Introdução
Este documento que lhe passamos à mão
foi um trabalho duro e penoso por ter sido feito por nós trabalhadores,
atravessando grandes dificuldades, em situação de instabilidade
em nossos meios de sobrevivência. Tantos sonhos de vida melhor
ao ter a posse da terra! Tais sonhos tornaram-se pesadelo para muitos,
inclusive para nós.
Ao entrarmos na terra nossos sonhos se quebraram
e se individualizaram. Dos pensamentos individualistas de uns, com
as saudades do patrão de outros, juntando-se com o que nunca
faltou a alguns: o instinto mandonista.
Juntaram-se então todos os ingredientes
necessários para o nascimento, crescimento e reprodução
da dominação na forma do grito e da intimidação,
formando-se uma elite revestida do poder da ambição.
Substituíram impecavelmente os ex-donos desta terra. Os que
não tinham ‘ vocação’ para mandar
tiveram e ainda têm que engolir sapo até não agüentar
mais.
Por não agüentarem mais, é
que um pequeno grupo de assentados e agregados rebelamo-nos e lutamos
por liberdade e autonomia. Uma de nossas ferramentas é este
manifesto-dossiê que leva até você as causas de
nossa insatisfação, travando um debate e lançando
o convite e desafio para uma discussão política sobre
a posse da terra e nossa (de todos e de todas!) sobrevivência
nela e as relações sociais de produção
existentes e as que devem existir. Através deste dossiê,
oferecemos, ao mesmo tempo em que pedimos, solidariedade para com
e àqueles e aquelas que, como nós, sofrem as hostilidades
por resistirmos em praticar uma relação puramente produtivista
com a terra.
Não queremos que as pessoas sigam as
nossas formas de agir. Apenas achamos que já está no
tempo de discutirmos, nós, os explorados da Terra, entre nós,
os explorados das terras, sobre que tipo de relações
devemos manter entre nós próprios e entre nós
e a terra, bem como o que vamos fazer com o sistema de exploração.
Como tirar da terra o nosso sustento, pensando
também no sustento dos que virão depois de nós?
Será justo desfrutarmos de tudo o que está à
nossa vista hoje, sem pensarmos em nossos filhos amanhã? Somos
hostilizados por não considerarmos a terra propriedade de ninguém
e sim patrimônio de toda a humanidade, de todos os seres. Cada
um de nós é passageiro nas terras dos próximos
que virão, portanto devemos respeito. É evidente que
não somos um grupo de pessoas que pensam igual e querem todas
as mesmas coisas; a identificação mais comum entre nós
é a marginalização e discriminação
de que somos vítimas, mas as diferenças nos ajudam a
crescer desde que as tratamos com respeito mútuo, sem intransigência
ou autoritarismo. Buscamos trabalhar juntos o consenso e através
do convencimento, deixando que a prática prevaleça sobre
o discurso vazio, fazendo assim com que um construa o outro (o discurso,
a prática e a prática, o discurso).
Estamos
num período invernoso em que de costume, a esta altura (abril
de 2001), já teríamos recebido o custeio (um mil reais
parcelado em três vezes durante o ciclo da cultura sequeira),
que foi cortado para dar lugar ao projeto de investimento que sairia
em outubro do ano passado (2000). Acontece que só em fevereiro
deste ano nos foi avisado porque ele não saiu. Motivo: o INCRA
teria que ter feito o PDA (Plano de Desenvolvimento do Assentamento),
mas não o fez porque não dispunha de finanças
para elaborá-lo. O curioso é que, o que mais existe
nos assentamentos, inclusive neste, é assessoria. Pois bem,
neste nós temos: o INCRA, na pessoa do Dr. Agenor; a COOPASAT/CCA
e por fim a FETRAECE, na pessoa de seu secretário executivo
e ex-assentado deste projeto, expulso por motivos esclarecidos adiante,
que hoje continua à solta aqui dentro, vendendo a consciência
dos assentados para os políticos da região, sendo o
mesmo, um desses.
Com
a falta de custeio e de investimento, haja desespero, de tal modo
que já se chegou ao ponto de ter que vender as estacas da mata
para se alimentarem e já se falando em vender as pedras do
Serrote do açude, o qual já tem sua base completamente
desmatada e ateada fogo no ano passado e hoje vê-se ameaçado
de ser-lhes vendidas as pedras que dão sustentação
de base, que evita deslizamento e desmoronamento do morro. A justificativa
é que ‘ não temos a que se apegar" . O preocupante
é que as madeiras são cortadas de forma indiscriminada,
sem respeito a limites de reservas, o que também não
existe. Nem há preocupação se existe discordância.
Aqui, o mais importante é o dispor de uma maioria que assim
pensa e procede e quem for minoria que assista e engula calado.
Não queremos julgar os trabalhadores
que já vivem assim há séculos cumprindo ainda
esta cultura, que lhe foi imposta pelo sistema de dominação.
Eles não são culpados por tais atos. Não podemos
negar que tais atos sejam a causa da destruição aos
poucos das nossas terras agricultáveis. Em absoluto, não
estamos dirigindo nossas denúncias aos pobres como nós,
que muitas vezes somos usados como massa de manobra. Nossas denuncias
vão sim para tantos que se dizem esclarecidos na sociedade,
que fazem questão de se apresentarem como líderes ou
de serem aclamados como chefes, especialistas em ecologia, em produção,
em projetos, em política e por aí vai. Nos discursos,
através dos meios de comunicação, em palanques,
revistas, Internet, etc todo mundo sem exceção (de um
extremo a outro, ideologicamente) está preocupado com o planeta,
defendem a agro-ecologia e a preservação da água
e há até órgãos para punir as infrações,
como é o caso do IBAMA. Congressos e convenções
regionais, nacionais e internacionais são constantes abordando
o tema; premiação para a agroindústria com selo
de pureza e preservação para os seus produtos de exportação.
Temos uma ecologia mercadoria de exportação.
Aos que vão dar o verdadeiro sentido
da ecologia na prática, de forma gratuita com interesses apenas
nos benefícios futuros para toda a humanidade, tornando a causa
ecológica a sua própria causa, só resta a hostilização,
pois são contra o "progresso", o "desenvolvimento".
Estes devem desaparecer, como Chico Mendes, cujo nome foi aproveitado
para a campanha ecológica da industria da madeira, da Rede
Globo, do governo, FHC, etc.
Queremos entre os que querem e aceitam a discussão,
mudar nossas relações sociais e com a terra. Nos preocupamos
com a forma como é orientado este assentamento pelos órgãos
competentes, mas cuja competência duvidamos. A competência
deve estar com aqueles que estão diretamente na terra e com
os que querem discutir o novo.
Já que existe entre os dois grupos uma
separação de fato, havendo apenas a falta de respeito
para com quem busca mudar, trabalhamos no sentido de nos desligarmos
legalmente. Queremos apenas assegurar o direito a autonomia, onde
cada pessoa possa decidir dentro do coletivo o respeito aos limites.
Apenas assim se criará o respeito entre os dois grupos, onde
as práticas de ambos irão nortear as discussões
entre estes assentados e até entre outros por aí afora.
Hoje, portanto, é impossível uma convivência pacífica
numa mesma associação, onde temos apenas que nos submetermos
, além da assessoria da FETRAECE que não aceitamos.
Se exigimos hoje a divisão do assentamento não é
porque queremos individualizar, mas sim por uma questão de
preservação, pois se o deixarmos num todo, vamos tê-lo
todo depredado, pois assim prometem e assim vêm fazendo e continuarão
a fazer. Esta é a nossa maior preocupação, de
em poucos anos não termos mais onde se tirar nem mais estacas
para o próprio assentamento, já que estão sendo
vendidas hoje como foram vendidas as tiradas em anos anteriores.
Queremos contribuir com nossa parte para a
preservação do planeta, recuperando o meio-ambiente
para a recomposição da natureza e criando uma relação
fraterna entre os seres humanos e os outros seres da terra como um
todo.
Pedimos
desculpas pela extensão do documento, mas ainda é pouco
diante de centenas de anos de destruição dos povos da
Terra e da terra dos povos.
BOA
LEITURA!
