Entrevista
de Chomsky sobre Israel/Palestina
Date
Wed, 3 Apr 2002
[Algumas
pessoas enganam-se repetidas vezes. Os capitalistas israelitas ficarão
contentes em explorar os palestinos, mas o poder principal em Israel
e a motivação do projecto naZionista é completamente
diferente. O objectivo da elite no poder em Israel não é
a exploração sem escrúpulos dos palestinos
(embora o façam quando não conseguem transferi-los/expulsá-los)
mas obriga-los a irem-se embora. É uma guerra contínua
pelos interesses dos colonos e da elite no poder que desejam expulsar-transferir
os palestinos – não a sua exploração.
Ed. ]
P:
Há uma mudança qualitativa no que se está a
passar agora?
Penso
que existe uma mudança qualitativa. O objectivo do processo
de Oslo foi descrito com rigor em 1998 pelo universitário
israelita, Shlomo Ben-Ami exactamente antes de ter ido para o governo
Barak, daí por diante sendo o principal negociador de Barak
em Camp David no Verão de 2000. Ben-Ami fez notar que "na
prática, os acordos de Oslo se fundamentavam numa base neocolonial,
numa vida de dependência de um sobre o outro para sempre”.
Com estes objectivos, os acordos propostos por Clinton-Rabin-Peres
tinham sido pensados para impor aos palestinos uma "quase total
dependência em relação a Israel," criando
"uma situação largamente colonial," a qual
seria de esperar constituir a "base permanente" para "uma
situação de dependência." A função
da Autoridade Palestina (AP) era a de controlar a população
doméstica dessa dependência neocolonial sob controlo
israelita. Foi assim que o processo se desenrolou, passo a passo,
incluindo as sugestões de Camp David. A posição
de Clinton-Barak (mantida vaga e ambígua) foi saudada aqui
como “notável” e “magnânima”
mas um olhar atento aos factos demonstra o que era – tal como
tem sido descrita bastas vezes em Israel – uma proposta de
bantustões; isto é a razão porque os mapas
eram cuidadosamente evitados nos noticiários principais dos
EUA.
É
verdade que Clinton-Barak avançaram alguns passos em direcção
a uma Solução do tipo bantustão, do tipo que
a África do Sul instituiu nos dias sombrios do Apartheid.
Mesmo antes de Camp David, os palestinos da Margem Ocidental eram
confinados em para cima de 200 áreas dispersas, e Clinton-Barak
chegaram a propor uma melhoria: a consolidação em
três cantões, sob controlo israelita, virtualmente
separados uns dos outros e do quarto cantão, uma pequena
parte de Jerusalém Este, o centro da vida palestina e das
comunicações na região. Claro que separados
de Gaza, onde o destino final permanecia pouco claro.
Mas
agora este plano foi colocado aparentemente na prateleira e em vez
disso, pela demolição da AP. Isto quer dizer a destruição
das instituições dos bantustões potenciais
planeados por Clinton e seus parceiros israelitas; nos últimos
dias até destruíram um centro direitos humanos. Os
palestinos que tinham sido designados como os equivalentes dos líderes
negros dos bantustões também estão sob ataque,
embora não tenham sido mortos, presumivelmente por causa
das consequências internacionais. O célebre analista
Ze'ev Sternhell escreve que o governo "já não
tem vergonha de falar de guerra quando aquilo em que estão
realmente a fazer é policiamento colonial, que evoca o controlo
pela polícia branca dos subúrbios pobres dos negros
da África do Sul na era do apartheid" Esta nova política
é uma regressão abaixo do modelo de Bantustão
da África do Sul de há 40 anos que Clinton-Rabin-Peres-Barak
e seus associados desejavam no “processo de paz” de
Oslo.
Nada
disto virá como uma surpresa para os que têm vindo
a ler análises críticas nos últimos dez anos,
incluindo muito material regularmente publicado na Znet, analisando
os desenvolvimentos à medida que estes ocorrem.
Não
se percebe bem até que ponto o governo israelita pretende
implementar tais programas – presumo que eles também
não o sabem muito bem.
