Dossiê Sobre o Assentamento 24 de Abril -Boqueirão, Acarape-CE-Brasil

Introdução

Este documento que lhe passamos à mão foi um trabalho duro e penoso por ter sido feito por nós trabalhadores, atravessando grandes dificuldades, em situação de instabilidade em nossos meios de sobrevivência. Tantos sonhos de vida melhor ao ter a posse da terra! Tais sonhos tornaram-se pesadelo para muitos, inclusive para nós.

Ao entrarmos na terra nossos sonhos se quebraram e se individualizaram. Dos pensamentos individualistas de uns, com as saudades do patrão de outros, juntando-se com o que nunca faltou a alguns: o instinto mandonista.

Juntaram-se então todos os ingredientes necessários para o nascimento, crescimento e reprodução da dominação na forma do grito e da intimidação, formando-se uma elite revestida do poder da ambição. Substituíram impecavelmente os ex-donos desta terra. Os que não tinham ‘ vocação’ para mandar tiveram e ainda têm que engolir sapo até não agüentar mais.

Por não agüentarem mais, é que um pequeno grupo de assentados e agregados rebelamo-nos e lutamos por liberdade e autonomia. Uma de nossas ferramentas é este manifesto-dossiê que leva até você as causas de nossa insatisfação, travando um debate e lançando o convite e desafio para uma discussão política sobre a posse da terra e nossa (de todos e de todas!) sobrevivência nela e as relações sociais de produção existentes e as que devem existir. Através deste dossiê, oferecemos, ao mesmo tempo em que pedimos, solidariedade para com e àqueles e aquelas que, como nós, sofrem as hostilidades por resistirmos em praticar uma relação puramente produtivista com a terra.

Não queremos que as pessoas sigam as nossas formas de agir. Apenas achamos que já está no tempo de discutirmos, nós, os explorados da Terra, entre nós, os explorados das terras, sobre que tipo de relações devemos manter entre nós próprios e entre nós e a terra, bem como o que vamos fazer com o sistema de exploração.

Como tirar da terra o nosso sustento, pensando também no sustento dos que virão depois de nós? Será justo desfrutarmos de tudo o que está à nossa vista hoje, sem pensarmos em nossos filhos amanhã? Somos hostilizados por não considerarmos a terra propriedade de ninguém e sim patrimônio de toda a humanidade, de todos os seres. Cada um de nós é passageiro nas terras dos próximos que virão, portanto devemos respeito. É evidente que não somos um grupo de pessoas que pensam igual e querem todas as mesmas coisas; a identificação mais comum entre nós é a marginalização e discriminação de que somos vítimas, mas as diferenças nos ajudam a crescer desde que as tratamos com respeito mútuo, sem intransigência ou autoritarismo. Buscamos trabalhar juntos o consenso e através do convencimento, deixando que a prática prevaleça sobre o discurso vazio, fazendo assim com que um construa o outro (o discurso, a prática e a prática, o discurso).

Estamos num período invernoso em que de costume, a esta altura (abril de 2001), já teríamos recebido o custeio (um mil reais parcelado em três vezes durante o ciclo da cultura sequeira), que foi cortado para dar lugar ao projeto de investimento que sairia em outubro do ano passado (2000). Acontece que só em fevereiro deste ano nos foi avisado porque ele não saiu. Motivo: o INCRA teria que ter feito o PDA (Plano de Desenvolvimento do Assentamento), mas não o fez porque não dispunha de finanças para elaborá-lo. O curioso é que, o que mais existe nos assentamentos, inclusive neste, é assessoria. Pois bem, neste nós temos: o INCRA, na pessoa do Dr. Agenor; a COOPASAT/CCA e por fim a FETRAECE, na pessoa de seu secretário executivo e ex-assentado deste projeto, expulso por motivos esclarecidos adiante, que hoje continua à solta aqui dentro, vendendo a consciência dos assentados para os políticos da região, sendo o mesmo, um desses.

Com a falta de custeio e de investimento, haja desespero, de tal modo que já se chegou ao ponto de ter que vender as estacas da mata para se alimentarem e já se falando em vender as pedras do Serrote do açude, o qual já tem sua base completamente desmatada e ateada fogo no ano passado e hoje vê-se ameaçado de ser-lhes vendidas as pedras que dão sustentação de base, que evita deslizamento e desmoronamento do morro. A justificativa é que ‘ não temos a que se apegar" . O preocupante é que as madeiras são cortadas de forma indiscriminada, sem respeito a limites de reservas, o que também não existe. Nem há preocupação se existe discordância. Aqui, o mais importante é o dispor de uma maioria que assim pensa e procede e quem for minoria que assista e engula calado.

Não queremos julgar os trabalhadores que já vivem assim há séculos cumprindo ainda esta cultura, que lhe foi imposta pelo sistema de dominação. Eles não são culpados por tais atos. Não podemos negar que tais atos sejam a causa da destruição aos poucos das nossas terras agricultáveis. Em absoluto, não estamos dirigindo nossas denúncias aos pobres como nós, que muitas vezes somos usados como massa de manobra. Nossas denuncias vão sim para tantos que se dizem esclarecidos na sociedade, que fazem questão de se apresentarem como líderes ou de serem aclamados como chefes, especialistas em ecologia, em produção, em projetos, em política e por aí vai. Nos discursos, através dos meios de comunicação, em palanques, revistas, Internet, etc todo mundo sem exceção (de um extremo a outro, ideologicamente) está preocupado com o planeta, defendem a agro-ecologia e a preservação da água e há até órgãos para punir as infrações, como é o caso do IBAMA. Congressos e convenções regionais, nacionais e internacionais são constantes abordando o tema; premiação para a agroindústria com selo de pureza e preservação para os seus produtos de exportação. Temos uma ecologia mercadoria de exportação.

Aos que vão dar o verdadeiro sentido da ecologia na prática, de forma gratuita com interesses apenas nos benefícios futuros para toda a humanidade, tornando a causa ecológica a sua própria causa, só resta a hostilização, pois são contra o "progresso", o "desenvolvimento". Estes devem desaparecer, como Chico Mendes, cujo nome foi aproveitado para a campanha ecológica da industria da madeira, da Rede Globo, do governo, FHC, etc.

Queremos entre os que querem e aceitam a discussão, mudar nossas relações sociais e com a terra. Nos preocupamos com a forma como é orientado este assentamento pelos órgãos competentes, mas cuja competência duvidamos. A competência deve estar com aqueles que estão diretamente na terra e com os que querem discutir o novo.

Já que existe entre os dois grupos uma separação de fato, havendo apenas a falta de respeito para com quem busca mudar, trabalhamos no sentido de nos desligarmos legalmente. Queremos apenas assegurar o direito a autonomia, onde cada pessoa possa decidir dentro do coletivo o respeito aos limites. Apenas assim se criará o respeito entre os dois grupos, onde as práticas de ambos irão nortear as discussões entre estes assentados e até entre outros por aí afora. Hoje, portanto, é impossível uma convivência pacífica numa mesma associação, onde temos apenas que nos submetermos , além da assessoria da FETRAECE que não aceitamos. Se exigimos hoje a divisão do assentamento não é porque queremos individualizar, mas sim por uma questão de preservação, pois se o deixarmos num todo, vamos tê-lo todo depredado, pois assim prometem e assim vêm fazendo e continuarão a fazer. Esta é a nossa maior preocupação, de em poucos anos não termos mais onde se tirar nem mais estacas para o próprio assentamento, já que estão sendo vendidas hoje como foram vendidas as tiradas em anos anteriores.

Queremos contribuir com nossa parte para a preservação do planeta, recuperando o meio-ambiente para a recomposição da natureza e criando uma relação fraterna entre os seres humanos e os outros seres da terra como um todo.

Pedimos desculpas pela extensão do documento, mas ainda é pouco diante de centenas de anos de destruição dos povos da Terra e da terra dos povos.

BOA LEITURA!