ACARAPE - ANTECEDENTES HISTÓRICOS
Situado num vale, outrora fértil, às
margens do rio Pacoti, partes de terras arenosas de solo raso, intermediando:
Litoral, Sertão e Maciço de Baturité. Partes
apresentam rochosas ricas em calcário. A composição
vegetal de maior densidade é o sabiá, madeira de muita
utilidade para lenha por ser muito boa de fogo e para estacas. É
exportada em larga escala para a maioria dos estados do Nordeste como:
Paraíba, Pernambuco, Sergipe, Alagoas, Bahia etc. Muitas outras
variedades foram extintas, algumas encontram-se em fase acelerada
de extinção pela extração predatória
da lenha e da estaca tanto para exportação como para
o consumo interno da industria local do calcário, que há
mais de 50 anos existe perto de uma centena de fornos queimando lenha
para transformar pedras em cal e até supercal.Grande parte
desses fornos já pararam por crise no setor, só ficando
os que produzem em larga escala para a industria de refinação
que o transforma em tintas como é o caso da Hidracor, do grupo
J.Macedo, que mantém uma bem aparelhada unidade industrial
que além de ser dona de grandes partes das pedreiras, faz a
cal, refina e faz a tinta que possui também o mercado atacadista
e varejista, fazendo quebrar na região a maioria das pequenas
empresas produtoras de cal que empregava muita gente do local e adjacências,
o que hoje é irreversível.Grande parte da madeira é
usada nas fornalhas das olarias (fabricação de telhas
e tijolos) de antigas tradições na região, de
largo consumo de lenha para dar acabamento final ao seu produto. As
terras ficam devastadas, que depois de queimadas são aproveitadas
para as monoculturas, antes , do algodão, da cana-de-açúcar,
do arroz e mais esporadicamente outras culturas.
Por falar em cana-de-açúcar,
ela é uma das mais consideradas matérias-primas da região
para a produção de açúcar, rapadura, e
mais recentemente, a cachaça, que é o que gera mais
lucros para os donos da terra e das fabriquetas de cachaça.
Estas fabriquetas foram passo a passo "engolidas" por médias
e grandes empresas, das quais se destaca a Ypioca e a Douradinha,
além da Chave de Ouro, que está em decadência.
Estas terras sofreram séculos de devastação.
Por ser uma região próxima do litoral tivemos desde
muito cedo a presença do colonizador, que subiram no século
XVIII o rio Pacoti em busca de terras férteis para produção
de cana e pasto para o gado (pecuária). Chegando lá
os missionários jesuítas, a denominaram de caminho das
garças ou Acarape, que na língua tupi quer dizer caminho
do peixe (acara = peixe; pê: caminho). Isso deu início
a um período de escravismo colonial na região, com a
instituição das fazendas e dos engenhos. Negros e índios
eram escravizados para servir de mão-de-obra dos senhores da
época. Como em todo o Ceará, já no século
XIX, os movimentos abolicionistas foram bem fortes na região,
o que fez com que Redenção e Acarape, ganhassem a fama
de ter sido a primeira região do Brasil a "libertar"
os escravos. Entretanto, o fator mais importante desta "abolição"
era o próprio fato de que a produção econômica
não requeria tanta mão-de-obra escrava e não
dava tanto lucro aos senhores de engenho para que eles pudessem manter
os custos da produção e da mão-de-obra. A geofísica
do Ceará apresenta em sua maior dimensão um clima de
sertão, com chuvas menos regulares que em outras partes do
Nordeste, predominando as chamadas cultura de épocas chuvosas
(milho, feijão, arroz, etc). Em algumas secas ocorridas, a
pecuária era considerada uma cultura de risco e chegou a quase
extinguir-se. Todos estes setores empregavam muito mais gente do que
a monocultura da cana-de-açúcar ou do café. Chegava-se
ao ponto dos senhores de engenho em processo de falência venderem
a preço de banana ou por sacos de farinha os seus escravos
para outras regiões do país, inclusive para se safarem
das dívidas que contraiam. Na realidade essa "libertação
dos escravos" foi apenas o reconhecimento de que não era
lucrativo manter a escravidão no Ceará.
A fazenda por nome de Boqueirão foi
parte do latifúndio do coronel Juvenal de Carvalho, a qual,
por alguns incidentes históricos, passou a pertencer a partir
dos anos 30 aos Vieiras, sendo titular o Sr. Antônio Vieira.
Ela chegou a agregar centenas de trabalhadores que já vinham
sofrendo muita exploração nas mãos de carrascos
coronéis que passaram por essas terras ou viviam tempos difíceis
devido às secas, provocados pelo próprio latifúndio
que cercava as melhores terras, deixando à mingua os trabalhadores
rurais para se aproveitarem de suas mãos-de-obra quase escrava
e servil. Nesse ínterim, os latifundiários recebiam
fartos e fáceis financiamentos com os quais construíam
poços, açudes, barragens, grandes casas de fazenda,
armazéns, etc. E nesses tempos difíceis, os latifundiários
obtinham geralmente o perdão de suas dívidas, ao mesmo
tempo em que endividavam os trabalhadores sem a menor compaixão,
com o intuito de mantê-los escravizados pelas dívidas.
A veracidade desses fatos históricos
não é difícil de ser comprovada e resgatada,
bastando colher os relatos dos anciãos da região, além
de documentos históricos acessíveis. Ademais, os mais
novos não nasceram livres de tais relações, tanto
por as aceitarem como por reproduzi-las em seus cotidianos. Ou seja,
esses fatos históricos não são coisa do passado,
pois eles são reproduzidos no presente.
Esta região do vale do Acarape guarda
um passado não tão distante dos mandos e desmandos dos
hábitos tradicionais coronelistas que estão dentro de
cada pessoa de acordo com as suas posses econômicas e influências
políticas: se alguém tem um comércio ou uma propriedade
rural, já manda nos que possuem menos ou nenhumas posses; os
que antes eram senhores da cana-de-açúcar e/ou da cal
(em relação à estas culturas especificamente,
alguns ainda o são), do algodão, do gado, hoje só
possuem o "grito", com o qual levam adiante a reprodução
desse poder coronelista. É muito forte a herança do
paramilitarismo (jagunçada e pistolagem), ainda disponível
e subserviente aos latifundiários. Um exemplo bem recente foi
a chacina da fazenda Lagoa do Serrote em Ocara (25 de julho de 2000),
cuja proprietária, acusada de ser a mandante, é natural
do Vale do Acarape.
O município que hoje chama-se Acarape
era antigamente chamada de "Cala a Boca", demonstrando como
as pessoas tinham que suportar todas as injustiças caladas.
A cidade que é hoje Redenção era a antiga Acarape,
que ganhou este nome por ser considerada a primeira a "libertar"
os escravos no Brasil. Apesar de uma distância relativamente
pequena de Fortaleza (capital do estado), existe um atraso maior que
em outras regiões mais longínquas dos centros urbanos.
As relações autoritárias e machistas em relação
à mulher, que está submetida a um grande conformismo
com esta situação, está muito presente. Também,
é muito comum se ouvir dizer que o proprietário tal
mandou a polícia bater no pobre de fulano, por ter "invadido"
sua propriedade para tirar uma forquilha para escorar sua casa de
taipa ou um feixe de lenha para cozinhar o feijão.
O moderno coronelismo é exercido nesta
região muito freqüentemente por pessoas que ocupam cargos
públicos e privados, no setores da saúde, educação,
postos de gasolina , farmácias e comércios variados
e, pasmem, no sindicato dos trabalhadores rurais e FETRAECE. Os métodos
coronelistas em suas formas domésticas mais arcaicas, como
espancamentos de esposas e filhos são muito comuns.
A ocupação da fazenda Boqueirão
do Juvenal foi realizada nesse contexto e não pôde deixar
de conviver com toda essa pesada herança coronelista...
BREVE
HISTÓRICO DA OCUPAÇÃO
Esta parte da fazenda Boqueirão que
é hoje o assentamento 24 de Abril traz o nome da data em que
foi ocupada no ano de 1997.
A maioria dos ocupantes sempre moraram e/ou
trabalhavam nessas terras, pagando renda de 02 (duas) sacas de produtos
por 01 (um) quadro de terra. A partir do ano de 1994, a ordem dos
patrões era aumentar a renda para 03 (três) sacas de
produtos por 01 (um) quadro de terra. Os próprios trabalhadores
convocaram o sindicato para discutir em reunião este problema.
Existia um grupo de trabalhadores e trabalhadoras
que fazia parte de um movimento denominado MLC (Movimento Liga Camponesa),
morando no Açude do Mamoeiro, os quais faziam um trabalho conjunto
com o sindicato. Como estavam juntos aceitaram o desafio para a discussão
sobre a resolução do problema apresentado pelos trabalhadores.
A decisão da primeira reunião foi preparar os roçados
na marra, à revelia do proprietário, pagando apenas
o de costume e apontando já para uma possível ocupação
da área, a qual inclusive já havia sido vistoriada há
um ano ou dois atrás pelo MST. Entretanto, a reunião
marcada para encaminhar a ocupação foi totalmente esvaziada.