É
conveniente nos EUA, e no Ocidente, de culpar Israel e particularmente
Sharon, Mas isso é injusto para não dizer desonesto.
Muitas das piores atrocidades cometidas por Sharon, foram cometidas
sob governos trabalhistas. Peres está perto de Sharon enquanto
criminoso de guerra. Para mais, a responsabilidade principal reside
em Washington, e tem cerca de 30 anos. Isto é válido
em relação ao quadro diplomático geral e também
em relação a acções pontuais. Israel
só pode agir dentro dos limites estabelecidos pelo seu patrão
em Washington, raramente ultrapassando-os.
P:
Qual o significado da Resolução do Conselho de Segurança
de Sexta-feira?
A
questão principal era saber se haveria uma exigência
de retirada israelita imediata de Ramallah e de outras áreas
palestinas em que o exército penetrara durante a presente
ofensiva, ou pelo menos, um prazo limite para tal retirada. Prevaleceu,
evidentemente a posição dos EUA: apenas um apelo vago
para a "retirada das tropas israelitas das cidades palestinas,"
sem especificação temporal. A Resolução
combina-se com a posição oficial dos EUA, amplamente
corroborada pela imprensa: Israel está sob ataque e deveria
ter direito à autodefesa, mas não deveria ir demasiado
longe na punição dos palestinos, pelo menos de forma
demasiado visível.
Os
factos – nada controversos – são bastante diferentes.
Os palestinos têm tentado sobreviver sob ocupação
militar israelita, agora no seu 35º ano. Tem sido um facto
rude e brutal, graças à ajuda militar decisiva dos
EUA e seu apoio económico, sua protecção diplomática,
incluindo a sua oposição a um consenso internacional
baseado na resolução política pacífica.
Não existe simetria neste confronto, nem a mais leve, e descrevê-lo
em termos de autodefesa de Israel vai para além até
mesmo das formas clássicas de distorção no
interesse do poder. As mais severas condenações do
terror palestino, que são apropriadas e que o foram durante
mais de 30 anos, não alteram em nada os factos básicos.
Ao
evitar escrupulosamente os problemas centrais imediatos, a Resolução
de Sexta-feira assemelha-se à Resolução do
Conselho de Segurança de 12 de Março, a qual provocou
muita surpresa e notícias favoráveis pois não
só não foi vetada pelos EUA, como era costume, mas
foi adoptada por iniciativa de Washington.
A
Resolução apela para uma “visão”
de um Estado Palestino. Não alcança sequer o estatuto
da África do Sul há 40 anos atrás em que o
regime do Apartheid não só anunciou uma “visão”
como instalou estados governados por negros que eram pelo menos
tão viáveis e legítimos como o que Israel e
os EUA tinham planeado para os territórios ocupados.
P:
O que vão fazer agora os EUA? Quais os interesses dos EUA
que estão em jogo, nesta fase?
Os
EUA são um poder global. O que acontece em Israel-Palestina
é um mero episódio. Há muitos factores entrando
nas políticas dos EUA. O primordial de entre eles nesta região
do globo é o controlo sobre as maiores reservas energéticas
do mundo. A aliança EUA-Israel forjou-se nesse contexto.
Cerca de 1958, o Conselho Nacional de Segurança dos EUA chegou
à conclusão de que o “corolário lógico”
à oposição ao crescente nacionalismo árabe
"seria o apoio a Israel como o único poder forte pró-ocidental
que permaneceria no Médio Oriente." Isto é um
exagero, mas vale como afirmação de análise
estratégica geral, que identifica o nacionalismo da zona
como a ameaça maior (tal como noutros pontos do Terceiro
Mundo); esta foi tipicamente chamada de “comunista”
embora seja reconhecido em documentos internos que se trata de um
termo de propaganda e que os assuntos da guerra fria eram muitas
vezes marginais, tal como no ano crucial de 1958. A aliança
consolidou-se em 1967, quando Israel levou a cabo um importante
serviço para o poder dos EUA ao destruir as principais forças
do nacionalismo árabe secular, considerado uma ameaça
muito séria ao domínio dos EUA sobre a região
do Golfo. Então as coisas continuaram, após o colapso
da USSR também. Neste momento a aliança de EUA-Israel-Turquia
é uma peça central da estratégia dos EUA, sendo
Israel praticamente uma base militar dos EUA também intimamente
integrada com a economia EUA de alta tecnologia, militarizada.
