Ásia Central: O Olhar da Coruja na Noite dos Poderosos.

Emílio Gennari

É noite. A televisão acaba de divulgar as últimas informações sobre o desenrolar da guerra no Afeganistão. Imagens e acontecimentos revelam contradições que apontam a verdade como mais uma vítima desta guerra. Na tentativa de localizar as cidades que são objeto dos noticiários, abro o Atlas nas páginas da Ásia Central. Estou com os olhos no mapa quando de um canto escuro da noite uma voz desconhecida me diz: «O que você está procurando é logo abaixo da fronteira com o Uzbequistão». Assustado e surpreso pela dica certeira, levanto o olhar e, entre as sombras, começo a distinguir a silhueta de uma coruja. «Como é que você sabe disso?», pergunto sem cerimônias. A ave se aproxima e, apontando para o Atlas, responde: «Voei semanas inteiras sobre os países que estão na fronteira com o Afeganistão. Fiquei espreitando as tramas que os poderosos daquela região preparavam na calada da noite. E como a escuridão não é um obstáculo para os meus olhos, consegui ver os interesses que eles escondem nas sombras desta guerra que planta cemitérios onde os povos precisam semear justiça». As palavras da coruja me conquistam. O seu jeito simples e sincero é um convite a ouvir e a anotar tudo o que ela viu durante a viagem. Percebendo a razão dos meus gestos, a ave espera silenciosa, pisca os olhos e, ao me ver pronto, diz: «Acho que posso começar contando porque um amigo se tornou inimigo. Sim, estou falando dele mesmo, do...


1. Paquistão: de parceiro do Talebã a aliado dos EUA.


Como todos sabem, durante a permanência das tropas soviéticas no Afeganistão, os serviços secretos paquistaneses desempenhavam um papel de intermediários. Seus agentes faziam chegar aos guerrilheiros afegãos, Bin Laden entre eles, as armas e o dinheiro que recebiam dos Estados Unidos e de outros países árabes. Alguns estudiosos calculam que esta relação foi se desenvolvendo ao longo de 11 anos (1979-1989) e, de quebra, ajudou o Paquistão a fortalecer sua posição numa velha briga com a Índia pela disputa do território da Caxemira. Graças ao dinheiro estadunidense e aos recursos oriundos do tráfico de heroína, produzida em território afegão sob a vista grossa dos americanos, o país ampliava os gastos em armamentos, desenvolvia um programa secreto de produção de armas nucleares e sustentava os grupos guerrilheiros muçulmanos que agiam na linha de fronteira da Caxemira. As coisas estavam indo de vento em popa quando, em 1990, o Congresso dos EUA optou por cortar toda ajuda militar ao país. A partir deste momento, a relação de forças entre os antigos rivais começava a ser mais favorável para a Índia. Esta desenvolvia uma capacidade militar muito superior a do Paquistão aplicando "somente" 2,5% do Produto Interno Bruto (PIB) em armas contra um investimento de 6% do PIB no país vizinho.


