30
de Setembro: Caos no Rio de Janeiro
Boato
impõe feriado ao Rio
Ameaças de traficantes, que teriam ordenado
fechamento do comércio, afastam população das
ruas em 50 bairros da capital
A
pé, de moto, encapuzados ou sem disfarces, homens e crianças
desceram das favelas na manhã de ontem ou mandaram o recado
por telefone. Em plena segunda-feira, a ordem era uma só: escolas
e comércio não poderiam funcionar. Em efeito dominó,
mais de 50 bairros do Rio, Niterói, São Gonçalo
e cinco municípios da Baixada Fluminense ficaram com as ruas
vazias, dando lugar ao pânico. Escolas, postos de saúde,
lojas, bares, restaurantes, postos de gasolina não funcionaram
durante todo o dia. Ônibus deixaram de circular ou foram incendiados
e a população, com medo, precisou desviar seus trajetos.
Carros foram apedrejados em diversos pontos, como na Tijuca, onde
a Rua General Roca foi fechada por moradores do Morro do Salgueiro.
Nenhuma morte de traficante ou briga entre facções rivais
justificava o domínio pelo tráfico, deixando população,
comércio e autoridades em dúvida quanto à causa
do terror: represália do Comando Vermelho (CV) à prisão
sem regalias de seu líder Fernandinho Beira-Mar ou
um ato político, a seis dias das eleições. A
Polícia Federal abriu inquérito para apurar a responsabilidade
sobre o que ocorreu.
A governadora Benedita da Silva admite que
o fechamento do comércio pode estar ligado à reação
do crime organizado pela prisão de chefes do tráfico,
mas não descartou que os fatos possam estar sendo aproveitados
politicamente para desestabilizar sua candidatura. Benedita telefonou
ao presidente Fernando Henrique Cardoso para tranqüilizá-lo
sobre a situação no Rio.
O
prefeito Cesar Maia voltou a criticar a política de segurança
do Estado.
- Além da descompensação
da Benedita, a prefeitura está em contato com policiais que
avaliam a situação. É um caso grave para que
a governadora seja tão irresponsável - disse.
Cerca de 13 mil policiais civis e militares
foram às ruas para garantir a segurança. Ligadas à
facção criminosa CV, até as 19h de ontem, 19
pessoas - entre elas, 11 menores - foram presas por estarem incitando
o comércio a fechar as portas, em diversos bairros do Rio.
Flagrados pelos policiais, em acessos a favelas, a maior parte nos
morros da Tijuca, os detidos confessaram estar cumprindo ordens do
tráfico.
- Estava passando na rua quando atendi o orelhão.
Fui forçado a dar o recado - defendeu-se um dos presos Maicon
Levi dos Santos Araújo, 19 anos, do Andaraí.
Apesar
de os comerciantes dizerem que a ordem para fechar teria partido de
Fernandinho Beira-Mar, os presos não citaram o nome
do traficante na Delegacia de Repressão a Entorpecentes. Os
detidos vão responder por associação ao tráfico.
No
Centro, pichações no alto de dois prédios, com
alusão ao poder paralelo, feitas durante o fim de semana, ajudaram
a espalhar o medo. No Metropolitan Center, na Rua Uruguaiana, onde
funcionam a Embratur, a Procuradoria Geral da República e a
Confederação Brasileira de Vôlei, desconhecidos
escreveram em letras garrafais: Poder Paralelo. Vários
ônibus mudaram o itinerário na Central do Brasil, deixando
de passar pelo terminal rodoviário Coronel Américo Fontinelle.
Na capital, 235 escolas municipais e uma estadual
foram fechadas. Os bairros mais afetados foram Cidade de Deus, Jacarepaguá
e Barra da Tijuca, onde 48 escolas da rede municipal não tiveram
aula. Em Duque de Caxias, 50% das escolas não funcionaram.
O comércio fechou em 28 bairros da capital, além de
Belford Roxo, Niterói, São Gonçalo e São
João de Meriti. Pela primeira vez, o comércio foi fechado
em Ipanema e Leblon. O setor calcula perda, só na manhã,
em R$ 130 milhões. Os shoppings da Região Metropolitana
tiveram queda de 80% no movimento e a Federação das
Indústrias do Estado teve prejuízo de R$ 37 milhões.