ACARAPE - ANTECEDENTES HISTÓRICOS

Situado num vale, outrora fértil, às margens do rio Pacoti, partes de terras arenosas de solo raso, intermediando: Litoral, Sertão e Maciço de Baturité. Partes apresentam rochosas ricas em calcário. A composição vegetal de maior densidade é o sabiá, madeira de muita utilidade para lenha por ser muito boa de fogo e para estacas. É exportada em larga escala para a maioria dos estados do Nordeste como: Paraíba, Pernambuco, Sergipe, Alagoas, Bahia etc. Muitas outras variedades foram extintas, algumas encontram-se em fase acelerada de extinção pela extração predatória da lenha e da estaca tanto para exportação como para o consumo interno da industria local do calcário, que há mais de 50 anos existe perto de uma centena de fornos queimando lenha para transformar pedras em cal e até supercal.Grande parte desses fornos já pararam por crise no setor, só ficando os que produzem em larga escala para a industria de refinação que o transforma em tintas como é o caso da Hidracor, do grupo J.Macedo, que mantém uma bem aparelhada unidade industrial que além de ser dona de grandes partes das pedreiras, faz a cal, refina e faz a tinta que possui também o mercado atacadista e varejista, fazendo quebrar na região a maioria das pequenas empresas produtoras de cal que empregava muita gente do local e adjacências, o que hoje é irreversível.Grande parte da madeira é usada nas fornalhas das olarias (fabricação de telhas e tijolos) de antigas tradições na região, de largo consumo de lenha para dar acabamento final ao seu produto. As terras ficam devastadas, que depois de queimadas são aproveitadas para as monoculturas, antes , do algodão, da cana-de-açúcar, do arroz e mais esporadicamente outras culturas.

Por falar em cana-de-açúcar, ela é uma das mais consideradas matérias-primas da região para a produção de açúcar, rapadura, e mais recentemente, a cachaça, que é o que gera mais lucros para os donos da terra e das fabriquetas de cachaça. Estas fabriquetas foram passo a passo "engolidas" por médias e grandes empresas, das quais se destaca a Ypioca e a Douradinha, além da Chave de Ouro, que está em decadência.

Estas terras sofreram séculos de devastação. Por ser uma região próxima do litoral tivemos desde muito cedo a presença do colonizador, que subiram no século XVIII o rio Pacoti em busca de terras férteis para produção de cana e pasto para o gado (pecuária). Chegando lá os missionários jesuítas, a denominaram de caminho das garças ou Acarape, que na língua tupi quer dizer caminho do peixe (acara = peixe; pê: caminho). Isso deu início a um período de escravismo colonial na região, com a instituição das fazendas e dos engenhos. Negros e índios eram escravizados para servir de mão-de-obra dos senhores da época. Como em todo o Ceará, já no século XIX, os movimentos abolicionistas foram bem fortes na região, o que fez com que Redenção e Acarape, ganhassem a fama de ter sido a primeira região do Brasil a "libertar" os escravos. Entretanto, o fator mais importante desta "abolição" era o próprio fato de que a produção econômica não requeria tanta mão-de-obra escrava e não dava tanto lucro aos senhores de engenho para que eles pudessem manter os custos da produção e da mão-de-obra. A geofísica do Ceará apresenta em sua maior dimensão um clima de sertão, com chuvas menos regulares que em outras partes do Nordeste, predominando as chamadas cultura de épocas chuvosas (milho, feijão, arroz, etc). Em algumas secas ocorridas, a pecuária era considerada uma cultura de risco e chegou a quase extinguir-se. Todos estes setores empregavam muito mais gente do que a monocultura da cana-de-açúcar ou do café. Chegava-se ao ponto dos senhores de engenho em processo de falência venderem a preço de banana ou por sacos de farinha os seus escravos para outras regiões do país, inclusive para se safarem das dívidas que contraiam. Na realidade essa "libertação dos escravos" foi apenas o reconhecimento de que não era lucrativo manter a escravidão no Ceará.

A fazenda por nome de Boqueirão foi parte do latifúndio do coronel Juvenal de Carvalho, a qual, por alguns incidentes históricos, passou a pertencer a partir dos anos 30 aos Vieiras, sendo titular o Sr. Antônio Vieira. Ela chegou a agregar centenas de trabalhadores que já vinham sofrendo muita exploração nas mãos de carrascos coronéis que passaram por essas terras ou viviam tempos difíceis devido às secas, provocados pelo próprio latifúndio que cercava as melhores terras, deixando à mingua os trabalhadores rurais para se aproveitarem de suas mãos-de-obra quase escrava e servil. Nesse ínterim, os latifundiários recebiam fartos e fáceis financiamentos com os quais construíam poços, açudes, barragens, grandes casas de fazenda, armazéns, etc. E nesses tempos difíceis, os latifundiários obtinham geralmente o perdão de suas dívidas, ao mesmo tempo em que endividavam os trabalhadores sem a menor compaixão, com o intuito de mantê-los escravizados pelas dívidas.

A veracidade desses fatos históricos não é difícil de ser comprovada e resgatada, bastando colher os relatos dos anciãos da região, além de documentos históricos acessíveis. Ademais, os mais novos não nasceram livres de tais relações, tanto por as aceitarem como por reproduzi-las em seus cotidianos. Ou seja, esses fatos históricos não são coisa do passado, pois eles são reproduzidos no presente.

Esta região do vale do Acarape guarda um passado não tão distante dos mandos e desmandos dos hábitos tradicionais coronelistas que estão dentro de cada pessoa de acordo com as suas posses econômicas e influências políticas: se alguém tem um comércio ou uma propriedade rural, já manda nos que possuem menos ou nenhumas posses; os que antes eram senhores da cana-de-açúcar e/ou da cal (em relação à estas culturas especificamente, alguns ainda o são), do algodão, do gado, hoje só possuem o "grito", com o qual levam adiante a reprodução desse poder coronelista. É muito forte a herança do paramilitarismo (jagunçada e pistolagem), ainda disponível e subserviente aos latifundiários. Um exemplo bem recente foi a chacina da fazenda Lagoa do Serrote em Ocara (25 de julho de 2000), cuja proprietária, acusada de ser a mandante, é natural do Vale do Acarape.

O município que hoje chama-se Acarape era antigamente chamada de "Cala a Boca", demonstrando como as pessoas tinham que suportar todas as injustiças caladas. A cidade que é hoje Redenção era a antiga Acarape, que ganhou este nome por ser considerada a primeira a "libertar" os escravos no Brasil. Apesar de uma distância relativamente pequena de Fortaleza (capital do estado), existe um atraso maior que em outras regiões mais longínquas dos centros urbanos. As relações autoritárias e machistas em relação à mulher, que está submetida a um grande conformismo com esta situação, está muito presente. Também, é muito comum se ouvir dizer que o proprietário tal mandou a polícia bater no pobre de fulano, por ter "invadido" sua propriedade para tirar uma forquilha para escorar sua casa de taipa ou um feixe de lenha para cozinhar o feijão.

O moderno coronelismo é exercido nesta região muito freqüentemente por pessoas que ocupam cargos públicos e privados, no setores da saúde, educação, postos de gasolina , farmácias e comércios variados e, pasmem, no sindicato dos trabalhadores rurais e FETRAECE. Os métodos coronelistas em suas formas domésticas mais arcaicas, como espancamentos de esposas e filhos são muito comuns.

A ocupação da fazenda Boqueirão do Juvenal foi realizada nesse contexto e não pôde deixar de conviver com toda essa pesada herança coronelista...

BREVE HISTÓRICO DA OCUPAÇÃO

Esta parte da fazenda Boqueirão que é hoje o assentamento 24 de Abril traz o nome da data em que foi ocupada no ano de 1997.

A maioria dos ocupantes sempre moraram e/ou trabalhavam nessas terras, pagando renda de 02 (duas) sacas de produtos por 01 (um) quadro de terra. A partir do ano de 1994, a ordem dos patrões era aumentar a renda para 03 (três) sacas de produtos por 01 (um) quadro de terra. Os próprios trabalhadores convocaram o sindicato para discutir em reunião este problema.

Existia um grupo de trabalhadores e trabalhadoras que fazia parte de um movimento denominado MLC (Movimento Liga Camponesa), morando no Açude do Mamoeiro, os quais faziam um trabalho conjunto com o sindicato. Como estavam juntos aceitaram o desafio para a discussão sobre a resolução do problema apresentado pelos trabalhadores. A decisão da primeira reunião foi preparar os roçados na marra, à revelia do proprietário, pagando apenas o de costume e apontando já para uma possível ocupação da área, a qual inclusive já havia sido vistoriada há um ano ou dois atrás pelo MST. Entretanto, a reunião marcada para encaminhar a ocupação foi totalmente esvaziada.