Se você levar em consideração o fato de que estamos falando de nações pobres, endividadas, superpopuladas e com gravíssimos problemas sociais, não vai ser difícil perceber que ao aumento dos gastos em armamentos correspondia um orçamento menor para os demais programas do Estado. Pouco a pouco, esta situação ia alimentando o descontentamento interno, as disputas étnicas e religiosas, criando momentos de instabilidade política nos dois países. Neste contexto, Índia e Paquistão usavam o acirrar-se dos conflitos na Caxemira como um elemento de coesão nacional. Ou seja, a tensão nesta região, que, nas últimas décadas, conheceu três guerras entre as duas nações, ajudava a garantir o apoio popular aos respectivos setores da elite no poder e colocava em segundo plano as acusações de corrupção e os graves problemas sociais que assolavam os dois países. A importância da questão da Caxemira no equilíbrio interno do Paquistão é apontada também por outro fato curioso e intrigante. No dia 12 de outubro de 1999, o general Pervez Musharraf, que até então dirigia as operações militares na região, dá um golpe de estado logo após o primeiro ministro paquistanês Nawaz Sharif ordenar a sua destituição. Contando com o apoio da maior parte do exército, Musharraf comanda até hoje o Paquistão com mão de ferro. A repressão e o controle das forças sociais que vêm questionando o seu poder são os instrumentos com os quais enfrenta o descontentamento pela situação do país, agravada pela seca, pela presença dos refugiados afegãos em seu território e pelas sanções econômicas impostas em 1998 após a realização dos testes nucleares em resposta aos que haviam sido promovidos pela Índia. Consciente de sua fragilidade, o governo do Paquistão via pelo menos três boas razões para abandonar o regime talebã e se aliar aos Estados Unidos. A primeira era de tirar vantagens em relação à disputa com a Índia pela posse da Caxemira. A necessidade de superar a inferioridade do exército paquistanês e de contar com um poderoso apoio diplomático era cada vez mais premente também em função do estreitar-se das relações entre o governo indiano e as milícias da Aliança do Norte. Esta força de oposição ao talebã, tinha suas bases localizadas nos territórios da região noroeste do Afeganistão e em nenhum momento havia recebido algum tipo de ajuda por parte do Paquistão, empenhado que estava em sustentar o regime talebã contra ela. Se você olhar o mapa, vai perceber que ao conquistar a região norte e ao estender o seu controle às demais áreas, as forças da Aliança deixam boa parte do Paquistão preso entre dois inimigos: de um lado a Índia e, de outro, a própria Aliança, ambas com velhas contas pendentes. Ao ficar no meio deste sanduíche, o apoio do Paquistão aos Estados Unidos serviria, pelo menos, como elemento de equilíbrio e dissuasão, ao mesmo tempo em que poderia render novos e importantes fornecimentos de suprimentos bélicos. A segunda razão deita raízes na grave situação econômica em que se encontra o país. A postura do Paquistão em relação à coalizão internacional já obteve a renegociação e o perdão de parte das dívidas com o FMI, a retirada das sanções econômicas, a concessão de créditos de exportação e um bilhão de dólares pagos pelo governo Bush em troca dos serviços prestados às forças armadas anglo-americanas. Com um pouco mais de pressão, em nome da ajuda aos refugiados afegãos e da necessidade de conter os problemas internos, o Paquistão quer fazer cair da mesa dos poderosos algumas migalhas mais gordas a serem usadas em projetos de interesse dos setores dominantes. Não bastasse isso, em caso de derrota do talebã, a construção do oleoduto e do gasoduto que ligariam as cidades paquistanesas de Quetta e Karachi com as jazidas do Mar Cáspio beneficiaria ainda mais estes setores graças aos investimentos e às relações comerciais que se estabeleceriam com o primeiro mundo. Um último motivo para apoiar as forças internacionais é dado pela possibilidade de reduzir o peso dos grupos fundamentalistas islâmicos na política interna do país. Apesar de terem uma expressão eleitoral não superior a 4%, estes grupos mantêm uma presença ativa no interior da máquina do Estado e nas manifestações de massa. A elite liberal das zonas urbanas vê a luta contra o terrorismo como uma boa oportunidade para livrar-se deles. Medidas repressivas mais rigorosas seriam justificadas a nível internacional como uma necessidade da luta contra o terror. É bom lembrar que os extremistas islâmicos paquistaneses representam o efeito colateral indesejado da política anticomunista do governo militar do general Zia Ul-Haq, apoiada pelos EUA, no final da década de 70. O combate à presença soviética no Afeganistão levou à criação de centenas de escolas islâmicas responsáveis, inclusive, pela formação do talebã e dos demais grupos fundamentalistas cujas ações vêm colocando em risco a estabilidade política do próprio Paquistão. Enquanto os poderosos usam a bússola do dinheiro para orientar suas escolhas, a grande maioria da população paquistanesa vê com desconfiança a chamada guerra contra o terror e seus objetivos. Além das manifestações e enfrentamentos que já ocorreram, esta situação ajuda a desgastar o equilíbrio de poder no Paquistão que vai se enfraquecendo na medida em que as coisas não estão saindo conforme o planejado. Algumas semanas atrás, o Secretário de Estado dos EUA, Colin Powell, teve um encontro com o governo indiano na tentativa de pôr fim aos ataques que a Índia estava promovendo na Caxemira logo após o início dos bombardeios no Afeganistão. Num recado destinado ao presidente Musharraf, Powell disse que "Estados Unidos e Índia estão unidos contra o terrorismo, e isso inclui também o terrorismo que tem sido dirigido contra a Índia". Ou seja, não só os americanos não irão desequilibrar as relações diplomáticas e a correlação de forças na Caxemira, como condenam os grupos guerrilheiros que atuam nesta região e são financiados pelo Paquistão. Não bastasse isso, os bombardeios fizeram emergir a questão étnica no próprio Paquistão. De fato, a etnia pashtu (majoritária no Afeganistão e base de apoio do regime talebã) tem um número considerável de pessoas tanto no território, como no exército paquistanês. No início de novembro de 2001, o presidente Pervez Musharraf era obrigado a afastar dois generais que simpatizavam com a causa talebã e estavam sendo apontados como integrantes de grupos fundamentalistas. Diante do prolongar-se da guerra, Musharraf teme que haja um perigoso crescimento dos grupos de oposição ao seu governo, inclusive no interior do próprio exército. Na tentativa de restabelecer a confiança destes setores das forças armadas, o presidente do Paquistão solicitou que os EUA liberassem a entrega dos 28 aviões F 16 comprados e pagos pelo país no final da década de 80 e cuja entrega foi bloqueada pelo Congresso dos Estados Unidos como punição pelo programa de desenvolvimento de armas nucleares. A chegada dos novos caças ajudaria a manter a coesão do exército, garantindo o atual governo e o apoio aos EUA. Mas, ao fazer esta concessão, os americanos têm consciência de que ela pode alterar o equilíbrio militar na região e ser interpretada pela Índia como uma ameaça à sua segurança. Sabendo disso, o governo Bush trocou a entrega das aeronaves por uma polpuda ajuda financeira que pretende ser uma espécie de cala-boca diante do crescente descontentamento dos grupos que pressionam o governo Musharraf. Resta saber se ela será suficiente para acalmar as tensões no interior dos setores nacionalistas das forças armadas e dar ao atual governo a margem de manobra de que precisa para garantir a sua permanência no poder».