Neste
quadro persistente, os EUA naturalmente apoiam a repressão
israelita dos palestinos e a integração dos territórios
ocupados, incluindo o projecto neocolonial esquematizado por Ben-Ami,
embora tenha que fazer escolhas específicas de acordo com
as circunstâncias. Agora mesmo, os conselheiros de Bush continuam
a bloquear os passos em direcção a uma resolução
diplomática ou até a redução da violência;
isto é o significado, por exemplo, do seu veto da Resolução
de Conselho de Segurança de 15 de Dezembro de 2001 apelando
para realização de passos em direcção
à implementação do plano Mitchell dos EUA e
a introdução de monitores internacionais para supervisionarem
a redução da violência. Por razões semelhantes,
os EUA boicotaram os encontros internacionais de 5 de Dezembro em
Genebra (que incluíam a EU e mesmo a Grã-Bretanha)
os quais reafirmaram que a Quarta Convenção de Genebra
se aplica a territórios ocupados, de tal modo criticamente
importante pois os actos de EUA-Israel são considerados “graves
quebras” da Convenção – crimes de guerra,
em termos simples – tal como a declaração de
Genebra referia. Isto apenas reafirmava a resolução
do Conselho de segurança de Outubro 2000 (abstenção
dos EUA), que defendia de novo que a Convenção se
aplicava aos territórios ocupados. Isto tinha sido a posição
oficial dos EUA igualmente, referida formalmente, por exemplo, por
George Bush I quando ele era Embaixador na ONU. Os EUA abstêm-se
ou boicotam por norma em tais casos, não querendo tomar posição
pública em oposição aos princípios básicos
da lei internacional particularmente à luz das circunstâncias
em que tais Convenções foram decretadas: para criminalizar
formalmente os nazis, incluindo as suas acções tomadas
em territórios por eles ocupados. Os poderes mediáticos
e a cultura intelectual costumam cooperar neste boicote de tais
factos incómodos: em particular, o facto de que na sua qualidade
de Alta Parte Contratante, o governos dos EUA está obrigado
legalmente por tratado solene a punir os violadores das Convenções,
incluindo as suas próprias chefias políticas.
Isto
é apenas uma pequena amostra. Entretanto, o fluxo de armas
e de apoios económicos para manter a ocupação
pela força e pelo terror e por extensão dos colonatos
continua sem qualquer pausa.
P:
Qual é a sua opinião sobre a cimeira árabe?
A
cimeira árabe levou à aceitação generalizada
do plano saudita, que reitera os princípios básicos
do longo consenso internacional sobre este assunto: Israel deveria
retirar dos territórios ocupados no contexto de um acordo
geral de paz que garantisse o direito de cada Estado da região,
incluindo o de Israel e o novo Estado Palestino, a ter paz e segurança
no interior de suas fronteiras reconhecidas (a formulação
da resolução da ONU 242, ampliada para incluir o Estado
Palestino). Não há nada de novo nisso. Estes são
os termos básicos da Resolução do Conselho
de Segurança de Janeiro de 1976 apoiada virtualmente pelo
mundo inteiro, incluindo os principais Estados árabes, a
OLP, Europa, bloco Soviético, países não-alinhados
– de facto, todos os que contavam.
Teve
a oposição de Israel e o veto dos EUA, assim recebendo
o veto da história. As iniciativas subsequentes e similares
dos Estados árabes, da OLP, da Europa Ocidental, foram bloqueadas
pelos EUA até ao presente. Isto inclui o plano de 1981 do
Rei Fahd. Este passo também ficou efectivamente com o veto
da história, pelas razões habituais.
