Relato/reportagem sobre conferência
de Chomsky em Porto Alegre
Humanidade
precisa de nova Internacional, diz Chomsky
(por
Nelson Jobim)
Cientista
e livre-pensador norte-americano crê numa globalização
que priorize o ser humano e não o capital. Além de
analisar o impacto do ataque de 11 de setembro, ele critica o Alca
e o militarismo O mundo precisa de uma nova Internacional para lutar
por uma globalização que favoreça os interesses
dos seres humanos em vez do grande capital, afirmou nesta quinta-feira
o lingüista e pensador norte-americano Noam Chomsky, um dos
maiores críticos do imperialismo. Em entrevista em Porto
Alegre, Chomsky, que abre o Fórum Social Mundial com a conferência
Um Mundo Sem Guerras É Possível, declarou ser preciso
acabar com a guerra para que a humanidade não seja extinta
pelas armas de destruição em massa existentes hoje.
O professor do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) disse
ainda que as recentes ameaças do presidente George W. Bush
de expandir a guerra contra o terrorismo são tentativas de
posar com um líder forte, "capaz de pulverizar seus
inimgos", e de abafar o escândalo da falência da
empresa de energia Enron, que ajudou a financiar sua campanha. Como
o atual processo de globalização aprofunda a diferença
entre pobres e ricos, Chomsky advertiu que será preciso usar
a violência para controlar as massas excluídas, o que
levará à militarização da última
fronteira: o espaço sideral. Um novo Movimento Internacional.
Como fica o movimento antiglobalização depois de 11
de setembro? O Fórum Social Mundial não é antiglobalização.
Ninguém aqui está contra a globalização.
Devemos lembrar que o internacionalismo começou com a criação
da Internacional dos Trabalhadores no século 19. O verdadeiro
fórum antiglobalização está ocorrendo
em outro lugar e está ligando a instituições
ilegítimas. Aquela é a globalização
que favorece às multinacionais, que promove uma luta de classes.
Há cem anos, o movimento sindical estava na frente das multinacionais.
O que nós queremos é uma globalização
diferente. Outro ponto é a exploração política
dos atentados de 11 de setembro para fomentar uma luta de classes
e silenciar os que se opõem à globalização
das multinacionais. Vamos prosseguir com mais tenacidade a nossa
agenda. Não vamos ficar quietos nem ser mais submissos. Não
há razão para sermos intimidados por essa tática
da luta de classes. A resposta está em nossas mãos.
Podemos ser obedientes e submissos mas isso só vai dar liberdade
aos centros do poder ilegítimo. Ou ignorar essa ordem ridícula
e ilegítima. Esse Fórum Social Mundial é nossa
segunda resposta. Quais são as prioridades do movimento pela
globalização solidária? As prioridades estão
dadas pelos temas que serão abordados. As propostas devem
nascer da ação e da discussão. Qualquer movimento
de massas deve agir assim. As propostas serão tiradas do
debate. É a primeira promessa de construir uma nova Internacional.
Mundo sem guerras ou não verás mundo nenhum. Como
construir um mundo sem guerras? Esse é o tema da minha palestra
na abertura do Fórum. Não devo me autoplagiar. Mas
posso dizer que ou teremos um mundo sem guerras ou não haverá
mais mundo nenhum. Os seres humanos têm meios de se destruir
e as grandes potências chegaram muito perto disso nos últimos
50 anos. Um novo exemplo é o esforço para militarizar
o espaço pela primeira vez. Essa forma atual de globalização
aprofundou a divisão entre uma minoria muito rica e uma imensa
maioria de destituídos. Isso vai exigir o uso da força
para controlar as massas. Então será necessário
militarizar o espaço, assim como no passado foram criadas
as Forças Armadas para defender os interesses econômicos.
É preciso minar e eliminar a militarização.
Há uma conexão direta entre a globalização
orientada para os seres humanos e o esforço para que haja
um mundo para nossos netos, um mundo sem guerras. O que mudou depois
de 11 de setembro? Foi um tremendo choque para a Europa e os EUA.
Eles estão familiarizados com atrocidades dessa natureza.
O estado onde moro, Massachusetts, na Nova Inglaterra (EUA), não
foi colonizado pelos ingleses distribuindo doces para as crianças.
A Europa não conquistou o mundo de maneira gentil e boazinha.
Mas esta foi a primeira vez em que as armas foram apontadas em outra
direção, contra os ricos e poderosos que fizeram isso
durante séculos. Foi uma atrocidade como tantas outras. A
diferença foi o alvo. Foi uma mudança histórica.
Um choque nos centros de poder. O objetivo deles agora é
manter a dominação sob circunstâncias inesperadas.
O discurso do presidente George W. Bush no Congresso dos EUA ameaçando
estender a guerra contra o terrorismo à Coréia do
Norte, ao Irã e ao Iraque representa uma vitória da
linha dura dentro do governo norte-americano? Os redatores dos discursos
de Bush acham que a maneira de manter a popularidade é apresentá-lo
como herói. O discurso também desvia a atenção
do escândalo da falência da Enron (empresa de energia
do Texas que ajudou a financiar a campanha republicana) e da transferência
de dinheiro para os ricos através de cortes de impostos.
Ele gosta de posar como um líder forte, capaz de pulverizar
os inimigos. Não há razão para achar que a
retórica revela algo de concreto quando às verdadeiras
políticas do governo Bush. Acho que ele não vai concretizar
nenhuma das ameaças que fez pelas mesmas razões que
os EUA não fizeram anteriormente. Onde há exemplos
de uma economia democrática que funcione? No passado, havia
escravidão. Hoje existe alguma democracia parlamentar que
funcione? Existe alguma sociedade onde os direitos das mulheres
sejam respeitados? Não. Então vamos criar. Já
foram feitos grandes avanços. Quando a Revolução
Industrial chegou aos EUA há 150 anos, houve gente que disse
que, além de acabar com a escravidão, os trabalhadores
deveriam assumir o controle das fábricas onde trabalham.