A coruja faz uma pausa, respira fundo e com o rosto carregado de preocupação me diz: «se você acha que isso já é suficiente para dizer que o "bem" não tem representantes nesta guerra, pois ainda não viu nada. Preste atenção porque chegou a hora de falar de duas repúblicas da antiga União Soviética que vêm sacudindo os trocados que estão em seus chapéus na esperança de que o primeiro mundo deixe cair a esmola generosa dos dias de festa. São elas...


2. Uzbequistão e Tadjiquistão: de desconhecidos a estratégicos.


Até os atentados do dia 11 de setembro, poucas pessoas sabiam indicar com precisão a localização exata destes países. Bastou os Estados Unidos declararem guerra ao Afeganistão para que o Uzbequistão e o Tadjiquistão adquirissem uma importância estratégica devido à sua proximidade com a linha de frente das forças do talebã. Aproveitando-se de sua posição privilegiada, os dois países aderiram à guerra pelas razões que agora vamos analisar. Considerada a mais pobre das repúblicas da antiga União Soviética, o Tadjiquistão tem a maior parte de seu território coberto por montanhas e desertos e só 5,9% de suas terras podem ser usadas para a agricultura. Com quase seis milhões e meio de habitantes, o país está à beira de um colapso econômico. Arrasado pela guerra civil, que se estendeu de 1991 a 1997, o Tadjiquistão não conseguiu atrair nenhum tipo de investimento e de ajuda internacional. A seca dos últimos três anos levou cerca de um milhão de pessoas a sofrerem a ameaça direta da fome e reduziu a renda média anual per capita a 280 dólares. Mas você não deve pensar que esta realidade se aplica a todos os habitantes sem distinção. Entre os elementos que ajudaram a mergulhar o Tadjiquistão numa situação de penúria comparável a dos países africanos está a opção das elites pela agricultura de exportação. Os únicos sistemas de irrigação do país são usados para o cultivo do algodão, deixando o grosso da população rural à espera das chuvas cada vez menos freqüentes. À situação de catástrofe social alimentada pelas escolhas das classes dominantes, deve-se acrescentar a corrupção e o envolvimento destes setores no tráfico de heroína, procedente do Afeganistão rumo à Europa, que pioram ainda mais a vida do povo simples. Apesar de ser um país onde a religião muçulmana é professada pela maior parte da população, bastou menos de uma hora de conversa entre Colin Powell e o presidente do Tadjiquistão para que os dois acertassem a concessão de uso de três bases militares em troca de algumas dezenas de milhões de dólares. Não, não pense que este dinheiro será utilizado para aliviar os problemas da fome, mesmo porque não há sinais de que o descontentamento popular possa ameaçar a ordem estabelecida. Os trocados que caem da bolsa dos americanos vão amenizar a sede dos corruptos grupos de poder locais para os quais o povo e a religião podem esperar. A situação do Uzbequistão é diferente. O país tem cerca de 25 milhões de habitantes e, além de produzir algodão, arroz e trigo, conta com reservas de petróleo, gás natural e ouro que ainda não foram exploradas. A rapidez com a qual o presidente Islam Karimov se dispôs a colaborar com os EUA na guerra contra o talebã está alicerçada em três questões fundamentais. A primeira delas tem origem nas perspectivas de ampliar a extração e o escoamento das reservas de combustíveis fósseis do país. Com seus poços e sistemas de distribuição em plena atividade, os vizinhos Turcomenistão e Cazaquistão negam ao Uzbequistão a possibilidade de utilizar seus gasodutos e oleodutos deixando o país com poucos investimentos no campo da perfuração e extração de petróleo e gás. Diante desta situação, a esperança de Karimov é que a vitória das forças aliadas torne possível a construção do oleoduto que sairia da bacia do Mar Cáspio e chegaria no Paquistão passando pelo norte do Afeganistão. Isso iria atrair o capital externo e daria ao Uzbequistão novas possibilidades de desenvolvimento e crescimento econômico. Um primeiro sinal de que o apoio aos americanos aponta nesta direção é o fechamento de três acordos num valor total de 360 milhões de dólares que o país assinou com empresas do setor de mineração entre o final de setembro e a metade de outubro de 2001. Além disso, o apoio à guerra abriu boas possibilidades do Uzbequistão renegociar sua dívida externa com o Fundo Monetário Internacional e receber um novo pacote de ajuda financeira do Banco Mundial. As respostas já obtidas estão levando um bom número de empreendedores a pedir que o país crie condições favoráveis para a remessa de lucros ao exterior e para a conversão