Ativo
militante, jornalista, intelectual e pedagogo, Jaime dedicou sua vida
à difusão das idéias anarquistas; militou desde cedo no Centro
de Cultura Social, no bairro operário do Brás em São Paulo, fundado
em 1933. Nascido em Jundiaí, cidade operária próxima a São Paulo,
descendente de imigrantes espanhóis, perdeu o pai aos 2 anos de idade.
Aos 7, vem para SP, onde passa a morar com irmãos e avós no bairro
da Móoca. Fez o curso primário na rede oficial de ensino , mas aos
10 anos teve de abandonar os estudos para trabalhar. Autodidata, conheceu
o sr. Liberto, seu vizinho anarquista, que lhe passa alguns livros
anti-clericais e com o qual organiza um grupo de estudos libertários.
Passados alguns anos, organizam o Centro Juvenil de Estudos Sociais.
Esteve envolvido nas lutas de resistência contra a Ditadura do Estado
Novo, entre 1937-45. Em fins de 45, o grupo entra em contato como
o Centro de Cultura Social, que reabria no Brás. Passa a freqüentá-lo
e é convidado a ingressar no mesmo por outro conhecido anarquista,
Edgard Leuenroth.
Logo
mais, convidado a ser secretário do Centro, onde trabalha nos jornais
e no Grupo de Teatro. Em 54, deixa SP e vai trabalhar na redação do
jornal O Globo do Rio de Janeiro, onde fica até 64. Nesta cidade,
encontra José Oiticica, cuja casa passa a freqüentar e participa do
jornal Ação Direta, que aquele dirigia.
Demitido
do jornal O Globo, pela ditadura militar, em 1964, por liderar uma
greve dos gráficos, volta a São Paulo. Viveu ao lado da companheira
Maria, denunciando as injustiças sociais, defendendo a liberdade,
pregando os ideais anarquistas. Teve importante contribuição nos meios
acadêmicos e estudantis, orientando inúmeras teses sobre a história
das lutas sociais no país, além da pedagogia libertária.
Ajudou
a formar vários intelectuais e militantes anti-autoritários. No CCS,
organizou inúmeras atividades, ciclos de palestras ,debates e participou
de congressos nacionais e internacionais como "Outros 500. Pensamento
Libertário Internacional", na PUC/SP, 1992 e no Congresso Internacional
de Barcelona, em 1993. Recentemente, participa da elaboração da revista
Libertárias, que vem sendo publicada pela Editora Imaginário, sob
direção de Plínio Coelho e Edson Passetti.
Morre
aos 71 anos de idade, no dia 21 de maio de 1998, vítima de problemas
de saúde.
Margareth
Rago
A
SEMENTE E A ESTRELA (adeus a Jaime Cubero )
[LIBERA...,Ano
8 -Jun/98, Rio de Janeiro, Brasil]
"No
ultimo dia 20 de maio, as 6h, depois de longa e insidiosa doença,
falecia na UTI do Hospital Voluntários de São Paulo o companheiro
Jaime Cubero. Contava com 71 anos completados em 5 de abril ultimo;
não deixou filhos nem posses, mas uma farta herança política, intelectual
e ética para seus muitos herdeiros espalhados pelo Brasil.
Nascido
em Jundiai de uma família de pobres imigrantes operários, e ele mesmo
sapateiro por muitos anos, ate ser conduzido ao jornalismo por Edgard
Leuenroth, teve desde cedo uma aguda, concreta e por vezes dolorosa
experiência da questão social. Assumidamente anarquista desde os 13
anos de idade, dotado de uma inteligência rara e de bons dotes oratórios,
persuasivo, solidário e possuidor de uma rara e fina ironia que era
o seu _granun salis_. Jaime, juntamente com seu irmão Francisco, foi
um dos grandes responsáveis pela manutenção e ampliação das atividades
libertarias em São Paulo, por quase cinco décadas.
