ALCA: um passo rumo ao subdesenvolvimento.
Noite de terça-feira. Os olhos ensaiam
preguiçosos os primeiros cochilos. Desligada a televisão,
as mãos abrem vagarosamente os lençóis entre
os quais o corpo espera ansioso o caloroso abraço da cama.
Atraída pelo travesseiro, a cabeça se afasta do mundo
e o coração torce para que o novo dia seja melhor do
que acaba de findar.
O silêncio e a escuridão se apoderam
da casa. Estou começando a mergulhar no aconchego da noite
quando o telefone interrompe bruscamente esta gostosa sensação
de sossego. Alimentadas pela vontade de amaldiçoar a criatura
que está do outro lado da linha, as pernas me levam para a
sala enquanto os olhos registram a posição dos ponteiros:
meia-noite.
Desajeitada, a mão segura o fone enquanto
dos lábios saem palavras que mais se parecem com estranhos
murmúrios. Mas todo este esforço tem o silêncio
como resposta.
- “Você tem três segundos
para se manifestar!”, afirmo num tom que mistura raiva e curiosidade.
“Um... dois... e... e... trrrr...”
- “Surpresa! Sabe quem é?”,
responde uma voz conhecida, mas ainda não identificada. E continua:
“Vou dar uma dica: enxergo de noite aquilo que você não
vê de dia; portanto sou...”
- “Nádia, pelo amor de Deus, você
sabe que horas são?!?”.
- “Sim, querido secretário, é
meia-noite. A melhor hora para uma coruja acordar quem dorme no ponto
e espera inutilmente que o mundo se torne melhor com o simples amanhecer
do dia”.
- “Eu só não vou xingar
você porque...”
- “Porque sabe que estou certa! Vocês
humanos são criaturas estranhas: sonham até de olhos
abertos, mas, na maioria das vezes, não dão um passo
para realizá-los”, responde seca Nádia tirando
o meu rebolado.
- “Bom, mas, pelo menos, você poderia
respeitar o meu cansaço”, retruco na tentativa de romper
o instante de pesado silêncio que se estabelece entre nós.
- “Pois fique sabendo que só liguei
para tratar de um assunto tão grave a ponto de esquecer dele
e tão urgente que você já deveria estar com papel
e caneta na mão. Estou voando há dias nos céus
do Brasil e o que os meus olhos andaram penetrando não é
nada animador. Por isso, antes de pegar carona num navio rumo ao Oriente
Médio resolvi ligar para que você escreva o que eu vi
a respeito da ALCA”.
- “A respeito do que? Da ALCA? Mas que
diabo é isso?”, pergunto nervoso ao pensar que minhas
horas de sono, pelo jeito, vão ficar bem menores.
- “Desça das nuvens, meu bípede
sonolento, estou falando da Área de Livre Comércio das
Américas. Trata-se de um acordo comercial promovido pelos Estados
Unidos e do qual deveriam participar todos os países de norte
a sul do continente americano, com exceção de Cuba”,
retruca a coruja com voz pausada e impaciente.
- “Não sei porque você ficou
tão preocupada com esta história. Eu ouvi dizer que
com essa tal de ALCA as coisas vão melhorar. Parece que, ao
tirar as barreiras que hoje são um obstáculo à
liberdade de comércio e aos investimentos entre os países
das Américas, a economia vai crescer. Isso significa que vamos
ter mais empregos e que a vida vai melhorar”, respondo na tentativa
de mostrar que andei folhando os jornais da semana.
Mas as minhas palavras são cortadas
por uma sonora gargalhada seguida do que parece ser um tombo.
- “Caí sentada de tanto rir!”,
diz Nádia sem conseguir se conter. “Você é
mesmo uma piada. Mas não se preocupe, isso sempre acontece
com quem lê uma notícia aqui e outra aí sem ver
o que se esconde nas entrelinhas. Acha que sabe tudo e acaba repetindo
os discursos dos poderosos”.
Vermelho de raiva e de vergonha, pego papel
e caneta esperando pacientemente que a minha interlocutora se recomponha.
- “Pois bem, meu humano de óculos,
está na hora de você limpar as lentes e abrir os olhos
para a realidade. Vou reconstruir através da história
as relações que ligam o Brasil ao primeiro mundo. Assim,
você mesmo verá que tenho boas razões para estar
preocupada.
Pra começar você precisa saber
que Portugal, como as demais nações européias,
iniciou as grandes viagens marítimas não para fazer
com que os povos conhecessem o que tinha de melhor, e sim porque a
escassez de matérias-primas e de metais preciosos na Europa
reduzia e colocava obstáculos à expansão de suas
rotas comerciais. Ao ampliar os seus domínios, a coroa portuguesa
esperava encontrar grandes jazidas de ouro e prata para multiplicar
as riquezas da corte, impulsionar o comércio, aumentar o poder
de suas forças armadas e, com elas, garantir o controle de
novos mercados rumo à acumulação de riquezas
ainda maiores”.
- “Isso significa que os portugueses
não vieram aqui para construir, e sim para saquear?”,
pergunto para demonstrar que estou acompanhando a narração
da história.
- “Exatamente! Eles eram como raposas
que procuram novos galinheiros para engordar e progredir às
custas das galinhas. E é justamente a pilhagem das riquezas
que vai definir a relação com o Brasil ao longo dos
séculos.