Matéria do JB Online em 01/10/2002
Políca
anuncia detenção de 22 suspeitos de espalhar onda de
pânico
Dezenove pessoas – 11 menores –
foram detidas no Rio. Mais três foram capturados em Niterói
Vinte e dois suspeitos presos até as 21 h. Esse foi o balanço
da operação que a Secretaria de Segurança Pública
deflagrou assim que comércio e órgãos públicos
começaram a fechar as portas, logo pela manhã, supostamente
por ordem de traficantes. Entre os 19 acusados apresentados pela Delegacia
de Repressão à Entorpecentes (DRE), 11 eram menores.
Em Niterói, a Polícia Militar capturou três motoqueiros
que, exibindo fuzil e duas pistolas, mandavam comerciantes de Icaraí
e Santa Rosa baixar as portas.
Assim
que forem confirmadas suas participações na confusão
de ontem, os detidos serão autuados por tráfico e associação
para o tráfico. Se forem condenadas, essas pessoas poderão
pegar penas que variam de três a dez anos de prisão.
Além
dos presos, a polícia investiga ligações telefônicas
feitas de apartamentos de Ipanema para algumas lojas daquele bairro.
Ligados ao Comando Vermelho (CV), os presos maiores foram para a Polinter
e os menores, encaminhados para Delegacia de Proteção
a Criança e Adolescente (DPCA).
Segundo
a chefe de investigações da DRE, Marina Maggessi, a
informação de que Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho
Beira-Mar, estaria por trás da confusão foi noticiada
pelas rádios a partir das 7h30. A polícia montará
um esquema especial de segurança para a eleição
do dia 6.
Dos
oito presos adultos apresentados pela DRE foram identificados Maico
Levy dos Santos Araújo, 19 anos; Edivan Expedito Calixto, 23;
Adriano Santos Silva, 22; Alexandre Tomé de Araújo,
21; Rogério Xavier, 18, e Thiago Roberto Vicente da Cruz de
Araújo Leitão, 19. Este vestia camiseta vermelha com
a inscrição "CM-D Comando" e o desenho de
um fuzil nas costas. Em Niterói, o 12º BPM identificou
os três menores detidos como Fábio, Júlio e Alessandro.
Em
Botafogo, a juíza aposentada Denise Frossard, que concorre
à Câmara dos Deputados pelo PSDB, não se intimidou
com dois homens que tentavam fechar um comitê dela, na Rua da
Matriz. Dizendo que a ordem foi "missa encomendada e que não
tinha apenas o tráfico por trás", ela lembrou o
episódio: "Perguntei quem deu a ordem e responderam que
foi o tráfico. Disse que não iria fechar e dei ordem
de prisão, mas eles fugiram correndo".
Matéria do Dia Online em 01/10/2002
O
feriado do terror
O que nem os mais alarmistas conseguiam imaginar
acabou acontecendo ontem: o Rio parou, refém do medo, sitiado,
vítima da ação de grupos, alguns armados, que
ordenaram que o comércio fechasse em pelo menos 40 bairros.
Duzentas e trinta e cinco escolas mandaram 50 mil estudantes mais
cedo para casa. Quatro ônibus foram incendiados e dois mil sequer
saíram das garagens, deixando de atender 800 mil passageiros.
Postos de saúde, bancos e supermercados suspenderam as atividades,
mas ninguém sabe explicar se o poder paralelo decretou feriado
— comerciantes de várias áreas asseguraram que
traficantes, armados ou não, mandaram que eles fechassem —
ou se o medo coletivo provocou um efeito dominó, levando aqueles
que não foram molestados a aderir à onda de pânico
que tomou conta do estado. A governadora Benedita da Silva anunciou
que 43 mil homens, das polícias Civil e Militar, foram para
as ruas.
Rio, Niterói, São Gonçalo
e parte da Baixada viveram um clima de feriado sem comemoração,
com ruas desertas e população acuada. Pela primeira
vez, a Zona Sul da cidade sucumbiu ao poder do tráfico e da
boataria. As principais avenidas de Ipanema, Leblon, Copacabana e
Botafogo ficaram às moscas. Comerciantes da Visconde de Pirajá
contaram que, pouco antes das 7h, três menores armados em motocicletas
passaram pela rua mandando o comércio não abrir as portas
por ordem do tráfico. As lojas do Fórum de Ipanema,
do Rio Design Center e do Shopping da Gávea obedeceram. No
Leme, o comércio da Rua Gustavo Sampaio amanheceu fechado.