É
muito difícil para mim - que o conheci recém-saído da adolescência
em 1972 - Traçar um quadro objetivo de suas atividades e de seus pensamentos,
meu envolvimento pessoal com ele foi muito grande para tanto. Jaime,
como tantos anarquistas desde Bakunin, cativava mais pelo gesto, pelo
ato e pelo exemplo, do que convencia pela argumentação. Para ser totalmente
honesto, um quadro de sua personalidade deveria estar recheado de
detalhes concretos de episódios biográficos, e não de encômios descritivos,
pois para ele - como para os antigos gregos os Mistérios de Eleusis
- o Anarquismo tinha que ser primordialmente vivido e não explicado.
Como nos mistérios, o discurso era importante, mas sem a pratica poderia
degenerar-se em um galimatias, ou em mero protocolo de boas intenções
servindo mais a uma conspiração de belas-almas, que a uma Revolução
Social efetiva.
Não
quero com isso dizer que seu discurso fosse trôpego ou mal costurado,
ao contrario, era um dos melhores oradores que já conheci, hábil tanto
nas conferencias que preparava formalmente e com esmero, quanto nas
situações mais polemicas em entrevistas (que são muitíssimas), debates
e mesas redondas ou na veemência militante dos discursos em manifestações,
intervenções em assembléias e congressos, discussões com autoridades
ou antagonistas, etc.. Embora o discurso fosse forte, o que cativava
era a sua atitude, era o detalhe de seu cotidiano, aparentemente banal,
mas conscientemente construido sobre os axiomas libertarios, que para
ele eram os solidos fundamentos de seus imperativos eticos.
Lembro-me
que, de inicio, não compreendi corretamente esta vinculacao de Ética,
cotidiano e politica. Em meio a ditadura de Medici, circundado pela
patriotada oportunista e de mau-carater dos militares e seus áulicos
de um lado, e pelos delírios da esquerda autoritária com seu jargão
falido, por outro, não estava habituado a pensar a conexão do agir
político com a Ética, confundindo muitas vezes tal conceito com as
moralidades de ocasião com que nos brindam aos borbotões as ideologias
de todos os matizes. Foi duro aprender a lição mas esta foi uma das
coisas mais importantes que aprendi na vida: que o socialismo e indissociável
de uma Ética social, que a própria Ética, ao invés de um código arbitrário,
um devaneio de poeta ou uma simples mascara ideológica e, ao contrario,
como queriam bem antes de Lukaks um Proudhon e um Kropotkin, uma ontologia
do ser social. Aprendi que, portanto, não existem fatalismos ou determinismos
na Historia, que a luta pelo socialismo pouco tem que ver com uma
obra de engenharia social capitaneada por tecnocratas revolucionários
de qualquer matiz.
Este
aspecto da Ética permeava toda a atividade do Jaime, e neste ponto
refletia a influencia de um de seus grandes mestres, o pensador libertário
Mário Ferreira dos Santos. O Anarquismo como a luta concreta pela
justiça social, a inseparabilidade dos ideais e das atitudes na vida,
esta vivência do Anarquismo, são a segunda lição importante que ele
nos deixou. Não era um asceta, mas totalmente desapegado dos bens
materiais, pois a acumulação não se coaduna bem com a abolição da
propriedade; deste modo, salvo as quantias que reservava para a sua
modesta manutenção e da sua companheira, seus "luxos" de livros e
alguns jantares com amigos, e um pequeno pecúlio para a velhice, ele
investiu tudo o que possuía nas atividades do movimento, como um dia
uma sua biografia ira demonstrar.
Durante
os tempos duros da década de 70, a sua sapataria servia de ponto de
encontro para os militantes paulistas, brasileiros e, ate mesmo, internacionais.
Grande parte do ressurgir do interesse pelas idéias libertarias, a
partir de 1975, deveu-se a este seu desprendimento, que era também
o de sua família próxima (sua companheira, seu irmão Francisco e sua
cunhada). Não conheço muitos exemplos entre os "heróis da resistência"
tupiniquins de tal coragem simples, modesta, mas tremendamente efetiva.
