União dos Operários em Construção Civil - Histórico


União dos Operarios em Construcção Civil
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HISTORICO
(18 de Março de 1917 a 31 de Dezembro de 1919)
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UM POR TODOS, TODOS POR UM
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1920 - TYPO-ARTE - Rua D Julia, 45
- RIO DE JANEIRO
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CAMARADAS, Não é esta uma historia detalhada da vida da União dos Operarios em Construcção Civil, mas sim um pallido resumo dos principaes momentos e phases de sua curta vida em pról do engrandecimento e defeza da classe, como tambem uma pugna incessante da grande obra da redempção humana.

Apesar da reacção que, em todo o mundo, tenta asphyxiar as lidimas aspirações do povo productor e que entre nós se faz sentir desabuzadamente, a União dos Operarios em Construcção Civil, procurando guiar-se pela recta que traçou em seus primeiros dias, caminha impávida, destruindo os obstaculos, ao encontro da ERA NOVA! E ávida pela egualdade e fraternidade entre todos os povos da terra, envia uma saudação de amor e de esperança ao proletariado do Brasil e ao proletariado internacional augurando-lhes promissores dias de um viver feliz. HISTORICO DO MOVIMENTO DA União dos Operarios da Construcção Civil União dos Operarios em Construcção Civil Aos 18 de Março de 1917, na séde da então Federação Operaria e a convite da mesma, reuniram-se os companheiros militantes da organisação operaria abaixo descriminados, com o fim de trocar ideias sobre a possibilidade de reorganisar a então extincta União Geral da Construcção Civil, sendo depois de pequena discussão, assentado dar uma reunião no dia 21 de Março, ás 8 horas da noite, tratando-se desde logo de se fazer os boletins convocatorios a expensas do então Syndicato Operario de Officios Varios e contando-se para primeiros socios com os elementos da contrucção filiados ao mesmo Syndicato. Achavam-se presentes a esta reunião os companheiros: Valentim de Brito (padeiro) e 1° secretario da Federação Operaria; Paschoal Gravina (metallurgico) e 1° secretario do Syndicato Operario de Officios Varios; Juvenal Leal (pintor) e 2° secretario do Syndicato Operario de Officios Varios; João Leuenroth (graphico), presidente da Associação Graphica do Rio de Janeiro e thesoureiro do Syndicato Operario de Officios Varios; José Romero (empregado no commercio); Antonio de Oliveira (pintor); José Maria Esteves (sapateiro) e delegado da Federação Operaria; José Queiroz (canteiro); Bento Alonso, do Centro Cosmopolita; Licínio de Almeida (estucador), e Maximiliano de Macedo (alfaiate). No dia marcado para a reunião (21 de Março) tendo presentes 50 operarios da construcção civil fez-se uma sessão preparatória, da qual é um resumo a acta seguinte:

"Acta da 1a. reunião preparatoria effectuada em 21 de Março de 1917.

A convite da Federação Operaria do Rio de Janeiro reuniram-se na séde desta, á Praça Tiradentes, 71, grande numero de companheiros da Construcção: é aventado reorganizar-se a União Geral da Construcção Civil e tendo-se constituido em sessão foi composta a meza, sendo nomeado para presidir os trabalhos o companheiro Antonio de Oliveira e para secretariar o companheiro Paschoal Gravina e snr. J. Campos: posto em discussão o fim para o qual foi convocada esta reunião, falla Valentim de Brito expondo a situação do momento e congratulando-se secretario da Federação Operaria e como delegado da Liga Federal dos Empregados em Padarias.

Falla a seguir o snr. J. Campos, como delegado dos Jovens Libertários e Juvenal Leal (pintor); falla ainda José Maria Esteves, delegado do Syndicato dos Sapateiros e João Leuenroth. Em seguida Campos manda á meza uma proposta, fallando sobre a mesma Campos, defendendo-a: posta em discussão a proposta, falla João Leuenroth, mostrando a inconveniencia da mesma: é afinal retirada a proposta.

Sobre assumptos geraes falla Bento Alonso, Licinio de Almeida, José Romero, que mostra as grandes vantagens da organisação e aproveita para protestar contraum topico do vespertino A Notícia; falla ainda Valentim de Brito sobre o mesmo assumpto e Maximiliano de Macedo. Não havendo mais nada a tratar o companheiro presidente dá por encerrada a reunião, convocando nova reunião para a quarta feira seguinte."

