EUA - Israel - Palestina (Artigo de N. Chomsky, publicado no nº192 de A BATALHA)

 

7 Jun 2002

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Há um ano o sociólogo Baruch Kimmerling da Universidade Hebraica, comentou: "Aquilo que temíamos aconteceu". Judeus e palestinianos "regressam a um tribalismo supersticioso... A guerra parece ser um destino inevitável", uma "maldita guerra colonial". Esta ano, após a invasão israelita de campos de refugiados, o seu colega Ze'ev Sternhel escreveu que "no Israel colonial... a vida humana é barata". Os dirigentes "já não se envergonham de falar em guerra quando estão realmente empenhados no policiamento colonial, que recorda o reassumir do controlo dos bairros negros pobres pela polícia branca, na África do Sul, na era apartheid." Ambos realçam o óbvio: não há simetria entre os "grupos etnico-nacionais" que regressam ao tribalismo. O conflito centra-se em territórios que estiveram sob dura ocupação militar durante 35 anos. O conquistador é uma grande potência militar, actuando com enorme apoio militar, económico e diplomático da superpotência global. Os seus súbditos estão sós e indefesos, muitos deles sobrevivendo a custo em campos miseráveis, constantemente sujeitos ao terror mais brutal, do tipo bem conhecido das "malditas guerras coloniais", e praticando agora, como vingança, terríveis atrocidades.

O "processo de paz" de Oslo alterou as modalidades da ocupação, mas não o seu conceito básico. Pouco entes de integrar o ministério de Ehud Barak, o historiador Shlomo Ben-Ami escreveu que "os acordos de Oslo tinham como fundamento uma base neocolonialista, a dependência permanente duma parte relativamente a outra". Ben-Ami tornou-se rapidamente num arquitecto das propostas de Israel- Estados Unidos em Camp David, no verão de 2000, que se manteve fiel àqueles pressupostos. Os acordos foram altamente elogiados nos comentários norte-americanos. Os palestinianos e o seu maldito dirigente foram acusados pelo fracasso do plano e pela violência subsequente. Mas isto foi uma completa "fraude", como referiu Kimmerling e a totalidade dos comentadores honestos. Na verdade, Clinton-Barak deram alguns passos na criação dum modelo tipo Bantustão. Imediatamente antes de Camp David os palestinianos da margem ocidental foram confinados em 200 áreas dispersas, e Clinton-Barak propuseram uma melhoria: consolidação em três cantões, sob controlo israelita, praticamente separados uns dos outros e de um quarto enclave, uma pequena área de Jerusalém oriental, centro da vida palestiniana e das comunicações na região. No quinto cantão, Gaza, não houve definição precisa excepto que a população permaneceria de igual modo virtualmente prisioneira. É compreensível que se não encontrem mapas nem quaisquer registos pormenorizados das propostas nos Estados Unidos.

Ninguém pode honestamente duvidar do papel decisivo que os EUA continuarão a desempenhar. É pois de crucial importância compreender o que tem sido este papel e como ele é entendido internamente. A versão das "pombas" é apresentada pelos editores do New York Times (7 de Abril), elogiando o presidente pelo seu "discurso que abre um caminho" e pela "perspectiva emergente" que configura. O seu primeiro elemento é "terminar o terrorismo palestiniano", de imediato. Algum tempo depois vem "o congelamento, seguido de retirada, dos colonatos judaicos e a negociação de novas fronteiras" para terminar a ocupação e permitir o estabelecimento de um Estado palestiniano. Se o terror palestiniano terminar os israelitas serão encorajados a "aceitar a proposta histórica da Liga Árabe de uma paz total e o reconhecimento de Israel em troca de uma retirada mais séria". Mas primeiro os dirigentes palestinianos devem demonstrar que são "parceiros diplomáticos legítimos".

