1.
Análise de contexto
O
Brasil, uma das dez maiores economias industriais do mundo contemporâneo, não
obstante seu potencial econômico não tem colhido resultados que justifiquem
orgulho para os educadores no campo da educação. Analisando a “taxa de
sobrevivência nacional”[1]
(o percentual de alunos que se formam em relação aos ingressantes no contexto
dos dados da UNESCO) vê-se que no final da década de 80 essa taxa era de 22%,
percentual que coloca o país em último lugar, entre os países da América
Latina e o Caribe, aparecendo à frente só da Guiné Bissau (África) e
Bangladesh (Ásia), cujas taxas estão em torno de 18-19%.[2]
Para
além de índices e percentuais, é essencial nos perguntarmos sobre a qualidade
buscada no cenário desenhado pelo Relatório. As teorias crítico-reprodutivistas
da década de 70, de um lado, e Paulo Freire, de outro, já mostraram que todo
ato pedagógico é político e não neutro. Não cabe, portanto, pensar em uma
"qualidade" em abstrato, ou em permanência na escola como valor
absoluto.
Nas
últimas décadas, as reformas educacionais neoliberais fortaleceram o apartheid
social e educacional ao endossarem a melhoria dos índices estatísticos através
de promoção automática que faz com que o aluno progrida burocraticamente na
seriação escolar sem que haja correspondência de progressão em aprendizagem
de conteúdo escolar ou de saberes úteis para sua vida.
Quase
três décadas de estudos mostraram que a escola pública tem preparado mais
diretamente para a alienação do trabalho, mesmo que de forma incompleta, não
mecânica nem linear. A escola não só tem excluído a partir de padrões hegemônicos,
como também tem preparado os que nela permanecem para um padrão de trabalhador
que não é mais o requerido pelos novos tempos e exigências do capital.
Trazendo
nossa análise para o contexto específico da cidade de Campinas, salientam-se
as contradições de uma cidade na qual o crescimento de uma metrópole do
capital e tecnologia de ponta, vinculada à nova economia, tem tido uma relação
inversamente proporcional na distribuição da escolaridade.
O escore de terceiro lugar em analfabetismo juvenil (Segundo a edição de 28/12/2000 do periódico A Folha de São Paulo, Campinas é o terceiro lugar de analfabetismo juvenil no estado de São Paulo), evidenciam a urgência de ampliação da Rede, bem como o enorme contingente de crianças e jovens fora da escola foi produzido pela política implementada no Estado através de dois mecanismos complementares: 1) a transformação das escolas de ensino fundamental noturno em curso supletivo (com metade do tempo de duração) e 2) a redução da idade permitida para ingresso no supletivo. Tais mecanismos expulsaram os jovens da escola diurna e os incorporaram em um universo do mundo do adulto, que rapidamente os exclui.
Campinas vive ainda o caos na educação escolar do jovem. Conseqüentemente, devemos incentivar a práxis educativa em face da necessidade de formar cidadãos capazes de construírem coletivamente o conhecimento, requerido pelo mundo do trabalho, a fim de garantir a qualidade educacional para todos e para que eles se integrem ativamente na nova organização internacional do trabalho.
Não
podemos perder de vista a necessidade de formar o ser humano capaz de refletir
sobre a realidade de modo articulado, e de a alterar para construir uma
sociedade justa e solidária.
Sob
a pena de vermos aumentar a legião de pessoas com muita dificuldade de
abandonar o quadro de desemprego, faz-se necessário a identificação de
alternativas que conduzam a ações institucionais e políticas, no sentido de
incluir aqueles que estão à margem dos processos educativos.
O
que se percebe é um aumento significativo de pessoas com dificuldades em se
inserir no mercado de trabalho formal, forçando, muitas vezes, a busca por
oportunidades junto ao mercado informal, uma vez que a formação escolar e a
qualificação profissional não estão adequadas às exigências de uma
economia globalizada. Por este motivo, urge realizar ações para incluir os que
estão fora da escola, aumentando a qualidade dela para que haja vontade de
permanecer dentro.