Em 1995, na colheita das plantações
em questão, os patrões resolveram colocar animais dentro
das plantações dos trabalhadores, antes de retirarem
a produção, revoltando a muitos, a ponto de numa reunião
decidir-se pelo não pagamento de renda alguma. Nesse momento
de tensão, foi exigido do INCRA a vistoria da área,
coincidindo com a dispersão do MLC no Acarape, pois ele fora
em peso para a ocupação da Fazenda Madalena Velha, em
Madalena, no Sertão Central (esta ocupação resultou
no assentamento Mandu Ladino em Pentecoste!). Em Acarape, permaneceu
apenas um membro do MLC, que ocupava o cargo de presidente do STR
de Acarape. A ocupação foi preparada durante as mobilizações
dos trabalhadores de Acarape a partir dos fins de 1996. O MLC, já
transformado em Liga dos Trabalhadores, foi convocado para apoiar
a ocupação da fazenda Boqueirão do Juvenal.
Coincidentemente, foram os companheiros Inácio
e Ivânia os membros da Liga dos Trabalhadores que entraram na
terra juntamente com os demais ocupantes, sendo que Inácio
ficou cerca de 15 (quinze) dias enquanto se passavam os momentos mais
tensos da ocupação.
Logo no primeiro dia, o proprietário
"visitou" a ocupação escoltado pela polícia
local, a fim de expulsar os ocupantes e dispersá-los. Entretanto,
eles acabaram saindo correndo com medo da resistência e disposição
das famílias ocupantes. Não se conformando, foram buscar
reforço policial, os quais não tiveram sorte, pois ao
chegarem novamente na ocupação, tiveram sua viatura
incendiada acidentalmente. Os policiais acabaram retornando a pé
para a cidade de Acarape e acabaram respondendo por uma representação
feita contra os mesmos pelo fato de estarem atuando sem ordem judicial,
apenas por solicitação do proprietário.
Houveram várias tentativas de despejo,
culminando com a liminar da juíza local de reintegração
de posse. Mas diante da resistência dos ocupantes de não
saírem da área e de, se necessário, partirem
para o enfrentamento direto, várias entidades convergiram a
fim de resolver o conflito, que só terminou com a resolução
do INCRA de desapropriar a área, exatamente na hora em que
se ia tentar fazer o despejo. A juíza retirou a liminar e determinou
que a polícia militar recuasse.
Logo em seguida, passou-se por todo o processo
ordinário de desapropriação, imissão de
posse e cadastramento das famílias...
RELATO
DA SITUAÇÃO
Desde o início da ocupação
que se instituiu uma forma de decisão tomada de cima para baixo
onde pouquíssimas pessoas participavam das discussões
e decisões. Instituiu-se o "poder do grito", não
do grito da maioria em Assembléia exercendo seu poder, pois
esta tinha que acatar o poder do grito de uma pequena elite hierarquizada,
onde os critérios para o tamanho de tal poder eram as posses
econômicas e outros status como a prepotência e a "valentia".
Havia constantes "Assembléias",
onde os homens com maior poder de grito acabavam decidindo enquanto
que o "resto" apenas torcia e legitimava as decisões.
As mulheres participavam quando era de interesse de seus "chefes",
apesar de grande parte delas trabalharem de igual para igual nas atividades
de roçado. O voto das mulheres só era importante quando
se tinha que colocar substitutos de cadastros. Sempre houve também
uma estimada população jovem que nunca foi estimulada
a participar das discussões nem muito menos das decisões
dentro da comunidade.
Depois da imissão de posse, no início
do cadastramento de pessoas no assentamento, houve negligências
para com algumas pessoas:
· Dona Rosélia, pensionista,
por ser viúva. O próprio INCRA veio admitir depois que
a pensão é dos filhos e que não tinha problema
a mesma ser cadastrada. A afirmação é de Dra.
Olizete, na presença da Dra. Solange, ambas assessoras do INCRA,
por ocasião da inclusão de seu nome e do de suas filhas
no cadastro do seu irmão na condição de dependentes,
para fins de auxílio de natalidade para suas filhas. O nome
de dona Rosélia consta no laudo do INCRA como moradora.
· Sr. Francisco Silva, com a alegação
de ser deficiente físico. O mesmo possui um pequeno defeito
numa perna que nunca o impediu de fazer nada, tendo inclusive exercido
a atividade de tratorista.
Ambos residem nesta terra, hoje desapropriada,
desde muito antes de se tornar assentamento. Os mesmos tentaram até
o fim, sem êxito, se cadastrarem. As desculpas de limitação
de vagas não podem ser aceitas. O número de cadastrados
antes estipulados era de dezesseis (16), tendo sido depois aumentado
para vinte (20), pois foi preciso trazer mais pessoas de fora para
preeenchê-las devido às desistências. As vagas
foram preenchidas sem que aqueles dois fossem "lembrados".
Por aproximadamente três (03) anos, perdurou
este tipo de relação social acima descrito. Como supremo
chefe, com bastante quesitos autoritários a mais que os acima
citados, dentre os pouquíssimos que decidem no instituído
"poder do grito", estava o Sr. Joaquim Sérgio Pereira
de Mesquita, ex-diretor do STR de Acarape, ex-diretor de formação
da FETRAECE e no momento secretário geral da FETRAECE. Assumindo-se
como "liderança", intitula-se de representante da
FETRAECE designado para acompanhar o assentamento.
O Sr. Joaquim Sérgio Pereira de Mesquita,
com fortes resquícios de hábitos coronelistas, governou
com mão-de-ferro e poder de armas o assentamento, utilizando-se
de toda a estrutura do assentamento como estábulo, a casa grande
(sede da fazenda), açude e roçados alheios para colocar
seus animais, que em número aumentou em pelo menos quatro (04)
vezes o limite máximo que cada assentado tem direito de criar
dentro da terra. Em plena colheita ele negociou com alguns e colocou
gados e animais nas plantações de todos, mesmo dos que
não aceitavam vender seus pastos. Ademais, ele nunca pagava
os prejuízos.
O Sr. Joaquim Sérgio Pereira de Mesquita
lesou pessoas (inocentes) humildes e de idade avançada, como
o caso de Manoel Ferreira da Fonseca e sua mãe velhinha. Estes
foram lesados na quantia de R$2.000,00 (dois mil reais), dinheiro
que receberam como indenização por serviços prestados
durante toda suas vidas ao ex-proprietário, que ao receber
do INCRA o dinheiro da terra desapropriada fez esta pequena reparação
à alguns dos lavradores, embora injustiçando outros.
O Sr. Joaquim Sérgio pegou emprestado do Sr. Manoel Fonseca
e de Dona Edite, sua mãe, a importância acima citada,
nunca mais a tendo devolvido, chegando inclusive a agredir com palavras
a velhinha, quando a mesma foi pedir a restituição de
alguns "trocados" para suprir suas necessidades. A velhinha,
com a saúde bastante abalada, teve uma recaída após
as agressões do Sr. Joaquim Sérgio e em pouco tempo
veio a falecer, ao passo que o seu filho continua até hoje
sem receber aquele dinheiro.
O Sr. Joaquim Sérgio Pereira de Mesquita
seduziu e engravidou uma filha de uma assentada, de apenas quinze
(15) anos de idade. Ele nunca deu a mínima ajuda à criança,
que hoje está com dois (02) anos de idade e que agora deverá
ser registrada com o sobrenome do "pai", forçado
pela Justiça a fazer isso, já que se iniciou uma ação
judicial com este objetivo.
Para resumir, o Sr. Joaquim Sérgio Pereira
de Mesquita acabou sendo expulso do assentamento, após sindicância
feita pelo próprio INCRA, apesar das apelações
da entidade da qual é diretor – a Federação
dos Trabalhadores em Agricultura do Estado do Ceará (FETRAECE)
, mas os abaixo-assinados dos que não agüentavam mais
seus terrorismo e autoritarismo impediram que elas surtissem efeito.
Muitos testemunharam publicamente os espancamentos do Sr. Joaquim
Sérgio Pereira de Mesquita à companheira com quem ele
vive. Vemos com pesar a FETRAECE, que se diz representante dos trabalhadores
rurais em nível estadual, admitir um tipo assim em suas fileiras
e, pior, defendê-lo. É bom que o Coletivo de Mulheres
da mesma entidade tome conhecimento destes fatos, que não são
difíceis de serem comprovados.
Apesar da FETRAECE tentar colocar uma cortina
de fumaça frente ao caso, sua apelação não
dá para convencer que o que houve foi uma perseguição
política ao Sr. Joaquim Sérgio Pereira de Mesquita.
Deixamos por aqui este assunto que encontra-se aparentemente resolvido,
constando nos autos resultantes da sindicância feita pelo INCRA.
COMO
TEM ATUADO O SINDICATO ATUALMENTE?