Em 1995, na colheita das plantações em questão, os patrões resolveram colocar animais dentro das plantações dos trabalhadores, antes de retirarem a produção, revoltando a muitos, a ponto de numa reunião decidir-se pelo não pagamento de renda alguma. Nesse momento de tensão, foi exigido do INCRA a vistoria da área, coincidindo com a dispersão do MLC no Acarape, pois ele fora em peso para a ocupação da Fazenda Madalena Velha, em Madalena, no Sertão Central (esta ocupação resultou no assentamento Mandu Ladino em Pentecoste!). Em Acarape, permaneceu apenas um membro do MLC, que ocupava o cargo de presidente do STR de Acarape. A ocupação foi preparada durante as mobilizações dos trabalhadores de Acarape a partir dos fins de 1996. O MLC, já transformado em Liga dos Trabalhadores, foi convocado para apoiar a ocupação da fazenda Boqueirão do Juvenal.

Coincidentemente, foram os companheiros Inácio e Ivânia os membros da Liga dos Trabalhadores que entraram na terra juntamente com os demais ocupantes, sendo que Inácio ficou cerca de 15 (quinze) dias enquanto se passavam os momentos mais tensos da ocupação.

Logo no primeiro dia, o proprietário "visitou" a ocupação escoltado pela polícia local, a fim de expulsar os ocupantes e dispersá-los. Entretanto, eles acabaram saindo correndo com medo da resistência e disposição das famílias ocupantes. Não se conformando, foram buscar reforço policial, os quais não tiveram sorte, pois ao chegarem novamente na ocupação, tiveram sua viatura incendiada acidentalmente. Os policiais acabaram retornando a pé para a cidade de Acarape e acabaram respondendo por uma representação feita contra os mesmos pelo fato de estarem atuando sem ordem judicial, apenas por solicitação do proprietário.

Houveram várias tentativas de despejo, culminando com a liminar da juíza local de reintegração de posse. Mas diante da resistência dos ocupantes de não saírem da área e de, se necessário, partirem para o enfrentamento direto, várias entidades convergiram a fim de resolver o conflito, que só terminou com a resolução do INCRA de desapropriar a área, exatamente na hora em que se ia tentar fazer o despejo. A juíza retirou a liminar e determinou que a polícia militar recuasse.

Logo em seguida, passou-se por todo o processo ordinário de desapropriação, imissão de posse e cadastramento das famílias...

RELATO DA SITUAÇÃO

Desde o início da ocupação que se instituiu uma forma de decisão tomada de cima para baixo onde pouquíssimas pessoas participavam das discussões e decisões. Instituiu-se o "poder do grito", não do grito da maioria em Assembléia exercendo seu poder, pois esta tinha que acatar o poder do grito de uma pequena elite hierarquizada, onde os critérios para o tamanho de tal poder eram as posses econômicas e outros status como a prepotência e a "valentia".

Havia constantes "Assembléias", onde os homens com maior poder de grito acabavam decidindo enquanto que o "resto" apenas torcia e legitimava as decisões. As mulheres participavam quando era de interesse de seus "chefes", apesar de grande parte delas trabalharem de igual para igual nas atividades de roçado. O voto das mulheres só era importante quando se tinha que colocar substitutos de cadastros. Sempre houve também uma estimada população jovem que nunca foi estimulada a participar das discussões nem muito menos das decisões dentro da comunidade.

Depois da imissão de posse, no início do cadastramento de pessoas no assentamento, houve negligências para com algumas pessoas:

· Dona Rosélia, pensionista, por ser viúva. O próprio INCRA veio admitir depois que a pensão é dos filhos e que não tinha problema a mesma ser cadastrada. A afirmação é de Dra. Olizete, na presença da Dra. Solange, ambas assessoras do INCRA, por ocasião da inclusão de seu nome e do de suas filhas no cadastro do seu irmão na condição de dependentes, para fins de auxílio de natalidade para suas filhas. O nome de dona Rosélia consta no laudo do INCRA como moradora.

· Sr. Francisco Silva, com a alegação de ser deficiente físico. O mesmo possui um pequeno defeito numa perna que nunca o impediu de fazer nada, tendo inclusive exercido a atividade de tratorista.

Ambos residem nesta terra, hoje desapropriada, desde muito antes de se tornar assentamento. Os mesmos tentaram até o fim, sem êxito, se cadastrarem. As desculpas de limitação de vagas não podem ser aceitas. O número de cadastrados antes estipulados era de dezesseis (16), tendo sido depois aumentado para vinte (20), pois foi preciso trazer mais pessoas de fora para preeenchê-las devido às desistências. As vagas foram preenchidas sem que aqueles dois fossem "lembrados".

Por aproximadamente três (03) anos, perdurou este tipo de relação social acima descrito. Como supremo chefe, com bastante quesitos autoritários a mais que os acima citados, dentre os pouquíssimos que decidem no instituído "poder do grito", estava o Sr. Joaquim Sérgio Pereira de Mesquita, ex-diretor do STR de Acarape, ex-diretor de formação da FETRAECE e no momento secretário geral da FETRAECE. Assumindo-se como "liderança", intitula-se de representante da FETRAECE designado para acompanhar o assentamento.

O Sr. Joaquim Sérgio Pereira de Mesquita, com fortes resquícios de hábitos coronelistas, governou com mão-de-ferro e poder de armas o assentamento, utilizando-se de toda a estrutura do assentamento como estábulo, a casa grande (sede da fazenda), açude e roçados alheios para colocar seus animais, que em número aumentou em pelo menos quatro (04) vezes o limite máximo que cada assentado tem direito de criar dentro da terra. Em plena colheita ele negociou com alguns e colocou gados e animais nas plantações de todos, mesmo dos que não aceitavam vender seus pastos. Ademais, ele nunca pagava os prejuízos.

O Sr. Joaquim Sérgio Pereira de Mesquita lesou pessoas (inocentes) humildes e de idade avançada, como o caso de Manoel Ferreira da Fonseca e sua mãe velhinha. Estes foram lesados na quantia de R$2.000,00 (dois mil reais), dinheiro que receberam como indenização por serviços prestados durante toda suas vidas ao ex-proprietário, que ao receber do INCRA o dinheiro da terra desapropriada fez esta pequena reparação à alguns dos lavradores, embora injustiçando outros. O Sr. Joaquim Sérgio pegou emprestado do Sr. Manoel Fonseca e de Dona Edite, sua mãe, a importância acima citada, nunca mais a tendo devolvido, chegando inclusive a agredir com palavras a velhinha, quando a mesma foi pedir a restituição de alguns "trocados" para suprir suas necessidades. A velhinha, com a saúde bastante abalada, teve uma recaída após as agressões do Sr. Joaquim Sérgio e em pouco tempo veio a falecer, ao passo que o seu filho continua até hoje sem receber aquele dinheiro.

O Sr. Joaquim Sérgio Pereira de Mesquita seduziu e engravidou uma filha de uma assentada, de apenas quinze (15) anos de idade. Ele nunca deu a mínima ajuda à criança, que hoje está com dois (02) anos de idade e que agora deverá ser registrada com o sobrenome do "pai", forçado pela Justiça a fazer isso, já que se iniciou uma ação judicial com este objetivo.

Para resumir, o Sr. Joaquim Sérgio Pereira de Mesquita acabou sendo expulso do assentamento, após sindicância feita pelo próprio INCRA, apesar das apelações da entidade da qual é diretor – a Federação dos Trabalhadores em Agricultura do Estado do Ceará (FETRAECE) , mas os abaixo-assinados dos que não agüentavam mais seus terrorismo e autoritarismo impediram que elas surtissem efeito. Muitos testemunharam publicamente os espancamentos do Sr. Joaquim Sérgio Pereira de Mesquita à companheira com quem ele vive. Vemos com pesar a FETRAECE, que se diz representante dos trabalhadores rurais em nível estadual, admitir um tipo assim em suas fileiras e, pior, defendê-lo. É bom que o Coletivo de Mulheres da mesma entidade tome conhecimento destes fatos, que não são difíceis de serem comprovados.

Apesar da FETRAECE tentar colocar uma cortina de fumaça frente ao caso, sua apelação não dá para convencer que o que houve foi uma perseguição política ao Sr. Joaquim Sérgio Pereira de Mesquita. Deixamos por aqui este assunto que encontra-se aparentemente resolvido, constando nos autos resultantes da sindicância feita pelo INCRA.

COMO TEM ATUADO O SINDICATO ATUALMENTE?