O mundo real tem poucas semelhanças com este quadro para uso próprio - praticamente copiado do dos anos 80, quando EUA e Israel procuravam desesperadamente escamotear as propostas de negociação e acordo político da OLP e mantinham a exigência de não negociar com a OLP, nem aceitavam um "Estado palestiniano adicional" (uma vez que a Jordânia já era um Estado palestiniano), nem "nenhuma alteração na situação da Judeia, Samaria e Gaza que não esteja de acordo com as directrizes básicas do governo (israelita)" (Plano de coalizão Peres-Shamir, de Maio 1989, sancionado por Bush I no plano Baker de Dezembro de 1989). Nada disto foi publicado, como já anteriormente acontecera, embora os comentários denunciassem os palestinianos por indubitavelmente comprometidos com o terrorismo, solapando assim os esforços humanitários dos EUA e seus aliados. No mundo real, a primeira barreira à "perspectiva emergente" tem sido, e continua a ser, a rejeição sistemática e unilateral dos EUA. Há poucas novidades na "proposta histórica da Liga Árabe". Repete os termos básicos da Resolução do Conselho de Segurança de Janeiro de 1976, apoiado virtualmente por todo o mundo, incluindo os Estados árabes mais importantes, a OLP, a Europa e o Bloco Soviético - de facto todos os apoios relevantes. Teve a oposição de Israel e o veto dos EUA, que assim a vetou para a história. A Resolução apelava a uma solução em fronteiras internacionalmente reconhecidas "com as disposições adequadas... para garantir... a soberania, integridade territorial e independência política de todos os Estados da área e o seu direito a viver em paz no interior de fronteiras seguras e reconhecidas" - com efeito, uma modificação da ONU 242 (tal como foi igualmente interpretado pelos EUA), ampliada para incluir o Estado palestiniano. Iniciativas semelhantes pelos Estados árabes, da OLP e da Europa têm sido desde então bloqueadas pelos EUA e

pela maior parte suprimidas ou negadas nos comentários públicos.

A rejeição sistemática pelos EUA já durava há 5 anos (desde Fevereiro de 1971) quando o presidente Sadat, do Egipto, propôs em Israel um tratado de paz completo em troca da retirada israelita do território egípcio, sem mencionar os direitos nacionais dos palestinianos ou o destino doutros territórios ocupados. O governo trabalhista de Israel reconheceu a genuinidade desta proposta de paz, mas rejeitou-a, porque tencionava estender os seus colonatos para nordeste do Sinai; o que rapidamente fez, com extrema brutalidade, e foi a causa precipitante da guerra de 1973. Israel e os EUA compreenderam que a paz era possível em concordância com a política oficial norte-americana. Mas, como explicou Ezer Weizmann, dirigente do partido trabalhista (depois presidente), esta solução não permitia a Israel "existir de acordo com a escala, espírito e qualidade que agora corporiza". O comentador israelita Amos Elon escreveu que Sadat gerou o "pânico" entre os dirigentes políticos israelitas quando anunciou o seu desejo de "estabelecer um acordo de paz com Israel, e respeitar a sua independência e soberania dentro de 'fronteiras seguras e reconhecidas'".

Kissinger conseguiu bloquear a paz, instituindo a sua preferência pelo que designava de "xeque-mate": nada de negociações, só força. As propostas de paz jordanas foram também rejeitadas. Desde essa altura a política oficial dos Estados Unidos permanece a do consenso internacional quanto à retirada - até Clinton, que efectivamente rescindiu as resoluções da ONU e as considerações de direito internacional. Mas, na prática, a política tem seguido as linhas de Kissinger, aceitando negociações só quando compelida a fazê-lo, como Kissinger após a quase derrocada da guerra de 1973, de que foi um grande responsável, e nas condições redigidas por Ben Ami.

Os planos para os palestinianos seguiram as orientações formuladas por Moshe Dayan, um dos dirigentes trabalhistas mais favorável à proposta palestiniana. Ele aconselhou o seu governo de que Israel deveria tornar claro aos refugiados que "não temos nenhuma solução, vocês continuarão a viver como cães e quem o desejar pode ir-se embora, e veremos aonde este processo conduz". Quando interpelado respondeu, citando Ben-Gurion, que disse "quem abordar o problema Sionista dum ponto de vista moral não é sionista". Poderia também haver citado Chaim Weizmann, que afirmou ser o destino de "várias centenas de milhar de negros" na pátria judaica "uma questão irrelevante".

