem importância e ate burgueses. Os dados sobre o aumento da temperatura
do planeta devido a crescente taxa de gás carbônico na
atmosfera - o conhecido efeito estufa -, o descobrimento de buracos
na camada de ozônio, fenômeno atribuído ao uso imoderado
de clorofluorcarbono, que permite a penetração das radiações
ultravioletas, a contaminação da água potável,
do ar, dos oceanos e alimentos, a extensa eliminação de
florestas pelas chuvas acidas e cortes indiscriminados, a disseminação
de material radioativo ao longo da cadeia alimentar...Tudo isso proporcionou
a ecologia uma importância que jamais teve no passado. A sociedade
atual esta destruindo o planeta a níveis tais que superam a capacidade
de auto-saneamento da Terra. Estamos nos aproximando do momento em que
o planeta não poderá manter a espécie humana, nem
as complexas formas de vida que se desenvolveram através de milhões
de anos de evolução orgânica.
Frente a este cenário catastrófico,
apresenta-se o risco de querermos eliminar os sintomas em vez das causas,
e de que pessoas ecologicamente comprometidas pretendam soluções
parciais e não respostas duradouras. O avanço dos movimentos
verdes, pôr todo o mundo, confirma a existência de um novo
impulso para as pessoas ocuparem-se concretamente do desastre ecológico.
Porem, se torna cada vez mais clara a necessidade de algo mais fundamental
do que um impulso. Ainda que seja importante deter aglomerações
urbanas, uso de substancias químicas mortíferas na agricultura
e industria alimentar, é necessário estar convicto de
que as forcas que conduzem a sociedade para a aniquilação
planetária tem suas raízes numa economia de mercantil
de "crê ou morre", num modo de produção
que deve se expandir enquanto sistema competitivo. O que esta em discussão
não é simples questão de moralidade, de psicologia
ou de voracidade. Num mundo em que cada qual esta reduzido ao papel
de comprador ou de vendedor, em que toda empresa deve se expandir dentro
de um contexto econômico de aves de rapina, o crescimento ilimitado
é inevitável. Adquire a inexorabilidade de um a lei física
que funciona, independente das intenções individuais,
das propensoes psicológicas, das considerações
éticas.
Quais
são as causas de nossos problemas ecológicos?
Atribuir a culpa de nossos problemas
ecológicos a tecnologia, a mentalidade tecnológica ou
a explosão demográfica é incoerência. A tecnologia
- a ma tecnologia, como os reatores nucleares- amplifica problemas existentes;
porem, de per si, não os produz. O aumento da população
é relativo, se é que seja um problema. Os demografos (os
que estudam estatisticamente as populações nos seus aspectos
de natalidade, migrações, mortalidade, etc.) ha muito
tempo já sabem que o que faz as estatísticas crescerem
são a pobreza material e a ruína cultural, e não
as melhores condições de vida. Na verdade não sabem
quantas pessoas poderiam viver decentemente no planeta sem provocar
transtornos ecológicos. Os Estados Unidos, na ultima metade do
século XIX, exterminaram milhares de bisões, vastas áreas
de florestas primitivas, e todo esse prejuízo aconteceu com a
população inferior a cem milhões de habitantes,
e com a tecnologia muito atrasada para os níveis atuais.
Na realidade, não era a tecnologia
e a pressão demográfica que operavam quando aconteceu
esse grande drama de exploração. O praga que afligia o
continente americano era mais devastadora que uma invasão de
gafanhotos. Era uma ordem social que se deveria citar em cerimoniais:
capitalismo, em sua versão privada no Ocidente e em sua forma
burocrática no Leste. Eufemismos como sociedade tecnológica
ou sociedade industrial, termos tão confundidos na literatura
ecológica contemporânea, tendem a mascarar, com expressões
metafóricas, a brutal realidade de uma sociedade predatória.
Com isso distraímos nossa atenção de uma economia
estruturada sobre a competição.
