Os anarquistas nas ocupações
de fábricas na Itália
Por
FAQ Anarquista
Retirado
da seção A.5.5. do FAQ Anarquista (http://www.geocities.com/projetoperiferia2/indice.htm)
Ao
final da primeira guerra mundial ocorreu uma radicalização
massiva em toda Europa e no resto do mundo. Houve uma explosão
de afiliações nos sindicatos, greves, manifestações
e toda classe de agitação alcançaram grandes
níveis. Isto se deveu em parte à guerra, em parte ao
aparente êxito da revolução russa. Através
da Europa, as ideias anarquistas se tornaram mais populares e as uniões
anarcosindicalistas aumentaram de tamanho. Na Gran Bretanha, por exemplo,
se produziu o movimento das ligas sindicais e as greves de Clydeside,
na Alemanha o auge do sindicalismo industrial, e na Espanha um grande
crescimento na anarcosndicalista CNT. Desafortunadamente, também
houve grande crescimento nos partidos democrata-social e comunista.
Em
agosto de 1920, houveram greves de ocupação de fábricas
na Italia, como resposta aos baixos salários e ao endurecimento
patronal. Estas greves começaram nas fábricas de engenharia
e imediatamente se extenderam às ferrovias, transportes rodoviarios,
e outras industrias, e os camponeses tomaram a terra. Os grevistas,
contudo, fizeram algo mais que ocupar os locais de trabalho, puseram
parte deles em regime de auto-gestão. Dalí a pouco 500
mil grevistas estavam trabalhando, produzindo para eles mesmos. Errico
Malatesta, que tomou parte nestes êxitos, escreveu:
"os
trabalhadores concluiram que o momento estava maduro para a tomada
de uma vez por todas dos meios de produção. Se armaram
para sua propria defesa ... e começaram a organizar a produção
por sua propria conta ... O direito de propriedade foi de fato abolido
.. era um novo regime, uma nova forma de vida social que surgia. E
o governo ficou à parte ao sentir-se impotente para oferecer
oposição." [Vida e Ideas p.134].
Durante
esta época a Union Sindicalista Italiana (USI) creceu até
chegar a quase um milhão de membros e a influencia da Union
Anarquista Italiana (UAI) com seus 20 mil membros cresceu em proporção.
Segundo nos conta o reporter marxista galês Gwyn A. Williams
"os anarquistas e os sindicalistas revolucionarios constituíam
o grupo mais revolucionario da esquerda ... O traço mais saliente
na história do anarquismo e sindicalismo em 1919-1920 foi o
rápido crescimento ... Os sindicalistas sobretudo captaram
a opinião da classe obreira militante que o movimento socialista
inútilmente tratava de captar." [Proletarian Order, pp.
194-195].
Daniel
Guerin dá um bom resumo da extensão do movimento, "a
direção das fábricas ... se efetuava por meio
de comitês de trabalhadores técnicos e administrativos.
A auto-gestão se expandiu ... A auto-gestão emitiu seu
proprio dinheiro ... Se requeria estrita auto-disciplina ... [e] uma
estreita solidariedade se estabeleceu entre as fábricas ...
[onde] as minas e o carvão se colocavam em um fundo comum e
se repartiam equitativamente" [Anarchism, p.109].
Sobre
as fábricas ocupadas tremulava "um bosque de bandeiras
negras e vermelhas" posto que "o conselho do movimento de
Turin era essencialmente anarcosindicalista" [Williams, op. cit.,
p.241, p.193]. Os trabalhadores ferroviarios se negaram a transportar
tropas, os trabalhadores entraram em greve contra as consignas das
associações reformistas e os camponeses ocuparam a terra.