Eis pois, em linhas geraes o que foi a primeira reunião preparatoria da União Geral da Construcção Civil; a 28 de Março realizava-se a 2a. reunião preparatoria e na qual foi acclamada a sua primeira commissão provisoria que ficou assim constituida: 1o. secretario José Rodrigues Gonçalves, 2o. secretario Antonio de Sá, 1a. thesoureiro Antonio de Oliveira, 2a. thesoureiro José Luiz Ferreira, e uma comissão para elaborar os estatutos, composta de Juvenal Leal, Antonio Diniz da Motta, Bernardino Dias, Francisco Pinto Ferreira, Wenceslau Areal, Augusto J. de Castro, Licinio de Almeida e Henrique A. Chaves. Depois de pequena discussão é encerrada a reunião e marcada a 3a. reunião para a quarta-feira seguinte, 4 de Abril.

Nesta reunião, apresentados pela commissão elaboradora os estatutos á assembléa geral, são approvados artigo por artigo, sendo que a acclamação da commissão effectiva fica como ordem do dia para a reunião seguinte, devido á discussão dos estatutos terem tomado todo o tempo da sessão. Em 11 de Abril dá a sua 1a. reunião ordinaria, sob a direcção do companheiro Licinio de Almeida e é acclamada a commissão effectiva que ficou assim constituida: 1a. secretario Juvenal Leal, 2o. secretario Joaquim João da Silva, 1o. thesoureiro Francisco Pinto Ferreira, 2o. thesoureiro Miguel Cortez, sendo tambem acclamados os delegados á Federação Operaria do Rio de Janeiro e que foram os seguintes companheiros: Licinio de Almeida, Antonio Venancio Moreira, Wenceslau Areal e Emilio Pires, ficando assim fundada a União Geral da Construcção Civil. Tendo esta em reunião posterior adherido á propaganda então encetada pela Federação Operaria contra a carestia da vida, nella tomou parte tendo acclamado seus representantes ao comité de agitação: Juvenal Leal e José Madeira, até que no dia 1º de Maio de 1917 tomou parte em todos os comícios de protesto realisados neste dia.

Contava já então 500 associados. A propaganda de organisação continuava intensa, já individualmente, já por manifestos, não só na classe como tambem em outras e a quem sempre prestou apoio. Em 7 de Junho deste mesmo anno um horrível desastre veiu quebrar a normalidade da vida da associação: tinha ruído por completo o edifício em construcção para o New York Hotel, de direcção do constructor Antonio Januzzi, sepultando nos seus escombros todos os operarios que ali trabalhavam, dos quaes 13 pereceram. A actividade que este desastre provocou é difficil de ennumerar, fizeram comicios de protesto apesar da coacção policial e na reunião extraordinaria dada neste dia ficou plenamente assentado que a associação faria o enterro das victimas a pé até ao cemiterio e a essa triste manifestação, apesar de todos os ardis policiais e de todas as prohibições, compareceram para mais de 20.000 pessoas, na sua quasi totalidade trabalhadores, realisando-se em pleno cemiterio um grande comicio de protesto contra a ganancia patronal, occasionadora do desastre. A associação por meio de subscripções angariou donativos para soccorrer as familias das victimas e obrigou o constructor a soccorrer as mesmas o que fez até Janeiro de 1918. E' este o tranze mais doloroso que teve a associação de enfrentar e do qual sahiu com galhardia e o que foi este desastre dá uma idéia as photographias a pgs. 9 e 11. Ainda não refeitos da grande catastrophe que a todos apiedou, os trabalhadores de S. Paulo são forçados a se declarar em greve geral na defeza do direito á vida sonegado pela ganancia do patronato paulista, tendo este movimento repercutido imediatamente nesta Capital, e assim é que tendo algumas co-irmãs se declarado em greve, a 22 de Julho numa assembléa geral memoravel a Construcção Civil declarava-se em greve geral para todas as classes suas componentes, reclamando o seguinte os industriaes da construcção:

1o. - Adopção da jornada de 8 horas de trabalho normal principiando a jornada ás 7 horas e terminando ás 16 com uma hora para almoço, sendo que aos Sabbados e feriados terminarem ás 15, e Domingos ás 14. Na mesma reunião ficou tambem deliberado que o prazo maximo do pagamento da féria aos operarios seja de 15 dias, não excedendo do dia 17 e 2 de cada mez. 2o. - Fixação do salario minimo em 8$000, para todos os officiaes dos diversos officios de que se compõe esta associação, e 5$000 para os serventes, e 4$000 para os aprendizas menores de 18 annos, e maiores de 14 annos. 3o. - Em caso de accidentes no trabalho, o operario terá direito ao seu salario integral durante o tratamento, assim como as despezas resultantes do mesmo. 4o. - As horas extraordinarias serão pagas pelo dobro. 5o. - Abolição completa do trabalho dos menores de 14 annos e analphabetos nas fábricas, obras e officinas. 6o. - Melhoramentos das condições hygienicas nas officinas e habitações collectivas. 7o. - Exclusão completa, no que concerne ao mistér de outro officio ou profissão. 8o. - Em caso de falta de operarios de que se compõe esta associação, só podem admitir os que a esta UNIãO sejam filiados. 9o. - Prohibição terminante de trabalhos executados em machinas por operarios extranhos ao serviço das mesmas. 10o. - Readmissão completa de todos os operarios em gréve, sem exclusão de nenhum. Scientes como estais das nossas justas reclamações, compete-nos declarar-vos que não retomaremos o trabalho enquanto não forem as mesmas attendidas. Esperamos, portanto, com brevidade as vossas ordens.