Tecnologia e industria são representados
como os protagonistas perversos desse drama, no lugar do mercado e da
ilimitada acumulação de capital, que consubstanciam um
sistema de crescimento (acumulação) que pôr fim
deglutira toda a biosfera.
Os
problemas da Hierarquia e da Dominação
Aos enormes problemas sistêmicos
criados pôr essa ordem social devemos agregar os enormes problemas
sistêmicos criados pela mentalidade que começou a se desenvolver
muito antes do nascimento do capitalismo e que foi completamente absorvida
pôr ele. Refiro-me a mentalidade estruturada em termos da hierarquia
e domínio, na qual a dominação do homem pelo homem
deu origem a concepção de que dominar a natureza fosse
o destino e inclusive a necessidade da humanidade. O fato de que o pensamento
ecológico começou a difundir a idéia de que esta
concepção é perniciosa, certamente é reconfortante.
Pôr outro lado, ainda não se compreendeu claramente como
surgiu essa concepção, porque existe e como pode ser eliminada.
Devemos explorar as origens da hierarquia social e da opressão,
se quisermos encontrar uma solução para a destruição
da ecologia. É fato que a hierarquia em todas as formas - domínio
do ancião sobre o jovem, do homem sobre a mulher, do homem em
forma de subordinação de classe, de casta, etnia ou de
quaisquer outras possíveis estratificações de status
social - não foi identificada como um âmbito de domínio
muito mais amplo do que o domínio de classe. Esta tem sido uma
das falhas cruciais do pensamento radical. Nenhuma libertação
será completa, nenhuma intenção de criar uma harmonia
entre os seres humanos e entre a humanidade e a natureza poderá
jamais ter êxito enquanto não sejam erradicadas todas as
hierarquias, e não só das classes, todas as formas de
domínio, e não somente da exploração econômica.
A
Concepção de Ecologia Social
Estas idéias constituem o núcleo
essencial de minha concepção de ecologia social contidas
no livro "Ecology of Freedom". Tenho afirmado com muito cuidado
o uso que faço do termo social, quando trato de questões
ecológicas, para introduzir outro conceito fundamental: nenhum
dos principais problemas ecológicos que enfrentamos hoje podem
ser resolvidos sem uma profunda mudança social. Esta é
uma idéia cujas implicações não foram plenamente
assimiladas pelo movimento ecológico. Levada a conclusão
lógica, significa que não se pode pensar em transformar
a sociedade presente gradativamente com pequenas mudanças. Estas
são freadas que podem apenas reduzir a louca velocidade com a
qual a biosfera é destruída. Certamente, devemos ganhar
o maior tempo que pudermos para evitar a destruição, entretanto
o biocidio prosseguira a não ser que possamos convencer as pessoas
de que é necessária uma mudança radical e que nos
organizemos para tal fim. Deve-se aceitar que a atual sociedade capitalista
precisa ser substituída pôr aquela que chamamos de sociedade
ecológica, isto é, uma sociedade que implique nas radicais
mudanças sociais indispensáveis para eliminar os abusos
ecológicos.
A
Sociedade Ecológica
Devemos refletir e debater profundamente
sobre a natureza dessa sociedade ecológica. Ela não devera
ter hierarquia, nem classes, nem o conceito de domínio sobre
a natureza. Pôr isso não podemos de deixar de revalorizar
os fundamentos do eco-anarquismo de Kropotkin e os grandes ideais ilumunistas
(razão, liberdade, força emancipadora dos ensinamentos)
levados a frente pôr Malatesta e Berniere. Os ideais humanistas
que direcionaram os pensadores anarquistas de um certo tempo devem ser
recuperados em sua totalidade, e transformados na forma de um humanismo
ecológico que encarne uma nova racionalidade, uma nova ciência,
uma nova tecnologia.
Os motivos que me levaram a acentuar
os ideais iluministas libertários não foram os meus gostos
e minhas predileções ideológicas. Tratam-se, na
realidade, de ideais que não podem deixar de ser levados em conta
pôr qualquer pessoa comprometida ecologicamente. Em todo mundo
aparecem inquietantes alternativas aos movimentos ecológicos.