Mas, ao chegar em nossas terras, Portugal
ficou decepcionado: por aqui não havia nenhum sinal das fabulosas
minas de ouro e prata encontradas pelos espanhóis em outros
países. A única riqueza visível e abundante era
o pau-brasil, conhecido na Europa porque de sua madeira vermelha se
extraía um corante usado, sobretudo, para tingir os tecidos.
O trabalho de cortar as árvores, limpá-las
e levar as toras até o navio era feito pelos índios
em troca de pedaços de pano colorido, espelhos, facas, canivetes
e outras bugigangas. Paca facilitar o serviço, às vezes,
os indígenas recebiam também serras e machados. Com
base neste tipo de troca, os lucros das companhias de navegação
portuguesas eram enormes.
Mas havia um problema: outras nações
européias estavam de olho no Brasil, não só em
função da extração da madeira, como pelas
possíveis riquezas a serem descobertas. Diante da urgência
da coroa portuguesa garantir a posse dos territórios do “novo
mundo”, era necessário criar uma base econômica
que fosse além da extração predatória
do pau-brasil.
Em outras palavras, tratava-se de implementar
uma atividade mais rentável, capaz de atrair os súditos
da coroa e proporcionar bons lucros à mesma. O tipo de terra,
o clima quente e o altíssimo preço do açúcar
na Europa fizeram da cana a cultura ideal a ser plantada em solo brasileiro.
Para ser lucrativo, o canavial devia ocupar
amplas extensões de terra e uma grande quantidade de força
de trabalho. Diante das dificuldades de trazer colonos portugueses
e da resistência dos índios, os dominadores lançavam
mão do trabalho escravo. Os negros africanos eram trazidos
em condições desumanas e sua venda no Brasil ampliava
ainda mais os ganhos obtidos com o seu “livre comércio”
em vários países do continente americano.
- “Quer dizer, então, que nesta
época não se plantava nada além de cana-de-açúcar?”.
- “Não é bem assim. A cana
era a cultura principal, mas encontramos também pequenas lavouras
de mandioca, milho, arroz, feijão e tabaco que visavam garantir
a sobrevivência de senhores e escravos. O plantio do algodão
ganhava um pouco mais de destaque na medida em que fornecia a matéria-prima
para a confecção dos sacos nos quais era transportado
o açúcar e dos panos rudimentares usados pelos escravos.
Devido à importância do boi como
animal de tração em alguns engenhos e para o transporte
da produção até os portos, começavam a
nascer as primeiras fazendas de criação de gado. Nelas
não havia escravos e sim índios, mestiços, criminosos
portugueses que escapavam da justiça, escravos em fuga e aventureiros
de toda ordem.
Com a expansão da cana-de-açúcar,
a criação de gado era empurrada cada vez mais para o
interior onde o desenvolvimento dos rebanhos implicava em derrubar
a mata para garantir as pastagens. No futuro, estas seriam transformadas
em canaviais cuja localização se afastava do litoral
na medida em que o solo se tornava pobre e improdutivo. Entre os resultados
desta fase da exploração do nosso país estavam
a concentração de grandes extensões de terras
em poucas mãos e o progressivo esgotamento de uma ampla faixa
de território fértil inicialmente coberto por matas
tropicais que iam da Bahia ao Ceará. Mas para os portugueses
este rastro de destruição não passava de um mero
detalhe cujas dimensões aumentavam com a expansão dos
canaviais”.
- “Mas, Nádia, eu já ouvi
dizer que o Brasil chegou mesmo a exportar ouro para a Europa. Como
é que você ainda não falou disso?”.
- “Simplesmente porque você fica
me interrompendo a toda hora”, retruca a coruja em tom de reprovação.
E continua: “Você precisa saber que foi ao expandir a
colonização rumo ao interior e ao explorar novas regiões,
através das ações perversas dos bandeirantes
e dos caçadores de escravos, que se chegou à descoberta
do urucu, do cacau, do guaraná, da borracha, bem como das primeiras
jazidas de ouro nas terras que hoje pertencem aos estados de Mato
Grosso, Goiás, São Paulo e Minas Gerais.
É neste mesmo período que o café
fazia a sua estréia no Brasil. Introduzido por volta de 1700,
destinava-se inicialmente ao consumo doméstico das fazendas.
Só a partir de 1830 esta lavoura iria se projetar como um produto
economicamente importante. Por volta de 1885, então, o café
iria responder por mais de 60% do valor das exportações
e, com ele, a borracha e o cacau começariam a ocupar mais espaço
nas vendas do país para o exterior.
Mas há uma coisa que você precisa
saber: tanto o dinheiro obtido com a comercialização
dos produtos agrícolas, como o ouro levado pra fora, não
paravam nos bolsos dos portugueses, e sim dos ingleses. Acontece que
Portugal comprava praticamente de tudo da Inglaterra que, em troca,
garantia à coroa portuguesa a sua proteção política
e militar contra a Espanha e a França. Em função
disso, pouco a pouco, o controle exclusivo de Portugal sobre o comercio
dos produtos brasileiros era arranhado por esta relação
de troca. Em 1807, ao assumir o papel de protetora da família
real que migrava para o Brasil sob o encalço das forças
de Napoleão Bonaparte, a Inglaterra ganhava a abertura total
dos nossos mercados aos produtos de suas indústrias.
