Yasmim
anabolams@bol.com.br A
estória de uma ocupação em Petrópolis
ocorrida em 1987 Eu
tinha 13 anos quando fui coadjuvante da estória dos movimentos
de ocupação que ocorreram aqui em Petrópolis
lá pelo meados de 1987. Na época, movimentos de ocupação
eram uma coisa bem nova, quase ninguém fazia e talvez por isso
mesmo chocamos muita gente e era mais difícil a repressão
pq as pessoas não sabiam como lidar com o que estava acontecendo.
Fazíamos parte do Coletivo dos Trabalhadores Sem Teto, que
tinha uma base bem anarquista, o que aliás é necessário,
pois esta é a origem destes movimentos e são designados
como Ação Direta.
Nem
todas as nossas tentavas de ocupação deram certo, pois
haviam espiões dentro de nossas reuniões para saber
onde seria a próxima ocupação. Eram setores da
esquerda oficial, que iam às reuniões para ocupar o
local antes da gente e dizer que foram eles que organizaram, é
claro, sempre de olho nas próximas eleições...
No começo tínhamos controle das reuniões, pois
eram poucas pessoas, mas há medida que as ocupações
foram acontecendo, pois explodiu como um barril de pólvora,
o número de pessoas aumentou consideravelmente e não
sabíamos mais quem estava ali.
Das
ocupações que deram certo, existiu uma chamada Vila
Bakunin, nome dado em homenagem à um grande anarquista com
o qual nos identificávamos, pois era bem militante e adepto
da ação direta. Era um conjunto de casas no bairro do
Retiro que estavam desocupadas e especulando por 12 anos. Resolvi
contar a estória dela, pois foi singular a experiência
que tive ali. Sei que o que aconteceu lá é o sonho de
todo o anarquista, pois éramos autogeridos e havia uma grande
harmonia no grupo provinda desta autogestão , pois cada um
de nós dependia do outro e sabíamos que éramos
os responsáveis pelo sucesso ou pelo fracasso de nossa empreitada.
Entramos de cabeça no que estávamos fazendo, sabíamos
dos riscos, que podíamos ser presos, que se fôssemos
expulsos iriamos ficar na rua, que podíamos ser humilhados
como realmente fomos até mesmo pela própria população
que nos chamavam de vagabundos que não queriam pagar aluguel.
A maioria das pessoas do grupo moravam em favelas e eram bem revoltados
com a sua condição, pois não entendiam pq moravam
num barraco com apenas um cômodo para uma família de
dez pessoas enquanto haviam casas grande desocupadas estragando com
ação do tempo para ninguém morar? Se perguntavam:
Pq essa injustiça? Pq pobre não pode morar bem, pq tem
que viver igual bicho?
Com
a vila Bakunin nós provamos que o povo sabe se autogerir e
cuidar das coisas, nós demos vida àquele lugar. Quando
chegamos lá as casas estavam caindo aos pedaços, o local
estava cheio de mato. Nós capinamos, nos organizamos em mutirões.
Separávamos sempre um domingo para fazer o mutirão da
limpeza das casas com as mulheres, para capinar o mato, para “puxar’
a água, e a luz. Havia muita coisa que fazer ,era muito trabalho,
mas uma coisa que o povo sabe fazer é trabalhar. A maioria
era empregada doméstica, marceneiro, bombeiro hidráulico,
eletricista, pedreiro, etc. Do que mais precisávamos? Todos
sabiam plantar . Havia um senhor que era jardineiro, cuidou dos jardins
de todo mundo. Sempre era assim, nunca fazíamos nada só
para nós, não sossegávamos enquanto todos não
estivessem com água, luz, mato capinado e horta em andamento.
Os que entendiam de lei e de política, pq tb era necessário
devido à nossa condição, eram bem poucos, mas
mesmo esses poucos conseguiram passar algo do que sabiam para os que
nunca tiveram oportunidade de ter acesso à isso um dia, mas
tb se favoreceram pois aprenderam a capinar, isto é, trocaram
conhecimentos.
A
responsabilidade pela Vila era de todos, por isso fazíamos
sempre nossas reuniões para conversar sobre tudo desde de briga
de vizinhos ou de família até o andamento do nosso processo
na justiça. Cada um tinha uma responsabilidade sobre alguma
coisa, havia tesoureiro, secretário, e outros cargos que não
me lembro agora e eles levavam muito à sério tudo. A
maioria era semi- analfabeta, mas a força de vontade para levar
à cabo as responsabilidades, vencia esta dificuldade.
