Autonomia & Organização por Autonomia

Entendemos uma luta pela transformação social, que realizamos desde a auto-organização como setores explorados. A evolução tecnológica dos meios de produção acarretou urna reestruturação do sistema capitalista. Faz-se necessária uma redefinição do conceito de classe social. O trabalhador não é mais o operário de fábrica, característico do século XIX e começos do século XX, nem, tampouco, o operário qualificado ou o operário-massa das grandes indústrias que se desenvolveram até os anos 60. Atualmente, o conceito de classe operária, além de incluir os já tradicionalmente considerados trabalhadores, abrange também os desempregados, os trabalhadores eventuais e os da economia submersa, os trabalhadores imigrantes, os terceirizados e todos aqueles que, mesmo não tendo um vínculo jurídico de dependência com o capitalista, produzem mais-valia.

A organização que tem como finalidade a transformação social deve adequar-se às novas realidades, levando em conta que as velhas organizações dos trabalhadores não mais atendem às expectativas de luta do operário social (denominação da nova definição do proletariado). Uma organização revolucionária tem de considerar, a todo momento, qual é a realidade social em que atua, analisar a estrutura de classes vigente e designar o sujeito da transformação social. Se isto não acontece, a teoria se afasta da prática social, alienando-nos da realidade e nos impedindo de transformá-la.

Organização: Queremos uma autêntica ruptura com o sistema capitalista, lutamos por uma sociedade sem classes, sem hierarquias, que tenha abolido a família patriarcal, por uma convivência livre e respeitosa com a natureza. Para ajustar-se aos objetivos apontados, nossa organização deve ser assembleária, na qual sejam respeitadas todas as posições e se busque o consenso possível. Somos contra os profissionais da política, os líderes, os aspirantes a ditadores do proletariado e outros infalíveis coveiros da revolução social. Combatemos as delegações permanentes, a burocracia e todos os demais mecanismos de representação/alienação do protagonismo dos trabalhadores. O fato de pagar urna quantia periodicamente não é suficiente para o compromisso orgânico, isto é, militante. É preciso assumir responsabilidades. Ser autônomo é ser ativo.

Ideologia aberta: A visão libertária dos problemas e das soluções tem mudado, com o passar do tempo. A um mesmo problema tem sido dadas respostas diferentes, em função do contexto histórico, econômico e social. Portanto, mantendo nossos princípios e sem perder de vista nossos objetivos, construímos e desenvolvemos nossa ideologia no cotidiano, através da constante discussão e análise dos temas sociais. Este método nos facilita o reconhecimento, no interior do movimento libertário, de uma questão essencial: o respeito à diversidade.

A diversidade: No interior do movimento libertário são apresentadas diversas soluções (quanto aos meios) para o problema do encaminhamento das lutas. É necessário respeitar essa diversidade, para que a organização acolha as diferentes visões e supere o tradicional sectarismo, que, fazendo referência a uma suposta pureza dos meios, conduz ao dogmatismo e à inoperância.

Os símbolos: Os símbolos, como as palavras, significam alguma coisa. Consideramos equivocadas as teses que falam de superação das contradições mediante a supressão de todo símbolo, pois prescindir deles seria como prescindir das palavras. O que devemos fazer é rechaçar os símbolos que tenham uma carga histórica pejorativa e de desunião. Há quem utilize determinados símbolos para autojustificar seus delírios e defender seus micro-espaços de poder, confundindo a liberdade com uma tirania da própria personalidade sobre a dos demais.

Pensamos que a "estrela negra" é o símbolo adequado para superar antigas contradições, além de expressar abreviadamente o movimento autônomo.

Coordenação: Desde cada coletivo organizado, cada localidade, devemos coordenar-nos para obter uma resposta global ao sistema capitalista. As lutas pela transformação social exigem coordenação; sem esta não há possibilidade de ruptura com o sistema.

A coordenação se traduz, na prática, em posturas unitárias quanto aos temas e lutas que nos são comuns. Havendo opiniões divergentes, o movimento terá de ser flexível o bastante para que cada coletivo faça o que achar mais conveniente. Desta maneira, evitamos cair em uma organização fechada, dogmática e autoritária, o que nos faria perder o contato com as lutas sociais.

Perspectivas: Nossa luta deve assumir o conceito de autovalorização, isto é: a luta pela recuperação de nossa vida para nós mesmos, não uma vida submetida e explorada pelo capital. Por isso, consideramos o trabalho assalariado uma imposição do sistema capitalista. Portanto, não elogiamos o mundo do trabalho, o mundo da fábrica, pois seria elogiar o número de horas em que somos parte da engrenagem do capitalismo.

Nossa luta é, também, pela recuperação do máximo possível do resultado de nossos esforços para nós mesmos. Seja em forma de salários (mesmo que venham a ser absorvidos pela inflação), seja em forma de seguro-desemprego, transportes gratuitos ou reapropriação direta de nossa força de trabalho. Assim, cabe mencionar, a título de exemplo, que, segundo estudos recentes, 70% das mercadorias "roubadas" nos estabelecimentos comerciais são reapropriadas pelos próprios empregados.

Devemos estar presentes em todas as lutas econômico-sociais, impulsionando a auto-organização, explicando nossos pontos de vista e respostas aos problemas concretos, assim como a extensão das lutas anticapitalistas. Isto é, a difusão da idéia de que, dentro do sistema, as únicas soluções possíveis são meros embustes. O mal está no próprio sistema capitalista, que temos que destruir.

Portanto, temos que expressar nossa solidariedade com todas as lutas anticapitalistas do mundo inteiro. Aproveitamos para combater outra forma de dogmatismo, que consiste em transpor mecanicamente as formas de luta ocidentais e a interpretação ocidental do que seja "libertário" a outras regiões do planeta, que desenvolveram formas de auto-organização e visões anti-hierárquicas próprias (índios dos EUA, aldeias livres centro-americanas etc).

Para terminar, assinalamos alguns temas que consideramos essenciais em nossa luta: insubmissão ao serviço militar obrigatório, FMI, crise econômica, denúncia da repressão às lutas sociais, contra-informação, internacionalismo anticapitalista, combate às estruturas patriarcais, etc. Em todas as lutas, ressaltamos que o denominador comum, o responsável por todos os problemas é o sistema capitalista.

Esta é uma tomada de posição que não quer constituir nenhuma teoria pronta e acabada. Portanto, está aberta a toda crítica solidária. Finalmente, enfatizamos que a autocrítica é essencial para o avanço na construção de uma relação criadora entre teoria e prática.
Loita Autónoma (Coord. De Grupos Autónomos)

 

La LLetra A, nº 45, out/nov de 1995.