Manifesto Antitropicalista
SÍMBOLO
DA MAIS BURRA ALIENAÇÃO
Folha
da Tarde, 29 de maio de 1968
O
primeiro manifesto antitropicalista acaba de ser redigido por Augusto
Boal, que vai lançá-lo na I Feira Paulista de Opinião,
que estréia dia 5 de junho no Teatro Ruth Escobar, abordando
o tema O QUE PENSA VOCÊ DO BRASIL DE HOJE? Boal diz o que pensa
do Brasil e da arte que aqui se faz no texto Que pensa você
da arte de esquerda?, que ele escreveu como fundamentação
da feira. Um dos capítulos desse texto é o manifesto
antitropicalista, intitulado Chacrinha e Dercy de Sapato Branco. Em
cinco itens o diretor do Teatro de Arena define a sua opinião
sobre o movimento de Caetano Veloso e outros que têm como inspiração
e símbolo a banana:
1.
O Tropicalismo é neo-romântico - todo ressurgimento do
romantismo baseia-se no ataque às aparências da sociedade,
agride a usura desumana (o que faz supor a usura humanizada), agride
os burgueses pederastas (excluindo os garanhões) e as burguesas
lésbicas (excluindo as bem-aventuradas). Agride o predicado
e não o sujeito.
2.
O Tropicalismo é homeopático - pretende destruir a cafonice
endossando a cafonice, pretende criticar Chacrinha participando de
seus programas de auditório.
A
participação de um tropicalista num programa do Chacrinha
obedece a todas as coordenadas do programa e não às
do tropicalista - isto é, o cantor acata docilmente as regras
do jogo do programa sem, em nenhum momento, modificá-las: veste-se
à maneira do programa, canta as músicas mais indicadas
para este tipo de auditório dopado e, finalmente, se essa platéia
já está habituada a ganhar repolhos, o cantor, mais
sutilmente, atira-lhe bananas.
3.
O Tropicalismo é inarticulado - justamente porque ataca as
aparências e não a essência da sociedade, e, justamente
porque essas aparências são efêmeras e transitórias,
o Tropicalismo não se consegue coordenar em nenhum sistema
- apenas xinga a cor do camaleão. Seus defensores conseguem
apenas alegar vagos desejos de "espinafrar" ou mais moderadamente
declaram que "não há nada a declarar".
4.
O Tropicalismo é tímido e gentil - pretende épater,
mas consegue apenas enchanter les bourgeois. Quando um outro cantor
se veste de roupão colorido, isso me parece falta de audácia.
Eu vou começar a acreditar um pouco mais nesse movimento quando
um tropicalista tiver a coragem de fazer o que Baudelaire já
fazia no século passado: andava com cabelos pintados de verde
com uma tartaruga colorida atada por uma fitinha cor-de-rosa. No dia
em que um deles fizer coisa parecida é capaz até de
dar uma boa dor de cabeça a algum policial... (Será
sem dúvida uma contribuição para a revolução
brasileira...)
5.
O Tropicalismo é importado - desde o desenvolvimentismo de
JK, quando apareceu o cinema novo, a bossa nova e a nova dramaturgia
brasileira, o Brasil não importava arte. Agora, em cinema,
é comum assistir a filmes dirigidos por Vincent Minelli (ou
quase) para a MGM, coisas do gênero Garota de Ipanema; em teatro,
assiste-se à avalancha inglesa misturada com a crueldade provinciana,
copiada de Grotowsky Living Theatre, em música, depois do iê-iê-iê
vemos a maioria dos nossos cantores procurando fantasias e até
Roberto Carlos, que já era símbolo acabado da mais burra
alienação, voltou da Europa com os óculos e os
bigodes de John Lennon.
Estas
são as características do Tropicalismo - afirma Augusto
Boal - e, de todas, a pior é a ausência de lucidez. E
esta ausência permite que qualquer um fale em nome de todos.
Ora, Che Guevara significa a um só tempo um exemplo de luta
e um método de conduzir essa luta. Se alguém afirma
que o corpo de Che é tão tropical como uma barata voando,
estará apenas revelando o seu próprio caráter
cafajeste e reacionário. Mas, como dentro do Tropicalismo ninguém
define sua própria posição, qualquer imbecil
de vista curta, ao balbuciar cretinices como essa, pretende falar
em nome de todo o conjunto de havaianos - e estará efetivamente
falando até o momento em que algum tropicalista trace os limites
do estilo que adotou.
A
I Feira Paulista de Opinão sobre o Brasil pretende denunciar
também as tendências da arte de esquerda, que facilitam
a dominação da direita: o neo-realismo que analisa a
vida dos camponeses, operários e lumpens, como as peças
de Plínio Marcos, e que funciona como empatia filantrópica.
O espectador, por assistir à miséria alheia, julga-se
absolvido do crime de ser ele também responsável por
essa miséria; a tendência exortativa, tipo Arena Conta
Zumbi, que adota a técnica maniqueísta de conflito entre
"o lobo e o cordeiro"; o Tropicalismo "que pretende
ser tudo e não é nada". O Teatro de Arena quer
encontrar a superação dessas tendências, uma saída
para a esquerda.
Na
feira o público terá contato com essas e mais outras
tendências. Verá peças de Augusto Boal (A Lua
Pequena e a Caminhada Perigosa), Bráulio Pedroso (É
Tua a História Contada?), Lauro César Muniz (O Líder)
e Plínio Marcos (Verde que Te Quero Verde). Obras de poetas
e artistas plásticos de São Paulo, como Flávio
Império, Aldemir Martins, Mario Chamie, Maria Bonomi, Manabu
Mabe e outros. Composições de Ari Toledo, Caetano Veloso,
Chico Buarque, Edu, Gil, Sérgio Ricardo e Pablo Neruda. E qualquer
pessoa pode participar da feira enviando uma obra de arte - quadro,
escultura, caricatura, fotografia, cartaz, poema, frase, ensaio, peça,
canção - dizendo O QUE PENSA VOCÊ DO BRASIL DE
HOJE?
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