Depois que o sindicato abandonou a causa dos
trabalhadores explorados pelos patrões e o governo, ele tem
sofrido também abandono por parte dos trabalhadores que não
se vêem mais representados por esta entidade, não mais
se filiando ou deixando de pagar as mensalidades, os que são
filiados. No auge do desespero, o sindicato por sua vez, para continuar
sustentando seus diretores, se vale dos aposentados, dos quais são
tirados 02 (dois) % de seus proventos. Essa contribuição,
já descontada em folhas de pagamento, foi autorizada pelos
aposentados sem que muitos tivessem clareza do que estavam fazendo.
Tal contribuição mantêm a sustentação
de sindicatos, federações e confederação
de trabalhadores rurais.
O sindicato tem se prestado basicamente a fornecer
declarações de auxílio especial, aposentadoria
e pensão rural. Muitos trabalhadores, por não serem
filiados, têm passado por constrangimentos ao tentar adquirir
tal declaração (essas declarações funcionam
como testemunha de que eles exercem ou exerceram atividade rural!).
O sindicato tem exigido que os trabalhadores tenham um ano de filiação,
com as mensalidades todas em dia, ou façam a filiação
com data retroativa a um ano, pagando todas as mensalidades em atraso
de uma só vez. Sem esta condição, o sindicato
não fornece o testemunho de atividade rural. Com isso, o sindicato
vem chantagiando muitos trabalhadores.
Dentro do próprio assentamento, existem
casos de chantagem em que o sindicato diz não fornecer o testemunho
para as situações de obtenção de auxílio
de natalidade no INSS. Após muita pressão, algumas pessoas
adquirem tal declaração, enquanto que outras que não
vão acompanhadas e que não tem poder de pressão,
não a conseguem. Alguns diretores sindicais dizem aos trabalhadores:
"vocês precisam pagar o sindicato porque nós temos
famílias e precisamos sobreviver daqui". Logo, esta entidade
não passa de um meio de sobrevivência para os seus diretores.
O pior é que o sindicato tem servido de cabo eleitoral para
as candidaturas do Sr. Joaquim Sérgio Pereira de Mesquita e
do atual prefeito de Acarape (PT-PSDB).
Este sindicato é hoje inimigo de qualquer
organização autêntica e independente dos trabalhadores.
OS
NOVOS AGREGADOS
Prosseguimos agora com outro capítulo
desta história. Depois da saída do Sr. Sérgio
Pereira de Mesquita ocorrem vários episódios que podemos
caracterizar como perseguições ou como queira se dar
o nome, mas que é uma questão eminentemente política,
senão vejamos...
Há um tipo de morador dentro do assentamento,
ao qual se dá o nome de agregado. É que o cadastrado
tem direito de alojar uma família ou mais de parentes seus
dentro do seu cadastro, podendo construir uma moradia na parte de
seu quintal para o parente que acolhe, para que este produza alguma
coisa na parte que cabe ao cadastrado acolhedor. Nesta situação
estão vários agregados neste assentamento. Os agregados
são preferencialmente concorrentes à vagas em caso de
desistências eventuais de alguns cadastrados, onde a escolha
se dá por votação em assembléia geral.
Quem tiver a maioria dos votos ganhará o cadastro do desistente.
Nas condições acima descritas
o cadastrado João Bosco do Nascimento aceitou como agregados
o seu irmão Inácio e sua companheira Ivânia com
os filhos: Camilo, Margarida e Sandino. Os mesmos, ao chegarem, fizeram
questão de se apresentarem em assembléia da comunidade,
onde até então ainda existia um forte sentimento de
rejeição à pessoa do Sr. Sérgio Pereira
de Mesquita e não houve inicialmente nenhuma reação
contrária à agregação da nova família.
Esta família, ao se apresentar, contava de suas experiências
em outras comunidades e até mesmo na luta que foi travada junto
com outros trabalhadores desde antes da fazenda Boqueirão se
tornar assentamento, quando os trabalhadores desta região lutavam
para diminuir a renda cobrada pelo administrador, que havia exigido
maior renda por quadro de terra, desde os anos de 1994-1995. Desde
essa época que iniciou-se a discussão para a conquista
desta terra, que veio a se configurar só em 1997, quando também
os mesmos estavam presentes no início da ocupação
da terra.
Os novos agregados (Inácio e Ivânia)
também se dispuseram a participar da vida do assentamento.
Como era permitido a participação de agregados nas assembléias
com direito à voz sem voto, eles participaram assiduamente
das assembléias, colocando suas posições. Neste
período, inicia-se uma fase de tímida abertura democrática
nas assembléias por ter-se findado a batalha de cassação
do Sr. Joaquim Sérgio Pereira de Mesquita, por ter-se passado
pela escolha de nova coordenação para o assentamento
e por já se ter uma associação praticamente legalizada.
Apesar disso tudo, se decidia ainda tudo pelo "consenso"
de uma minoria enquanto os demais só confirmavam o que uns
poucos discutiam.
Nas novas discussões começam
a despontar ressentimentos de alguns que queriam ter sido escolhidos
para cargos de primeira linha da associação e não
o foram, vendo-se minadas as esperanças de uma futura ascensão
dos mesmos. Ademais, outros que haviam conseguido tais postos temiam
pelas perspectivas futuras, sobretudo com a chegada da família
de recém- agregados que não limitou-se à humilde
condição de agregado espectador e reserva de mão-de-obra
barata que aguarda as ordens ou "pedidos de socorro" do
seu mandatário, como fazem outros que contentam-se com o fato
de terem-lhes deixado co-habitar em um direito de cadastro.
A disponibilidade dos recém- chegados
de contribuírem com a vida da comunidade assentada sobretudo
no tocante às condições humanas, sócio-econômicas,
ambiental, cultural e nutricional, quando percebida, não pareceu
nada animadora para quem pretendia vestir uma capa de líder
e ocupar um alto cargo de "direção" de uma
associação formada de cima para baixo, impondo-se através
de intimidações e do grito, ou para quem pretendia ser
simplesmente uma ponte de ligação para a entrada de
chefes políticos e/ou religiosos com pretensiosas ambições,
e que em momentos anteriores do conflito mantiveram-se distantes,
omissos, indiferentes ou até contrários, mas que depois
da conquista começaram a buscar consolidar seus vice-reinos
ou torná-lo saco de gato nas disputas eleitorais. Muitos arvoram-se
de benfeitores e caridosos para com os pobres "coitados sem terra".
Não é válido o argumento
de que os trabalhadores e trabalhadoras não conseguem entender
um "discurso politicamente avançado" e que por não
conseguirem esse entendimento/compreensão é que eles
antipatizariam as pessoas que já trazem tal "discurso"
(e que não é discurso, mas vivência!). A realidade
deste assentamento prova exatamente o contrário: é por
compreender o perigo que tal vivência (e, repetimos, não
discurso!) representa para os seus interesses particulares, que a
elite administrativa que domina o assentamento se coloca contra os
novos agregados (os supostos portadores desse tal "discurso"
politicamente avançado!) e procura jogar os demais trabalhadores
e trabalhadoras contra os mesmos. Pelo contrário, tal vivência
(e por ser vivência!) é perfeitamente compreensível
pelos trabalhadores.
A
CRISE
A crise administrativa sempre fora uma constante.
Desde quando começaram as insatisfações com o
Sr. Joaquim Sérgio Pereira de Mesquita que todos estavam insatisfeitos
e se expressavam fora das discussões em assembléias,
mas na hora que realmente interessava (nas assembléias) eram
apenas uns poucos que mantinham-se firmes, entre eles o assentado
Bosco, ficando subtendido (ou mal entendido) que o conflito girava
em torno de duas ou três pessoas, favorecendo brigas pessoais
e correndo inclusive boatos como se as insatisfações
fossem apenas do Bosco e as pessoas que assinavam os abaixo-assinados
fossem induzidas pelo mesmo. Logo esta impressão foi desfeita
quando um outro documento foi assinado com depoimentos gravados, com
testemunhas importantes, como a Dona Edite, lesada pelo Sr. Joaquim
Sérgio Pereira de Mesquita, onde a mesma conta o episódio
da agressão sofrida da parte dele e do Sr. José Alves
da Silva (Zé Vital) e a investida contra ela do Sr. Joaquim
Sérgio na entrada que liga a cidade de Acarape ao assentamento.
Este documento pedia urgência no encaminhamento do processo
de exclusão do indivíduo em questão, diante da
inexplicável morosidade do órgão competente (o
INCRA).
A participação dos novos agregados
nas reuniões, opinando nas decisões da assembléia,
embora sem votarem, intrigava a uns poucos que herdaram os métodos
autoritários de decisão, dando a entender que existiam
disputas de posições e que, com a chegada dos novos
agregados, parecia que uma das posições (a do Bosco)
se fortalecia.