A
constante rejeição dos EUA começou de facto
5 anos antes, em Fevereiro de 1971, quando o Presidente Sadat do
Egipto ofereceu a Israel um tratado de paz plena em troca da retirada
de Israel do território egípcio, nem sequer trazendo
os direitos nacionais palestinos ou o destino dos outros territórios
ocupados. O governo trabalhista de Israel reconheceu que este era
uma genuína oferta de paz, mas decidiu rejeitá-la,
tendo planos de ampliar os colonatos ao nordeste do Sinai; o que
logo fez, com brutalidade extrema e causa imediata da guerra de
1973. O plano reservado para os palestinos sob ocupação
militar foi descrito com franqueza por Moshe Dayan, um dos chefes
trabalhistas mais compreensivo com os palestinos. Israel devia tornar
claro que “ não temos outra solução,
vocês continuam a viver como cães, quem quiser que
se vá embora, logo veremos aonde este processo conduz.”
Seguindo tal recomendação, princípio guia da
ocupação tem sido a humilhação incessante
e degradante, juntamente com a tortura, o terror, a destruição
de propriedade, deslocação e colonização,
e açambarcamento dos principais recursos, nomeadamente da
água.
A
oferta de Sadat de 1971 conformava-se com a política oficial
dos EUA, mas Kissinger conseguiu obter a aceitação
da sua preferência pelo que chamou de “empate”:
nada de negociações, apenas força. As ofertas
de paz jordanas também foram desprezadas.
Desde
esse tempo, a política official dos EUA manteve-se no consenso
internacional pela retirada (até Clinton, o qual efectivamente
rescindiu as resoluções da ONU e considerações
pela lei internacional); mas na prática, a política
seguiu as orientações de Kissinger, apenas aceitando
negociações quando compelidos a fazê-lo, tal
como Kissinger o fez após o quase desastre que foi a Guerra
de 1973, para na qual ele possui uma grande responsabilidade, e
sob as condições que Ben-Ami enunciara.
A
doutrina oficial incita-nos a concentrarmos as atenções
na cimeira árabe, como se os estados árabe e a OLP
fossem o problema, em particular a sua intenção de
empurrar Israel para o mar. As coberturas apresentam o problema
básico como sendo de hesitação, de reservas
e de qualificações no mundo árabe. Pouco se
pode dizer em defesa dos estados árabes e da OLP, mas essa
interpretação é simplesmente falsa, tal como
uma olhadela no processo revela rapidamente.
A
imprensa mais séria reconhece que o plano saudita retoma
largamente o plano Fahd de 1981, argumentando que esta iniciativa
foi malograda pela recusa árabe em reconhecer Israel. Os
factos são, de novo, bastante diferentes. O plano de 1981
foi malogrado por uma reacção de Israel que mesmo
a sua imprensa mais convencional condenou como sendo “histérica”,
apoiada pelos EUA. Isto inclui Shimon Peres e outras supostas pombas,
que avisaram que a aceitação do plano Fahd iria "ameaçar
a própria existência de Israel”. Uma indicação
da histeria é a reacção do Presidente de Israel
Haim Herzog, também considerado uma pomba. Ele acusou que
o real autor do plano Fahd seria a OLP e de que era ainda mais extremado
do que a Resolução de Janeiro de 1976 do Conselho
de Segurança que tinha sido “preparada” pela
OLP, na altura em que ele era o embaixador de Israel na ONU. Estas
alegações são pouco verosímeis, mas
são uma indicação do medo desesperado de uma
solução política por parte das pombas israelitas,
sempre apoiadas pelos EUA. O problema essencial, então como
agora, prende-se com Washington, que tem apoiado persistentemente
a rejeição por Israel de um solução
política em termos de largo consenso internacional, no essencial
retomada pelas actuais propostas sauditas.
Até
ao momento em que factos tão elementares como estes forem
tidos em conta, deslocando assim a imagem distorcida e a mentira,
a discussão continuará a ser sempre ao lado da questão.
Não deveríamos ser arrastados para ela por exemplo,
aceitando implicitamente que os desenvolvimentos na cimeira árabe
são um problema crítico. Têm significado, claro,
mas secundário. Os problemas principais estão aqui
e é nossa responsabilidade de os encarar e resolver, não
de os deslocar para outros.
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