do dinheiro local em moedas fortes. Para alguns economistas, seriam estes os sinais de que os investimentos estrangeiros em território uzbeque representam algo bem mais concreto do que uma esperança futura. O apoio às forças aliadas visa também proporcionar ao país uma posição mais confortável nas relações com o Cazaquistão e o Quirguistão no que diz respeito à utilização da água da região. Se você observar a linha de fronteira entre o Cazaquistão e o Uzbequistão, vai perceber que o Lago Aral pertence aos dois países. Nos últimos dez anos, o nível do lago tem caído pela metade em função da utilização irresponsável de suas águas para a irrigação das culturas de arroz, no Cazaquistão, e de algodão, no Uzbequistão. Os dois países se acusam reciprocamente pelos estragos que já foram provocados e as tensões entre ambos vêm criando uma situação desgastante na qual, até agora, o Cazaquistão tem se saído melhor. Na região oriental do Uzbequistão, o cultivo do algodão depende do fornecimento de água do vizinho Quirguistão. A bem da verdade, é preciso dizer que um depende do outro, na medida em que o próprio Quirguistão precisa do gás uzbeque para atender suas necessidades de calefação durante o rigoroso inverno. Até o início do ano 2000, havia um acordo de troca: o Uzbequistão forneceria gás ao Quirguistão em troca de um volume de água de 2 bilhões e 300 milhões de metros cúbicos anuais. Sabendo da fragilidade do país vizinho, no mesmo ano o Uzbequistão começou a exercer pressões territoriais para ter livre acesso à água da qual tanto precisa. Em resposta, o Quirguistão reduziu o fornecimento para 750 milhões de metros cúbicos, o que causou perdas nas lavouras uzbeques estimadas em cerca de um bilhão de dólares. O Uzbequistão não deixou pra menos e suspendeu o abastecimento de gás natural, dando origem a uma grave crise energética no país vizinho. As tensões entre as duas ex-repúblicas da União Soviética foram se prolongando ao longo de 2001. No final de outubro, o Uzbequistão se aproveitou da posição de força dada pela aliança com os Estados Unidos para ocupar militarmente a área de fronteira com o Quirguistão que considera como sua. Esta medida colocou as relações entre os dois países à beira da ruptura. Como um novo conflito na região não interessa aos EUA, alguns enviados do exército estadunidense estão viabilizando a utilização de uma base militar do Quirguistão como forma de dissuadir o Uzbequistão de sua tentativa expansionista. Ainda que este conflito seja colocado em banho-maria, o problema do acesso à água promete novas tensões entre os dois países, sobretudo se o permanecer da situação de instabilidade do Afeganistão vier a atrasar os investimentos no novo oleoduto. Uma última boa razão para Karimov apoiar os Estados Unidos, deita raízes em sua preocupação com o Movimento Islâmico Radical do Uzbequistão que nos anos 90 declarou a guerra santa contra os governos da região. Até pouco antes do início dos bombardeios no Afeganistão, suas forças, que agem no vale de Ferganá na fronteira com o Tadjiquistão e o Quirguistão, recebiam apoio material e militar do talebã. O Movimento encontrava aqui um terreno fértil para as suas ações. De fato, o povo desta região é muito pobre e mal consegue sobreviver com o trabalho agrícola e a criação de cabras e ovelhas. É aqui que se encontra a maior concentração de pessoas por quilômetro quadrado de todas as repúblicas da antiga União Soviética e também o progressivo agravar-se do desemprego, da falta de terras e da escassez de água. A soma destes problemas com a ação dos fundamentalistas islâmicos forma o caldo de cultura dos sentimentos antigovernamentais que já levaram a enfrentamentos armados com as forças regulares do Uzbequistão. Em nome da segurança do Estado, a resposta de Karimov tem sido implacável. Qualquer cidadão que venha a ser surpreendido com um simples panfleto de qualquer um dos grupos proscritos pode ser condenado a vários anos de prisão sob a acusação de atentar contra o regime constitucional do país. De acordo com dados de organizações internacionais de direitos humanos, no Uzbequistão há cerca de 7 mil e 500 pessoas cumprindo penas de até 20 anos de prisão por serem suspeitas de pertencer a grupos islâmicos radicais. Não se sabe até quando a política de mão de ferro de Karimov vai conseguir conter a ação dos setores fundamentalistas que agem na clandestinidade. No entanto, a guerra contra o talebã significa a interrupção dos suprimentos de armas e dinheiro vindos do Afeganistão e uma preciosa justificativa para a repressão violenta que o governo leva adiante nesta região.