Os primeiros atritos deram-se na luta pela
permanência da Kombi para transporte dos estudantes do assentamento.
Esta Kombi era conquista, resultado de um acordo entre prefeitura,
INCRA e comunidade para transportar os estudantes do assentamento
que estudam na sede do município, uma distância de aproximadamente
03 (três) quilômetros, com passagem pela rodovia CE-060
de intenso tráfego de veículos e assombrosos números
de ocorrências de acidentes a transeuntes, além do perigo
de que no caminho houvessem perseguições a mulheres
e adolescentes (os estudantes eram na sua maioria adolescentes, meninos
e meninas).
A briga com a prefeitura e o atrito interno
ao assentamento (pois alguns dos assentados se omitiam em relação
ao problema em questão!) começou exatamente por esta
desviar a Kombi da secretaria de educação para várias
outras atividades e falhando cada vez mais freqüentemente até
cessar de vez, enquanto a maioria das pessoas encarava isto com a
maior naturalidade. Tendo os novos agregados também crianças
estudando na sede do município e sendo obrigados a perderem
um dia para levá-los à escola, os mesmos resolveram
levar a questão para ser discutida e encaminhada na assembléia
do assentamento. Houve inicialmente o comprometimento de se colocar
a questão numa das sessões da Câmara Municipal
de Acarape, ficando aberto para quem quisesse ir lá. Entretanto,
a Câmara não aceitou que se fizesse tal denúncia,
tendo os novos agregados que irem à secretaria de educação,
que se comprometia em teoria mas na prática faltava em seguida
com o transporte. Outras vezes colocado o problema em assembléia,
houve quem dissesse que os novos agregados estavam se metendo demais
nos assuntos do assentamento: "por que será que os outros
agregados não vêm nem nas assembléias e estes
estão com essa bola toda?". Este foi um questionamento
de um dos pretendentes a ser líder e deixou estarrecida quase
toda a assembléia, onde alguns responderam que todos os agregados
tem direito de participar das assembléias com voz e não
vêm porque não se interessam! Os novos agregados também
responderam que nunca deixariam de participar, de falar sob quaisquer
circunstâncias que se encontrem ou possam vir a se encontrar:
seja como assentados, como agregados ou mesmo morando debaixo de uma
ponte, mesmo porque não consideram a terra propriedade de ninguém
particularmente e sim de toda a humanidade do presente que tem o dever
de não só tirar dela o sustento mas também preserva-la
para as gerações futuras.
E assim, começou todo um processo de
discussões e de conflitos que passo a passo foi selando a divisão
definitiva entre dois grupos que se formavam de acordo com as distintas
visões de mundo que defendiam...
Atualmente, a Kombi só vai ao assentamento
sob pressão. Não se passa um mês sem que se tenha
que ir até a promotoria do município para reclamar a
ausência da Kombi. A secretaria de educação chegou
até mesmo a tentar jogar os motoristas da prefeitura contra
os que lutam pela manutenção do transporte. Ela chegou
a afirmar que os motoristas estão ameaçados de perderem
o emprego e serem processados pelos pais dos alunos em questão.
Tal mentira já foi desfeita perante o promotor e os próprios
motoristas.
CRIMES
SÓCIO-ECOLÓGICOS
Iniciou-se um processo de discussões
mais acaloradas a respeito das relações humanas e sociais
de produção nos assentamentos, onde, em sua maioria
(se não em todos!), não existe esta preocupação
nem por parte dos ocupantes, que nunca foram estimulados ou incentivados
para tal por parte dos organismos que os apoiam e/ou assessoram, nem
muito menos por parte dos órgãos públicos, para
onde todos se dirigem de acordo com esta reforma agrária que
só busca resultados econômicos imediatos. Por esta razão,
todo incentivo creditício e de assessoramento é voltado
para a produção mercantil. Sem discussões de
aprofundamento sobre a conjuntura em que se encontra hoje a questão
produtiva do campo, os trabalhadores vão ansiosamente trabalhar
a terra com as mesmas formas e técnicas superadas, com o desaparecimento
de algumas culturas, sem esclarecimentos sobre as sementes híbridas
e patenteadas hoje existentes e sem levar em conta o desgaste que
as terras sofreram e sofrem ainda com os desmatamentos e queimadas
e os cultivos de monoculturas, etc. Sem compreensão destas
conseqüências e causas, os trabalhadores escravizam-se
e escravizam suas famílias (mulher e filhos), gerando uma baixa
estima e um sentimento de culpa em relação a eles próprios
e aos outros trabalhadores, taxados então de pessoas que não
tem "coragem" de trabalhar. Quando alguém consegue
algum razoável resultado na produção devido a
incidentes excepcionais, ou seja, a esforços sobre-humanos,
sacrificando a si e toda a família, logo em seguida passa a
sofrer todas as conseqüências drásticas de tais
esforços: eles são refletidos na má qualidade
de vida, na desnutrição dos filhos, nos problemas constantes
de saúde, nos prejuízos escolares...
Inclusive, desde a estiagem de 1998, foram
feitos acordos entre o assentamento e fábrica Yamacon que demonstra
o quanto a questão ambiental é desprezada. Trata-se
de permitir o bombeamento da água do único açude
do assentamento para a fábrica em troca de serviços
de aração e irrigação de terras com tratores
e motor cedidos pelos empresários. Foi construído um
encanamento que vai da fábrica, à beira da CE-060, até
o açude. Inclusive, esses empresários (oriundos de Taiwan)
influem diretamente na vida política do município, apresentando
candidatos ou apoiando-os segundo os seus interesses (nesta última
eleição municipal – ano 2000 – foi eleito
como vereador o candidato apoiado por eles!). Também é
importante salientar que na fábrica Yamacon já se aplicam
as modernas técnicas de reestruturação da produção,
como a chamada Qualidade Total, método oriundo do Japão
e que aliena por completo o operário, vinculando-o a uma falsa
cooperativa, pela qual o operário se obriga a abrir mão
de direitos trabalhistas básicos.
Outro
grave problema foi o do aterro sanitário que ficava nas nascentes
do riacho que abastece o açude do assentamento. Desde 05 (cinco)
a 06 (seis) anos atrás que a prefeitura jogava todo o lixo
do município (inclusive lixo hospitalar) naquelas nascentes.
Foi necessário uma luta que incluiu desde denúncias
à SEMACE até embargo na marra pela própria comunidade
das caçambas que transportavam o lixo para aquelas nascentes.
A prefeitura acabou pagando para o estado uma pesada multa por reincidência.
As conseqüências desse processo foi a poluição
das águas, chegando a causar espanto ao laboratório
que fez a análise das águas do açude e que constatou
uma enorme presença de coliformes fecais. Atualmente, as águas
do açude são impróprias para consumo humano,
apesar de todos se verem obrigados a bebê-las por falta de opção.
OBSERVAÇÃO:
este açude foi construído com recursos públicos
na terra do antigo proprietário na década de 40 com
a obrigação de que o açude fosse de utilidade
pública para a população carente de água
potável de todo o município. Em tempos anteriores à
ocupação, havia a proibição de se tirar
água e a liberação do açude para a população
foi resultado de um ganho de causa dela, via prefeitura, contra o
antigo proprietário, em 1993/1994. Este açude é
o único reservatório de água potável capaz
de abastecer uma vasta região circunvizinha.
ALCOOLISMO
E RELIGIÃO
A indiferença com que se tratou as questões
sociais no tocante aos jovens, mulheres e crianças sempre foi
gritante (excetuando-se quando os serviços dos tais eram necessários).
Era mais fácil condenar os jovens e as mulheres quando aconteciam
problemas de desordem e desentendimentos entre si e às vezes
dentro das próprias casas, sendo até feitas ameaças
de se expulsar toda a família ou um dos parentes de dentro
de casa por agressões provocadas pelo alcoolismo.
A questão da mulher (a problemática
do machismo) nunca fora de interesse deste assentamento, apesar de
se propagar que existe o Coletivo de Mulheres da FETRAECE. Dentre
outros casos, o mais grave foi o da gravidez da menor de 15 (quinze)
anos provocada por um dos diretores da FETRAECE. Este indivíduo,
Joaquim Sérgio Pereira de Mesquita, além disso é
acusado de, com o revólver em punho, espancar publicamente
a sua companheira e em frente à filha de 07 (sete) anos.
Houve também o caso do armamento de
adolescentes no assentamento pelo Sr. Joaquim Sérgio Pereira
de Mesquita para resolver uma questão pessoal dele com uma
pessoa que ferira um de seus pombos.
A questão das crianças é
a mais gritante. O índice de desnutrição é
alarmante e é comum se ver crianças desnutridas pálidas,
de cabelos esbranquiçados, magrinhas, chegando a ficar na faixa
de 02 (dois) anos de vida sem conseguir andar e com a coordenação
motora longe de corresponder ao mínimo da normalidade.