Tais atividades eram "já diretamente guiadas ou indiretamente
inspiradas pelos anarcosindicalistas" [ibid., p. 193]
Não
obstante, depois de quatro semanas de ocupação os trabalhadores
decidiram abandonar as fábricas. Isto devido à atuação
do partido socialista e aos sindicatos reformistas. Se opuseram ao
movimento e negociaram com o estado por uma volta à "normalidade"
em troca da promessa de aumentar legalmente o controle pelos trabalhadores,
em associação com os chefes. Esta promessa não
se mantevo. A falta de organizações inter-fábrica
independentes fez que os trabalhadores dependessem dos burocratas
dos sindicatos para obter informaçòes sobre o que se
passava em outras cidades, e usaram esse poder para isolar as fábricas
e as cidades entre sí. Isto desembocou em uma volta ao trabalho,
"apesar da oposição de anarquistas individualmente
dispersos por todas as fábricas" [Malatesta, op. cit.,
p.136]. A confederação local de uniões sindicais
não podia proporcionar a infraestrutura necessaria para um
movimento de ocupação totalmente coordenado, posto que
os sindicatos reformistas se negavam a colaborar com elas; embora
os anarquistas constituíssem uma grande maioria, se viram impedidos
por uma minoria reformista.
Este
período da historia italiana explica o crescimiento do fascismo
na Italia. Como indica Tobias Abse, "o auge do fascismo na Italia
não pode desprender-se dos sucessos do bienio vermelho, os
dois anos vermelhos de 1919 e 1920, que lhe precederam. O fascismo
foi uma prevenção contra-revolucionaria ... lançado
como resultado da fracassada revolução" ["The
Rise of Fascism in an Industrial City" p. 54, en Rethinking Italian
Fascism, pp.52-81].
Durante
a época da ocupação das fábricas Malatesta
sustentou que "Se não a levarmos até ao final,
pagaremos com lágrimas de sangue pelo medo que agora provocamos
na burguesía". Sucessos posteriores o confirmaram, quando
os capitalistas e os ricos donos da terra apoiaram aos fascistas para
ensinar à classe trabalhadora qual era seu lugar. Todavia,
inclusive nos mais obscuros dias do terror fascista, os anarquistas
resistiram às forças do totalitarismo. "Não
é casualidade que a mais forte resistencia da classe trabalhadora
ao fascismo ocorreu em ... os povos e cidades em que havia uma forte
tradição anarquista, sindicalista ou anarcosindicalista"
[Tobias Abse, Op. Cit., p.56].
Os
anarquistas participaram, e muitas vezes organizaram seções
do Arditi del Popolo, uma organização operária
dedicada à auto defesa dos interesses dos trabalhadores. Os
Arditi del Popolo organizaram e alentaram a resistencia operaria aos
esquadrões fascistas, derrotando muitas vezes contingentes
superiores em numero de fascistas. Os Arditi foram os maiores defensores
de uma frente operária unida, revolucionaria contra o fascismo
na Italia, como sugeriu Malatesta e a UAI. Sem embargo, os partidos
socialista e comunista se retiraram da organização,
os socialistas firmando um "Pacto de Pacificação"
com os fascistas. Os líderes dos socialistas autoritarios preferiram
a derrota e o fascismo ao risco de que seus seguidores se "infetassem"
de anarquismo.
Inclusive
depois da criação do estado fascista, os anarquistas
ofereceram resistencia dentro e fora da Italia. Muitos italianos,
anarquistas e não anarquistas, viajaram à Espanha para
resistir a Franco em 1936. Durante a segunda guerra mundial, os anarquistas
jogaram um papel importante no movimento partisano italiano. O fato
do movimento antifascista estar dominado por elementos anticapitalistas
levou os EEUU e o Reino Unido a colocar conhecidos fascistas em posições
governamentais nas localidades que "libertavam" (muitas
delas já haviam sido tomadas pelos partisanos, resultando que
as tropas aliadas "libertavam" o povo de seus proprios habitantes!).
Não
é de surpreender que os anarquistas fossem os mais consistentes
e triunfantes opositores ao fascismo. Os dois movimentos não
poderiam estar mais aparte, o primeiro pelo estadismo totalitario
a serviço do capitalismo enquanto que o outro era por uma sociedade
livre, não-capitalista. Nem tampouco surpreende que quando
seus privilegios e poder estavam em perigo, os capitalistas e os donos
da terra se voltavam ao fascismo para que os salvasse. Este processo
é muito comum na historia (tres exemplos, Italia, Alemanha
e Chile).
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