Como você pode ver, para a elite, o sofrimento do povo é um mero detalhe. Sua principal preocupação é que o amanhã tenha o verde-dólar como cor predominante. Pouco lhe importa que de uma injustiça nasça outra e que os resultados de uma guerra possam dar origem a novos conflitos nos quais milhares de inocentes pagarão com a vida a busca incessante do lucro alimentada pelos poderosos». O meu olhar não consegue esconder a preocupação que sinto. Tem horas em que gostaria de não saber destas coisas, pois o fato de ter consciência dos acontecimentos exige respostas feitas de palavras e ações. Percebendo a minha aflição, a coruja se aproxima, põe a sua asa no meu ombro e em voz baixa me diz: «Você pode não gostar, mas os fatos caminham nesta direção. Diante da realidade podemos até fazer de conta que não temos nada a ver com ela. Afinal, é assim que muitos se comportam frente a esta nova era de dominação mundial que a guerra pinta no horizonte da humanidade. Acreditam que tudo se resolve enterrando a cabeça num buraco, como faz a avestruz. Mas, ao fazer isso, o maior problema não é a falta de visão, coisa normal para quem se fecha na rotina do dia-a-dia, e sim o fato de que o traseiro se torna um enorme alvo imóvel, pronto para ser atingido por quem quer que seja, sem ter direito sequer a conhecer o rosto do agressor. Como as injustiças só podem ser sanadas pelo esforço coletivo de nós de baixo, é bom você conhecer mais e ouvir atentamente o meu relato sobre...