Vale a pena sublinhar que, antes da chegada
da corte portuguesa, o medíocre padrão de vida dos que
aqui viviam e os limites impostos ao desenvolvimento local pelo processo
de colonização faziam com que o valor das mercadorias
importadas (cujo preço costumava ser salgado) raramente superasse
o que era pago pelos nossos produtos agrícolas exportados.
Com a chegada da família real, o consumo interno se expandia
muito mais rapidamente do que a capacidade de produção
do país.
Para você ter uma idéia, a partir
de 1807, a lista das importações brasileira incluía
bacalhau, azeite, vinho, sal, manteiga, farinha de trigo, vinagre,
biscoitos, tecidos de lã, linho, seda e algodão, porcelanas,
calçados, móveis, jóias, perfumes, licores, pinturas
e gravuras, relógios, pianos, brinquedos e até mesmo
caixões para defunto. Isso fazia com que o país fosse
obrigado a contrair seguidos empréstimos estrangeiros para
poder pagar os produtos comprados no exterior. Pouco a pouco, a dívida
externa começava a ganhar as características de uma
amarra que aumentava a nossa dependência em relação
ao dinheiro e aos recursos vindos de fora. O problema é que
não se importava para desenvolver a nação e sim
para satisfazer os caprichos da coroa. Nesta situação,
exportar cada vez mais açúcar, algodão, cacau,
tabaco, café, baunilha, carne-seca e madeiras nobres não
reduzia a nossa dependência em relação à
Inglaterra”.
- “Mas, Nádia, pelo que você
acaba de dizer, até agora, o Brasil era um exportador de produtos
agrícolas e um comprador de produtos manufaturados que engordavam,
sobretudo, os bolsos dos empresários ingleses. Será
que não havia nenhuma indústria por aqui?”.
- “Em nosso país, as primeiras
indústrias começaram a aparecer por volta de 1850. Tratava-se
de algo muito incipiente e rudimentar. As empresas produziam artigos
de baixa qualidade e de pouco valor como sacaria para a exportação,
tecidos grosseiros para assalariados, colonos e escravos, enxadas,
pás, facões e alguns produtos químicos de uso
corriqueiro. Além do mais, via de regra, seu maquinário
era importado da Inglaterra.
A industrialização ganhava alguns
estímulos em 1870, quando a concorrência entre as nações
dominantes fazia cair os preços dos produtos manufaturados.
A necessidade de ampliar a garantia de acesso às matérias-primas
e de expandir os mercados fazia com que Alemanha, Estados Unidos,
França, Bélgica e Japão passassem a disputar
com a Inglaterra os territórios sobre os quais pudessem exercer
o direito exclusivo de sua exploração. Em seu interior,
estas nações assistiam ao fechamento das pequenas empresas
que eram devoradas pelas maiores. Os senhores da indústria
e dos bancos estreitavam sua aliança e passavam a controlar
a vida econômica do país e as decisões do próprio
estado.
Para os países dominantes era de vital
importância aprofundar as relações de dependência
utilizando os empréstimos bancários que já vinham
sendo solicitados. O caminho a ser seguido implicava que, ao receber
o tão suspirado dinheiro, nações como o Brasil
fossem obrigadas a investir parte dos recursos emprestados na compra
de produtos e na implantação de empresas do país
credor. É assim que uma fatia das Libras que saía do
bolso direito da Inglaterra voltava para o esquerdo através
da compra de trilhos, locomotivas e demais componentes necessários
para a viabilização das ferrovias e das empresas de
transportes urbanos. Além disso, deviam ser respeitados os
direitos exclusivos das companhias britânicas de navegação,
importação e exportação e a prioridade
absoluta na instalação de suas casas bancárias
e agências de seguro. Tudo para aprofundar ainda mais o controle
sobre a maior parte das nossas atividades econômicas.
Através deste processo e da crescente
exploração de suas classes trabalhadoras, em 1912, Inglaterra,
França, Estados Unidos e Alemanha concentravam cerca 80% do
capital financeiro mundial, cuja chance de se multiplicar seria bem
pequena se as relações com as colônias se mantivessem
na base da troca de matérias-primas por produtos manufaturados.
No início de 1900, o Brasil, cuja economia
ainda se baseava na exportação de produtos agrícolas,
tinha no café o carro chefe de suas vendas no exterior. Mas,
em 1929, a crise econômica mundial fazia o seu preço
despencar e o país deixava de receber os recursos com os quais
pagava as importações e os empréstimos obtidos
no mercado internacional. Era um sinal claro de que as coisas não
podiam continuar assim”.
- “Foi aí, então, que começou
o processo de industrialização?”.
- “Na verdade, isso levaria mais algum
tempo. Seria só no final da década de 30 que o governo
brasileiro efetivaria os passos necessários para a criação
de indústrias que pudessem substituir os produtos importados.
Isso implicava em dar conta de, pelo menos, duas grandes tarefas imediatas:
construir usinas de energia elétrica e criar um complexo siderúrgico.
Neste contexto, nascia o Plano Qüinqüenal de Obras que previa
a construção da Companhia Siderúrgica Nacional,
da Hidroelétrica de Paulo Afonso e da Companhia Vale do Rio
Doce.
A idéia de desenvolver a indústria
nacional não partia exclusivamente da elite brasileira. Ela
recebia o apoio dos Estados Unidos, interessados que estavam em afastar
a Inglaterra dos nossos mercados. Não é por acaso que
boa parte do dinheiro para a construção da aciaria de
Volta Redonda, cujas obras iniciavam em janeiro de 1941, vinha dos
cofres estadunidenses.