Eles não tinham lido Marx. Simplesmente estavam dizendo que
os trabalhadores deveriam gerenciar as fábricas onde trabalham.
Nos últimos 150 anos, vimos outras propostas interessantes.
Um dos objetivos do Fórum é esse. Defender os direitos
das mulheres faz o mesmo sentido do que se opor ao trabalho escravo.
Ainda existem hoje cerca de 30 milhões de escravos. Com outra
metodologia, poderíamos dizer que há centenas de milhões.
Imprensa independente e democrática não é sonho.
Como criar uma mídia independente e responsável? Precisamos
de uma mídia independente e democrática. Não
é idealismo. Demorou tempo para destruir a mídia popular
e democrática. No início do século 20, tinha
um jornal chamado 'Apelo à Razão' nos EUA quase tão
importante quanto a mídia dominante. Vendia 30 milhões
de exemplares por semana. Houve uma grande campanha do capital para
destruir a mídia independente. Até as ditaduras militares,
que vocês conhecem muito bem na América Latina, tiveram
de recuar diante da imprensa independente. É preciso apenas
dedicar esforço e energia. Alca é uma proposta que
tramita na surdina. Como se desenvolve esse programa de ação?
Por exemplo, aqueles que detêm o poder ilegítimo acreditavam
que poderiam fazer passar a Alca (Associação de Livre
Comércio das Américas) silenciosamente. Basta ver,
por exemplo, que a Alca não estava na plataforma dos candidatos
à Presidência dos Estados Unidos. Como não havia
consenso, não apareceu na campanha nem foi discutida na chamada
'imprensa livre'. Graças a iniciativas em todo o hemisfério,
houve uma grande mobilização e uma onda de manifestações
que culminou em um grande protesto na Reunião de Cúpula
das Américas realizada em Quebec, no Canadá. Mas um
dos protagonistas neste luta de classes nunca descansa. Temos de
continuar lutando. Quanto a propostas alternativas, elas têm
sido feitas abundantemente. Não cabe entrar em detalhes agora.
Muitas são boas. Precisamos intensificar a luta. Esses acordos
de comércio internacional nada têm a ver com livre
comércio. São fortemente protecionistas. Tentam garantir
o monopólio e o controle tecnológico dos países
centrais. Um de seus nomes é TRIPs (sigla em inglês
do Tratado sobre Questões Comerciais Relacionadas ao Direito
de Propriedade Intelectual, Trade Related Intellectual Property
Issues). Então, uma proposta é desmantelar o TRIPs.
Alguns passos foram dados aqui no Brasil contra a indústria
farmacêutica no caso dos medicamentos genéricos. Por
causa das conseqüências humanitárias, é
um exemplo grotesco da manipulação da saúde
é apenas um exemplo. Atentados de 11 de setembro e o Plano
Colômbia. A eleição de George W. Bush e os atentados
de 11 de setembro foram golpes da direita nos EUA? Há uma
grande indústria de boatos levantando a tese de que o vice-presidente
Dick Cheney e a CIA estão por trás dos atentados de
11 de setembro. Isso drena os esforços que poderiam ser canalizados
para ações positivas. Essas idéias não
merecem atenção. É preciso descartar essas
hipóteses. Quais são as possibilidades de resistência
diante da ALCA e do Plano Colômbia depois de 11 de setembro?
As possibilidades devem ser as mesmas porque nada mudou nesse sentido.
11 de setembro foi um momento histórico mas deixou em aberto
os problemas que já existiam. Acho que não se deve
falar em opções não-violentas. Nada agradaria
mais aos centros do poder do que a transferência dessa luta
a arena da violência, onde eles são dominantes. Mas
são fracos na área da ação popular,
do interesse público. Somos fortes no debate e na democracia.
Não podemos dar espaço para eles. Uma das conseqüências
de 11 de setembro foi a deflagração de uma guerra
contra pessoas extremamente pobres e sofridas. Os acontecimentos
de 11 de setembro estão sendo usados para acabar com a idéia
de criação de um país palestino independente,
que parecia próximo, e lançar novos ataques contra
os palestinos em nome do combate ao terrorismo? Não dá
para se iludir. Há uma propaganda que faz acreditar que estava
sendo oferecido um Estado palestino independente. Mas o mapa do
plano de paz de Clinton nunca foi publicado. Era semelhante aos
bantustões da África do Sul de 40 anos atrás.
Um representante palestino que estava em Camp David vai falar aqui.
Se existisse algo que possamos chamar de imprensa livre, mostraria
qual a meta do (então primeiro-ministro Ehud) Barak. Um dos
negociadores israelenses, o ex-ministro Shlomo BenAmi, que também
é historiador e acadêmico, escreveu um livro dizendo
que o objetivo final do processo de paz de Oslo era criar uma situação
neocolonial. Está havendo também uma onda de atrocidades
contra os curdos implementada desde o governo Clinton, que exportou
armas para a Turquia. Esse massacre está fora da agenda da
mídia. Antes de 11 de setembro, o governo turco não
teria a ousadia de prender jornalistas. Essas medidas repressivas
não passariam. Estou deixando Porto Alegre antes do encerramento
do Fórum para assistir ao julgamento. Meu recado final é:
não sigam as ordens.