Não conheço muitas pessoas que naqueles tempos soturnos arriscassem
com tanta simplicidade seu ganha-pão e bem-estar de seus familiares
em prol de um ideal político. Tal coragem manifestava-se sem os ouropéis
da empáfia, sem buscar fama ou reconhecimento -- fazia-se o que deveria
ser feito e ponto final: simples, modesta, monolítica e tal grandeza
anônima de anarquistas, que jamais se tornarão nomes de ruas ou terão
estatuas em praça publica, que me fez persistir no movimento, que
me fez acreditar que a anarquia e possível e viável, desde que as
pessoas realmente se empenhem para construi-la.
Que
me seja permitido citar um pequeno episódio ocorrido durante a "Revolução
dos Cravos", em 1974; os companheiros portugueses necessitavam desesperadamente
de literatura anarquista, dado o seu vertiginoso crescimento. Nos,
por outro lado, possuíamos muito material remanescente do Centro de
Cultura Social (CCS) que lhes poderia ser útil (brochuras em portugues
de Faure, Malatesta, etc.), mas o problema era a férrea censura dos
Correios. Jaime conseguiu a informação de que algumas agencias possuíam
autonomia para "fechar" pacotes, isto e, poderiam elas mesmas verificar
e selar a correspondência que desta forma não seria aberta pela Censura
no Correio Central, a então desenvolveu o seguinte estratagema: ele
tinha muita amizade com a chefe de uma destas agencias: enchia caixas
de sapato vazias com os panfletos, recobria-os com material comum
(revistas, panfletos religiosos, etc.) e despachava-os como sendo
"intercâmbio cultural" para um endereço relativamente discreto no
Porto. As caixas de sapato, seladas na agencia nunca despertaram suspeitas
e todo o material chegou seguramente as mãos dos companheiros portugueses...
Um
ultimo aspecto que gostaria de ressaltar de sua personalidade e mais
difícil de definir; alguns denominavam tolerância, outros, como o
companheiro Evaldo em seu velório, humanidade, eu prefiro simplesmente
chamar de amplitude, elasticidade mental. De fato, ele tinha uma capacidade
imensa de conviver e dialogar com a diversidade que o fazia um arauto
e um embaixador natos. Seu aspecto franzino, seus olhinhos castanhos
e míopes transmitiam a quase todos que o conheceram uma sensação de
compreensão e camaradagem, sua voz atenorada raramente se exaltava.
Sabia discutir maieuticamente, compreendendo o outro, mas jamais abrindo
mão de suas posições fundamentais, estes dons pessoais o tornavam
naturalmente persuasivo e empático -- um Kropotkin sem barbas... Deste
modo era benquisto e conseguia dialogar com todos: punks e religiosos;
operários e intelectuais. Considerava a amplidão da mente como essencial
ao anarquista, que não concebia como um ser dogmático; uma de suas
definições preferidas de Anarquismo era a de "um conjunto de postulados
gerais e convergentes, derivados de algumas ideias-forca fundamentais
como a liberdade, a responsabilidade e o anti-autoritarismo". Consequentemente,
sujeitava as deduções destes axiomas básicos a uma continua e constante
revisão. Já em 1969, por exemplo, era um leitor atento de Georges
Friedmann, que previa em seus livros o esfacelamento do trabalho humano
devido a automação e, consequentemente, inquietava-se com o futuro
do anarco-sindicalismo, que, ao seu ver, necessitava levar em conta
as transformações concretas do mundo do trabalho.
Esta
sua amplidão de espirito reflete-se, talvez melhor que em qualquer
outra parte, em sua biblioteca pessoal, rica em quase 3.000 volumes
distribuídos por quase todas as áreas de conhecimento; em seus últimos
dias, por exemplo, dedicava-se a reler Herodoto, alternado-o com Joyce...
Quando fui admitido pela primeira vez em sua casa, espantei-me ao
ver organizados, em lugar de destaque, obras de Nietzche e vinte volumes
de uma coleção sobre o liberalismo americano, com textos de Jefferson,
Franklin, Stuart Mill, entre outros, recebendo dele a explicação,
chocante para mim na época, de que era preciso conhecer bem uma corrente
de pensamento que tinha influenciado uma Revolução que tinha formado
a mentalidade de uma parcela ponderável da população do planeta, e
imediatamente argumentou que Rudolf Rocker também tinha dedicado um
livro importante ao pensamento liberal nos EUA. O papel reacionário
do estado americano deveria ser contestado, mas as idéias políticas
não poderiam ser censuradas, mas sim debatidas...