Rio, 23 de Julho de 1917. OS OPERáRIOS EM GRÉVE

No dia 25 a polícia fechava-nos a séde que conservou fechada até aos primeiros dias de Setembro. Organismo novo e faltando aos seus componentes o verdadeiro sentimento dos seus direitos e deveres, noção imprescindível tanto na vida dos homens como na das collectividades e presos que foram muitos dos associados tidos como dirigentes do movimento, numa reunião então dada no Theatro Maison Moderne todos os operarios em gréve resolveram dar por terminada a gréve retomando o trabalho. Era se pode dizer natural este fracasso, dadas as condições apathicas por parte da maioria dos trabalhadores á organisação. Embora compellidos a retomar o trabalho na mesma situação em que anteriormente se achavam a grande ancia de bem estar e liberdade, que então se apoderou da grande massa operaria, foi deveras animadora: as associações de classe surgiram por todos os lados entrando seus componentes na vida activa de seus organismos pondo, enfim, ponto ao seu desinteresse. Houve nesta ocasião e devido ao fracasso um certo resentimento por parte de alguns que, ávidos de interesses immediatos e como estes não fossem conquistados, debandaram da associação; outros, porém, vieram e mais dispostos para a luta. Na reunião de 5 de Setembro, o 1º secretario Juvenal Leal renunciava o cargo, sendo acclamado para substiruil-o provisoriamente Manoel Cruz, que é substituido em 26 de Setembro pelo companheiro Antonio Ribeiro de Souza em vista do primeiro acclamado José Madeira não acceitar por ser secretario da Federação Operaria. A propaganda associativa continuava e a associação progredia: é convidada a ex-Federação Operaria a Construcção Civil para collaborar na obra de unificação operaria: a Construcção Civil delega poderes a uma comissão composta dos associados Abilio Lobo, Juvenal Leal e Galeano Tostões. Nas reuniões de 10 de Outubro a 28 de Novembro eram substituidos em cumprimento á resolução da assembléa o 1o. thesoureiro Francisco Pinto Ferreira por Galeano Tostões e 2o. secretario José Marques pelo companheiro Felix Gomes. Em 5 e 12 de Dezembro do mesmo anno por um tour de force de alguns associados foram reformados os primitivos estatutos desta associação, que se legaliza e institue o cargo de Presidente, Vice-Presidente, etc.; não se regendo entretanto por estes estatutos. Em Janeiro de 1918 foi a commissão substituida e acclamada a seguinte: 1o. secretario Julio Moreira da Costa, 2o. Avelino Domingues, 1º thesoureiro Galeano Tostões e 2º Francisco Fernandes. A 30 de Janeiro fica fundado o novo organismo federativo com o nome de União Geral dos Trabalhadores do Rio de Janeiro. O que foi este órgão federativo todos vós o sabeis e os esforços que elle dispendeu na propaganda e organização operaria nesta cidade. No dia 1o. de Maio debaixo de uma reacção premente e suspensas as garantias constitucionaes e cerceado, portanto, o direito de livre manifestação ou publica reunião, foi este dia commemorado, numa grande e publica sessão por iniciativa já da União Geral dos Trabalhadores no Theatro Maison Moderne. A 22 de Maio por proposta de alguns associados a União Geral da Construcção Civil resolve agitar a classe para a conquista das 8 horas de trabalho. Os movimentos reivindicadores, porém, sempre nos mereceram grande carinho, mas como o momento não era opportuno para uma solução satisfatoria, o movimento tomou um caracter de organisação, o que deu muito resultado, creando o camarada Alvaro Palmeira o Curso de Sociologia, que todas as sextas-feiras realisava as suas conferencias, sendo creada por esta occasião no Meyer uma succursal desta União para organisação dos trabalhadores de construcção suburbanos. A 7 de Junho anniversario da catastrophe do New York Hotel foi esta relembrada numa assembléa de propaganda, fallando nesta occasião o camarada A. Palmeira e outros. Corria normalmente a vida da collectividade, apesar da exploração mais desenfreada e da pressão que cada vez mais suffocava as organisações dos productores, quando na reunião de 31 de Maio, tendo-se necessidade de alterar uns pequenos pontos dos primitivos estatutos é nomeada uma comissão para modificações, esta scinde-se e na reunião de 5 de Junho e 12 do mesmo mez, parte da commissão apresentava os estatutos anteriormente legalisados e Anastacio Filho apresentava as Bazes de Accordo que foram approvadas, passando a Construcção a reger-se por ellas. Em vista das Bazes de Accordo estabelecer 6 mezes de effectividade para a commissão executiva, em 26 de Junho foi acclamada nova commissão, que devia dirigir os destinos da Associação até Dezembro e que ficou assim constituida: secretario geral Julio Moreira da Costa, 1o. secretario José Madeira, 2o. secretario Felix Gomes, thesoureiro Galeano Tostões e bibliothecario Clementino Galhardo, passando desta data em deante a União Geral da Construcção Civil, a denominar-se União dos