Pôr outro lado, esta se difundindo, na América do Norte
assim como na Europa, uma espécie de enfermidade espiritual,
uma atitude contra iluminista. Com o nome de retorno a natureza, evocam-se
atávicos irracionalismos, misticismos, religiosidades declaradamente
pagas. Culto das divindades femininas, tradições paleolíticas,
rituais ecológicos vão se formando em nome de uma nova
espiritualidade. Esse retorno do primitivismo não é um
fenomeno inócuo. Freqüentemente esta embebido de um pérfido
neo-malthusianismo, que substancialmente propõe deixar morrer
de fome de preferencia as vitimas do Terceiro Mundo, com a finalidade
de diminuir a população. A Natureza, afirmam, deve estar
livre para continuar o seu curso. A fome não é causada
pelos problemas agrários nem pelo saque das grandes empresas,
nem pelas rivalidades imperialistas, nem pelas guerras civis nacionalistas,
e sim pela superpopulação. Deste modo os problemas ecológicos
são esvaziados de seu conteúdo social e reduzidos a mística
interação das forcas naturais, freqüentemente com
acentos racistas que cheiram a fascismo.
Por outro lado, esta em vias de construção
um mito tecnocrático, segundo o qual a ciência e a engenharia
resolveriam todos os males ecológicos. Como nas utopias de H.G.
Welles, afirma-se que é necessária uma nova elite para
planificar a solução da crise ecológica. Fala-se
de exigência de maior centralização do estado que
desaguaria na criação de um Mega-Estado, em paralelo com
as multinacionais. E como a mitologia se tornou popular entre eco-misticos,
entre os sustentadores de um primitivismo em versão ecológica,
do mesmo modo e teoria sistêmica se tornou muito popular entre
eco-tecnocratas, entre partidários do futurismo, em versão
ecológica. Em ambos os casos, os ideais libertários do
iluminismo - sua valorização da liberdade, do conhecimento,
da autonomia individual - são negados pela sistemática
pretensão de jogar-nos a um passado obscuro, mistificado e sinistro,
ou de catapultar-nos como mísseis num futuro radiante, porem
igualmente mistificante e sinistro.
A
Ecologia que Defendo
A ecologia social, como a pretendo,
lança mensagem que não é primitiva nem tecnocratica.
Tenta definir o posto da humanidade na natureza - posto singular e extraordinário
- sem cair no mundo tecnológico cavernicular, pôr um lado,
e sem voar para fora do planeta com astronaves e estações
orbitais de ficção cientifica. Sustento que a humanidade
é parte da natureza ainda que dela difira profundamente pela
capacidade que tem de pensar conceitualmente e se comunicar simbolicamente.
A natureza, pôr outro lado, não é simplesmente uma
cena panorâmica para ser vista passivamente através da
janela. É o conjunto da evolução, a evolução
em sua totalidade, precisamente como o indivíduo é sua
biografia pôr completo, não uma simples soma de dados numéricos
que indicam seu peso, altura, inteligência e assim sucessivamente.
Os seres humanos não são apenas uma de tantas formas de
vida, uma forma meramente especializada para ocupar um dos tantos nichos
ecológicos do mundo natural. São seres que, pelo menos
potencialmente, poderiam fazer a evolução biotica auto
consciente e conscientemente dirigida. Com isso não quero afirmar
que a humanidade não chegue a ter nunca um conhecimento suficiente
da complexidade do mundo natural para poder tomar o timão da
evolução natural e dirigi-la segundo sua vontade. Pelo
contrario, minhas reflexões sobre a espontaneidade apontam para
sugerir prudência nas intervenções sobre o mundo
natural e sustentar que se deve modifica-lo com grande cautela. Porem,
como argumentei em "Thinking Ecologically", o que verdadeiramente
nos faz únicos, singulares no esquema ecológico das coisas,
e que podemos intervir na natureza com um grau de auto-consciencia e
de flexibilidade desconhecidos de todas as outras espécies.