3. China, Irã e Turcomenistão: quietos só do lado de fora.


Você já deve ter percebido que a fronteira da China com o Afeganistão é muito pequena, algo em torno de 65 quilômetros. Apesar disso, as montanhas tem dificultado o controle do fluxo de armas que, através delas, chega nas mãos dos separatistas muçulmanos da província de Sinkiang (Turquestão Oriental), cujas atividades foram se intensificando com a chegada do talebã ao poder. Além dos protestos pacíficos, seus militantes têm se envolvido em ataques armados a postos policiais e do exército. Diante destas investidas, a China respondeu com a mais dura repressão. Dados recolhidos por observadores internacionais apontam que, só entre 1997 e 1999, foram emitidas 210 sentenças de morte por atividades separatistas. Esta postura tem sido objeto de duras críticas por parte dos governos das nações desenvolvidas. Mas você não deve se deixar enganar pelas aparências, pois, os apelos e as denúncias de violação dos direitos humanos não tinham objetivos humanitários. Se assim fosse, um dos primeiros passos deveria ser um duro puxão de orelhas a ser distribuído entre as empresas americanas, japonesas, alemãs, etc. Elas estão entre as que exploram jovens e adultos chineses em jornadas de trabalho que superam as 12 horas diárias em troca de salários que não ultrapassam os 60 dólares mensais. O barulho em defesa dos direitos humanos visava forçar a China a fazer novas concessões no âmbito das relações econômicas internacionais como condição para viabilizar o seu ingresso na Organização Mundial do Comércio. Neste contexto, a guerra no Afeganistão não só abre caminhos para as futuras disputas que a China deve empreender para garantir a exploração das jazidas de petróleo e gás presentes nos mares que a banham, como aponta saídas para velhas questões que estavam pendentes. Ainda que o país não envie tropas para integrar a coalizão contra o terror, o seu apoio silencioso está sendo usado para justificar o direito da própria China agir com todo rigor contra os extremistas e separatistas muçulmanos no oeste do país. O discurso do seu representante na Assembléia Geral das Nações Unidas, no dia 11 de novembro de 2001, é de uma clareza que dispensa comentários: "O combate contra o grupo do Turquestão Oriental é parte da luta internacional contra o terrorismo". Em português claro, se a coalizão está realmente preocupada em acabar com os terroristas então não pode esquecer dos muçulmanos radicais que estão na minha casa e ocupam uma região com reservas de petróleo. Agora, se americanos e ingleses podem jogar bombas e executar soldados da milícia talebã... porque eu, China, não posso fuzilar os meus extremistas? Você pode achar que isso é absurdo, mas a história mostra que as coisas estão caminhando nesta direção. Durante a visita do chanceler alemão, Gerhard Schröder, à China, no início de novembro de 2001, não houve a menor referência à questão dos direitos humanos das minorias étnicas e religiosas do Sinkiang e do Tibet que, no passado, era objeto de discursos e de críticas oficiais. No lugar destes, Schröder abriu as portas para a Bayer realizar um investimento de 3 bilhões e 100 milhões de dólares num pólo petroquímico em Xangai que vai se somar aos mais de 7 bilhões de dólares que as empresas alemãs já investiram na China. De volta ao seu país, o chanceler foi objeto de duros comentários por parte de Dilxat Rexit, porta-voz na Europa da organização dos turcômanos do leste: "Ele silenciou em consideração aos negócios das empresas alemãs na China". Para bom entendedor, meia palavra basta. Apesar da importância dos investimentos europeus, eles não são suficientes para que a economia chinesa mantenha o ritmo de crescimento atual e aumente a sua participação no comércio mundial. Para isso, a China precisa de boas relações com os Estados Unidos. A benção dada à coalizão internacional, o fato de ser um bom aliado do Paquistão e ganhar o respeito das nações da região por causa do seu arsenal nuclear, são as cartas com as quais o governo chinês vai sentar à mesa de negociação com os EUA. Com elas a China vai discutir o fim das restrições às suas exportações, a redefinição do controle geopolítico na Ásia e fazer valer suas razões no âmbito da questão do escudo de defesa contra mísseis balísticos que os norte-americanos pretendem desenvolver. O atual silêncio dos jogadores não é sinônimo de fim de jogo e sim de um lento e cuidadoso estudo do adversário, de suas reais possibilidades e projetos de dominação mundial. Indo de leste para oeste, o Irã é o segundo país a partilhar com o Afeganistão uma longa região de fronteira que abriga cerca de 3 milhões de refugiados. A sua posição em relação ao conflito pode ser resumida em três eixos fundamentais: não intervir ao lado do talebã, negar qualquer apoio militar às forças da coalizão e apostar nas milícias da Aliança do Norte como pivô do futuro governo afegão. A razão desta atitude deita profundas raízes na história dos conflitos e das relações comerciais com os países da região. Durante a década de 80, apesar do esforço de guerra contra o Iraque (que contava com o apoio dos EUA), o Irã dava a sua contribuição para financiar os guerrilheiros que lutavam contra a ocupação soviética do Afeganistão. Sua aposta era de poder contar com a vitória dos grupos xiitas que integravam a guerrilha e acabaram sendo derrotados pelo talebã (que pertence ao ramo sunita da religião islâmica) e obrigados a se refugiarem ao norte de Cabul. O embargo comercial imposto pelos Estados Unidos e por várias nações desenvolvidas, levou o Irã a aceitar o capital russo para garantir a produção, o escoamento e a comercialização de parte do seu petróleo e gás natural que constituem uma fonte de renda fundamental para o país. Apesar de não simpatizar totalmente com os comandantes da Aliança do Norte, o Irã teme os planos imperialistas que os EUA querem implantar na região, sobretudo, porque estes podem incluir ataques a outros países muçulmanos. Se a chamada luta contra o terror continuar depois da derrota do talebã, uma das vítimas poderia ser o Iraque e até mesmo a guerrilha do Hezbollah que o país apóia abertamente. Isso criaria uma situação incômoda para o Irã na medida em que o seu território seria cada vez mais pressionado pela presença das forças armadas estadunidenses. É por isso que, receoso quanto aos possíveis desdobramentos desta guerra, o país vem procurando manter boas relações com a Rússia através da qual tenta influenciar a composição do futuro governo do Afeganistão e a correlação de forças que se estabelecerá na Ásia Central após o fim do conflito. Peça importante do tabuleiro da região, o Irã estuda os movimentos dos parceiros, dos adversários e de quantos podem contribuir para o resultado final da seqüência de acontecimentos desencadeada em resposta aos atentados terroristas do dia 11 de setembro. Outro vizinho do Afeganistão a não fazer barulho e o Turcomenistão. Desde o começo das hostilidades o país declarou a sua neutralidade em relação ao conflito e, no momento, não vê nenhuma boa razão para mudar de posição. Consciente das grandes reservas de petróleo que estão em seu território e da cobiça dos países do primeiro mundo, o Turcomenistão tenta desenvolver a sua economia baseando-se em recursos próprios e se mantém a igual distância da Rússia (com a qual assinou uma série de acordos comerciais) e dos Estados Unidos (que lhe concederam o tratamento de "nação mais favorecida"). Em 1995, com a Turquia, o Irã, o Cazaquistão e a Rússia, o país participava da construção do gasoduto que permite exportar seu gás natural para a Europa Ocidental através do Irã e da Turquia. Dois anos mais tarde inaugurava o primeiro oleoduto entre as suas jazidas e as linhas de escoamento do Irã que levam o petróleo do Turcomenistão ao Golfo Pérsico e ao Mediterrâneo. Antes do ataque norte-americano, o país estava entre as nações que mantinham boas relações comerciais com o Afeganistão e, apesar de 90% da sua população ser muçulmana, o fundamentalismo religioso não dá sinais de querer entrar em seu território. Neste contexto, a opção pela neutralidade não se deve a uma postura crítica em relação à guerra e sim a uma questão de conveniência. O Turcomenistão é, ao mesmo tempo, amigo do Afeganistão, da Rússia, dos EUA e do Irã e sabe que cada um deles tem contas pendentes com o outro. Optar pelo apoio a qualquer um dos lados significaria criar sentimentos de desconfiança e receio nas relações comerciais com os demais. Além disso, a posição geográfica e as relações com os países da região dão ao Turcomenistão a certeza de que não lhe faltarão convites e investimentos quando da construção do oleoduto e do gasoduto que vai ligar a bacia do Mar Cáspio ao Paquistão».