Operarios em Construcção Civil. Na reunião de 14 de Agosto o 1o. e 2o. secretarios renunciavam e eram acclamados para substituil-os os companheiros Manoel Cruz e Antonio Alves. Havia por este tempo na organisação uma facção accentuadamente conservadora que guerreava sem cessar não só as novas Bazes como os consocios mais radicaes e assim é que na reunião de 28 de Agosto aproveitando a auzencia dos radicalistas, apresentava uma proposta o então secretario geral para que fossem preenchidas as vagas existentes: na Directoria. A assembléa concorda e foram acclamados presidente Julio Moreira da Costa, vice-presidente José Marianno, seccretario geral Alfredo Mesquita, 2o. thesoureiro Laureano Teixeira, passando a Construcção por este ardiloso "truc" a reger-se pelos estatutos legalisados. Em Outubro devido á situação premente que os suffocava, os operarios dos cemiterios desta Capital, muitos dos quaes associados desta União, resolvem se declarar em luta para a conquista de mais salario e como não fossem logo attendidos se declaravam em gréve e nesta situação se encontravam, quando uma forte epidemia de grippe sacode a cidade causando o panico em toda a população: os dirigentes das associações operarias não contagiados pela malaria, por accordo e resolução das mesmas, resolvem constituir um comité de salvação publica denominado Comité de Combate á Fome, que dá suas reuniões em nossa séde e esta é varias vezes varejada pela policia, a pretexto de estarem os componentes do comité instigando a subversão da ordem publica. Presa a maioria de seus componentes e tendo declinado a malaria, não só foram os presos postos em liberdade, como também se dissolveu o Comité de Combate á Fome. A 30 deste mez é destituido o presidente Julio Moreira da Costa e substituido pelo bibliothecario Clementino Galhardo e este pelo companheiro Felix Gomes, tendo tambem pedido demissão na reunião transacta o 1o. thesoureiro Galeano Tostões e acclamado para o substituir o companheiro Manoel Victoria. Sujeitos a uma exploração feroz e premidos por uma vida de angustias, os operarios tecelões resolvem, com o apoio de outras classes, irem se preciso fossem á gréve, para desta forma attenuar um pouco o seu mal estar. Depois de marchas e contra marchas com os reaccionarios donos de fabbricas e não tendo conseguido melhorar um pouco as suas condições de vida, resolvem fazer gréve pelo que tiveram o apoio de todas as classes federadas e a 18 de Novembro rebentava o grande movimento reivindicador dos tecelões. Ligados por estreitos laços de solidariedade e sympathia, a Construção Civil acompanha-os nesse gesto e assim é que no dia 20 a reacção governamental fecha-nos a séde conjunctamente com a dos Tecelões e Metallurgicos e dissolvia para sempre a União Geral dos Trabalhadores, a pretexto do movimento grévista ser um movimento sedicioso, sendo presos diversos camaradas nossos por espaço de 5 longos mezes, e a gréve perdida. Mas o grupo Avante desta associação não desanima nunca e procura sempre levantar de novo o animo dos companheiros da classe e tendo depois de uma serie de perseguições tentando dar uma reunião no Centro Cosmopolita, a policia intima os directores desta co-irmã á Chefatura de Policia e os ameaça de fechar tambem o Centro se deixar reunir ou mesmo exercer a cobrança á Construcção Civil. Manietados por todos os lados, sem nos podermos reunir ou mesmo trocar impressões, estavamos vendo a hora em que a associação, que tanto nos era cara, se desorganisava por completo, quando tomamos a iniciativa de organisar a propaganda individual. Passado um mez tentamos dar nova reunião e esta foi bem mais succedida porque não nos encommodou a policia e a 3 de Fevereiro de 1919 depois de já terem sido abertas e entregues as sédes dos Tecelões e Metallurgicos, a nossa foi aberta e entregue tambem. Dada uma reunião no dia 5 deste mez foi então acclamada a seguinte directoria: presidente Alfredo Mesquita, vice-presidente Antonio Venancio Moreira, secretario geral Manoel Cruz, 1.°secretario Valentim de Brito, 2.° Antonio Alves, 1.° thesoureiro Manoel Victoria, 2.° José Pires, 1.° bibliothecario Augusto Fontes e 2.° Manoel Maciel. A classe achava-se quasi desorganisada e nova luta de organisação foi preciso encetar. Em 13 de Março o 1.° secretario Valentim de Brito renunciava o cargo, sendo acclamado para o substituir Juvenal Leal. A propaganda associativa redobra de intensidade e na reunião de 17 de Março, depois de approvada uma proposta para agitação da classe para a conquista das 8 horas é tambem resolvido protestar contra a lei dos Accidentes no Trabalho e seu regulamento. No dia 3 de Abril commemora-se bellissimamente o 2.° aniversario da Construcção Civil e é lida uma moção do camarada Palmeira, então preso e uma outra, apresentada por alguns associados e o que são estas moções, já pela lição que encerra, já pelos principios que defende, damos abaixo:

Camaradas: E' um velho amigo da União da Construcção Civil quem não se furta ao prazer de vos dirigir algumas palavras, atravez das grades fortes do presidio. Dois annos faz a Construcção Civil. Dois annos de empenhos decididos de esforços relevantes, de lutas sobre-humanas que enchem de brios e cumulam de glorias esta phalange de lidadores bravos valentes, resolutos, corajosos e leaes. A Construcção Civil honra a União dos Trabalhadores. Sempre na estaca das lutas sociaes e na vanguarda da acção directa, tem ella sempre se mantido com nobreza e com dignidade, desdenhando o apoio maligno dos politicos nefastos e os methodos anachronicos do trabalhismo pacifico. Tivesteis razão, meus amigos, em mandar ás ortigas os politicos e os pacifistas. Os politicos são os gaviões, os abutres e os milhafres, que arruinam a energia proletaria e os trabalhadores pacifistas, são tucanos e os cacatuas, que nada vêm, nada enxergam e nada conseguem. O trabalhador ha de vencer sem o politico e com a rebeldia. Quando o trabalhador tiver uma idéa redemptora no cerebro, o coração cheio de belleza, de amor e de justiça, a alma anciando pela sociedade libertaria do futuro, e a miseria presente o magoar, o conturbar, o sublevar, o insurgir, o revoltar - então é que, meus amigos, a luta será travada e esta organisação actual ruirá por terra, sepultando villezas e infamias, miserias e objecções, torpezas e odios. E a luz da idéa já surgiu na Russia, na Hungria e na Baviera, já sorri aos povos da Polonia, da Austria e da Allemanha, já acaricia os explorados da Italia, da França e da Inglaterra. A America tambem já estremeceu. No sul os camaradas argentinos mostraram á corja governante o que vale a força popular. Foram esmagados, mas que importa? - a morte na hora do combate não envergonha, mas redime, não inutilisa mas fortalece, não perde mas vence, porque quem perece em bem de um ideal, cumpriu a sua missão de homem! Meus amigos, as grades fortes da nossa prisão, não nos diminue a energia nem nos enfraquece o enthusiasmo. Um pensamento nos anima e conforta: é que, embora presos, perseguidos e infamados, a marcha ascendente do nosso ideal não pára, não estagia nunca. Numerosos e valentes são os obreiros de boa seára para que uma dezena prejudique a expansão do espirito revel que ha de transformar aqui como em toda a parte, a face das cousas e do mundo. Nós, os presos, não nos lamentamos, não nos queixamos, não nos lastimamos. Ao contrario, temos, pregamos e queremos a energia mascula da revolta e da sublevação. Vemos e sorrimos á idéa, que vem victoriosa das steppes russas e que chegará até ás plagas americanas, arruindo, derruindo, destruindo. A Revolução Social, a luminosa e pura rebellião dos humildes, dos miseraveis, dos desgraçados, de todos os párias do mundo, virá até nós! Já lhe ouvimos os passos, já nos bate ás portas! Já nos conclama á luta! Já nos mostra a visão magica dos grandes dias! A postos meus amigos, para o combate, para a lida para a victoria! A postos todos que a Revolução se approxima! Viva a Revolução Social!