No Leblon, não funcionaram o McDonald's,
bares, diversas lojas e o shopping Vitrines do Leblon. Na Ataulfo
de Paiva, apenas o Bar Jobi abriu. Embora não tenham sido procurados
diretamente por homens armados, lojistas foram vítimas do disse-me-disse
e resolveram não arriscar:
— Me disseram que o tráfico mandou
fechar. Fechei a loja e liberei as funcionárias — disse
o dono de uma loja no Vitrines do Leblon.
Uma
das lojas que não seguiram o exemplo das vizinhas e permaneceu
aberta recebeu um telefonema, a cobrar, determinando o fechamento:
—
Disseram que, se eu não fechasse imediatamente, iriam metralhar
a loja — contou a gerente.
A rede de lojas de eletrodomésticos
Ponto Frio foi obrigada a fechar 15 filiais. Em Copacabana, o gerente
ignorou o primeiro telefonema em que um homem dizia ser do Comando
Vermelho. O bandido ligou mais duas vezes até que a loja fosse
fechada.
Até
os camelôs sucumbem ao medo
Em
Botafogo, parte do comércio da Voluntários da Pátria
cerrou as portas. Moradores contaram que bandidos, usando metralhadoras,
mandaram fechar o prédio da Capemi. No Centro do Rio, durante
a madrugada, homens armados avisaram na Central para que os comerciantes
não abrissem de manhã. O Terminal Rodoviário
Américo Fontenelle passou o dia de ontem deserto. Nem mesmo
os camelôs abriram suas barracas. No Estácio, as lojas
ficaram parcialmente fechadas. Rapazes passaram de moto com fuzis
AR-15 mandando fechar.
Na Avenida Ministro Edgar Romero, principal
de Madureira, a ousadia foi maior. Todos tiveram que fechar bem cedo.
Na porta de cada loja, os bandidos pregaram, com a assinatura do Comando
Vermelho e do Primeiro Comando da Capital, avisos com a inscrição
"Mantenha fechado. Risco de represália. CV.PCC".
Na Ilha do Governador, até clube recebeu
ordens para não funcionar. Traficantes ameaçaram invadir
o Iate Clube Jardim Guanabara, que havia expulsado no início
do mês 14 parentes do traficante Fernandinho Beira-Mar do quadro
de sócios. Por orientação da polícia,
o clube suspendeu as atividades. Os iates dos sócios receberam
proteção de barcos da Secretaria de Segurança.
Na Tijuca, só depois da chegada de um
ônibus da PM e de soldados com cães é que o comércio
começou a abrir as portas. Mesmo assim, apenas na Praça
Saens Peña e no Shopping Tijuca. Nas demais áreas do
bairro, quase todos os bares, supermercados e lojas ficaram fechados
de manhã. Em São Cristóvão, dois homens
armados passaram pelas lojas e mandavam que os funcionários
fossem embora. Numa empresa de engenharia, os dois homens chegaram
a entrar na firma e exigiram que fosse fechada.
Nas proximidades da Universidade Estácio
de Sá, no Rio Comprido, foram jogadas três bombas artesanais.
Alunos que faziam prova no campus ficaram apavorados. Na PUC, provas
foram suspensas. As 37 unidades da UniverCidade tiveram que ser fechadas.
Responsáveis por estudantes dos colégios Anglo-Americano,
de Botafogo, e Bennett, no Flamengo, também foram chamados
para buscar os alunos mais cedo. No Santo Inácio, em Botafogo,
algumas turmas foram liberadas antes do horário e à
tarde não houve aula. O mesmo ocorreu nos colégios Teresiano
(Gávea), Sion (Cosme Velho) e São José (Tijuca).
Pelos números da Secretaria municipal de Educação,
116 escolas fecharam ontem de manhã, cerca de 11% do total
da rede. À tarde, o número de escolas fechadas dobrou.
As empresas de ônibus também sofreram.
Os veículos da São Silvestre sequer saíram da
garagem, junto ao Morro da Providência. O mais grave ocorreu
na Viação Mauá, em São Gonçalo,
onde 20 homens armados incendiaram um ônibus e jogaram gasolina
no corpo de um cobrador, ameaçando pôr fogo nos outros
280 ônibus, caso circulassem. Todos pararam.
Matéria do Globo Online em 01/10/2002
Jornais
da Mídia Corporativa