Para
tanto, a Escola Viva que estamos construindo demanda: 1) que a
escola seja viva para os que estão nela; e 2) haver vagas para todos. Seis mil
crianças sem creches, a falta de pelo menos mais dez escolas na periferia hoje,
e uma legião de jovens e adultos sem escolarização.
Assim, acrescido ao déficit de vagas, o que ocorre no interior das escolas não pode ser minimizado. Os problemas gerados pelas formas pelas quais a educação pública vem sendo conduzida ao longo das últimas décadas são imensos e vêm exigindo de nós, educadores públicos, uma definição de ação política que arquitete formas de ampliar, sobretudo, a conclusão da educação básica numa escola com características precisas.
Escola
Viva
é uma instituição que reconheça e se oponha, na prática às desigualdades
sociais diversas, que ajude os alunos a investigarem como o seu mundo e as suas
vidas chegaram a ser o que são e que considere seriamente o que deveria ser
feito para se alterar substancialmente isto tudo.
É
necessário uma alteração na forma de organização do ensino e da
aprendizagem. Esta alteração, por sua vez, demanda conexão entre as ações
educativas e a comunidade na construção de objetivos que indicarão a meta a
ser atingida pela escola.
O
presente projeto, portanto, se funda na idéia segundo a qual somente na presença
de laços de coletividade, de elos capazes de gerar o sentido de pertencimento
com reconhecimento das diferenças que a VIDA é possível.
Escola Viva é uma escola na qual existam experiências de
educação e de socialização, na qual se pratique a solidariedade entre crianças,
jovens, adultos e suas famílias, na qual haja lugar para a produção e divulgação
do novo nas escolas, nas ruas, nos bairros, na mídia.
Agravando
os fatores mencionados acima, está o fato de que, com a escalada de violência
e a degradação das condições de trabalho (espaço físico depredado,
necessidade de assumir muitos empregos para ter um salário minimamente compatível
com as necessidades básicas, desafios impostos pela própria formação precária),
cada vez mais, há necessidade de lutar pela sobrevivência no lugar de educar
com vida e para vida.
Portanto,
efetivar as condições necessárias para que trabalhadores da educação e
alunos tenham condições dignas para a realização de seu trabalho e possam
incluir a vida em seu fazer propriamente dito, é o objetivo macro deste projeto
que visa sistematizar as ações nas quais o saber tenha sentido e a escola não
se oponha à “vida”.
2.1. Necessidades
imediatas para concretizar o nosso Escola Viva
1-
Superação da situação irregular de haver 1.280 professores
concursados fora de sala de aula;
2-
Superação da falta de segurança para os educandos e profissionais da
educação nas escolas;
3-
Contratação de funcionários (guardas, serventes, monitoras, etc.);
4-
Reforma geral das Unidades Educacionais (tetos caindo, curto-circuito na
parte elétrica, invasão de animais peçonhentos, etc);
5-
Construção de novas unidades para atendimento da demanda reprimida;
6-
Criação de, pelo menos, 6000 vagas para atender crianças em creche;
7-
Ampliação de, pelo menos, 5000 vagas para período integral;
8-
Criação de mecanismos para recuperar e incluir os jovens que estão
fora da escola sem terem concluído a educação básica;
9-
Contratação de mais ônibus para transporte escolar para, pelo menos
200 crianças que moram em áreas nas quais não será possível construir novas
Unidades Educacionais.
2.2.
Eixos fundamentais da Marca Escola Viva
Consistindo-se
numa proposta educacional democrática, o projeto Escola Viva fortalece a
articulação entre todos os Departamentos da SME/FUMEC e a interface com outras
Secretarias da PMC e, inclusive, parceiros externos.
Constitui-se na ação a partir de três eixos fundamentais, quais sejam:
1.
Singularidade
(inversão de setas e a escola como centro do processo pedagógico): ênfase nas
idiossincrasias de cada unidade educacional e seu entorno, que deverão ser
explicitadas e constitutivas de seu Projeto Pedagógico;
2.