Que possamos atuar de modo criativo
ou destrutivo constitui o maior problema que devemos enfrentar em toda
reflexão sobre nossa interação com a natureza.
Ainda que nossa potencialidade humana de dar autodirecao consciente
seja enorme, devemos entretanto recordar que somos ainda sub-humanos.
Nossa espécie esta dividida antagonisticamente:
pôr idade, gênero, classe, renda, etnia, etc. Falar de humanidade
em termos zoológicos como fazem tantos ecologistas, inclusive
tratando as pessoas como mera espécie e não como seres
sociais que vivem em complexas criações institucionais
e não em primitiva região selvagem, é ingenuamente
absurda. Uma humanidade iluminada, junta para se aperceber de suas plenas
potencialidades, em uma sociedade ecológica harmoniosa, e somente
uma esperança, um dever ser e não um ser.
Como será possível conseguir
as transformações que proponho? Não acredito que
elas possam acontecer através do aparato estatal, isto é,
um sistema parlamentar. Minha experiência com o movimento parlamentar
alemão me clarificou que o parlamentarismo e moralmente daninho
e corrupto. A representação dos verdes no Bundenstag confirmou,
nesses últimos tempos, meus piores temores: sua maioria realista
e favorável a participação da Alemanha na OTAN
e sustenta uma forma eco-capitalista incompatível com qualquer
aproximação radical da ecologia.
Outro dado importante: o parlamentarismo
invariavelmente mina a participação popular na política,
no sentido que foi atribuído a esta palavra durante séculos.
Para os antigos atenienses, a palavra política significava gestão
da polis (cidade) pôr parte dos cidadãos em assembléias,
mulheres, estrangeiros e escravos estavam excluídos. Também
é verdade que eram os cidadãos ricos os que dispunham
de recursos materiais e gozavam dos privilégios negados aos cidadãos
pobres.
A ecologia radical não pode ser
indiferente a realidade material da vida humana, não pode ser
indiferente as relações sociais nem as econômicas.
O delicado equilíbrio existente entre o uso da tecnologia com
finalidade de libertação e seus usos com fins destrutivos
para o planeta é matéria de juízo social, porem
um juízo que vem incessantemente ofuscado quando ecologistas
sui generis denunciam a tecnologia como um mal irrecuperável
ou a exaltam como uma virtude indiscutível. Os místicos
e tecnocratas tem uma importante característica em comum: não
se detêm para examinar a fundo a questão ecológica,
nem projetam a lógica para alem das mais elementares e simples
premissas.
Uma
Nova Política
Uma nova política deveria, segundo
minha opinião, implicar na criação de uma esfera
publica de base extremamente participativa a nível da cidade,
do povoado, da aldeia, do bairro. O capitalismo produziu tanta desestruturacao
dos laços comunitários quanto a devastação
do mundo natural. Em ambos os casos, nos encontramos frente a simplificação
das relações humanas e não humanas, sua redução
as mais elementares formas interativas e comunitárias. Entretanto,
onde existirem ainda laços comunitários e justamente ai
que devem ser cultivados e desenvolvidos. Estudei este tipo de política
comunal (repito: entendo política no sentido helênico,
não no significado atual que designo com estatal) em meu livro
"The Rise of Urbanization and Decline of Civilizenship" (Sierra
Club, 1987). Pôr polemico que possa parecer na Europa, porem menos
nos EUA, creio na possibilidade de uma confederação de
municípios livres como contra poder de base que se oponha a crescente
centralização pôr parte do Estado-nacao. Neste terreno,
uma política ecológica e possível e coerente com
uma ecologia concebida como o estudo das comunidades humanas/não
humanas. A ecologia não e nada se não se ocupa da interação
entre as formas de vida para construir comunidades e desenvolverem-se
como comunidades.
Paratodos, Anarquismo.