Na comunidade existe uma escolinha de alfabetização
para as crianças, vinculada à Escola de 1º Grau
Rocha Ramos, em situação degradante, sem materiais pedagógicos
básicos, etc. A professora vem todos os dias da sede do município
à pé ou então de mototaxi custeado pela própria.
Falta merenda escolar e quando tem só dá para no máximo
15 (quinze) dias de cada mês. A mesma professora fala que tem
presenciado cenas comovedoras, exemplificando com uma criança
de 08 (oito) anos que foi para a aula carregando outra de 02 (dois)
anos, a qual, sendo indagada por que não deixa a criancinha
em casa, responde: "É que mamãe vai pro roçado
e eu tenho que cuidar dela". Conta a professora que às
vezes precisa segurar a criancinha para que a outra possa fazer as
suas tarefas escolares, pois não tem coragem de mandar a criancinha
de volta para casa por estas circunstâncias. Certa vez, a professora
resolveu mandar a criança de volta para sua casa, mas a criança
implorou para que ela não fizesse isto porque a escola é
o único lugar onde ela pode brincar...
Crianças chegaram a ser surradas por
não conseguirem dar conta das tarefas domésticas e de
cuidar dos irmãos menores. Em conseqüência disto,
se traumatizaram e nem conseguem mais dormir, pois sentem que suas
obrigações é acordar de madrugada para fazer
as tarefas domésticas, principalmente aprontar o almoço
que os pais levam para o trabalho antes das sete horas da manhã,
horário de ir para a escola.
Os novos agregados haviam afirmado que não
tinham interesse em disputar cadastro em caso de surgimento de vagas
e sim que estavam dispostos a contribuírem nas discussões
das questões gritantes, na busca conjunta de soluções
para tal realidade que não é "privilégio"
exclusivo deste assentamento e que se podia fazer uma partilha de
experiências. Tal disponibilidade não fez mais do que
causar espanto, terror e reações por parte da pequena
elite herdeira do "poder do grito" , do qual são
vítimas as gerações passadas e somos e seremos
todos nós até que um dia reconheçamos juntos
nossos desacertos e juntemos o nosso grito aos gritos de todos os
excluídos.
As reações se configuraram quando
se iniciou um trabalho com os jovens e as mulheres. Tais reações
se davam nas tentativas de inibir a participação dos
"intrusos" nas reuniões, sempre atribuindo aos mesmos
as "desavenças", "desentendimentos" e "brigas
" nas assembléias, como eram chamados os embates de idéias
e as discussões e decisões democráticas, onde
os gritos dos poucos começavam a perder poder. Isso fez com
que os agregados começassem a ser discriminados dentro do assentamento,
fato que provocou a decisão dos novos agregados de se colocarem
como concorrentes de cadastros que abrissem vagas. Enquanto alguns
receberam a notícia com boa aceitação, outros
a receberam com indiferença. Entretanto, a notícia foi
recebida como uma declaração de guerra pela elite do
assentamento. A partir daí parecia ter nascido um atrito ao
mesmo tempo que se abria uma vaga: um assentado muito jovem que teve
um desentendimento com sua parceira, entrando numa crise existencial,
pede renúncia de seu cadastro. Dispuseram-se 03 (três)
pessoas para concorrer ao cadastro, incluindo aí os novos agregados
como candidatos, aumentando as hostilidades.
Acontece em setembro de 1999 uma reunião
com a presença do INCRA, nas pessoas da Dra. Solange e do Dr.
Agenor , e na qual se tratou do caso da saída do rapaz, da
sua substituição e da problemática da juventude
frente ao alcoolismo, saindo propostas de atividades que envolvessem
os jovens como a criação de um grupo de jovens para
discutir a sua realidade. Houveram outras propostas, como a de trazer
os alcoólatras anônimos e a dos evangélicos, que
apontavam como única saída a religião. De todas
as propostas apenas duas foram prontamente iniciadas: os novos agregados
passaram a convidar os jovens para reuniões, os quais com alguma
dificuldade começaram a comparecer e, discutindo-se sobre qual
atividade iniciar, decidiu-se pelo teatro; por outro lado, houve uma
intensificação das atividades dos crentes como se estivessem
numa disputa acirrada, uma campanha desesperadora, tanto na disputa
dos jovens e suas famílias como nos esforços para que
os novos agregados não ganhassem o cadastro. Na escolha entre
os três candidatos saiu o seguinte resultado da votação:
o eleito com 16 (dezesseis) votos, os novos agregados com 08 (oito)
votos e um outro candidato com 02 (dois) votos.
Na medida em que se passava o tempo e ia se
discutindo a realidade dos jovens no grupo, as familiaridades com
os mesmos foi levando os novos agregados até as famílias
deles e percebeu-se que aqueles que participavam assiduamente eram
os mais marginalizados, como também seus pais. Assim, conheceu-se
mais de perto a realidade das mulheres e das crianças. Os novos
agregados passaram a incentivar as mães a se reunirem para
discutir os seus problemas e os das crianças. A sugestão
de se reunirem teve boa aceitação por parte das mulheres,
marcando-se uma primeira reunião, na qual se teve um bom comparecimento,
assim como nas reuniões seguintes. Iniciou-se um estudo sobre
desnutrição infantil e constatando-se a existência
de várias crianças desnutridas, passou-se a estudar
sobre alimentação alternativa. Nesse caminho, foi iniciado
um aprofundamento sobre a multimistura, o valor protéico e
nutricional de cada componente e a sua eficácia na recuperação
de desnutridos. Todas as mulheres foram convidadas a participarem
deste estudo. Inicialmente freqüentava de 12 (doze) a 15 (quinze)
mulheres nas reuniões, mas as articulações contrárias
começou a esvaziá-las. Acontecia de mulheres serem chamadas
no momento que participavam das reuniões e não voltarem
mais e aumentava também o "arrastão" e a disputa
das mulheres para participarem dos cultos evangélicos. A notícia
da multimistura na recuperação dos desnutridos foi motivo
de muitas chacotas e as pessoas que se reuniam eram chamadas de desnutridas
e que estavam se preparando para comer mato, folhas de bananeira,
etc (esses eram os boatos).
As chacotas aumentaram quando os novos agregados
começaram a falar sobre preservação e agricultura
orgânica e a possibilidade de se trabalhar com defensivo natural
e coberta morta, com técnicas simples que muitos agricultores
já usam há muito tempo como as curvas de nível
em terrenos acidentados e banco de proteínas para a pecuária.
Quando se falava em lutar por recursos de fora para dentro do assentamento
a fim de preservar um pouco mais as matas, alguns se irritaram, pois
existe uma prática corrente de desmatar para tirar estacas
e assim vendê-las para conseguir finanças que sirvam
para a estruturação do assentamento, como foi, por exemplo,
para registrar a associação, às custas de estacas
de sábias vendidas para este fim, e para recuperar currais
e a casa-sede. O mais grave é o desmatamento de toda a aba
do serrote, feito por cortadores que levaram toda a madeira pagando
R$100,00 (cem reais) por hectare, não sobrando nada. E isso
só foi possível após a liberação
informal de um técnico do INCRA (o Dr. Agenor, mesmo tendo
havido discordância quanto a isso pela Dra. Solange), que também
acompanhava o assentamento) sem uma avaliação técnica
in loco. Esse discurso dos novos agregados irritou alguém que
chegou a dizer em assembléia que o assentamento tem madeira
para resolver todas as necessidades do próprio assentamento
(bastaria vender toda a madeira!). Os novos agregados também
colocaram sua posição, que já haviam jurado que
não queimavam mais mato para plantar e que trabalhavam na busca
de recuperar o solo através da coberta morta e sem uso de agrotóxicos,
afirmando que queimadas e venenos enfraquecem o solo, matam os microorganismos,
além de prejudicar a saúde das pessoas e dos animais.
Há também um problema grave de uso de agrotóxicos
na bacia do açude que é geralmente gradeada por trator.
Com o gradeamento, a terra frouxa é carregada para o açude,
causando o aterramento e levando veneno para a água e empobrecendo
o solo.
