Ao
povo do México
Aos
povos e governos do mundo
Irmãos:
Hoje
dizemos: aqui estamos. Somos a dignidade rebelde, o coração esquecido
da Pátria!
A
flor da palavra não morrerá. Poderá morrer o rosto oculto de quem
hoje a nomeia, mas a palavra que veio desde o fundo da história
e da terra já não poderá ser arrancada pela soberba do poder.
Nós
nascemos da noite. Nela vivemos. Nela morreremos. Porém, a luz
será manhã para os demais, para todos aqueles que hoje choram
a noite, para quem o dia é negado, para quem a morte é uma dádiva,
para a dor e a angústia. Para nós, a alegre rebeldia. Para nós
o futuro negado, a dignidade insurrecta. Para nós, nada.
Nossa
luta é para fazer-nos escutar, e o mau governo grita soberba e
tapa com canhões os seus ouvidos.
Nossa
luta é contra a fome, e o mau governo oferece balas e papel aos
estômagos de nossos filhos.
Nossa
luta é por uma moradia digna, e o mau governo destrói nossa casa
e nossa história.
Nossa
luta é pelo saber, e o mau governo reparte ignorância e desprezo.
Nossa
luta é por terra, e o mau governo oferece cemitérios.
Nossa
luta é por trabalho justo e digno, e o mau governo compra e vende
corpos e vergonha.
Nossa
luta é pela vida, e o mau governo oferece a morte como futuro.
Nossa
luta é pelo respeito ao nosso direito de governar e nos governarmos,
e o mau governo impõe à maioria a lei da minoria.
Nossa
luta é por liberdade para o pensamento e o caminhar, e o mau governo
impõe cárceres e túmulos.
Nossa
luta é por justiça, e o mau governo está cheio de criminosos e
assassinos.
Nossa
luta é pela história, e o mau governo propõe o esquecimento.
Nossa
luta é pela Pátria, e o mau governo sonha com a bandeira e a língua
estrangeiras.
Nossa
luta é pela paz, e o mau governo anuncia guerra e destruição.
Moradia,
terra, trabalho, pão, saúde, educação, independência, democracia,
liberdade, justiça e paz. Estas foram nossas bandeiras na madrugada
de 1994. Estas foram as nossas demandas na longa noite dos 500
anos. Estas são hoje nossas exigências.
Nosso
sangue e nossas palavras acenderam um pequeno fogo na montanha
e o levamos rumo à casa do poder e do dinheiro. Irmãos e irmãs
de outras raças e outras línguas, de outra cor e mesmo coração,
protegeram a nossa luz e dela acenderam seus respectivos fogos.
O
poderoso veio para nos apagar com o seu sopro poderoso, mas nossa
luz cresceu em outras luzes. O rico sonha em apagar a primeira
luz. É inútil, já existem muitas luzes e todas são primeiras.
O
soberbo quer apagar uma rebeldia que sua ignorância situa no amanhecer
de 1994. Porém, a rebeldia que hoje tem rosto moreno e língua
verdadeira não nasceu agora. Antes falou com outras línguas e
em outras terras. A rebeldia contra a injustiça caminhou em muitas
montanhas e muitas histórias. Ela já falou em língua náhuatl,
paipai, kiliwa, cúcapa, cochimi, kumiai, yuma, seri, chontal,
chimanteco, pame, chichimeca, otomí, mazahua, matlazinca, ocuilteco,
zapoteco, solteco, chatino, papabuco, mixteco, cuicateco, triqui,
amuzgo, mazateco, chocho, izcateco, huave, tlapaneco, totonaca,
tepehua, popoluca, mixe, zoque, huasteco, lacandón, maya, chol,
tzeltal, tzotzil, tojolabal, mame, teco, ixil, aguacateco, motocintleco,
chicomucelteco, kanjobal, jacalteco, quiché, cakchiquel, ketchi,
pima, tepehuán, tarahumara, mayo, yaqui, cahíta, ópata, cora,
huichol, purépecha e kikapú. Falou e fala o espanhol. A rebeldia
não é coisa de língua, é coisa de dignidade e de seres humanos.