Depois que o sindicato abandonou a causa dos trabalhadores explorados pelos patrões e o governo, ele tem sofrido também abandono por parte dos trabalhadores que não se vêem mais representados por esta entidade, não mais se filiando ou deixando de pagar as mensalidades, os que são filiados. No auge do desespero, o sindicato por sua vez, para continuar sustentando seus diretores, se vale dos aposentados, dos quais são tirados 02 (dois) % de seus proventos. Essa contribuição, já descontada em folhas de pagamento, foi autorizada pelos aposentados sem que muitos tivessem clareza do que estavam fazendo. Tal contribuição mantêm a sustentação de sindicatos, federações e confederação de trabalhadores rurais.

O sindicato tem se prestado basicamente a fornecer declarações de auxílio especial, aposentadoria e pensão rural. Muitos trabalhadores, por não serem filiados, têm passado por constrangimentos ao tentar adquirir tal declaração (essas declarações funcionam como testemunha de que eles exercem ou exerceram atividade rural!). O sindicato tem exigido que os trabalhadores tenham um ano de filiação, com as mensalidades todas em dia, ou façam a filiação com data retroativa a um ano, pagando todas as mensalidades em atraso de uma só vez. Sem esta condição, o sindicato não fornece o testemunho de atividade rural. Com isso, o sindicato vem chantagiando muitos trabalhadores.

Dentro do próprio assentamento, existem casos de chantagem em que o sindicato diz não fornecer o testemunho para as situações de obtenção de auxílio de natalidade no INSS. Após muita pressão, algumas pessoas adquirem tal declaração, enquanto que outras que não vão acompanhadas e que não tem poder de pressão, não a conseguem. Alguns diretores sindicais dizem aos trabalhadores: "vocês precisam pagar o sindicato porque nós temos famílias e precisamos sobreviver daqui". Logo, esta entidade não passa de um meio de sobrevivência para os seus diretores. O pior é que o sindicato tem servido de cabo eleitoral para as candidaturas do Sr. Joaquim Sérgio Pereira de Mesquita e do atual prefeito de Acarape (PT-PSDB).

Este sindicato é hoje inimigo de qualquer organização autêntica e independente dos trabalhadores.

OS NOVOS AGREGADOS

Prosseguimos agora com outro capítulo desta história. Depois da saída do Sr. Sérgio Pereira de Mesquita ocorrem vários episódios que podemos caracterizar como perseguições ou como queira se dar o nome, mas que é uma questão eminentemente política, senão vejamos...

Há um tipo de morador dentro do assentamento, ao qual se dá o nome de agregado. É que o cadastrado tem direito de alojar uma família ou mais de parentes seus dentro do seu cadastro, podendo construir uma moradia na parte de seu quintal para o parente que acolhe, para que este produza alguma coisa na parte que cabe ao cadastrado acolhedor. Nesta situação estão vários agregados neste assentamento. Os agregados são preferencialmente concorrentes à vagas em caso de desistências eventuais de alguns cadastrados, onde a escolha se dá por votação em assembléia geral. Quem tiver a maioria dos votos ganhará o cadastro do desistente.

Nas condições acima descritas o cadastrado João Bosco do Nascimento aceitou como agregados o seu irmão Inácio e sua companheira Ivânia com os filhos: Camilo, Margarida e Sandino. Os mesmos, ao chegarem, fizeram questão de se apresentarem em assembléia da comunidade, onde até então ainda existia um forte sentimento de rejeição à pessoa do Sr. Sérgio Pereira de Mesquita e não houve inicialmente nenhuma reação contrária à agregação da nova família. Esta família, ao se apresentar, contava de suas experiências em outras comunidades e até mesmo na luta que foi travada junto com outros trabalhadores desde antes da fazenda Boqueirão se tornar assentamento, quando os trabalhadores desta região lutavam para diminuir a renda cobrada pelo administrador, que havia exigido maior renda por quadro de terra, desde os anos de 1994-1995. Desde essa época que iniciou-se a discussão para a conquista desta terra, que veio a se configurar só em 1997, quando também os mesmos estavam presentes no início da ocupação da terra.

Os novos agregados (Inácio e Ivânia) também se dispuseram a participar da vida do assentamento. Como era permitido a participação de agregados nas assembléias com direito à voz sem voto, eles participaram assiduamente das assembléias, colocando suas posições. Neste período, inicia-se uma fase de tímida abertura democrática nas assembléias por ter-se findado a batalha de cassação do Sr. Joaquim Sérgio Pereira de Mesquita, por ter-se passado pela escolha de nova coordenação para o assentamento e por já se ter uma associação praticamente legalizada. Apesar disso tudo, se decidia ainda tudo pelo "consenso" de uma minoria enquanto os demais só confirmavam o que uns poucos discutiam.

Nas novas discussões começam a despontar ressentimentos de alguns que queriam ter sido escolhidos para cargos de primeira linha da associação e não o foram, vendo-se minadas as esperanças de uma futura ascensão dos mesmos. Ademais, outros que haviam conseguido tais postos temiam pelas perspectivas futuras, sobretudo com a chegada da família de recém- agregados que não limitou-se à humilde condição de agregado espectador e reserva de mão-de-obra barata que aguarda as ordens ou "pedidos de socorro" do seu mandatário, como fazem outros que contentam-se com o fato de terem-lhes deixado co-habitar em um direito de cadastro.

A disponibilidade dos recém- chegados de contribuírem com a vida da comunidade assentada sobretudo no tocante às condições humanas, sócio-econômicas, ambiental, cultural e nutricional, quando percebida, não pareceu nada animadora para quem pretendia vestir uma capa de líder e ocupar um alto cargo de "direção" de uma associação formada de cima para baixo, impondo-se através de intimidações e do grito, ou para quem pretendia ser simplesmente uma ponte de ligação para a entrada de chefes políticos e/ou religiosos com pretensiosas ambições, e que em momentos anteriores do conflito mantiveram-se distantes, omissos, indiferentes ou até contrários, mas que depois da conquista começaram a buscar consolidar seus vice-reinos ou torná-lo saco de gato nas disputas eleitorais. Muitos arvoram-se de benfeitores e caridosos para com os pobres "coitados sem terra".

Não é válido o argumento de que os trabalhadores e trabalhadoras não conseguem entender um "discurso politicamente avançado" e que por não conseguirem esse entendimento/compreensão é que eles antipatizariam as pessoas que já trazem tal "discurso" (e que não é discurso, mas vivência!). A realidade deste assentamento prova exatamente o contrário: é por compreender o perigo que tal vivência (e, repetimos, não discurso!) representa para os seus interesses particulares, que a elite administrativa que domina o assentamento se coloca contra os novos agregados (os supostos portadores desse tal "discurso" politicamente avançado!) e procura jogar os demais trabalhadores e trabalhadoras contra os mesmos. Pelo contrário, tal vivência (e por ser vivência!) é perfeitamente compreensível pelos trabalhadores.

A CRISE

A crise administrativa sempre fora uma constante. Desde quando começaram as insatisfações com o Sr. Joaquim Sérgio Pereira de Mesquita que todos estavam insatisfeitos e se expressavam fora das discussões em assembléias, mas na hora que realmente interessava (nas assembléias) eram apenas uns poucos que mantinham-se firmes, entre eles o assentado Bosco, ficando subtendido (ou mal entendido) que o conflito girava em torno de duas ou três pessoas, favorecendo brigas pessoais e correndo inclusive boatos como se as insatisfações fossem apenas do Bosco e as pessoas que assinavam os abaixo-assinados fossem induzidas pelo mesmo. Logo esta impressão foi desfeita quando um outro documento foi assinado com depoimentos gravados, com testemunhas importantes, como a Dona Edite, lesada pelo Sr. Joaquim Sérgio Pereira de Mesquita, onde a mesma conta o episódio da agressão sofrida da parte dele e do Sr. José Alves da Silva (Zé Vital) e a investida contra ela do Sr. Joaquim Sérgio na entrada que liga a cidade de Acarape ao assentamento. Este documento pedia urgência no encaminhamento do processo de exclusão do indivíduo em questão, diante da inexplicável morosidade do órgão competente (o INCRA).

A participação dos novos agregados nas reuniões, opinando nas decisões da assembléia, embora sem votarem, intrigava a uns poucos que herdaram os métodos autoritários de decisão, dando a entender que existiam disputas de posições e que, com a chegada dos novos agregados, parecia que uma das posições (a do Bosco) se fortalecia.