Ao terminar a descrição deste último país que tem fronteiras comuns com o Afeganistão, a coruja emite um longo suspiro e fecha os olhos. O adiantado da hora me leva a crer que ela já terminou o relato e eu posso ir arrumando os papéis em cima da mesa. A ave permanece imóvel. Mas, bem na hora em que empurro a cadeira pra levantar, me surpreende com um «Onde você pensa que vai?» que joga por terra as minhas esperanças de dar por encerrado o trabalho de relatar as suas palavras. Olho no olho, a coruja aponta a asa esquerda para os papéis que aguardam o carinho da caneta e sem titubear me diz: «Preciso falar de mais um país cujos poderosos ficaram alvoroçados por causa desta guerra. Voando na noite da Ásia Central rumo ao Brasil pude sentir que há sinais de...


4. Turbulência nos céus da Arábia Saudita.


A situação da Arábia Saudita é bem parecida com a daquela pessoa que, para se garantir, acendeu uma vela a deus e outra ao diabo e, agora, teme as reações de ambos. Desde o fim da segunda guerra mundial, a relação do país com os Estados Unidos está alicerçada numa troca: o império protege a monarquia absolutista que governa a Arábia e, em troca, recebe a garantia de um acesso privilegiado ao petróleo saudita. O envolvimento entre os dois países foi crescendo até atingir um novo estágio em 1979. Neste ano ocorreram três fatos relevantes: a ocupação soviética do Afeganistão, a revolução iraniana (que levou ao poder o aiatollah Khomeine) e uma revolta de militantes islâmicos durante a peregrinação à Meca. Diante desta alteração do equilíbrio de forças no Oriente Médio e na Ásia Central, o presidente Jimmy Carter lançou uma nova formulação da política estadunidense: qualquer tentativa de um poder hostil controlar o Golfo Pérsico seria considerada "um ataque aos interesses vitais dos Estados Unidos da América" e seria repelida "com todos os meios necessários, incluindo a ação militar". Razões para isso não faltavam e se baseavam, sobretudo no fato dos EUA importarem da Arábia Saudita 82% do petróleo comprado no exterior. Ao longo da década de 80, a relação entre os dois países ia se estreitando cada vez mais. Na guerra entre o Irã e o Iraque, Arábia e Estados Unidos apoiavam as forças de Saddam Hussein. Para se proteger das ameaças de Khomeine e agradar os ambiciosos comandantes de seu exército, a nação saudita comprava da indústria bélica norte-americana armamentos sofisticados e aviões de combate que só podiam ser usados por soldados estadunidenses e construía as bases militares de Jubail e Jiddah com a supervisão do corpo de engenheiros do exército dos EUA. Os constrangimentos criados ao apoio estadunidense pelos casos de corrupção que envolviam a família real eram perdoados e minimizados em função do volume de armamentos que eram comprados de suas indústrias e dos investimentos do país na economia norte-americana. Calcula-se que dois terços da fabulosa quantidade de dinheiro obtida com a venda do petróleo saudita era investida em ações, papéis do governo e depósitos a prazo dos bancos dos Estados Unidos. O restante era usado para financiar a implantação de empresas produtivas na Arábia, as mordomias e os desmandos da corte, os grupos guerrilheiros islâmicos no Oriente Médio e na Ásia Central, entre eles o de Osama Bin Laden que, até pouco tempo atrás, era cidadão saudita. A acumulação de riquezas às custas do povo simples e o despotismo da casa real contribuíam para alimentar o descontentamento popular. Diante dos primeiros sinais de instabilidade social, o regime declarava ilegais todas as formas de debate político no interior do reino (na Arábia não há parlamento, mas só um conselho consultivo da casa reinante, não há liberdade de expressão e nem partidos políticos) e não hesitava em usar a repressão através de suas forças de segurança treinadas pelos EUA para descobrir e esmagar qualquer grupo dissidente. Uma pequena amostra desta realidade é dada por um relatório da Anistia Internacional que, no início de 1990, denunciava a existência de um verdadeiro padrão de violação de direitos humanos contra opositores políticos e líderes sindicais. Se isso não bastasse, em 1992, o rei Fahd Bin Abdul Aziz, emitia um decreto que criava uma espécie de "polícia religiosa", cujo papel era de "assegurar a observância dos costumes islâmicos". Nele, o lar era definido como lugar sagrado e, portanto, o Estado (ou seja, a tal polícia religiosa) podia entrar nas casas das pessoas sem autorização legal para deter os suspeitos de violarem a lei islâmica. Em nome da religião, nascia mais um instrumento de controle e repressão dos possíveis focos de contestação ao regime. Sim, eu sei que deve ser difícil para você entender como os Estados Unidos, que se vangloriam de defenderem a democracia e a liberdade, podem apoiar o governo absolutista e corrupto da Arábia. Isso sempre acontece quando as pessoas não percebem que estão olhando para a história através das lentes dos poderosos. Em geral, elas esquecem de analisar detidamente os acontecimentos, as relações entre os países e o jogo de interesses que transforma o lucro em deus supremo e o azul dos balancetes na cor paradisíaca em nome da qual milhões de seres humanos são condenados a um verdadeiro inferno aqui na terra. Mas, vamos adiante. No início dos anos 90, quando o Iraque invadiu o Kuwait, os EUA convenceram a família real a permitir a presença de tropas estadunidenses em território saudita e a utilização de suas bases militares como ponto de partida para os ataques das forças aliadas. Terminada a guerra, a Arábia gastava cerca de 14 bilhões de dólares em armamentos americanos com o pretexto de proteger o país contra eventuais retaliações iraquianas e admitia a presença de cerca de 6 mil soldados americanos em seu território. A manutenção deste contingente do exército estadunidense era interpretada por vários líderes radicais como uma profanação do território saudita, sede das cidades sagradas do islamismo (Meca e Medina). É interessante perceber que a presença americana na Arábia, que não era uma novidade, passava a ser condenada em nome do sentimento religioso. Este era o único elemento que possibilitava aos grupos radicais tentarem organizar e dirigir o crescente descontentamento popular contra o setor dominante para o qual a Arábia era o berço da ortodoxia islâmica. O sentimento de revolta, porém, não se destinava à destruição dos mecanismos de exploração presentes na realidade do país. Ele visava apenas fortalecer e dar sustentação a um outro grupo no interior da elite que almejava chegar ao poder nos braços do povo para, a partir daí, inverter as relações de dependência estabelecidas com os demais países através da compra do petróleo saudita. Ou seja, o preço do barril e a quantidade produzida deixariam de ser umbilicalmente ligados às necessidades e à orientação dos Estados Unidos. Eles iriam flutuar de acordo com as necessidades dos países produtores reduzirem o ritmo de extração e esgotamento de suas reservas levando seus compradores a se tornarem reféns do fornecimento desta matéria-prima, tão importante para o bom funcionamento de suas economias. Hoje, entre os elementos que fazem tremer o regime, está a constatação de que a hipótese da atual monarquia viabilizar uma saída política para o crescente descontentamento popular é algo que parece materialmente impossível. De fato, uma das razões pelas quais o rei Fahd, que sofreu um derrame em 1995, é mantido no trono é a antipatia e a desconfiança da qual é objeto o príncipe Abdullah Bin Abdel Aziz, seu meio irmão e sucessor já nomeado, em função dos casos de corrupção nos quais estaria envolvido. Sabendo da progressiva instabilidade rumo à qual caminha o seu reino, a monarquia saudita tem se esforçado para tornar pública a imagem de um certo distanciamento em relação ao ocidente. É neste contexto que deve ser lida a postura do país de apoiar a coalizão contra o terrorismo, sem permitir que os bombardeios decolem de seu território rumo ao Afeganistão. Em sua busca do difícil equilíbrio entre a fidelidade aos EUA e o respeito à sensibilidade popular, cuja revolta é alimentada pelos grupos fundamentalistas, a Arábia se nega a colaborar com o FBI e a CIA na completa identificação de 15 dos 19 supostos terroristas que realizaram os atentados do dia 11 de setembro e eram cidadãos sauditas. O problema é que estes fatos não parecem suficientes para fazer o povo esquecer de um passado e um presente que continuam falando mais alto. Caso não haja um desfecho rápido para a guerra no Afeganistão e para as contradições que irão se avolumar naquele país, é bem provável que os céus da monarquia saudita sejam sacudidos por fortes turbulências».