Nós
éramos uma grande família. Eu não sentia que
tinha uma só mãe, todas as mulheres da Vila eram minhas
mães, todas cuidavam de mim e por conseguinte minha mãe
se preocupava com os filhos das outras. Nós tínhamos
uma ligação muito forte. Haviam muitos adolescentes
na Vila, fiz amigos que me ensinaram muitas coisas, como por exemplo,
a cozinhar, a maioria das meninas faziam isto, além de estudar
e cuidar dos irmãos menores . Mas nem tudo era tão sério...
Festejávamos muito tb, toda semana havia uma festa seja aniversário,
natal, ano novo, festa junina, etc e ás vezes festejávamos
sem ter nada oficial para festejar. Nossas hortas começaram
a crescer, fizemos um campinho de e futebol para os homens, tinha
até time e torcida organizada.! Tínhamos muitos sonhos
e projetos como o de fazer uma padaria comunitária, pois tinha
um morador que era padeiro, e de vender os produtos de nossas hortas
para a comunidade do bairro. Já havia uma escolinha em andamento
com a mulher do padeiro, que era professora, que dava reforço
escolar para as crianças da vila e ensinava a ler e escrever.
Éramos
realmente empreendedores e sonhadores....Claro que nem tudo eram flores,
tivemos alguns problemas, até mesmo com a polícia que
queria entrar na vila para investigar e inventava sempre algum pretexto,
mas nunca deixamos que ela entrasse.
Porém
durante o meio do ano começamos a ficar preocupados com o andamento
do processo na justiça, o nosso advogado começou a nos
enganar e se vendeu para os donos das casas. Daí até
o final do ano foi uma luta para tentar se manter na ocupação.
As coisas já não estavam bem... Tentamos de todas as
formas continuar...
O
dia da nossa expulsão, eu nunca mais esqueci. Eu era uma criança
e não conseguia entender a maldade do mundo, para mim aquela
casa era minha, vi minha mãe durante dias plantar suas beterrabas
atrás da casa com o maior cuidado, do jeito que o jardineiro
tinha ensinado, elas já estavam lá, e agora?
Falei
para o meu pai que ia me esconder debaixo da cama e ninguém
ia me tirar de lá. Quando vi os caminhões de mudança
chegando tive vontade de me esconder em algum lugar, mas tive que
ajudar a fazer as barricadas. Nós resistimos praticamente o
dia inteiro, meu pai foi preso, uma menina passou mal. No desespero
um morador entrou embaixo do caminhão para que ele não
entrasse na vila, conseguimos até convencer um dos motoristas
a não entrar. Deitamos na rua, iriam ter que passas em cima
de nós. Mas o caminhão avançou para cima da gente.
Nós perdemos. A cenas tristes que lembro foram várias:
Meu pai chorando, o que nunca tinha visto na vida; Minha mãe
arrancando as beterrabas, não queria deixar nada para eles,
nem a terra que havíamos pisado se pudesse; o olhar de ganância
do advogado observando minha casa, nesta hora me senti impotente por
ser criança e estar nesta condição e o mais triste:
de ir visitar minha amiga depois de uns dias e ver que ela tinha voltado
para o mesmo barraco de dois cômodos com sua família
de cinco irmãos. No dia da expulsão lembro que não
me preocupei de saber para onde iria depois, por ter esperança
de no dia seguinte voltar para lá, mas não voltei nunca.
Hoje em dia passo por lá de ônibus e vejo que virou um
lugar de luxo.
Saldo
positivo disto tudo: Nós tivemos coragem de sonhar e de tentar.
Algo escapou do nosso controle, havia muito “olho grande”
naquelas casas, disseram que ali não era lugar para pobre favelado
morar. Saímos modificados disto tudo, a maioria do grupo não
confia mais em políticos, tem uma outra visão sobre
a sociedade. Para mim uma lição de vida bem no começo
da minha vida. Espero que com este artigo eu possa ter contribuído
para outras pessoas que possam querer emprender uma ocupação,
seja ela qual for. É importante sobretudo, saber quem é
o inimigo, com quem estamos lidando, e saber nos organizar para a
luta com ele. Yasmim