Por
trabalhar nos matam, por viver nos matam. Não há lugar para nós
no mundo do poder. Por lutar nos matarão, mas nós construiremos
um mundo onde tenha lugar para todos e todos possam viver sem
morte na palavra. Querem nos tirar a terra, para que o nosso passo
não possa andar. Querem nos tirar a história, para que a nossa
palavra morra no esquecimento. Não nos querem índios. Nos querem
mortos.
Para
os poderosos, o nosso silêncio era uma benção. Calando morríamos,
sem palavra não existíamos. Lutamos para falar contra o esquecimento,
contra a morte, pela memória e pela vida. Lutamos pelo medo de
morrer a morte do esquecimento.
Falando
em seu coração índio, a Pátria continua digna e com memória.
Irmãos:
No
dia 1º de janeiro de 1995, depois de romper o cerco militar com
o qual o mau governo pretendia nos render e condenar ao esquecimento,
convocamos as diferentes forças políticas e cidadãos a construir
uma ampla frente de oposição que unisse as vontades democráticas
contra o sistema de partido de Estado: o Movimento para a Libertação
Nacional. Ainda que de início este esforço de unidade oposicionista
encontrasse não poucos problemas, ele se manteve vivo no pensamento
dos homens e mulheres que não se conformam em ver sua Pátria entregue
às decisões do poder e do dinheiro estrangeiros. Depois de trilhar
um caminho cheio de dificuldades, incompreensões e retrocessos,
a frente ampla de oposição está por concretizar seus primeiros
planos de acordos e ação conjunta. O longo processo de amadurecimento
deste esforço de organização deverá alcançar sua plenitude no
ano que começa. Nós os zapatistas, saudamos o nascimento do Movimento
para a Libertação Nacional e desejamos que entre os que tomam
parte dele exista sempre o afã da unidade e o respeito às diferenças.
Iniciado
o diálogo com o supremo governo, o EZLN se viu traído no seu compromisso
de buscar uma solução política para a guerra iniciada em 1994.
Fingindo disposição para o diálogo, o mau governo optou covardemente
pela solução militar e, com argumentos torpes e estúpidos, desatou
uma grande perseguição política e militar que tinha como objetivo
supremo o assassinato da direção do EZLN. As forças armadas rebeldes
do EZLN resistiram com serenidade ao golpe de dezenas de milhares
de soldados que, contando com assessoria estrangeira e toda a
moderna maquinaria de morte que possuem, pretendeu sufocar o grito
de dignidade que saía das montanhas do sudeste mexicano. Uma retirada
ordenada permitiu às forças zapatistas conservar seu poder militar,
sua autoridade moral, sua força política e a razão histórica,
que é a sua arma principal contra o crime vestido de governo.
As grandes mobilizações da sociedade civil nacional e internacional
pararam a ofensiva traidora e obrigaram o governo a insistir na
via do diálogo e da negociação. Dezenas de civis inocentes foram
aprisionados pelo mau governo e ainda permanecem presos, na qualidade
de reféns dos terroristas que nos governam. As forças federais
não tiveram vitória militar maior que a destruição de uma biblioteca,
de um salão para eventos culturais, uma pista de baile e o saque
dos poucos pertences dos indígenas da Selva Lacandona. A tentativa
de realizar um assassinato foi coberta pela mentira governamental,
com a máscara da "recuperação da soberania nacional".
Esquecendo
o Artigo 39 da Constituição que jurou cumprir no dia 1º de dezembro
de 1994,o supremo governo reduziu o Exército Federal Mexicano
à categoria de exército de ocupação, atribuindo-lhe a tarefa de
salvaguardar o crime organizado que se veste de governo.