Não surpreende pois que o princípio orientador da ocupação tenha sido o de uma humilhação incessante e degradante, conjuntamente com tortura, terror, destruição de propriedades, deslocação de populações e instalação de colonatos, apoderando-se ainda dos recursos básicos, nomeadamente da água, que é crucial. É evidente que isto necessitou do apoio decisivo dos Estados Unidos, que se estendeu até aos anos de Clinton-Barak. "O governo de Barak deixou ao governo de Sharon um legado surpreendente", relatou a imprensa israelita quando se deu a transferência: "o maior número de casas em construção nos territórios desde o tempo em que Ariel Sharon foi ministro da Construção e Colonatos em 1992, antes dos acordos de Oslo" - com fundos proporcionados pelo contribuinte norte-americano, enganado por histórias fantásticas de "perspectivas" e de "magnanimidade" dos dirigentes norte-americanos, realçadas pelo contraste com o comportamento de terroristas como Arafat, que abusou da "nossa confiança", e talvez também por alguns extremistas judeus que reagem excessivamente aos crimes do dirigente palestiniano.

Edward Walker, responsável oficial do Departamento de Estado para aquela região na administração Clinton, explica sucintamente como deve actuar Arafat para readquirir a nossa confiança. O extraviado Arafat deve anunciar sem ambiguidades que "nós pomos o nosso futuro e destino nas mãos dos EUA", país que durante os últimos 30 anos conduziu a campanha para destruir os direitos palestinianos.

Comentadores mais sérios reconheceram que a "proposta histórica" repetia em larga medida o Plano Fahd, saudita, de 1981 - solapado, disse-se, pela recusa árabe em aceitar a existência de Israel. Os factos são, de novo, bastante diferentes. O plano de 1981 foi solapado sim pela reacção israelita, condenada como "histérica" pela sua principal imprensa.

Shimon Peres preveniu que o Plano Fahd "ameaçava a própria existência de Israel". O presidente Haim Herzog acusou o Plano Fahd de ter por "verdadeiro autor" a OLP, e de ser mesmo mais radical do que a Resolução do Conselho de Segurança de Janeiro de 1976 que foi "preparada pela" OLP quando ele era embaixador de Israel nas Nações Unidas. Estas afirmações dificilmente poderiam ser verdadeiras (embora a OLP tivesse apoiado publicamente os dois planos) mas são um indicador do desesperado receio de um acordo político por parte "das pombas" israelitas, com o apoio perseverante e decisivo dos Estados Unidos.

O problema fundamental, então como agora, reside em Washington, que persistentemente apoia a rejeição israelita nos termos de um amplo consenso internacional, reiterando no essencial "as propostas históricas

da Liga Árabe".

As modificações ocasionais dos termos da rejeição norte-americana são até à data tácticas e pouco significativas. Estando ameaçados os seus planos para um ataque ao Iraque, os Estados Unidos permitiram uma resolução das Nações Unidas em que se apelava à retirada israelita "sem demora" - significando "tão depressa quanto possível", como logo explicou o secretário de Estado Colin Powell - dos territórios recém invadidos. O terror palestiniano deve terminar "imediatamente", mas o terror israelita, muitíssimo maior e que dura há 35 anos, pode fazê-lo calma e paulatinamente. Israel procedeu de imediato a uma escalada dos ataques, levando Powell a dizer "fiquei satisfeito por saber que o primeiro ministro disse estar a acelerar as suas operações". Há fortes suspeitas que a chegada de Powell a Israel esteja a ser demorada para que possam ser mais "aceleradas" ainda. A atitude dos EUA pode muito bem variar, de novo por razões tácticas.

Os Estados Unidos permitiram uma resolução das Nações Unidas apelando a uma "perspectiva" de Estado palestiniano. Este gesto antecipatório, recebido com aplauso, não se eleva contudo ao nível do da África do Sul há 40 anos, quando o regime do apartheid implementou a sua "perspectiva" de Estados governados por negros que eram, pelo menos, tão viáveis e legítimos como a dependência neocolonial que os Estados Unidos e Israel têm vindo a planear para os territórios ocupados.