Paralelamente a isso, na Europa, a segunda
guerra mundial queimava os recursos das economias de potências
como França, Inglaterra e Alemanha. Devido à grande
demanda de seus produtos por parte das nações envolvidas
no conflito, os preços das exportações brasileiras
iam de vento em popa. Mas à melhora das receitas se opunha
a dificuldade de atender às necessidades da industrialização
na medida em que máquinas, combustíveis e produtos químicos
eram escassos no mercado mundial. Parte das mercadorias que não
podia ser importada era compensada pela produção interna,
cujo crescimento tinha que ser feito forçando ao máximo
a utilização dos equipamentos já existentes.
Esta situação fazia com que no fim da guerra, em 1945,
alguns ramos da produção estivessem com suas instalações
completamente desgastadas e obsoletas.
O período que segue conhecia um aumento
da relação de dependência em relação
ao capital norte-americano. Nela ia se consolidando uma aliança
entre a elite nacional e as empresas transnacionais, sendo que a parte
do leão cabia a estas últimas. Em algum momento, o país
conhecia ainda uma política de desenvolvimento econômico
relativamente independente do capital internacional ainda que não
em oposição frontal a este”.
- “Nádia, tire uma curiosidade
minha. A toda hora estão dizendo que a chegada das multinacionais
como dos dólares que vêm do exterior contribuem para
o desenvolvimento do país e que isso é importante para
que ele caminhe rumo ao primeiro mundo. Será que a sua visão
não é um tanto pessimista?”.
- “O problema de quem se contenta com
as migalhas que caem da mesa é que dificilmente estica o pescoço
para ver o que está nos pratos dos que se deliciam com o banquete”,
responde a coruja engrossando a voz. E continua: “Ninguém
duvida que, entre 1964 e 1980, entrou muito dinheiro no país.
Mas acontece que os empréstimos internacionais contraídos
na época da ditadura militar, já traziam em si uma armadilha
mortal para qualquer nação que quisesse quebrar as amarras
da dependência e do subdesenvolvimento. De fato, estes empréstimos
haviam sido contratados com uma taxa de juros flutuante. Isso significa
que, de início, o Brasil pagaria muito pouco para receber os
recursos (cerca de 5,7% ao ano), mas nada impedia que, em seguida,
a porcentagem cobrada pudesse ir aumentando. Alguns anos depois, os
bancos norte-americanos decidiam incorporar a inflação
dos EUA à taxa de juros. Esta medida fazia com que, em 1981,
por exemplo, os juros alcançassem a marca dos 21% ao ano. Isso
significava que, de cada 100 dólares emprestados, o nosso país
teria que pagar 21 sem abater um único centavo de sua dívida
total.
Sem dinheiro para arcar com uma cobrança
tão elevada, nossos governantes pediam mais empréstimos
para pagar os débitos que venciam ou para negociá-los
a um custo cada vez maior. É assim que, de 1980 a 2001, só
de juros (ou seja, sem contar a parte da dívida já quitada)
o Brasil pagou a fortuna de 243 bilhões e 630 milhões
de dólares. Só que, neste mesmo período, o nosso
endividamento com os bancos estrangeiros pulou de 64 bilhões
e 210 milhões de dólares em 1980 para 209 bilhões
e 500 milhões em dezembro de 2001.
Trata-se de uma verdadeira sangria garantida
pelas regras que o Fundo Monetário Internacional (FMI) impõe
à economia brasileira como condição para manter
as linhas de crédito com o país. Contrariando as aparências,
as “missões” do FMI não têm o papel
de aplanar o caminho rumo ao desenvolvimento e sim de garantir que
o Brasil retire cada vez mais dinheiro dos programas sociais (saúde,
habitação, previdência, transporte, educação,
etc.) e dos próprios investimentos para que sobrem recursos
a serem enviados ao exterior. Tudo isso, em nome de uma conta que,
na prática, já foi paga através da cobrança
de juros extorsivos e que vai aumentado na medida em que se impõem
ao país condições que inviabilizam a sua quitação.
Por outro lado, você não pode
esquecer que aqui os próprios investimentos das multinacionais
sempre contaram com polpudas ajudas por parte do estado tanto no que
diz respeito à infra-estrutura da qual precisam, como em termos
de isenção de impostos, subsídios e juros de
pai pra filho sobre os empréstimos contraídos para a
sua implantação. Além disso, aqui elas podem
desfrutar de uma situação privilegiada: matérias-primas
baratas, baixos salários, uma legislação trabalhista
e ambiental amplamente favoráveis e um estado pronto a garantir,
na lei ou na marra, o arrocho salarial e as demais condições
que permitem aprofundar a exploração da classe trabalhadora.
Acrescente agora a facilidade de atingir mercados que antes eram distantes,
as remessas de grandes quantias para o exterior, o reaproveitamento
de máquinas consideradas obsoletas em seus países de
origem e a possibilidade de chantagear as classes trabalhadoras de
várias nações toda vez que suas lutas ameaçam
os lucros, e terá o quadro completo das peças que dão
cor e forma ao subdesenvolvimento.