Entretanto,
a verdadeira perda da soberania nacional concretizava-se nos pactos
secretos e públicos do gabinete econômico com os donos do dinheiro
e os governos estrangeiros. Hoje, enquanto dezenas de milhares
de soldados federais agridem e fustigam um povo armado de fuzis
de madeira e palavra digna, os altos governantes acabam de vender
a riqueza da grande nação mexicana e de destruir o pouco que ainda
se mantém de pé.
Iniciado
há pouco tempo o diálogo ao qual havia sido obrigada pela sociedade
civil nacional e internacional, a delegação parlamentar teve oportunidade
de mostrar claramente suas verdadeiras intenções na negociação
de paz. Os novos conquistadores dos indígenas, que encabeçam a
equipe negociadora do governo, se distinguem por uma atitude prepotente,
soberba, racista e humilhadora, que levou ao fracasso várias reuniões
do Diálogo de San Andrés. Apostando no cansaço e no desgaste dos
zapatistas, a delegação governamental pôs todo o seu empenho em
conseguir a ruptura do diálogo, confiante de que desta forma teria
argumentos para recorrer à força e, assim, conseguir alcançar
o que lhe era impossível pela razão.
Vendo
que o governo recusava um enfoque sério do conflito nacional representado
pela guerra, o EZLN tomou uma iniciativa de paz que destravaria
o diálogo e a negociação. Convocando a sociedade civil a um diálogo
nacional e internacional em busca de uma nova paz, o EZLN realizou
a Consulta pela Paz e a Democracia, para ouvir o pensamento nacional
e internacional sobre suas demandas e seu futuro.
Com
a participação entusiasmada dos membros da Convenção Democrática
Nacional, de milhares de cidadãos sem organização porém com desejos
democráticos, a mobilização dos comitês de solidariedade internacionais
e os grupos de jovens, e a irrepreensível ajuda dos irmãos e irmãs
da Aliança Cívica Nacional, durante os meses de agosto e setembro
de 1995 levou-se a cabo um exercício cidadão que não tem precedentes
na história mundial: uma sociedade civil e pacífica dialogando
com um grupo armado e clandestino. Foram realizados mais de um
milhão e trezentos mil diálogos para tornar verdadeiro este encontro
de vontades democráticas. Como resultado da consulta, a legitimidade
das demandas zapatistas foi ratificada, deu-se um novo impulso
à ampla frente opositora que encontrava-se estancada e expressou-se
claramente o desejo de ver os zapatistas participando da vida
política do país. A grande participação da sociedade civil internacional
chamou a atenção sobre a necessidade de construir os espaços de
encontro entre as vontades de mudança democrática que existem
nos diferentes países. O EZLN levou a sério os resultados deste
diálogo nacional e internacional e iniciou os trabalhos políticos
e organizativos para caminhar de acordo com estes sinais.
Três
novas iniciativas foram lançadas pelos zapatistas, como resposta
ao êxito da Consulta pela Paz e pela Democracia. Uma iniciativa
de âmbito internacional: convocamos um encontro intercontinental
contra o neoliberalismo. Duas iniciativas são de caráter nacional:
a formação de comitês civis de diálogo, como base para a discussão
dos principais problemas nacionais e embrião de uma nova força
política não partidária; e a construção de novos Aguascalientes,
como lugares de encontro entre a sociedade civil e o zapatismo.
Três
meses depois destas três iniciativas, está por concretizar-se
a convocatória para o encontro intercontinental pela humanidade
e contra o neoliberalismo. Mais de 200 comitês civis de diálogo
se formaram em toda a República Mexicana e, no dia de hoje, inauguramos
5 novos Aguascalientes: um na comunidade de La Garrucha,
outro em Oventik, um em Morelia, outro em La Realidad e o último
e primeiro, no coração de todos os homens e mulheres honestos
que existem no mundo.
Em
meio a ameaças e penúrias, as comunidades indígenas zapatistas
e a sociedade civil lograram levantar estes centros de resistência
civil e pacífica onde será resguardada a cultura mexicana e mundial.