O
FOGAREL: UMA REPRESÁLIA FRUSTRADA CÔMICA PORQUE NÃO
FOI TRÁGICA
Os novos agregados chegaram a correr o risco
de ver seus pertences destruídos pelo fogo da queimada de roçado
que ficava na frente do lado leste da casinha que estavam morando
na beira do açude. Alguém tocou fogo sem avisar e o
fogo pulou noutro roçado pertinho da casa, que nem sequer estava
aceirado. Ao invés de pedirem ajuda para apagar o fogo, os
responsáveis pela queimada terminaram de tocar fogo no resto
dizendo que era para evitar que o fogo fizesse apenas veredas no mato
cortado que não estava queimando direito. Na frente da casinha
estava um veículo caravan dos novos agregados. Vendo-se ameaçados
pelo fogo, os novos agregados deixaram a casa com os pertences e a
caravan e foram para a vila, a 01 (um) quilometro de distância
onde muitos estavam assistindo, os quais, quando viram os novos agregados
exclamaram: "suas coisas e carro vão queimar!". Os
novos agregados simplesmente responderam com indiferença: "não
tem problema; os culpados responderão, pois quando terminar
de queimar, chamaremos a perícia!". Isto foi o suficiente
para todos eles se alvoroçarem e correrem para apagar o fogo.
O fogo chegou a queimar todas as ervas secas ao redor da casinha e
faltou menos de 02 (dois) metros para alcançar o veículo.
OUTRA
DISPUTA DE CADASTRO
Houve a desistência do Sr. Manoel Sales
Neto de seu cadastro. Este senhor é um dos que tinha mais filhos
estudando na sede e que compraria bicicletas para eles não
precisarem de transporte escolar. Inicialmente, ele era o mais intrigado
com os novos agregados. O preenchimento de sua vaga foi uma verdadeira
saga.
A campanha de difamação e calúnias
contra os novos agregados eram tão pesadas que os próprios
caluniadores não podiam sustentá-la e acabavam desmoralizados
com elas. A visão de líder autoritário era tão
forte e ligado ao medo de perder a chance de ser dirigente, que a
elite administrativa via em cada pessoa que se pronunciava em assembléias
ou que dava uma proposta viável uma ameaça às
suas pretensões. Chegaram a inventar que a Sra. Ivânia
havia dito que quando ganhasse o cadastro iria botar moral no assentamento,
que o Sr. Inácio iria fazer todo mundo plantar dentro do garrancho.
O tempo foi passando para o dia da escolha do substituto e já
se ouvia falar também que a elite administrativa andava buscando
orientação do Sr. Joaquim Sérgio Pereira de Mesquita
contra os novos agregados.
Uma pequena apresentação cultural
de bonecos pelos novos agregados na casa do Sr. José Vital
foi assunto de pregação pública de cultos evangélicos.
Um dia antes da votação, o balanço
feito indicava que as intenções de votos estavam acirradas
e quem ganhasse ou perdesse não seria por mais de um voto.
Durante a assembléia, na hora em que
ia se iniciar a votação, um deles levantou-se nervoso
e começou a fazer acusações extremamente caluniosas
contra o Sr. Inácio dizendo que o mesmo "já fora
expulso de um assentamento, já tinha afundado o dito assentamento
e estava aqui para afundar este". Outros dois se levantaram e
apoiaram a falação do primeiro. Boatos anteriores davam
conta de que macaxeiras haviam sido comidas e quem moravam perto eram
os novos agregados e que o veículo caravan que os mesmos possuíam
estava escondida porque tinha sido roubado ou comprado às custas
de calotes à comunidade de onde vieram. Nesse clima aconteceu
a votação e na hora foram organizados "motins"
para arrastar os que votariam nos novos agregados. O clima de tensão
que foi criado intimidou a alguns, que passaram para o outro lado
ou se abstiveram de votar, dizendo depois que não participaram
para evitar confusão. O resultado da votação
favoreceu ao candidato deles com 16 (dezesseis) votos; para os novos
agregados 10(dez) votos e para um terceiro candidato 08 (oito) votos.
Terminada esta disputa, desde então
a "comunidade", que nunca fora de fato unida, selou uma
separação final e os comentários entre os votantes
dos dois candidatos que perderam na votação era de que
havia muita sujeira. Na mesma tarde em que se deu a votação
(dia ___ de dezembro de 1999), o Sr. Joaquim Sérgio Pereira
de Mesquita veio pela primeira vez depois de sua expulsão para
colher os comentários e a elite administrativa não tinha
como esconder sua satisfação. Os novos agregados, diante
de todo o ocorrido negociaram um porco, exposto à venda, justamente
para fazer finanças a fim de ir atrás da origem das
acusações feitas contra eles, de modo que no dia seguinte
bem cedo partiram para tal encaminhamento: foram à comunidade
da Barra do Leme, onde eram assentados antes de virem para o Boqueirão
(assentamento 24 de Abril), participando a uma assembléia da
comunidade da Barra do leme o que ocorrera. Tal assembléia
decidiu elaborar um documento esclarecendo sobre a conduta dos companheiros
Inácio e Ivânia, ficando também aprovado que a
comunidade da Barra compareceria a uma assembléia do Assentamento
24 de Abril para esclarecer os fatos e os boatos maldosos na presença
de técnicos assessores do INCRA que acompanhavam as duas áreas.
Isto aconteceu em janeiro de 2000 na presença dos técnicos
dos respectivos assentamentos: o Dr. Agenor, técnico assessor
do assentamento 24 de Abril e o Dr. Félix, que foi assessor
do assentamento Mandu Ladino da Barra do Leme e que conhecia os novos
agregados. Ninguém assumiu na hora as acusações
feitas, ficando provado a falsidade das mesmas. Os novos agregados
demonstraram que iriam resistir. Novas ameaças surgiram quando
os novos agregados anunciaram nesta mesma assembléia que iam
fazer sua casa no quintal de João Bosco do Nascimento. Um membro
do outro lado se exaltou, ameaçando juntar a sua turma e derrubar
a casa, caso a construíssem. Os novos agregados então
exigiram que o INCRA, na pessoa dos técnicos ali presentes,
se pronunciasse já que estava ouvindo a ameaça feita
publicamente na assembléia. Mas a ameaça não
foi assumida pelos demais e o ameaçador desistiu na hora de
sua afronta. Os técnicos também não se pronunciaram
a este respeito, mas o grupo que apoiava os novos agregados reafirmaram
perante todos o apoio aos novos agregados e que iriam levantar a casa
em regime de mutirão.
Depois do ocorrido, um grupo de 05 (cinco)
famílias cadastradas ficaram se reunindo, discutindo a alimentação
alternativa (a multimistura), fazendo este produto e organizando-se
em mutirões para capinar os roçados das respectivas
famílias, revezando-se toda a semana, onde cada dia todos iam
para um roçado diferente. Isso fez com que se ganhasse a adesão
de mais 03 (três) famílias, que passaram a integrar o
grupo. Durante todo o inverno de 2000 trabalharam juntos em mutirões
na capinação dos roçados de todos.
Com o passar do tempo, percebeu-se que essa
união não era tão sólida, pois diante
das intimidações e promessas do prefeito e do Sr. Joaquim
Sérgio Pereira de Mesquita, que entrou novamente (não
como assentado, mas como representante da FETRAECE!) e com mais aceitação
por parte da elite administrativa no assentamento, algumas famílias
acabaram cedendo e aderindo ao grupo majoritário. Permanecem
firmes apenas 03 (três) famílias cadastradas e algumas
famílias agregadas, que vendo a real e total impossibilidade
de se trabalhar junto com o grupo ligado à FETRAECE, Sérgio
e prefeitura, exigem agora a divisão proporcional da terra,
antes que a situação se torne trágica e cada
vez mais tensa. Esse grupo minoritário repudia qualquer assessoria
de indivíduos e entidades que comungam com os interesses do
Sr Joaquim Sérgio Pereira de Mesquita, que já demonstrou
o quanto é pernicioso para a organização e luta
dos trabalhadores e que, infelizmente, o outro grupo aceita. Exige-se
também que no caso de qualquer desistência de cadastro
seja colocada a Dona Rosélia, pois a mesma, como moradora de
muitos anos, foi excluída do processo de cadastramento injusta
e ilegalmente pelo INCRA, uma vez que a própria Lei garante
a prioridade de assento aos moradores originários da terra.
A responsabilidade de se evitar qualquer tragédia é
do INCRA, pois basta-lhe apenas vontade política para solucionar
um problema que ainda é simples mas que pode tornar-se uma
grande dor de cabeça para todos, tendo em vista, por exemplo,
que este dossiê está sendo divulgado em Internet a diversos
e muitos movimentos sociais, entidades, etc pelo mundo afora.
MAIS
CRIMES SÓCIO-ECOLÓGICOS E AMEAÇAS
A falta de perspectiva de produção
no assentamento é tão grande que a área mais
fértil e irrigável por densidade do assentamento (cerca
de 60 hectares de baixios) tornou-se objeto de um recente acordo com
a fábrica de cachaça Ypioca. Por este acordo, a Ypioca
forneceu uma quantidade de instrumentos de trabalho (tratores principalmente!),
mudas, etc para o plantio de cana-de-açúcar . Os trabalhadores
se obrigaram então a fazer todo o trabalho de plantio, tratos
culturais e corte, de modo que provavelmente, a primeira safra seja
insuficiente para o pagamento dos financiamentos concedidos pela Ypioca.