As coisas só pioram um pouco mais se
você pensar que, pouco a pouco, o capital externo está
se apropriando de setores da economia que, até alguns anos
atrás, eram controlados pelo estado. Energia elétrica,
telecomunicações, extração de petróleo
e de minérios, bancos e a própria produção
de semimanufaturados já estão sendo direta ou indiretamente
submetidos à voracidade de grandes grupos internacionais. Pelo
visto, as raposas não se contentam mais em devastar os galinheiros.
Elas querem controlar cada um de seus espaços para que as galinhas
a serem sacrificadas sejam mais gordas e fáceis de apanhar,
além de cada vez mais numerosas e apetitosas.
Na medida em que as riquezas aqui produzidas
são levadas para o primeiro mundo, é claro que os chamados
países desenvolvidos têm cada vez mais recursos para
investir em pesquisas, novas descobertas científicas, modernização
de sua indústria, aprimoramento das técnicas agrícolas,
empréstimos e operações financeiras de todos
os tipos. Quanto maior for a concentração de riquezas
nas mãos de seus capitalistas, mais eles terão condições
de estar na nossa frente em termos de desenvolvimento, tecnologia,
desempenho e possibilidade de impor suas escolhas. As “ajudas”
que nos oferecem não são pra criar uma situação
de igualdade, e sim para aumentar nossa dependência e fixar
o desenvolvimento em degraus inferiores àqueles nos quais se
encontram.
Um bom exemplo disso é dado por multinacionais
como a Daimler-Chrysler, que estão desativando o setor de tecnologia
instalado no Brasil. Isso significa que, em breve, nos galpões
de São Bernardo do Campo serão montados caminhões
e ônibus cujos principais componentes virão de fora,
prontos para serem parafusados aqui. Além do corte imediato
de 720 empregos, o nosso país deixará de desenvolver
tecnologia e passará a depender das importações
para fazer os novos caminhões rodarem em suas estradas. Algo
semelhante vem acontecendo há anos com os computadores e os
celulares, cujas peças principais dependem de compras no exterior
que nos colocam à mercê das escolhas e dos caprichos
das multinacionais.
É por toda esta situação
que o primeiro mundo é o primeiro mundo e a camisa de força
das relações que nos amarram a ele vai ficando cada
vez mais apertada”.
- “Nádia, confesso que as tuas
palavras já me deixaram de orelhas em pé. Mas, veja
bem, se, apesar de tudo, a gente produzir a custos menores, nós
podemos sempre competir com esse tal de primeiro mundo. Não
é?”.
- “Isso eles vão até deixar
acontecer com um punhado de produtos específicos, mas, com
certeza, não é algo que pode se generalizar. Acontece
que os países desenvolvidos protegem os lucros de suas elites
e, com eles, sua posição dominante no comércio
e nas relações internacionais. Vou dar alguns exemplos
para que você possa entender do que se trata.
Toda vez que as nossas mercadorias são
mais baratas do que as deles, as nações desenvolvidas
colocam algum tipo de barreira que acaba encarecendo ou impedindo
a entrada do nosso produto em seu território. Boa parte das
vezes, trata-se de um imposto ou de uma quota de importação.
É o caso do nosso suco de laranja, que ao chegar nos Estados
Unidos é taxado em 39,5%, ou dos aços que saem das fábricas
brasileiras, sobre os quais eles aplicam um imposto que varia de 8
a 30%.
Algo parecido acontece com o fumo utilizado
na confecção dos cigarros norte-americanos. A lei dos
EUA determina que 75% da matéria-prima seja comprada dos produtores
locais. Do total a ser importado, só 50% pode vir do Brasil.
O que passar desta quantidade é onerado com uma taxa de 350%.
No que diz respeito à soja, o produto
em grãos pode entrar na União Européia sem sofrer
nenhum tipo de obstáculo, já o óleo refinado
é submetido a um acréscimo que varia de 6,1 a 11,4%.
O mesmo ocorre com o café de qualidade superior. As sacas com
o melhor da colheita são importadas sem restrições,
enquanto o café solúvel e o pó já torrado
e moído são barrados na alfândega por um imposto
de 9%. Isso faz com que a Alemanha seja o 3º maior exportador
mundial de café sem ter um único pé plantado
em seu território.
Às vezes, mais do que os impostos,
são os subsídios a dificultarem a produção
e a venda das nossas mercadorias. Nos EUA, por exemplo, os produtos
agrícolas têm preços mínimos estabelecidos
pelo governo. Toda vez que safras abundantes fazem cair o que é
pago a nível internacional o produtor estadunidense recebe
a diferença em dinheiro. Com isso, seu negócio continua
lucrativo e ele pode até mesmo ampliar a sua lavoura. Enquanto
isso, o nosso agricultor acaba não tendo condições
de efetuar o próximo plantio ou é obrigado a reduzi-lo
porque o dinheiro obtido com a venda da safra não cobre os
custos de produção. O resultado é que, enquanto
a agricultura estadunidense prospera, a nossa sacrifica um número
cada vez maior de pequenos e médio produtores. Para você
ter uma idéia do tamanho deste estrago, em 2001, os subsídios
dos Estados Unidos destinados ao algodão ampliaram a área
plantada e fizeram os preços internacionais caírem ao
redor de 40% em relação à safra anterior. Graças
ao dinheiro do governo, os agricultores norte-americanos não
tiveram maiores problemas, já os brasileiros foram obrigados
a reduzir a área plantada em 14% por ter deixado de receber
algo próximos aos 600 milhões de Reais.