Os primeiros atritos deram-se na luta pela permanência da Kombi para transporte dos estudantes do assentamento. Esta Kombi era conquista, resultado de um acordo entre prefeitura, INCRA e comunidade para transportar os estudantes do assentamento que estudam na sede do município, uma distância de aproximadamente 03 (três) quilômetros, com passagem pela rodovia CE-060 de intenso tráfego de veículos e assombrosos números de ocorrências de acidentes a transeuntes, além do perigo de que no caminho houvessem perseguições a mulheres e adolescentes (os estudantes eram na sua maioria adolescentes, meninos e meninas).

A briga com a prefeitura e o atrito interno ao assentamento (pois alguns dos assentados se omitiam em relação ao problema em questão!) começou exatamente por esta desviar a Kombi da secretaria de educação para várias outras atividades e falhando cada vez mais freqüentemente até cessar de vez, enquanto a maioria das pessoas encarava isto com a maior naturalidade. Tendo os novos agregados também crianças estudando na sede do município e sendo obrigados a perderem um dia para levá-los à escola, os mesmos resolveram levar a questão para ser discutida e encaminhada na assembléia do assentamento. Houve inicialmente o comprometimento de se colocar a questão numa das sessões da Câmara Municipal de Acarape, ficando aberto para quem quisesse ir lá. Entretanto, a Câmara não aceitou que se fizesse tal denúncia, tendo os novos agregados que irem à secretaria de educação, que se comprometia em teoria mas na prática faltava em seguida com o transporte. Outras vezes colocado o problema em assembléia, houve quem dissesse que os novos agregados estavam se metendo demais nos assuntos do assentamento: "por que será que os outros agregados não vêm nem nas assembléias e estes estão com essa bola toda?". Este foi um questionamento de um dos pretendentes a ser líder e deixou estarrecida quase toda a assembléia, onde alguns responderam que todos os agregados tem direito de participar das assembléias com voz e não vêm porque não se interessam! Os novos agregados também responderam que nunca deixariam de participar, de falar sob quaisquer circunstâncias que se encontrem ou possam vir a se encontrar: seja como assentados, como agregados ou mesmo morando debaixo de uma ponte, mesmo porque não consideram a terra propriedade de ninguém particularmente e sim de toda a humanidade do presente que tem o dever de não só tirar dela o sustento mas também preserva-la para as gerações futuras.

E assim, começou todo um processo de discussões e de conflitos que passo a passo foi selando a divisão definitiva entre dois grupos que se formavam de acordo com as distintas visões de mundo que defendiam...

Atualmente, a Kombi só vai ao assentamento sob pressão. Não se passa um mês sem que se tenha que ir até a promotoria do município para reclamar a ausência da Kombi. A secretaria de educação chegou até mesmo a tentar jogar os motoristas da prefeitura contra os que lutam pela manutenção do transporte. Ela chegou a afirmar que os motoristas estão ameaçados de perderem o emprego e serem processados pelos pais dos alunos em questão. Tal mentira já foi desfeita perante o promotor e os próprios motoristas.

CRIMES SÓCIO-ECOLÓGICOS

Iniciou-se um processo de discussões mais acaloradas a respeito das relações humanas e sociais de produção nos assentamentos, onde, em sua maioria (se não em todos!), não existe esta preocupação nem por parte dos ocupantes, que nunca foram estimulados ou incentivados para tal por parte dos organismos que os apoiam e/ou assessoram, nem muito menos por parte dos órgãos públicos, para onde todos se dirigem de acordo com esta reforma agrária que só busca resultados econômicos imediatos. Por esta razão, todo incentivo creditício e de assessoramento é voltado para a produção mercantil. Sem discussões de aprofundamento sobre a conjuntura em que se encontra hoje a questão produtiva do campo, os trabalhadores vão ansiosamente trabalhar a terra com as mesmas formas e técnicas superadas, com o desaparecimento de algumas culturas, sem esclarecimentos sobre as sementes híbridas e patenteadas hoje existentes e sem levar em conta o desgaste que as terras sofreram e sofrem ainda com os desmatamentos e queimadas e os cultivos de monoculturas, etc. Sem compreensão destas conseqüências e causas, os trabalhadores escravizam-se e escravizam suas famílias (mulher e filhos), gerando uma baixa estima e um sentimento de culpa em relação a eles próprios e aos outros trabalhadores, taxados então de pessoas que não tem "coragem" de trabalhar. Quando alguém consegue algum razoável resultado na produção devido a incidentes excepcionais, ou seja, a esforços sobre-humanos, sacrificando a si e toda a família, logo em seguida passa a sofrer todas as conseqüências drásticas de tais esforços: eles são refletidos na má qualidade de vida, na desnutrição dos filhos, nos problemas constantes de saúde, nos prejuízos escolares...

Inclusive, desde a estiagem de 1998, foram feitos acordos entre o assentamento e fábrica Yamacon que demonstra o quanto a questão ambiental é desprezada. Trata-se de permitir o bombeamento da água do único açude do assentamento para a fábrica em troca de serviços de aração e irrigação de terras com tratores e motor cedidos pelos empresários. Foi construído um encanamento que vai da fábrica, à beira da CE-060, até o açude. Inclusive, esses empresários (oriundos de Taiwan) influem diretamente na vida política do município, apresentando candidatos ou apoiando-os segundo os seus interesses (nesta última eleição municipal – ano 2000 – foi eleito como vereador o candidato apoiado por eles!). Também é importante salientar que na fábrica Yamacon já se aplicam as modernas técnicas de reestruturação da produção, como a chamada Qualidade Total, método oriundo do Japão e que aliena por completo o operário, vinculando-o a uma falsa cooperativa, pela qual o operário se obriga a abrir mão de direitos trabalhistas básicos.

Outro grave problema foi o do aterro sanitário que ficava nas nascentes do riacho que abastece o açude do assentamento. Desde 05 (cinco) a 06 (seis) anos atrás que a prefeitura jogava todo o lixo do município (inclusive lixo hospitalar) naquelas nascentes. Foi necessário uma luta que incluiu desde denúncias à SEMACE até embargo na marra pela própria comunidade das caçambas que transportavam o lixo para aquelas nascentes. A prefeitura acabou pagando para o estado uma pesada multa por reincidência. As conseqüências desse processo foi a poluição das águas, chegando a causar espanto ao laboratório que fez a análise das águas do açude e que constatou uma enorme presença de coliformes fecais. Atualmente, as águas do açude são impróprias para consumo humano, apesar de todos se verem obrigados a bebê-las por falta de opção.

OBSERVAÇÃO: este açude foi construído com recursos públicos na terra do antigo proprietário na década de 40 com a obrigação de que o açude fosse de utilidade pública para a população carente de água potável de todo o município. Em tempos anteriores à ocupação, havia a proibição de se tirar água e a liberação do açude para a população foi resultado de um ganho de causa dela, via prefeitura, contra o antigo proprietário, em 1993/1994. Este açude é o único reservatório de água potável capaz de abastecer uma vasta região circunvizinha.

ALCOOLISMO E RELIGIÃO

A indiferença com que se tratou as questões sociais no tocante aos jovens, mulheres e crianças sempre foi gritante (excetuando-se quando os serviços dos tais eram necessários). Era mais fácil condenar os jovens e as mulheres quando aconteciam problemas de desordem e desentendimentos entre si e às vezes dentro das próprias casas, sendo até feitas ameaças de se expulsar toda a família ou um dos parentes de dentro de casa por agressões provocadas pelo alcoolismo.

A questão da mulher (a problemática do machismo) nunca fora de interesse deste assentamento, apesar de se propagar que existe o Coletivo de Mulheres da FETRAECE. Dentre outros casos, o mais grave foi o da gravidez da menor de 15 (quinze) anos provocada por um dos diretores da FETRAECE. Este indivíduo, Joaquim Sérgio Pereira de Mesquita, além disso é acusado de, com o revólver em punho, espancar publicamente a sua companheira e em frente à filha de 07 (sete) anos.

Houve também o caso do armamento de adolescentes no assentamento pelo Sr. Joaquim Sérgio Pereira de Mesquita para resolver uma questão pessoal dele com uma pessoa que ferira um de seus pombos.

A questão das crianças é a mais gritante. O índice de desnutrição é alarmante e é comum se ver crianças desnutridas pálidas, de cabelos esbranquiçados, magrinhas, chegando a ficar na faixa de 02 (dois) anos de vida sem conseguir andar e com a coordenação motora longe de corresponder ao mínimo da normalidade.