Além desse processo ser altamente prejudicial à fertilidade
do solo, ele acaba escravizando aos trabalhadores e suas famílias,
incluindo as crianças. É impressionante como os assentados
que realizaram tal acordo se obrigam agora a trabalhar desesperadamente
para cumprir com suas obrigações. O mais grave é
que lutou-se para tirar o patrão da terra e agora traz-se o
patrão de volta para vigiar e se apropriar da produção
dos assentados!
Enquanto há por parte desse grupo de
assentados assessorado pela FETRAECE, INCRA, prefeitura, etc esse
conchavo com os patrões, por um outro lado há brigas
e conflitos entre os próprios trabalhadores. A situação
como sempre pende para o lado mais fraco, para as minorias, que acabam
vendo despejadas contra si todo o rancor e frustração
diante de uma vida miserável e sem esperança. É
impressionante como o grupo minoritário tem, nesses últimos
meses, sofrido uma série de ameaças e afrontas por algumas
pessoas do grupo majoritário. Alguns animais de pessoas do
grupo minoritário estão sendo espancados, aleijados,
maltratados de forma geral ou até mortos. Há também
a ameaça de se jogar animais dentro de roçados antes
de terminar a colheita. Arames são cortados na surdina da noite
para colocar animais nos terrenos de pessoas do grupo minoritário.
E por ai vai...
O mais grave de tudo é que está
se repetindo o que aconteceu nos anos passados: pela quarta vez, as
matas estão sendo derrubadas para a realização
de grandes queimadas em preparação aos plantios do próximo
inverno. Inclusive, é importante salientar que no ano passado
(1999) o assentamento foi advertido pelo INCRA que não podia
se brocar (desmatar) enquanto não houvesse uma avaliação
técnica por parte do IBAMA, estando o próprio assentamento
incluído nas 50 (cinqüenta) primeiras áreas a serem
vistoriadas. Ocorreu que o técnico da área orientou
os assentados que fizessem a derrubada da dita área em litígio.
Assim foi feito sem que até hoje tenha havido qualquer vistoria
por parte de quem quer que seja.
Imaginemos uma área de 500 (quinhentos)
hectares com 20 (vinte) cadastrados desmatando por ano a quantidade
mínima de 01 (um) hectare por cadastro... Quantos anos teríamos
de flora, fauna e água? Isso está acontecendo em quase
todos os assentamentos e comunidades rurais, não é particularidade
do assentamento 24 de Abril. Ou lutamos para mudar esse tipo de relação
com a terra, lutando contra o capitalismo, a escravização
imposta pelo mercado, ou nos veremos num futuro próximo expulsos
da terra ou então morrendo à mingua dentro dela. Hoje,
como estão, os assentamentos e as comunidades rurais nada mais
são do que favelas rurais.
O
QUE QUER, AFINAL, O GRUPO MINORITÁRIO?
O grupo minoritário não se coloca
como "salvador da pátria" e nem como dono da verdade.
Nem muito menos os chamados novos agregados são ou se portam
como líderes ou únicos responsáveis das reflexões
e vivências colocadas neste dossiê. Já existia
desde muito antes da chegada dos novos agregados um descontentamento
espontâneo, principalmente de jovens que já defendiam
a vida de um pomar de azeitonas e de árvores às margens
dos riachos e por trás do açude, derrubados apenas para
não permitir que as pessoas transitassem por ele atrás
de frutas ou para substituir por plantio de feijão. Muitos
já não suportavam mais as opressões às
quais eram submetidas quase que diariamente. Alguns dizem sempre que
se antes tínhamos um patrão agora temos vários
patrõezinhos, se referindo à elite administrativa do
assentamento. As pessoas descontentes simplesmente se encontraram,
dialogaram, se identificaram e resolveram lutar juntas por um mundo
melhor.
Por toda esta razão, o grupo minoritário
exige que seja feita imediatamente a divisão proporcional da
terra para que possa exercer na prática essa nova relação
com a terra e com os seres humanos, sem queimadas, sem machismo, sem
agrotóxicos, sem lideranças, sem opressões, sem
exploração, sem patrão... onde todos pensem,
decidam e façam coletivamente e conscientemente... Que todos
decidam o que se faça... Que todos façam o que se decide...
Não estamos sozinhos nesta luta... Por
vários recantos do planeta há pessoas, grupos e movimentos
que pensam e procuram fazer como nós e com os quais temos procurado
manter contato regular. Fazemos nosso esse adágio internacional
de luta dos povos: "não queremos nada para nós
e sim tudo para toda a humanidade, para todos, porque nós estamos
dentro desse todo"... E aqui estamos, como tantos outros e tantas
outras, resistindo!
ASSINAM ESTE DOSSIÊ:
APOIOS
(ATÉ 27 DE MAIO DE 2001):
1. KLYCIA FONTENELE OLIVEIRA – ESTUDANTE DE JORNALISMO –
R.G. 8912003004265
2. PROFESSOR JAIME PIETRO – COORDENADORIA DE AUTONOMIAS DE SÃO
PAULO
3. NÚCLEO ZUMBI ZAPATISTA DO ABC PAULISTA
4. MOÉSIO REBOUÇAS – CUBATÃO – SP
5. AGÊNCIA DE NOTICIAS ANARQUISTAS
6. GRUPO AUTONOMIA (RIO DE JANEIRO)
7. ALFREDO DOS SANTOS – MILITANTE DO COMITÊ PERMANENTE
DE SOLIDARIEDADE AOS POVOS EM LUTA – SÃO PAULO (BR)
8. CENTRO DE CULTURA PROLETÁRIA (RIO DE JANEIRO)
9. COMUNIDADE PIRACEMA (RIO GRANDE DO SUL)
10. ALDO E BRUNELLA ZANCHETTA – VIA PIERONI , 27 - 55010 –
GRAGNANO (LUCCA) ITALIA
11. WALFRIDO DE SOUSA FREITAS NETO – R.G. 36845-522
12. MARCIO MALACARNE E LIBERACANO GRUPO – SÃO JOSÉ
DOS CAMPOS – SÃO PAULO
13. GRUPO PERNAMOCAMBO (RECIFE)
14. LEO VINICIUS LIBERATO – FLORIANÓPOLIS – SC
15. JORNAL ESPAÇO SOCIALISTA
16. REDE DE MOVIMENTOS SOCIAIS AUTÔNOMOS DO NORTE-NORDESTE
17. UNIÃO LIBERTÁRIA DO MARANHÃO
18. COLETIVO RUPTURA (CEARÁ)
19. COLETIVO CONTRA A CORRENTE (CEARÁ)
20. DJACIR OLIVEIRA – TRABALHADOR GRÁFICO
21. ASSOCIAÇÃO DOS MORADORES DA OCUPAÇÃO
TERRA PROMETIDA (PIRAMBU)
22. GRUPO REBENTO NOVO (PIRAMBU)
23. ROSE FIGUEIRA – ESPANHA
24. COMISION CONFEDERAL DE SOLIDARIEDAD COM CHIAPAS DE LA CGT –
CONFEDERACION GENERAL DEL TRABAJO – ESPAÑA
25. MARCOS E FATINHA (MOVIMENTO POPULAR DE FORTALEZA)
26. NÚCLEO DE PROPAGANDA ANARQUISTA – PARAÍBA
27. FÁBIO E JÚLIA – MOVIMENTO POPULAR DO JARDIM
IRACEMA
28. COLETIVO L (FORTALEZA)
29. CÍRCULO DE CULTURA E ORGANIZAÇÃO PROLETÁRIA
(PARQUE GENIBAU E ADJACÊNCIAS)
30. GRUPO DE ESTUDOS COMUNITÁRIOS DA GRANJA PORTUGAL
31. COMITÊ DE SOLIDARIEDADE ÀS COMUNIDADES ZAPATISTAS
DO CEARÁ
32. OLGA MARIA – CRATEÚS - CE
33. JOANA DÁRC – QUIXADÁ – CE
34. REGINALDO FIGUEIREDO – MOVIMENTO POPULAR
35. ANA LOURDES – MOVIMENTO POPULAR
36. APOLINÁRIO ALVES – MOVIMENTO POPULAR
37. ANARQUISTAS E ANARCO-PUNKS DO CEARÁ
38. MOVIMENTO DE SOLIDARIEDADE LATINO-AMERICANO (MSLA)
39. OCUPAÇÃO ZUMBI DOS PALMARES (SÃO LUÍS
- MARANHÃO)
http://www.assentamento.cjb.net/