Quando não são feitas de impostos,
cotas e subsídios, as barreiras que criam obstáculos
à venda das nossas mercadorias podem ser constituídas
por outras medidas. A União Européia, por exemplo, proibiu
a importação de frutas cítricas brasileiras porque
o país não é considerado área livre da
“pinta preta” e do cancro cítrico. Do mesmo modo,
nossas laranjas não podem entrar nos EUA por estarem “fora
das especificações técnicas” estabelecidas
pelo Ministério da Agricultura estadunidense. O mesmo processo
de exclusão dos mercados estrangeiros ocorre quando os nossos
produtos são submetidos a exigências de certificação
de qualidade pelos órgãos governamentais do importador.
Via de regra, a obtenção das licenças de importação
requer um processo burocrático desanimador que, na prática,
é outra forma de dizer às nossas exportações
que elas não são bem-vindas.
Resumindo, além de qualidade e preço
baixo, o critério essencial para a compra das nossas mercadorias
é que elas não prejudiquem os lucros e o crescimento
da produção no interior do primeiro mundo. E isso já
vem sendo aplicado diariamente e bem antes da implantação
da ALCA”.
- “Mas, Nádia, a Área de
Livre Comércio das Américas não vem justamente
para acabar com todas estas barreiras?”, pergunto na tentativa
de vislumbrar ao menos uma pequena luz no fim do túnel.
- “É aí que você
se engana! O presidente dos EUA, George W. Bush, recebeu do Congresso
poderes especiais para negociar acordos comerciais com os demais países.
Os deputados e senadores, sabendo que só poderão aceitar
ou rejeitar em bloco o resultado das negociações, já
deixaram claro que não irão abrir mão dos subsídios
à agricultura e de uma longa série de impostos que continuarão
encarecendo nossos produtos em relação aos que saem
da economia norte-americana.
É com base neste espírito pelo
qual “no que é meu ninguém mexe e o que é
seu pode ser negociado” que os EUA estão se dispondo
a discutir as normas da ALCA com a América Latina. Eles podem
se permitir esta postura por uma razão muito simples: dos cerca
de 12 trilhões de dólares da riqueza produzida pelos
países do continente americano, 9 trilhões, ou seja
75%, são da economia estadunidense enquanto a participação
do Brasil gira em torno dos 7%. É como se uma raposa e um pintinho
sentassem para negociar na mesma mesa. Podem chegar até a algum
acordo, mas, você entende, dificilmente será favorável
ao candidato a almoço do seu predador.
Uma outra boa razão para duvidar das
reais intenções de abrir a própria economia diz
respeito ao que vem acontecendo com o acordo sobre produtos têxteis
e de vestuário celebrado na Organização Mundial
do Comércio em 1994. Por ele, até 2004, os países
desenvolvidos se comprometiam a eliminar todas as cotas destes setores
impostas às importações dos países em
desenvolvimento. No início de 2002, das 757 cotas dos EUA apenas
56 haviam sido abolidas.
- “Nádia, você agora me
deixou apavorado. Pelo que você acaba de dizer, as coisas já
não estão nada boas pro nosso lado. O que não
entendo é como a situação pode piorar ainda mais
com a implantação da ALCA”, comento num suspiro
que cria entre nós um sofrido instante de espera silenciosa.
Do outro lado da linha, a coruja limpa a garganta
e depois de um “Pois bem..., vejamos...” retoma com voz
clara o seu relato estarrecedor: “Meu secretário apavorado,
saiba que entre os principais objetivos da Área de Livre Comércio
das Américas está o de transformar o nosso continente
num grande escoadouro para as mercadorias que andam encalhadas nos
armazéns das empresas estadunidenses. Para fazer com que a
economia norte-americana saia da crise em que mergulhou e retome o
caminho do crescimento, se faz necessária uma vigorosa ampliação
do mercado consumidor. Só assim os EUA poderão garantir
parte dos recursos que precisam para recuperar sua economia e alimentar
a política armamentista com a qual pretendem expandir o seu
domínio sobre as demais nações do globo.
Esta façanha é possível
pelo fato dos Estados Unidos terem uma capacidade tecnológica
cerca de 110 vezes superior à média das economias latino-americanas.
Trocado em miúdos, isso significa que, ao longo de uma jornada
de trabalho de 8 horas, as empresas estadunidenses, em média,
podem produzir 210 mercadorias quando os demais países da América
Central e do Sul conseguem chegar apenas a 100. Esta vantagem faz
com que os preços de seus produtos sejam mais baratos do que
os nossos. Por isso, ao eliminar os impostos que o Brasil aplica a
vários itens comprados no exterior, o resultado imediato seria
a impossibilidade de vender parte significativa da nossa produção
até mesmo no mercado interno. Em pouco tempo, a competição
em condições de tamanha desigualdade levaria à
quebra ou à sensível redução da nossa
indústria e da própria agricultura, além de aumentar
a dependência do país em relação às
economias mais fortes do continente.
O encolhimento das nossas atividades econômicas
se ampliaria na medida em que, pelas regras da ALCA, o estado seria
impedido de colocar qualquer restrição ao investimento,
à produção, à importação
e à remessa de lucro por parte dos capitalistas estrangeiros.