Inclusão
Radical:
processos de acolhimento das crianças, jovens e adultos nas escolas,
caracterizado pela legitimação de seus saberes nos currículos vividos na ação
cotidiana; e
3.
Participação
Dinâmica:
dinamização da participação de todos, incluindo-a como um espaço público,
disponível e voltado integralmente à comunidade, inclusive, nos finais de
semana, envolvendo diversas instâncias democráticas, tais como conselhos, fóruns
e congressos.
Por meio da concretização destes eixos, estaremos fazendo da escola um melhor lugar para se estar e empreenderemos esforços para ressignificar o currículo e articular o movimento cotidiano das escolas às lutas democráticas mais amplas, à movimentos sociais que objetivam superar as desigualdades de gênero, classe, geração, raça dentro e fora da escola.
A meta é continuar desenvolvendo o trabalho que vimos realizando desde janeiro de 2001 em ações que deverão concretizar-se até final de 2004, podendo se perpetuar em cada educando – criança, jovem e adulto, em cada profissional da RMEC/FUMEC, em cada munícipe.
Em síntese, partimos da assunção de que nossa responsabilidade social e política de educadores envolve a vida e o futuro de nossos alunos. Assim sendo, o Projeto Escola Viva contêm os projetos específicos das escolas articulados pelas políticas gerais da SME/FUMEC.
2.
Objetivo
Geral
Fazer
da escola um bom lugar para estar e aprender, onde a inclusão da vida se faz no
sentido mais radical, contribuindo na formação de cidadãos capazes de
construir uma sociedade justa e solidária.
3.
Indicadores
e Metas (até julho de 2004):
a)
Redução de 50% da taxa atual de evasão escolar, pelo menos;
b)
Redução de 50% da taxa atual de reprovação, pelo menos;
c)
Integração completa entre as suplências I e II;
d)
Aumento de 100% de inclusão de alunos com necessidades especiais nas
redes de ensino públicas;
e)
Aumento de 100% de inclusão de alunos em liberdade assistida e situação
de risco nas redes de ensino públicas;
f)
Aumento de 100% no número de alunos inseridos nos projetos de formação
cidadã (hip hop, e outros);
g)
Revisão completa dos currículos escolares visando garantir a
pluralidade cultural, social, étnica, etc.;
h)
Descentralização financeira, de acordo com a legislação, em 100% das
Ues;
i)
Realização do projeto “A escola é Nossa” em
100% das Ues;
j)
Realização de algum tipo de intervenção organizada na sociedade civil
(levantamento de preços, enquetes, pesquisa, mutirão de limpeza, etc.) por
100% dos alunos da RMC/FUMEC que assim o desejarem;
k)
Apresentação pública e sistemática de diversos tipos de trabalho (desenhos,
poesia, teatro, produção acadêmica, etc.) por 100% dos alunos e profissionais
da RMC/FUMEC que assim o desejarem;
l)
Participação ativa no Orçamento Participativo e outros fóruns de
discussão e debate por todas Unidades Educacionais da RMC/FUMEC;
m)
Participação ativa em concursos culturais (charge, redação, desenhos,
etc.) por 100% dos alunos e profissionais da RMC/FUMEC que assim o desejarem;
[1] BRASIL. Educação Fundamental: Relatório Final. Proposta de estudos sobre alternativas para o desenvolvimento do semi-árido com ênfase na municipalização. grupo de trabalho de recursos humanos. Recife, setembro/1994.
[2]
Para estabelecermos alguns parâmetros, na América do Sul, América Latina
e Caribe, o Chile tem 85%, Costa Rica 76%, México 69%, Panamá 87%, Uruguai
86%, Venezuela 73%, Peru 70%. Por motivos
óbvios, o Relatório não se refere à situação educacional, ou “taxa
de sobrevivência nacional” de
Cuba. Em seguida aparece Haiti com 32% e, num conjunto de 114 países, o
Brasil aparece em antepenúltimo lugar. (Brasil, 1994:35).