Entretanto os Estados Unidos continuam, usando as palavras do seu presidente, a "implementar o terror", fornecendo a Israel meios de terror e destruição, incluindo um novo envio dos mais sofisticados helicópteros do arsenal norte-americano (Robert Fisk, Independent, 7 de Abril). Estas são as reacções padronizadas às atrocidades perpetradas por um regime vassalo. Para citar apenas um exemplo instrutivo, nos primeiros dias da actual Intifada, Israel utilizou helicópteros para atacar alvos civis, matando 10 palestinianos e ferindo 35, o que é dificilmente aceitável como "autodefesa". Clinton respondeu com um acordo para "a maior aquisição de helicópteros militares pela Força Aérea Israelita numa década" (Ha'aretz, 3 de Outubro de 2001), juntamente com peças sobressalentes para helicópteros de ataque Apache.

A imprensa deu uma ajuda recusando-se a relatar os factos. Poucas semanas depois, Israel começou igualmente a usar os helicópteros americanos para assassinatos. Um dos primeiros actos da administração Bush foi enviar helicópteros Apache Longbow, os mais mortíferos de todos. Isto mereceu uma referência marginal no noticiário comercial. O compromisso de Washington na "implementação do terror" foi de novo ilustrado em Dezembro, quando vetou uma Resolução do Conselho de Segurança apelando à implementação do Plano Mitchell e ao envio de observadores internacionais para fiscalizar a redução de violência, meio geralmente reconhecido como o mais eficaz, mas que teve a oposição de Israel e foi, como habitualmente, bloqueada por Washington. O veto teve lugar durante o período de 21 dias de calma - significando que apenas um soldado israelita foi morto, bem como 21 palestinianos incluindo 11 crianças, e 16 incursões israelitas em áreas sob controlo palestiniano (Graham Usher, Middle East International, 25 de Janeiro de 2002). Dez dias antes do veto, os Estados Unidos boicotaram - portanto solaparam - uma conferência internacional em Genebra que, uma vez mais, concluiu que a Quarta Convenção de Genebra se aplica aos territórios ocupados, de modo que virtualmente tudo o que os Estados Unidos e Israel aí fazem é uma "violação grave"; em termos simples um "crime de guerra". A conferência declarou especificamente que os colonatos israelitas financiados pelos Estados Unidos são ilegais, e condenou a prática de "assassínio deliberado, tortura, deportação ilegal, privação deliberada do direito a julgamentos regulares e imparciais, extensa destruição e apropriação de propriedades... efectuadas ilegalmente e de modo irrestrito". Como Alta Parte Contratante, os Estados Unidos estão obrigados por tratado solene a processar os responsáveis por tais crimes, incluindo os seus próprios governantes. Consequentemente, tudo isto se passou em silêncio.

Os Estados Unidos não retiraram oficialmente o seu reconhecimento da aplicabilidade das Convenções de Genebra aos territórios ocupados, ou a sua censura às violações de Israel como "potência ocupante" (afirmada, por exemplo, por George Bush I quando era embaixador nas Nações Unidas). Em Outubro de 2000 o Conselho de Segurança reafirmou o consenso nestas matérias, "apelando a Israel, como potência ocupante, para cumprir escrupulosamente as suas obrigações segundo a Quarta Convenção de Genebra". A votação foi de 14 - 0. Clinton absteve-se, não querendo presumivelmente vetar um dos princípios fundamentais da lei humanitária internacional, particularmente à luz das circunstâncias em que foi estabelecida, isto é, a de criminalizar formalmente as atrocidades nazis. Tudo isto foi também rapidamente consignado ao buraco da memória, outra contribuição à "implementação do terror".Até que se permita que tais assuntos sejam discutidos, e as suas implicações compreendidas, não tem sentido apelar ao "empenhamento dos EUA no processo de paz", e as perspectivas para uma acção construtiva continuarão obscuras.

Noam Chomsky *

Ver: http://www.zmag.org/content/Mideast/chomskyapril9.cfm


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