Na comunidade existe uma escolinha de alfabetização para as crianças, vinculada à Escola de 1º Grau Rocha Ramos, em situação degradante, sem materiais pedagógicos básicos, etc. A professora vem todos os dias da sede do município à pé ou então de mototaxi custeado pela própria. Falta merenda escolar e quando tem só dá para no máximo 15 (quinze) dias de cada mês. A mesma professora fala que tem presenciado cenas comovedoras, exemplificando com uma criança de 08 (oito) anos que foi para a aula carregando outra de 02 (dois) anos, a qual, sendo indagada por que não deixa a criancinha em casa, responde: "É que mamãe vai pro roçado e eu tenho que cuidar dela". Conta a professora que às vezes precisa segurar a criancinha para que a outra possa fazer as suas tarefas escolares, pois não tem coragem de mandar a criancinha de volta para casa por estas circunstâncias. Certa vez, a professora resolveu mandar a criança de volta para sua casa, mas a criança implorou para que ela não fizesse isto porque a escola é o único lugar onde ela pode brincar...

Crianças chegaram a ser surradas por não conseguirem dar conta das tarefas domésticas e de cuidar dos irmãos menores. Em conseqüência disto, se traumatizaram e nem conseguem mais dormir, pois sentem que suas obrigações é acordar de madrugada para fazer as tarefas domésticas, principalmente aprontar o almoço que os pais levam para o trabalho antes das sete horas da manhã, horário de ir para a escola.

Os novos agregados haviam afirmado que não tinham interesse em disputar cadastro em caso de surgimento de vagas e sim que estavam dispostos a contribuírem nas discussões das questões gritantes, na busca conjunta de soluções para tal realidade que não é "privilégio" exclusivo deste assentamento e que se podia fazer uma partilha de experiências. Tal disponibilidade não fez mais do que causar espanto, terror e reações por parte da pequena elite herdeira do "poder do grito" , do qual são vítimas as gerações passadas e somos e seremos todos nós até que um dia reconheçamos juntos nossos desacertos e juntemos o nosso grito aos gritos de todos os excluídos.

As reações se configuraram quando se iniciou um trabalho com os jovens e as mulheres. Tais reações se davam nas tentativas de inibir a participação dos "intrusos" nas reuniões, sempre atribuindo aos mesmos as "desavenças", "desentendimentos" e "brigas " nas assembléias, como eram chamados os embates de idéias e as discussões e decisões democráticas, onde os gritos dos poucos começavam a perder poder. Isso fez com que os agregados começassem a ser discriminados dentro do assentamento, fato que provocou a decisão dos novos agregados de se colocarem como concorrentes de cadastros que abrissem vagas. Enquanto alguns receberam a notícia com boa aceitação, outros a receberam com indiferença. Entretanto, a notícia foi recebida como uma declaração de guerra pela elite do assentamento. A partir daí parecia ter nascido um atrito ao mesmo tempo que se abria uma vaga: um assentado muito jovem que teve um desentendimento com sua parceira, entrando numa crise existencial, pede renúncia de seu cadastro. Dispuseram-se 03 (três) pessoas para concorrer ao cadastro, incluindo aí os novos agregados como candidatos, aumentando as hostilidades.

Acontece em setembro de 1999 uma reunião com a presença do INCRA, nas pessoas da Dra. Solange e do Dr. Agenor , e na qual se tratou do caso da saída do rapaz, da sua substituição e da problemática da juventude frente ao alcoolismo, saindo propostas de atividades que envolvessem os jovens como a criação de um grupo de jovens para discutir a sua realidade. Houveram outras propostas, como a de trazer os alcoólatras anônimos e a dos evangélicos, que apontavam como única saída a religião. De todas as propostas apenas duas foram prontamente iniciadas: os novos agregados passaram a convidar os jovens para reuniões, os quais com alguma dificuldade começaram a comparecer e, discutindo-se sobre qual atividade iniciar, decidiu-se pelo teatro; por outro lado, houve uma intensificação das atividades dos crentes como se estivessem numa disputa acirrada, uma campanha desesperadora, tanto na disputa dos jovens e suas famílias como nos esforços para que os novos agregados não ganhassem o cadastro. Na escolha entre os três candidatos saiu o seguinte resultado da votação: o eleito com 16 (dezesseis) votos, os novos agregados com 08 (oito) votos e um outro candidato com 02 (dois) votos.

Na medida em que se passava o tempo e ia se discutindo a realidade dos jovens no grupo, as familiaridades com os mesmos foi levando os novos agregados até as famílias deles e percebeu-se que aqueles que participavam assiduamente eram os mais marginalizados, como também seus pais. Assim, conheceu-se mais de perto a realidade das mulheres e das crianças. Os novos agregados passaram a incentivar as mães a se reunirem para discutir os seus problemas e os das crianças. A sugestão de se reunirem teve boa aceitação por parte das mulheres, marcando-se uma primeira reunião, na qual se teve um bom comparecimento, assim como nas reuniões seguintes. Iniciou-se um estudo sobre desnutrição infantil e constatando-se a existência de várias crianças desnutridas, passou-se a estudar sobre alimentação alternativa. Nesse caminho, foi iniciado um aprofundamento sobre a multimistura, o valor protéico e nutricional de cada componente e a sua eficácia na recuperação de desnutridos. Todas as mulheres foram convidadas a participarem deste estudo. Inicialmente freqüentava de 12 (doze) a 15 (quinze) mulheres nas reuniões, mas as articulações contrárias começou a esvaziá-las. Acontecia de mulheres serem chamadas no momento que participavam das reuniões e não voltarem mais e aumentava também o "arrastão" e a disputa das mulheres para participarem dos cultos evangélicos. A notícia da multimistura na recuperação dos desnutridos foi motivo de muitas chacotas e as pessoas que se reuniam eram chamadas de desnutridas e que estavam se preparando para comer mato, folhas de bananeira, etc (esses eram os boatos).

As chacotas aumentaram quando os novos agregados começaram a falar sobre preservação e agricultura orgânica e a possibilidade de se trabalhar com defensivo natural e coberta morta, com técnicas simples que muitos agricultores já usam há muito tempo como as curvas de nível em terrenos acidentados e banco de proteínas para a pecuária. Quando se falava em lutar por recursos de fora para dentro do assentamento a fim de preservar um pouco mais as matas, alguns se irritaram, pois existe uma prática corrente de desmatar para tirar estacas e assim vendê-las para conseguir finanças que sirvam para a estruturação do assentamento, como foi, por exemplo, para registrar a associação, às custas de estacas de sábias vendidas para este fim, e para recuperar currais e a casa-sede. O mais grave é o desmatamento de toda a aba do serrote, feito por cortadores que levaram toda a madeira pagando R$100,00 (cem reais) por hectare, não sobrando nada. E isso só foi possível após a liberação informal de um técnico do INCRA (o Dr. Agenor, mesmo tendo havido discordância quanto a isso pela Dra. Solange), que também acompanhava o assentamento) sem uma avaliação técnica in loco. Esse discurso dos novos agregados irritou alguém que chegou a dizer em assembléia que o assentamento tem madeira para resolver todas as necessidades do próprio assentamento (bastaria vender toda a madeira!). Os novos agregados também colocaram sua posição, que já haviam jurado que não queimavam mais mato para plantar e que trabalhavam na busca de recuperar o solo através da coberta morta e sem uso de agrotóxicos, afirmando que queimadas e venenos enfraquecem o solo, matam os microorganismos, além de prejudicar a saúde das pessoas e dos animais. Há também um problema grave de uso de agrotóxicos na bacia do açude que é geralmente gradeada por trator. Com o gradeamento, a terra frouxa é carregada para o açude, causando o aterramento e levando veneno para a água e empobrecendo o solo.