Outro
exemplo interessante e o volume de obras sobre religião que ela abriga
(120 volumes); ateu convicto e anticlerical militante, nem por isso
desdenhava a importância da religião na historia da humanidade; preocupava-se
principalmente com a fuga para o misticismo característica das épocas
de crise e, ao estudar o fenômeno religioso, pretendia elucidar tais
mecanismos e, deste modo, vemos ao lado de Bakunin e Fourier, bíblias,
tratados islâmicos e livros espiritas. Ao lado de clássicos do Anarquismo,
vemos Lenin, Stalin, Plinio Salgado, alem de obras de Historia, Sociologia,
Antropologia e Psicanálise, isto sem mencionar as centenas de volumes
de literatura desde clássicos como Dostoievski, Hugo, Balzac ou Tolstoi
ate os autores mais modernos.
O
conhecimento para ele tinha uma função revolucionaria, não se tratava
de esgrimir argumentos em justas acadêmicas, mas sim de utilizar as
informações disponíveis para resolver problemas concretos, para avançar
a luta social.
Mesmo
sem o saber, o mundo fica mais pobre sem o Jaime, com tanto desgraçado
para morrer e a natureza nos prega essa peca... Mas vai companheiro,
vai para longe pois assim talvez te transformes na estrela incorruptível
no céu de nossos corações, vai que te dedicaremos uma arvore para
que a semente de teu trabalho não demore a dar os ansiados frutos.
Adeus Jaime Cubero."
PELA
ANARQUIA ATÉ A ALFORRIA FINAL!
Jose
Carlos Orsi Morel
"A
liberdade de um ser humano não e limitada pela liberdade alheia. A
liberdade não tem limites, não e' algo que se limita. Um ato de liberdade
não deve ser confundido com um ato livre. Nem a liberdade de exercicios
deve ser confundido com a liberdade de juizo, a liberdade de arbitrio,
a liberdade de escolha. O que comumente se chama livre arbitrio. Esta
não tem limites na de outrem, mas a de exercicio sim, pois esta ate'
os animais tem. Não e' essa porem que constitue o ato humano, mas
a segunda. Um animal pode estar solto de peias, como o passaro da
gaiola humana. O escravo livre de algemas ainda não conhece ainda
não conhece a liberdade de que falamos. A liberdade de exercicio ate'
os opressores dao. Todos tem a liberdade de andar, comer, trabalhar
e apoiar os dominadores e fazer tudo o que não os ponha em risco.
Essa liberdade e' limitada pelos interesses sagrados do Estado (que
e' a posse dos dominadores, detentores do Kratos social) e por todos
os limites que lhe são naturais. Deveriamos chamar liberdade a que
constitui verdadeiramente o ato humano. Esta não se limita na de ninguem,
e' ilimitada, porque sua acao e' Ética e não promove restricoes a
quem quer que seja. Essa liberdade e' inimiga dos poderosos. E eles
sabem disso, por isso a negam. O caminho da liberdade e' o da pratica
da própria liberdade. E' com a pratica da liberdade que formamos homens
livres. Liberdade não e' a ausencia de restricoes: e' responsabilidade,
opcao e livre aceitacao de obrigacoes sociais"
Jaime
Cubero
As
palavras de Cubero foram registradas no Seminario sobre Educação Libertária,
organizado pelo NET/Movimento, realizado em Florianópolis, Santa Catarina.
Publicado em: "Educação Libertaria: Textos de um Seminário ; Raquel
Stela de Sá Siebert...[et al.]. Rio de Janeiro, Achiame/Movimento
- 1996
Jaime
Cubero foi Jornalista, Autodidata, Secretario Geral do CCS - Centro
de Cultura Social - SP
Falecido em 20/05/98, em São Paulo
Coletivo
de Estudos Anarquistas Domingos Passos - Niterói, 2001