Os
Homens Bomba São O Resultado Terrível, Mas Inevitável,
de Décadas de Desespero
Por
Sa\'id Ghazali (*)
Email:
Said@aol.com
Que
as coisas fiquem claras desde o começo: como todo ataque mortal
a civis inocentes, os ataques suicidas são terríveis
e injustificáveis. É um fenômeno estranho e chocante
não só em Israel, nos Estados Unidos e no ocidente,
mas para os palestinos também. Porém, depois que mais
três rapazes árabes se explodiram na semana passada,
tirando a vida de 10 israelenses, temos a obrigação
de nos perguntarmos por que acontece este fenômeno.
A
mídia internacional volta sua atenção em cada
reviravolta nos esforços de cessar-fogo liderados pelos Estados
Unidos e nos preparativos para a realização da cúpula
da Liga Árabe, desta semana, onde a proposta de paz saudita
será discutida. Não se discute por que uma onda sem
precedentes de homens está invadindo Israel, sabendo que eles
não retornarão para casa, dispostos a praticar um ato
de brutalidade selvagem em nome de sua causa.
Os
críticos não se perguntam por que o general Anthony
Zinni e o plano saudita não oferecem qualquer esperança
para este povo. Discutir contextos parece proibido. A razão
desta horrível tendência é construir o desespero,
a desesperança e a depressão. As novas gerações
herdaram 7 anos de negociações infrutíferas com
Israel, seis anos da primeira intifada, 35 anos de ocupação
e 54 anos de destituição.
Essas
tragédias acumuladas criaram o homem bomba suicida. Chamá-lo
de terrorista, assassino, criminoso infame, não faz qualquer
diferença para ele. Ele está doente. Toda a nação
palestina transformou-se em uma nação doente, conduzida
por medidas desesperadas porque vê o mundo brutalmente injusto
para com ela.
Seis
palestinos foram mortos no sábado, inclusive uma criança
de 4 anos, de Rafah, na Faixa de Gaza. Contudo, a maior parte da mídia
internacional pouco comentou o fato. Imagino quantos homens bombas
virão de Rafah para vingar aquela criança. Por que as
pessoas não vêem isto? Por que os diplomatas americanos
e europeus não ouvem as milhares de pessoas que carregavam
o caixão coberto de flores, gritando um terrível juramento
de vingança? E gritaram de novo quando o pai deitou o corpo
da criança na sepultura com um último beijo em sua testa.
Não
faço parte da máquina de propaganda palestina. Gritei
do fundo de meu coração quando ativistas palestinos
arrastaram o corpo de Muhammad Deifallah pelas ruas de Bethlehem,
linchado pela multidão, pois ele era acusado de colaborar com
Israel. Sequer fizeram a oração para ele ou o enterraram
no cemitério de Bethlehem.
A
política é mais importante do que a vida humana? O homem
bomba é uma explosão de décadas de desespero.
Esperando, lamentando-se, implorando, apelando e resistindo por mais
de 54 anos, o povo palestino ainda precisa de uma pátria. A
proposta de paz saudita, se aprovada pela cúpula árabe
em Beirute, poderia ser uma solução, mas desde que não
seja torpedeada por Israel.
Alguém
acredita, seriamente, que Israel aceitará a retirada total
para a fronteira anterior à guerra de 1967 em troca da completa
normalização das relações com o mundo
árabe? Os israelenses diriam que os árabes estão
planejando usar o futuro estado palestino como um passo para destruir
Israel. Mas isto não é verdade. Muitas vezes vemos palestinos
irados pelas ruas, dizendo para as câmeras de televisão
que eles querem destruir Israel. No entanto, a maioria da sociedade
palestina reconhece Israel; seus membros reconhecem que os judeus
têm direitos nacionais na Palestina, concedidos pela legislação
internacional e pelas resoluções da ONU e pela Declaração
Balfour.
Israel
não deveria só se retirar dos territórios ocupados
mas também ajudar a criar um sistema democrático na
Palestina, a sermos bons vizinhos. Não estou dizendo que só
Israel deva ser considerada responsável. Também somos
responsáveis por não termos lutado para ter um bom governo
na Palestina. Devemos responsabilizar a comunidade internacional,
principalmente os Estados Unidos, Inglaterra e Israel, por não
terem implementado a justiça nesta região.
Iasser
Arafat foi forçado pelos acordos de Oslo a se comportar como
um ditador. É ilegal prender pessoas por suas opiniões
políticas. Os palestinos sentem que estão perdendo em
todas as direções, em todas as frentes. Estão
perdendo suas vidas em casa. Não têm dignidade nos postos
de checagem. Não têm dinheiro para comprar comida. Estão
sufocados. Enlouqueceram.
A
maior parte dos palestinos não quer destruir Israel. Queremos
conhecer o sofrimento dos judeus no Holocausto. Queremos traduzir
suas estórias sobre os tormentos e agonias na Europa. Queremos
que Israel seja parte do Oriente Médio.
Nós,
os palestinos, somos um dos que entendem Israel. Até o Hamas
está pronto a dar uma trégua se Israel se retirar da
Cisjordânia e da Faixa de Gaza.
A
paz não pode ser estabelecida com base nos acordos provisórios
de Oslo. Depois de sete anos em que os palestinos receberam apenas
18% da Cisjordânia e 60% da Faixa de Gaza, a paisagem ainda
está sob controle israelense. E agora temos Ariel Sharon como
primeiro-ministro de Israel. Segundo ele, um estado palestino deve
ter apenas 42% da Cisjordânia.
No
atoleiro do desespero, os suicidas, homens e mulheres, estão
aumentando rapidamente e não porque sejam fanáticos
islâmicos, sonhando com a recompensa das 72 virgens do Paraíso,
mas porque vivem sob ocupação militar e porque muitos
de seus companheiros palestinos foram mortos ou mutilados. A vingança
é o que os move agora.
Portanto,
a solução não será uma oferta menor qualquer
do general Zinni. Não é um cessar-fogo sem qualquer
conteúdo político ou uma oferta americana para que Arafat
se encontre com o vice-presidente Dick Cheney. É preciso muito
mais do que isto. É preciso que os Estados Unidos ordenem que
Israel suspensa os bloqueios e congele a construção
de assentamentos.
No
momento, a política americana, falar sobre a segurança
de Israel enquanto leva Arafat a prender e destruir seu próprio
povo, somente criará mais atrocidades suicidas. É uma
tarefa impossível para Arafat, mesmo que ele quisesse cumpri-la.
Ele
não tem poder para prender terroristas, seus policiais não
podem se locomover entre os focos do território controlado
por palestinos. Os israelenses destruíram as prisões.
Alguns de seus homens pertencem ao grupo Brigadas dos Mártires
de Al Aqsa, que atacam Israel. A menos que haja uma mudança
fundamental na abordagem das questões, a cúpula árabe
e todas as missões do general Zinni e do sr. Cheney não
chegarão a lugar algum.
25
de março de 2002
The
Independent
(*)
O autor é um jornalista palestino.
http://www.midiaindependente.org