A coruja pára de falar. Seus pequenos olhos fitam a expressão do meu rosto incapaz de esconder o receio de que novos e mais duros enfrentamentos se aproximam do horizonte da humanidade movidos pelos mecanismos de dominação que os sustentam. A ave abre um sorriso inesperado e com voz confiante me diz: «Ela já tem um pequeno broto!». «Ela,... quem?», pergunto impaciente. «Estou falando da flor da esperança», me diz a coruja com um brilho diferente nos seus olhos. E continua: «As cartas, os abaixo-assinados, os desenhos, as vinhetas, os poemas, as músicas, os panfletos, as passeatas, as palavras de ordem, enfim os mais diferentes gestos de centenas de milhares de pessoas fizeram sair das entranhas da terra seus primeiros sinais de vida. Ao levantar suas vozes contra o terror e contra a guerra, homens, mulheres, crianças e anciãos de todos os povos protegem e alimentam seu pequeno broto. Ainda falta muito para que o maravilhoso arco-íris de cores que pinta suas pétalas possa desabrochar saudando um novo amanhecer de justiça e de paz. Mas cada novo passo que desafia a escuridão do medo, da resignação, do conformismo e da apatia faz caminhar esta longa marcha na qual a humanidade disputa o seu futuro com as forças da morte». A coruja se aproxima da janela e se despede com um gesto de saudação. O bater de suas asas na escuridão me faz perceber que o novo dia precisa ser construído em meio ao sofrimento e às dificuldades impostas pela noite da injustiça que ainda cobre o mundo. É nela que os pequenos de todos os povos precisam se encontrar e caminhar para afugentar as sombras e dar vida a novas luzes. Os primeiros passos já estão sendo dados. Outros serão necessários. Tomara que o relato da coruja ajude a multiplicá-los, a unir os pés, as mãos, as cabeças e os corações das grandes maiorias que precisam começar a preencher as páginas da história.


Emilio Gennari


Brasil, 22 de novembro de 2001.

Bibliografia


· Agência Reuters, Paquistaneses esperam gestos de confiança dos EUA, diz líder, em Jornal Último Segundo, 10 de novembro de 2001.


· Alfred McCoy, Las consecuencias de las drogas: la cumplicidad de la CIA em el comercio de drogas, em The Progressive, 1º de agosto de 1997


· Anibal Quijano, Entre la guerra santa y la cruzada?, em PUC VIVA, Nº 14, outubro-dezembro 2001.


· Gerge Gilbay e Eric Heginbotham, China: la transformacion que viene, em Foreign Affairs em espanhol, outono-inverno 2001.


· Juan Pablo Duch, El control del agua, motivo de tensión permanente entre Uzbekistán e Kirguistán, em La Jornada, 04 de novembro de 2001.


· Juan Pablo Duch, Un enclave islámico, bomba de tiempo en Uzbekistán, em La Jornada, 22 de outubro de 2001.


· Junta Internacional do Controle de Narcóticos, Informes de 1998-1999, publicação da Organização das Nações Unidas.


· Michael T. Clare, La geopolítica de la guerra, em La Jornada, 06 de novembro de 2001.


· Rosa Meneses Aranda, Las heridas abiertas de la guerra larvada de Cachemira, em El Mundo, 26 de agosto de 2000.


· Selina Williams e Grigori Gerenstein, Uzbequistão aproveita aliança e atrai capital, em Gazeta Mercantil, 11 de outubro de 2001.


· Vários Autores, Guia Del Mundo 2001/2002 Ed. Instituto Del Tercer Mundo, Uruguai 2001.


· Vários Autores, La onda espansiva, série especial de reportagens da BBC, página eletrônica em espanhol, 19 de outubro de 2001.


· Vários Autores, Powell e su viaje a la Índia, BBC, página eletrônica em espanhol, 17 de outubro de 2001.

 

Serviço de Notícias A-Infos, 22 Novembro 2001