MOÇÃO

Algumas palavras aos operarios em geral da Construcção Civil: Companheiros. Um surto de liberdade e bem estar sacode na velha Europa, em nossos dias a antiquaria instituição burgueza, fazendo derruir para sempre o organismo ignobil, baseado na exploração do homem pelo homem, e na exploração capitalista. Os trabalhadores do velho mundo, num lance de revolta consciente, fazem tremer de pavor todos os despotas e potentados que até hoje, nada mais têm feito do que exploral-os sem se preoccuparem com a miseria de que têm sido victimas os principaes factores da riqueza social. A guerra que veiu trazer o luto e a fome a milhares de lares proletarios, que encheu de angustia e desespero a milhares de corações bem formados esempre abnegados nas lides pela liberdade e pela justiça não póde deixar de echoar em nossos corações sempre abertos a toda abnegação e a toda grandeza. Um anceio de amor e de admiração enche nossos peitos de jubilo pela causa dos nossos irmãos europeus que é a causa de nós todos, a causa de toda humanidade. Pois este desespero, este anceio de justiça nós os sentimos, nós alimentamos em nosso peito, sedentos como elles, por uma justiça mais equitativa, entre todos os homens, que habitam a terra. Os trabalhadores da construcção que como todos os trabalhadores sentem tambem a necessidade de melhores dias, que anceiam tambem por mais pão, e mais luz, que almejam tambem ser livres sobre a terra livre, devem esquecer quaesquer rivalidades, quaesquer discordias que entre nós por acaso surjam de companheiros incoscientes e inexperientes, pois que elles são victimas de sua má educação, e da organisação existente. O papel que cabe ao proletariado mundial, é muito mais dignificante, e muito mais sublime. E nós, trabalhadores do continente novo, não podemos permanecer nesta indolencia putrefacta que nos tolhe todos os movimentos, ainda mesmo que estes sejam para a conquista do nosso bem estar, para a conquista das nossas aspirações. E' pois com firmeza nas convicções que tão ardentemente defendemos que concitamos todos os trabalhadores á organisação, a união mutua do bem contra oppressão, do direito contra a exploração. E' pois companheiros o momento de pensarmos que só a união faz a força, já pela fusão consciente dos seus esforços, já como causa unica para chegarmos ao apogeu magnifico da suprèma harmonia universal. Vinde pos sem discrepancia nem demora ao nosso seio, á associação de homens de trabalho, pois que o vosso logar é aqui, e só assim sereis unidos, fortes e respeitados, na concepção grandiosa da nova aurora que já surge, lá para os lados do oriente.

Os nossos presos

Nas masmorras infectas deste regimen de iniquidades sem um raio de sol bemfasejo, mas aureolados pela abnegação dos lutadores jazem ainda ao sabor dos senhores do mando e da injustiça, alguns dos nossos bons camaradas, victimas da prepotencia governamental e capitalista, por um "crime" que é nosso também, e que é o de proclamar a todos os nossos irmãos de que como factores dessa immensa riqueza social tambem temos direitos e não só deveres. E' este, companheiros, o seu crime ! E' o de querer justiça e equidade para todos, por proclamar que todos nós temos direito ao grande banquete da vida, por lutar para que os homens sejam livres, sobre a terra livre, é por pugnar pela liberdade e egualdade humanas, esses camaradas não trepidaram em sacrificar a sua liberdade e os seus affectos. E' nosso dever, pois, proclamar e protestar bem alto, contra a injustiça pronunciatoria, e que nunca, e em qualquer emergencia, nos esquecemos desses bons amigos, elles que são para os nossos corações impolutos, os pioneiros da grande idéa da suprema harmonia do mundo ! O triumpho do ideal