O FOGAREL: UMA REPRESÁLIA FRUSTRADA CÔMICA PORQUE NÃO FOI TRÁGICA

Os novos agregados chegaram a correr o risco de ver seus pertences destruídos pelo fogo da queimada de roçado que ficava na frente do lado leste da casinha que estavam morando na beira do açude. Alguém tocou fogo sem avisar e o fogo pulou noutro roçado pertinho da casa, que nem sequer estava aceirado. Ao invés de pedirem ajuda para apagar o fogo, os responsáveis pela queimada terminaram de tocar fogo no resto dizendo que era para evitar que o fogo fizesse apenas veredas no mato cortado que não estava queimando direito. Na frente da casinha estava um veículo caravan dos novos agregados. Vendo-se ameaçados pelo fogo, os novos agregados deixaram a casa com os pertences e a caravan e foram para a vila, a 01 (um) quilometro de distância onde muitos estavam assistindo, os quais, quando viram os novos agregados exclamaram: "suas coisas e carro vão queimar!". Os novos agregados simplesmente responderam com indiferença: "não tem problema; os culpados responderão, pois quando terminar de queimar, chamaremos a perícia!". Isto foi o suficiente para todos eles se alvoroçarem e correrem para apagar o fogo. O fogo chegou a queimar todas as ervas secas ao redor da casinha e faltou menos de 02 (dois) metros para alcançar o veículo.

OUTRA DISPUTA DE CADASTRO

Houve a desistência do Sr. Manoel Sales Neto de seu cadastro. Este senhor é um dos que tinha mais filhos estudando na sede e que compraria bicicletas para eles não precisarem de transporte escolar. Inicialmente, ele era o mais intrigado com os novos agregados. O preenchimento de sua vaga foi uma verdadeira saga.

A campanha de difamação e calúnias contra os novos agregados eram tão pesadas que os próprios caluniadores não podiam sustentá-la e acabavam desmoralizados com elas. A visão de líder autoritário era tão forte e ligado ao medo de perder a chance de ser dirigente, que a elite administrativa via em cada pessoa que se pronunciava em assembléias ou que dava uma proposta viável uma ameaça às suas pretensões. Chegaram a inventar que a Sra. Ivânia havia dito que quando ganhasse o cadastro iria botar moral no assentamento, que o Sr. Inácio iria fazer todo mundo plantar dentro do garrancho. O tempo foi passando para o dia da escolha do substituto e já se ouvia falar também que a elite administrativa andava buscando orientação do Sr. Joaquim Sérgio Pereira de Mesquita contra os novos agregados.

Uma pequena apresentação cultural de bonecos pelos novos agregados na casa do Sr. José Vital foi assunto de pregação pública de cultos evangélicos.

Um dia antes da votação, o balanço feito indicava que as intenções de votos estavam acirradas e quem ganhasse ou perdesse não seria por mais de um voto.

Durante a assembléia, na hora em que ia se iniciar a votação, um deles levantou-se nervoso e começou a fazer acusações extremamente caluniosas contra o Sr. Inácio dizendo que o mesmo "já fora expulso de um assentamento, já tinha afundado o dito assentamento e estava aqui para afundar este". Outros dois se levantaram e apoiaram a falação do primeiro. Boatos anteriores davam conta de que macaxeiras haviam sido comidas e quem moravam perto eram os novos agregados e que o veículo caravan que os mesmos possuíam estava escondida porque tinha sido roubado ou comprado às custas de calotes à comunidade de onde vieram. Nesse clima aconteceu a votação e na hora foram organizados "motins" para arrastar os que votariam nos novos agregados. O clima de tensão que foi criado intimidou a alguns, que passaram para o outro lado ou se abstiveram de votar, dizendo depois que não participaram para evitar confusão. O resultado da votação favoreceu ao candidato deles com 16 (dezesseis) votos; para os novos agregados 10(dez) votos e para um terceiro candidato 08 (oito) votos.

Terminada esta disputa, desde então a "comunidade", que nunca fora de fato unida, selou uma separação final e os comentários entre os votantes dos dois candidatos que perderam na votação era de que havia muita sujeira. Na mesma tarde em que se deu a votação (dia ___ de dezembro de 1999), o Sr. Joaquim Sérgio Pereira de Mesquita veio pela primeira vez depois de sua expulsão para colher os comentários e a elite administrativa não tinha como esconder sua satisfação. Os novos agregados, diante de todo o ocorrido negociaram um porco, exposto à venda, justamente para fazer finanças a fim de ir atrás da origem das acusações feitas contra eles, de modo que no dia seguinte bem cedo partiram para tal encaminhamento: foram à comunidade da Barra do Leme, onde eram assentados antes de virem para o Boqueirão (assentamento 24 de Abril), participando a uma assembléia da comunidade da Barra do leme o que ocorrera. Tal assembléia decidiu elaborar um documento esclarecendo sobre a conduta dos companheiros Inácio e Ivânia, ficando também aprovado que a comunidade da Barra compareceria a uma assembléia do Assentamento 24 de Abril para esclarecer os fatos e os boatos maldosos na presença de técnicos assessores do INCRA que acompanhavam as duas áreas. Isto aconteceu em janeiro de 2000 na presença dos técnicos dos respectivos assentamentos: o Dr. Agenor, técnico assessor do assentamento 24 de Abril e o Dr. Félix, que foi assessor do assentamento Mandu Ladino da Barra do Leme e que conhecia os novos agregados. Ninguém assumiu na hora as acusações feitas, ficando provado a falsidade das mesmas. Os novos agregados demonstraram que iriam resistir. Novas ameaças surgiram quando os novos agregados anunciaram nesta mesma assembléia que iam fazer sua casa no quintal de João Bosco do Nascimento. Um membro do outro lado se exaltou, ameaçando juntar a sua turma e derrubar a casa, caso a construíssem. Os novos agregados então exigiram que o INCRA, na pessoa dos técnicos ali presentes, se pronunciasse já que estava ouvindo a ameaça feita publicamente na assembléia. Mas a ameaça não foi assumida pelos demais e o ameaçador desistiu na hora de sua afronta. Os técnicos também não se pronunciaram a este respeito, mas o grupo que apoiava os novos agregados reafirmaram perante todos o apoio aos novos agregados e que iriam levantar a casa em regime de mutirão.

Depois do ocorrido, um grupo de 05 (cinco) famílias cadastradas ficaram se reunindo, discutindo a alimentação alternativa (a multimistura), fazendo este produto e organizando-se em mutirões para capinar os roçados das respectivas famílias, revezando-se toda a semana, onde cada dia todos iam para um roçado diferente. Isso fez com que se ganhasse a adesão de mais 03 (três) famílias, que passaram a integrar o grupo. Durante todo o inverno de 2000 trabalharam juntos em mutirões na capinação dos roçados de todos.

Com o passar do tempo, percebeu-se que essa união não era tão sólida, pois diante das intimidações e promessas do prefeito e do Sr. Joaquim Sérgio Pereira de Mesquita, que entrou novamente (não como assentado, mas como representante da FETRAECE!) e com mais aceitação por parte da elite administrativa no assentamento, algumas famílias acabaram cedendo e aderindo ao grupo majoritário. Permanecem firmes apenas 03 (três) famílias cadastradas e algumas famílias agregadas, que vendo a real e total impossibilidade de se trabalhar junto com o grupo ligado à FETRAECE, Sérgio e prefeitura, exigem agora a divisão proporcional da terra, antes que a situação se torne trágica e cada vez mais tensa. Esse grupo minoritário repudia qualquer assessoria de indivíduos e entidades que comungam com os interesses do Sr Joaquim Sérgio Pereira de Mesquita, que já demonstrou o quanto é pernicioso para a organização e luta dos trabalhadores e que, infelizmente, o outro grupo aceita. Exige-se também que no caso de qualquer desistência de cadastro seja colocada a Dona Rosélia, pois a mesma, como moradora de muitos anos, foi excluída do processo de cadastramento injusta e ilegalmente pelo INCRA, uma vez que a própria Lei garante a prioridade de assento aos moradores originários da terra. A responsabilidade de se evitar qualquer tragédia é do INCRA, pois basta-lhe apenas vontade política para solucionar um problema que ainda é simples mas que pode tornar-se uma grande dor de cabeça para todos, tendo em vista, por exemplo, que este dossiê está sendo divulgado em Internet a diversos e muitos movimentos sociais, entidades, etc pelo mundo afora.