Em outras palavras, as montadoras de carros, por exemplo, poderiam
trazer de suas filiais no exterior todos os componentes a serem parafusados
aqui, levando assim ao progressivo fechamento das indústrias
de autopeças locais. Some isso à possibilidade irrestrita
de enviar ao exterior os lucros obtidos com a venda dos veículos
e terá o quadro desolador de um galinheiro onde as raposas
aprimorariam um sistema rápido de captura, desmontagem e degustação
de bípedes plumados.
As empresas a saírem incólumes
deste processo seriam aquelas que se instalaram aqui em função
dos problemas que encontrariam em outros países. Estou me referindo,
por exemplo, as que demandam grandes quantidades de energia, são
altamente poluidoras, devastam o meio-ambiente ou precisam de matérias-primas
cujo transporte acaba sendo muito oneroso. Ainda assim, feitas as
contas, a Associação Nacional de Manufaturas dos EUA
estima que, após a implantação da ALCA a exportação
de mercadorias norte-americanas para a América Central e do
Sul aumentaria dos atuais 60 bilhões de dólares para
cerca de 200 bilhões de dólares ao ano.
E tem mais. Se as coisas forem pelo caminho
que estão seguindo, pode ser introduzida na ALCA a mesma cláusula
de multa que consta do Tratado de Livre Comércio da América
do Norte (NAFTA) assinado entre EUA, Canadá e México”.
- “Pelo amor de Deus, Nádia, você
está querendo me dizer que as empresas estrangeiras, além
de escancarar as portas do galinheiro ainda têm condições
de impor penalidades ao Brasil?”, pergunto incrédulo
e temeroso de que isso possa ser verdade.
- “É exatamente isso!”,
responde a coruja em tom nada animador. “Pela legislação
do NAFTA, cujo conteúdo serve de base às negociações
da Área de Livre Comércio das Américas, as empresas
que se sentirem prejudicadas pelo estado em suas possibilidades de
lucro podem entrar com um processo junto à comissão
de arbitragem supranacional que irá deliberar em relação
a eventuais indenizações a serem pagas pelos cofres
públicos.
Neste sentido, por exemplo, uma multinacional
de transporte de encomendas expressas poderia processar o estado por
concorrência desleal pelo fato deste prestar o mesmo serviço
através do correio. Do mesmo modo, uma fábrica cujo
quadro de funcionários seja majoritariamente do sexo feminino
elevaria seus protestos junto à comissão de arbitragem
alegando que seus lucros são prejudicados pela legislação
que prevê uma licença maternidade de 4 meses. Algo parecido
pode ocorrer em relação às restrições
da legislação ambiental, à proibição
de cultivar produtos transgênicos em grande escala, ou até
mesmo à previdência social, à saúde e à
escola pública. Para isso, basta que uma multinacional do setor
madeireiro, da produção de sementes, de seguro saúde,
de previdência privada ou até mesmo uma universidade
estrangeira que abra uma filial no Brasil encaminhem suas queixas
junto a tal comissão diante da qual nossa justiça nada
poderia fazer.
Para você ter uma idéia do que
isso significa, vou contar o que aconteceu no México em 1996.
A estadunidense Metalclad Corporation foi obrigada a encerrar suas
atividades depois que um estudo do solo comprovou que suas instalações
contaminavam o lençol de água que servia para o abastecimento
da população. A empresa não se deu por vencida
e processou o governo mexicano junto à comissão de arbitragem
do NAFTA. A Metalclad queria ser indenizada porque à cessação
de seus lucros correspondia a continuação do uso daquela
água para fins comerciais por parte da companhia estadual de
saneamento básico. Em agosto de 2000, o México foi obrigado
a pagar uma indenização de 16 milhões e 700 mil
dólares à própria Metalclad. Por esta decisão,
podemos concluir que, em nome do livre mercado, crime não é
contaminar a água que o povo bebe e sim impedir que os capitalistas
possam continuar lucrando.
A lista das desgraças se completa com
a ampliação do período de vigência das
patentes, ou seja, do prazo pelo qual uma empresa que tenha feito
alguma descoberta científica detém o monopólio
da produção daquela mercadoria cobrando por ela o preço
que achar conveniente. Se isso vier a acontecer, o Brasil será
obrigado a pagar cada vez mais, por exemplo, pelos remédios
que importa do exterior. Basta pensar que, de 1996 a 2001, os Estados
Unidos patentearam 510 novos medicamentos enquanto no Brasil este
número chegou a 36. No mesmo período, as nossas importações
de remédios passaram de 25 milhões de dólares
a um bilhão e 200 milhões de dólares ao ano.
Boas notícias... para a camisa de força da dependência.
Bom, querido secretário, se você
prestou atenção ao que eu disse, já deve ter
percebido que, no capitalismo, o subdesenvolvimento não é
uma etapa do desenvolvimento e sim a sua conseqüência.
Num sistema que se baseia na apropriação privada da
riqueza coletivamente produzida pelos trabalhadores e trabalhadoras,
a ALCA é apenas a peça mais nova da política
de dominação mundial levada adiante pelas grandes empresas”.
Não sei dizer o porquê, mas,
diante deste veredicto, parece que as palavras começam a ficarem
presas na garganta sufocadas por um sentimento de impotência
que torna ainda mais tenebroso o futuro que há tempo não
era promissor. Tomados pelo desconcerto, os lábios conseguem
balbuciar duas palavras: “Estamos perdidos...”.