Da Russia, atravessando as campinas da Hungria, da Bohemia, da Croacia, da Austria e da Allemanha, a idéa marcha em toda a sua plenitude. Desabam thronos seculares, e instituições antiquadas, ao sopro redemptor do sol dos livres. Por todos os recantos da terra a idéa vivificadora e aurifulgente, como uma caudal de um oceano desconhecido, na sua marcha renovadora e salutar tudo derruba, fazendo tremer de medo, os despotas de todos os tempos. E' a idéa em marcha ! E' o sol redemptor de um mundo novo, que ha de abolir os escravos modernos a ignominia de terem nascido sem uma parcella de direitos na grande communhão universal. E esse clarão de luz que dá volta ao occidente europeu, há de perpassar sobre nós, com suas azas vivificantes, e o Moloch de fogo e sangue e tyrannia, já começa a baquear sob seus pés de lama, ao fulgir grandioso do sol da liberdade ! Approvada em sessão comemorativa do 2.° anniversario, pelos operarios da Construcção Civil.

Na reunião de 23 de Abril, por proposta dum associado eram finalmente derrubados os estatutos legalisados, acabando os cargos de presidente e vice-presidente e continuando esta união a reger-se pelas Bazes de Accordo sob a condição de não serem modificadas no espaço de 5 annos. Intensifica-se a este tempo a agitação para o dia de 8 horas e intimidados e mesmo apavorados, muitos pastranas de construcção, antes mesmo do dia aprasado (2 de Maio), communicavam á União por intermedio de secretaria, estarem de accordo com o dia de 8 horas de trabalho. Como tivesse sido deliberado e resolvido que de 2 de Maio em deante todos os operarios da construcção pegassem o trabalho ás 7 horas e o largassem ás 4 horas da tarde sem communicação alguma aos patrões ou encarregados, todos os companheiros estavam firmes nesse proposito e predispostos a executal-o. Antes de 1.° de Maio de 1919 por iniciativa do Partido Communista do Brasil foram convidadas todas as organisações operarias desta capital para estabelecer ideias para a melhor commemoração deste dia e o que foi o grande comicio e passeata pela cidade dil-o a photographia a pag. 25. Enfim, no dia 2 de Maio conforme tinham deliberado os operários da construcção, apresentavam-se ás 7 horas ao trabalho sem a ninguem dar satisfações desta resolução e a grande maioria dos industriaes se conformou com a iniciativa tomada, e poucos, muito poucos mesmo, é que revelaram o seu instincto reaccionario e ganancioso, o que obrigou a União a suspender o trabalho nestas casas, até á consumação do facto, isto é, o dia de 8 horas de trabalho, o que effectivou a 15 do mez de Maio. Estavam pois conquistadas as 8 horas de trabalho para os operarios da construcção. A' cohesão e firmeza da classe se deve esta victoria. Bem sabemos que esta conquista representa uma insignificante melhoria no rol das nossas aspirações, mas para os trabalhadores em construcção que sugeitos a um horario que variava, segundo a ganancia patronal, ora ás 6 horas da manhã, ora á 6 ½ ora às 7 horas para largar ás 5 horas da tarde, já é alguma coisa: pelo menos unificou o horario. A conquista das 8 horas de trabalho trouxe o animo aos mais retrogrados e a associação progrediu animadoramente, a propaganda intensificou-se e mais a meudo se succediam as conferencias de propaganda social. Na reunião de 18 de Junho é acclamada a commissão executiva que tem de dirigir os destinos da União de Julho a Dezembro e que é a seguinte: Secretario geral Felix Baptista, 1.° secretario Juvenal Leal, 2.°secretario João Gonçalves, 1.° thesoureiro Antonio Alves, 2.° thesoureiro Manoel Vieira, bibliothecario Francisco Viegas, sendo que o secretario geral Felix Baptista por não ter comparecido no dia da posse é substituido pelo companheiro Joaquim Gonçalves. Convidada a União pelo Centro dos Estudos Sociaes de Nictheroy faz-se esta representar na homenagem que este levou a effeito no 1.° anniversario do assassinato de 2 soldados do exercito e um trabalhador, facto este ocorrido no dia 7 de Julho de 1918, quando na gréve da Cantareira. Da iniciativa do Centro dos Estudos Sociaes resultou uma bella tarde de propaganda na vizinha Capital. A vida das collectividades continuavam activas e não havendo propriamente dito um organismo federativo os membros da dissolvida União Geral dos Trabalhadores refundiam os estatutos desta para dar vida activa à Federação dos Trabalhadores do Rio de Janeiro. Tendo nesta época se acirrado os odios reaccionarios e imperialistas dos governos alliados dos imperios centraes contra a Revolução Russa e tendo esses declarado uma guerra sem treguas, á Russia revolucionaria o proletariado internacional resolve declarar a 21 de Julho a gréve geral por 48 horas como protesto ao appetite sanguinario dos autocratas do mundo: e, como a Federação dos Trabalhadores do Rio de Janeiro adhere a esse movimento collectivo de solidariedade ao povo russo, esta União acompanha-a como federada e como sympathica ao grande gesto do proletariado internacional para com os nossos irmãos da grande Russia. Em Setembro porém, os senhores da governança vendo o incremento que os organismos operarios iam tomando, tentaram desfechar-lhe um golpe mortal e assim é que a 10 deste mez a policia varejava-nos a séde e, como a nossa muitas outras, tudo arrombando e sequestrando, levando presos os que por dever ao acaso se achavam na séde. Exaltados os animos dos trabalhadores, a Federação convocou para o outro dia (11) um comicio de protesto contra as violencias policiaes. o qual se realizou sob ameaças e grande aparato policial, findo este, os assistentes em grande massa resolvem incorporados levar a sua solidariedade ás associações atingidas, e assim é que depois de terem já se manifestado em algumas co-irmãs, quando o mesmo faziam á União de Operarios em Construcção Civil se originou serio conflicto entre os assistentes e policiaes, dos quaes ficaram feridos alguns policiaes e operarios. Devido á forte repressão o 1.° secretario é compelido a renunciar o cargo sendo acclamado para substituir na reunião de 1 de Outubro o companheiro Antonio A. de Oliveira, e na reunião de 16 do mesmo mez eram substituidos por terem renunciados os seus cargos o thesoureiro Antonio Alves, 2.° secretario João Gonçalves e bibliothecario Francisco Viegas, pelos seguintes companheiros: para thesoureiro Alfredo Mesquita, 2.° secretario Domingos Passos e bibliothecario Ulysses de Carvalho, sendo tambem substituido o secretario geral Joaquim Gonçalves por Victor Biruth. Em 5 de Outubro eram presos os companheiros José Madeira, Galeano Tostões e Ernesto R. Crocci e a 6 eramos surprehendidos pela deportação summaria em companhia de outros bons camaradas, entre elles lembraremos aqui José Romero, pelo muito que fez pela organização dos trabalhadores. O que esta União deve aos camaradas expulsos pelo muito que por ella fizeram faz-nos abrigar sempre em mente os seus nomes, não como idolatria, mas como grande exemplo e saudade. E analysando a vontade ferrea dos companheiros expulsos, pelo engrandecimento desta classe, todos os que tem intuitos nobres se devem mirar na abnegação destes que por esta tanto e tanto se sacrificaram. As deportações succediam-se e todas as associações deram o seu contingente. Apesar dos protestos as deportações continuaram, o companheiro Francisco Ferreira é tambem expulso e com este muitos outros, inclusive Antonio Fernandes, Geraldo Manzini, o primeiro seccretario da Federação e o ultimo secretario da Alliança dos Trabalhadores em Calçado. A todos um abraço fraternal de amizade sincera da Construcção Civil. A 29 de Outubro o 1.° secretario Antonio A. de Oliveira pede demissão sendo substituido pelo companheiro Antonio Silva, e na reunião de 17 de Dezembro foi acclamada a actual commissão, que tem de dirigir os destinos da União de Janeiro a Julho de 1920 e que é a seguinte:

Secretario geral - Victor Biruth
1o. secretario - Domingos Passos
2o. secretario - Arlindo Vicente
1o. thesoureiro - José Pires
2o. thesoureiro - Frederico Garrido
Bibliothecario - Joaquim Silva

Estando em breve para se realizar o 3.° Congresso Operario do Brasil, oxalá que este estude bem os problemas transcedentes que agitam nesta hora o proletariado do mundo, para que o proletariado do Brasil se compenetre, enfim, de que é preciso unir num só corpo toda a familia productora. E vencido este objetivo terão dado um passo gigantesco para a grande obra de emancipação proletaria. Conta actualmente a Construcção Civil com 6287 associados e todas as tendencias são para mais.

Como acima fica dito não é um historico, mas simplesmente um relato do que tem feito a União dos Operarios em Construcção Civil. Desobrigando-me só agora do que uma assemblea me incumbiu não tanto por minha vontade mas por circunstancias que todos sabem, procurei dar uma solução como as minhas aptidões o permitem: conto com os feitos tal qual se deram conforme estão em actas.

Rio de Janeiro, 31 de Dezembro de 1919.
Juvenal Leal
Matricula 1 000580