MAIS CRIMES SÓCIO-ECOLÓGICOS E AMEAÇAS

A falta de perspectiva de produção no assentamento é tão grande que a área mais fértil e irrigável por densidade do assentamento (cerca de 60 hectares de baixios) tornou-se objeto de um recente acordo com a fábrica de cachaça Ypioca. Por este acordo, a Ypioca forneceu uma quantidade de instrumentos de trabalho (tratores principalmente!), mudas, etc para o plantio de cana-de-açúcar . Os trabalhadores se obrigaram então a fazer todo o trabalho de plantio, tratos culturais e corte, de modo que provavelmente, a primeira safra seja insuficiente para o pagamento dos financiamentos concedidos pela Ypioca. Além desse processo ser altamente prejudicial à fertilidade do solo, ele acaba escravizando aos trabalhadores e suas famílias, incluindo as crianças. É impressionante como os assentados que realizaram tal acordo se obrigam agora a trabalhar desesperadamente para cumprir com suas obrigações. O mais grave é que lutou-se para tirar o patrão da terra e agora traz-se o patrão de volta para vigiar e se apropriar da produção dos assentados!

Enquanto há por parte desse grupo de assentados assessorado pela FETRAECE, INCRA, prefeitura, etc esse conchavo com os patrões, por um outro lado há brigas e conflitos entre os próprios trabalhadores. A situação como sempre pende para o lado mais fraco, para as minorias, que acabam vendo despejadas contra si todo o rancor e frustração diante de uma vida miserável e sem esperança. É impressionante como o grupo minoritário tem, nesses últimos meses, sofrido uma série de ameaças e afrontas por algumas pessoas do grupo majoritário. Alguns animais de pessoas do grupo minoritário estão sendo espancados, aleijados, maltratados de forma geral ou até mortos. Há também a ameaça de se jogar animais dentro de roçados antes de terminar a colheita. Arames são cortados na surdina da noite para colocar animais nos terrenos de pessoas do grupo minoritário. E por ai vai...

O mais grave de tudo é que está se repetindo o que aconteceu nos anos passados: pela quarta vez, as matas estão sendo derrubadas para a realização de grandes queimadas em preparação aos plantios do próximo inverno. Inclusive, é importante salientar que no ano passado (1999) o assentamento foi advertido pelo INCRA que não podia se brocar (desmatar) enquanto não houvesse uma avaliação técnica por parte do IBAMA, estando o próprio assentamento incluído nas 50 (cinqüenta) primeiras áreas a serem vistoriadas. Ocorreu que o técnico da área orientou os assentados que fizessem a derrubada da dita área em litígio. Assim foi feito sem que até hoje tenha havido qualquer vistoria por parte de quem quer que seja.

Imaginemos uma área de 500 (quinhentos) hectares com 20 (vinte) cadastrados desmatando por ano a quantidade mínima de 01 (um) hectare por cadastro... Quantos anos teríamos de flora, fauna e água? Isso está acontecendo em quase todos os assentamentos e comunidades rurais, não é particularidade do assentamento 24 de Abril. Ou lutamos para mudar esse tipo de relação com a terra, lutando contra o capitalismo, a escravização imposta pelo mercado, ou nos veremos num futuro próximo expulsos da terra ou então morrendo à mingua dentro dela. Hoje, como estão, os assentamentos e as comunidades rurais nada mais são do que favelas rurais.

O QUE QUER, AFINAL, O GRUPO MINORITÁRIO?

O grupo minoritário não se coloca como "salvador da pátria" e nem como dono da verdade. Nem muito menos os chamados novos agregados são ou se portam como líderes ou únicos responsáveis das reflexões e vivências colocadas neste dossiê. Já existia desde muito antes da chegada dos novos agregados um descontentamento espontâneo, principalmente de jovens que já defendiam a vida de um pomar de azeitonas e de árvores às margens dos riachos e por trás do açude, derrubados apenas para não permitir que as pessoas transitassem por ele atrás de frutas ou para substituir por plantio de feijão. Muitos já não suportavam mais as opressões às quais eram submetidas quase que diariamente. Alguns dizem sempre que se antes tínhamos um patrão agora temos vários patrõezinhos, se referindo à elite administrativa do assentamento. As pessoas descontentes simplesmente se encontraram, dialogaram, se identificaram e resolveram lutar juntas por um mundo melhor.

Por toda esta razão, o grupo minoritário exige que seja feita imediatamente a divisão proporcional da terra para que possa exercer na prática essa nova relação com a terra e com os seres humanos, sem queimadas, sem machismo, sem agrotóxicos, sem lideranças, sem opressões, sem exploração, sem patrão... onde todos pensem, decidam e façam coletivamente e conscientemente... Que todos decidam o que se faça... Que todos façam o que se decide...

Não estamos sozinhos nesta luta... Por vários recantos do planeta há pessoas, grupos e movimentos que pensam e procuram fazer como nós e com os quais temos procurado manter contato regular. Fazemos nosso esse adágio internacional de luta dos povos: "não queremos nada para nós e sim tudo para toda a humanidade, para todos, porque nós estamos dentro desse todo"... E aqui estamos, como tantos outros e tantas outras, resistindo!

ASSINAM ESTE DOSSIÊ:

APOIOS (ATÉ 27 DE MAIO DE 2001):
1. KLYCIA FONTENELE OLIVEIRA – ESTUDANTE DE JORNALISMO – R.G. 8912003004265
2. PROFESSOR JAIME PIETRO – COORDENADORIA DE AUTONOMIAS DE SÃO PAULO
3. NÚCLEO ZUMBI ZAPATISTA DO ABC PAULISTA
4. MOÉSIO REBOUÇAS – CUBATÃO – SP
5. AGÊNCIA DE NOTICIAS ANARQUISTAS
6. GRUPO AUTONOMIA (RIO DE JANEIRO)
7. ALFREDO DOS SANTOS – MILITANTE DO COMITÊ PERMANENTE DE SOLIDARIEDADE AOS POVOS EM LUTA – SÃO PAULO (BR)
8. CENTRO DE CULTURA PROLETÁRIA (RIO DE JANEIRO)
9. COMUNIDADE PIRACEMA (RIO GRANDE DO SUL)
10. ALDO E BRUNELLA ZANCHETTA – VIA PIERONI , 27 - 55010 – GRAGNANO (LUCCA) ITALIA
11. WALFRIDO DE SOUSA FREITAS NETO – R.G. 36845-522
12. MARCIO MALACARNE E LIBERACANO GRUPO – SÃO JOSÉ DOS CAMPOS – SÃO PAULO
13. GRUPO PERNAMOCAMBO (RECIFE)
14. LEO VINICIUS LIBERATO – FLORIANÓPOLIS – SC
15. JORNAL ESPAÇO SOCIALISTA
16. REDE DE MOVIMENTOS SOCIAIS AUTÔNOMOS DO NORTE-NORDESTE
17. UNIÃO LIBERTÁRIA DO MARANHÃO
18. COLETIVO RUPTURA (CEARÁ)
19. COLETIVO CONTRA A CORRENTE (CEARÁ)
20. DJACIR OLIVEIRA – TRABALHADOR GRÁFICO
21. ASSOCIAÇÃO DOS MORADORES DA OCUPAÇÃO TERRA PROMETIDA (PIRAMBU)
22. GRUPO REBENTO NOVO (PIRAMBU)
23. ROSE FIGUEIRA – ESPANHA
24. COMISION CONFEDERAL DE SOLIDARIEDAD COM CHIAPAS DE LA CGT – CONFEDERACION GENERAL DEL TRABAJO – ESPAÑA
25. MARCOS E FATINHA (MOVIMENTO POPULAR DE FORTALEZA)
26. NÚCLEO DE PROPAGANDA ANARQUISTA – PARAÍBA
27. FÁBIO E JÚLIA – MOVIMENTO POPULAR DO JARDIM IRACEMA
28. COLETIVO L (FORTALEZA)
29. CÍRCULO DE CULTURA E ORGANIZAÇÃO PROLETÁRIA (PARQUE GENIBAU E ADJACÊNCIAS)
30. GRUPO DE ESTUDOS COMUNITÁRIOS DA GRANJA PORTUGAL
31. COMITÊ DE SOLIDARIEDADE ÀS COMUNIDADES ZAPATISTAS DO CEARÁ
32. OLGA MARIA – CRATEÚS - CE
33. JOANA DÁRC – QUIXADÁ – CE
34. REGINALDO FIGUEIREDO – MOVIMENTO POPULAR
35. ANA LOURDES – MOVIMENTO POPULAR
36. APOLINÁRIO ALVES – MOVIMENTO POPULAR
37. ANARQUISTAS E ANARCO-PUNKS DO CEARÁ
38. MOVIMENTO DE SOLIDARIEDADE LATINO-AMERICANO (MSLA)
39. OCUPAÇÃO ZUMBI DOS PALMARES (SÃO LUÍS - MARANHÃO)

 

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