Do outro lado da linha, um longo suspiro avisa
que Nádia se prepara para dar uma de suas alfinetadas: “Vocês
humanos só tem tamanho! No lugar de ir à luta se comportam
como galinhas que, ao sentir a proximidade da raposa, ficam todas
alvoroçadas e torcem para que seja o pescoço da vizinha
a cair entre os dentes da fera”.
- “Confesso que agora não estou
entendendo”, comento raivoso e estarrecido.
- “O problema das galinhas é não
perceber que elas não dependem da raposa para viver e que elas
só se tornam suas reféns na medida em que cada uma se
preocupa em salvar o próprio pescoço mesmo sabendo que,
mais cedo ou mais tarde, vai virar almoço de raposa. Por medo
das coisas ficarem piores, se submetem e o resultado não demora
a aparecer: mais e mais bípedes plumados são sacrificados
no altar do lucro. O que falta é elas começarem a conversar,
a procurarem juntas uma forma de derrotar as raposas. Para isso não
precisam de ninguém que as represente e sim de perceber que
são muitas e que seus bicos, juntos, podem pôr as raposas
pra correr.
Entender e rejeitar a ALCA é o primeiro
passo de um longo caminho rumo a mudanças mais profundas. O
susto que levamos ao conhecer o futuro que a dependência nos
prepara deve aumentar nossa rebeldia e levar-nos a aproveitar as possibilidades
de debate e de conversa com quem está ao nosso redor e que,
via de regra, desperdiçamos por acreditar que a solução
vai cair do céu ou que alguma raposa bem intencionada vai fazer
algo por nós. Estou falando de coisas simples como a possibilidade
de discutir isso nas escolas, nas igrejas, nos movimentos populares,
nos sindicatos, nos partidos, nas demais organizações
da sociedade civil e com qualquer pessoa honesta que se sinta incomodada
com o desenrolar da vida em sociedade. É pouco, mas suficiente
para começar a procurar caminhos.
Bom, querido secretário, o navio que
vai me dar uma carona já está saindo do porto. Mas,
ao me despedir, quero lembrar-lhe apenas que por pequena que seja
a luz que carrega, até o vaga-lume se aventura a desafiar o
coração da noite”.
A ligação se interrompe.
Cansadas, as mãos deixam cair sobre
a mesa as folhas com o relato da coruja. De olhos fechados, a memória
traz a imagem de centenas de pessoas empenhadas em construir um mundo
onde haja um lugar para todos. A maior parte delas luta em silêncio
e, talvez, nunca será notícia de primeira página.
Mas a sua pequena luz é um marco na escuridão, a certeza
de que o novo amanhecer nascerá de exércitos de vaga-lumes
que não se cansam de romper as barreiras da noite.
Por isso, muita coragem para fazer nascer
o novo dia e um grande abraço para aquecer ainda mais o fogo
da rebeldia.
Emilio Gennari
Brasil, 28 de agosto de 2002.
Bibliografia:
·
Antonio Mendes Jr., Luiz Roncari e Ricardo Maranhão (Orgs.),
Brasil História – texto e consulta, Vol de 1 a 4,
Ed. Hucitec, São Paulo 1991.
·
Assis Moreira, Atuação dos Estados Unidos derruba
as cotações internacionais, em Gazeta Mercantil
03/07/2002.
·
Assis Moreira, Brasil propõe revisão do acordo antidumping,
em Gazeta Mercantil 31/05/2001.
·
Assis Moreira, EUA são campeões de antidumping na
OMC, em Gazeta Mercantil 28/11/2001.
·
Cíntia Sasse, ALCA entra em debate no Congresso Nacional,
em Gazeta Mercantil 24/10/2001.
·
Claudia Mancini, Indústria americana prevê triplicar
vendas à América Latina, em Gazeta Mercantil 08/08/2002.
·
David Carrizales e Henríquez Mendez, El TLCAN no há
sido factor de desarrollo para México, em La Jornada 21/03/2002.
·
Eduardo Galeano, As veias abertas da América Latina,
Ed, Paz e Terra 30º edição, São Paulo 1990.
·
Emir Sader (Org.), ALCA: integração soberana ou
subordinada? Ed. Expressão Popular, São Paulo,
setembro de 2001.
·
Henrique Rattner, Globalização e soberania nacional,
em Jornal dos Economistas, Nº 111, Julho de 1998.
·
Jorge Luiz de Sousa, Estudo da FIESP mede as fraquezas do Brasil
na negociação da ALCA, em Gazeta Mercantil, 26/07/2002.
·
José Alberto Gonçalves, projeto de lei agrícola
americana aumenta subsídio, Em Gazeta Mercantil, 27/07/2001.
·
Marcelo Moreira, Metalúrgicos do ABC discutem demissões
na Daimler-Chrysler, em Gazeta Mercantil 06/06/2002.
·
Michel Beaud, História do capitalismo – de 1500 aos
nossos dias, Ed. Brasiliense, 3ª Edição, São
Paulo 1981.
·
Pablo Pereira, Estudo define áreas de proteção
no cenário da ALCA, em Gazeta Mercantil 24/09/2001.
·
Peter Pennarts, Fronteiras abertas atrás de portas fechadas,
em Interação, ano 6, Nº 25 e 26, Ed. Transnacional
Informacion Exchange, setembro-dezembro 1998.
·
Vários autores, Para entender e combater a ALCA, Ed.
Anita Garibaldi, São Paulo, maio de 2002.
Emilio
Gennari