O
Novo Diálogo Nacional experimentou sua primeira prova por ocasião
da mesa do Diálogo de San Andrés. Enquanto o governo descobria
a sua ignorância a respeito dos primeiros habitantes destas terras,
os assessores e convidados do EZLN deram início a um diálogo tão
rico e novo que logo transbordou a estreita mesa de San Andrés
e se colocou em seu verdadeiro lugar: a nação. Os indígenas mexicanos,
os que sempre foram obrigados a escutar, a obedecer, a aceitar,
a resignar-se, tomaram a palavra e falaram a sabedoria que caminha
em seus passos. A imagem do índio ignorante, pusilânime e ridículo,
a imagem que o poder havia decretado para consumo nacional, fez-se
em pedaços, e o orgulho e a dignidade indígenas voltaram à história,
para assumir o lugar que lhe cabe: o de cidadãos completos e cabais.
Independentemente
dos resultados da primeira negociação dos Acordos em San Andrés,
o diálogo iniciado pelas distintas etnias e seus representantes
seguirá adiante, agora no Fórum Nacional Indígena, e terá o ritmo
e o alcance que os próprios indígenas venham a escolher e decidir.
No cenário político nacional, o redescobrimento da criminalidade
salinista voltou a sacudir o sistema de partido de Estado. Os
defensores das contra-reformas salinistas sofrem de amnésia e
agora são os mais entusiasta perseguidores daqueles sob cuja sombra
enriqueceram. O Partido de Ação Nacional, o mais fiel aliado de
Carlos Salinas de Gortari, começou a mostrar as suas possibilidades
de substituir o Partido Revolucionário Institucional no topo do
poder político e a ensinar sua vocação repressiva, intolerante
e reacionária. Aqueles que vêem com esperança o ascenso deste
partido esquecem que a substituição de uma ditadura não significa
necessariamente democracia, e aplaudem a nova inquisição que,
com máscara democrática, haverá de sancionar com golpes os últimos
estertores de um país que foi assombro mundial e hoje é referência
de crônicas policiais e escândalos. A repressão e a impunidade
foram constantes no exercício deste governo; os massacres de indígenas
em Guerrero, Oaxaca e Huasteca ratificam a política frente aos
indígenas; o autoritarismo da UNAM em relação ao movimento dos
CCH demonstra a rota de corrupção que vai da academia à política;
a detenção de dirigentes do El Barzón é uma mostra a mais da traição
como método de diálogo; as bestialidades do regente Espinosa ensaiam
o fascismo callejero na Cidade do México; as reformas na
Lei de Seguro Social reiteram a democratização da miséria e o
apoio à privatização dos bancos assegura a vocação de unidade
entre poder e dinheiro; os crimes políticos são insolúveis porque
cometidos por quem diz perseguí-los; a crise econômica torna mais
escandalosa a corrupção nas esferas governamentais. Governo e
crime, hoje são sinônimos e equivalentes.
Enquanto
a verdadeira oposição afana-se em encontrar o centro em uma nação
moribunda, amplas camadas da população reforçam seu ceticismo
perante os partidos políticos e buscam, sem encontrar, uma oposição
que tenha uma nova prática política, uma organização política
de novo tipo.
A
heróica e digna resistência das comunidades indígenas zapatistas
iluminou como uma estrela o ano de 1995 e escreveu uma formosa
lição na história mexicana. Em Tepoztlán, Sutaur-100, El Barzón,
para mencionar alguns lugares e movimentos, a resistência popular
encontrou dignos representantes.
Em
resumo, o ano de 1995 se caracterizou pela definição de dois projetos
de nação completamente distintos e contraditórios.
De
um lado, o projeto de país do Poder. Um projeto que implica a
destruição total da nação mexicana; a negação de sua história;
a entrega da sua soberania; a traição e o crime como valores supremos;
a hipocrisia e o engano como método de governo; a desestabilização
e a insegurança como programa nacional, a repressão e a intolerância
como projeto de desenvolvimento. Este plano encontra no PRI a
sua cara criminosa e no PAN a sua máscara democrática. Do outro
lado, o projeto de transição para a democracia; não uma transição
pactuada com o Poder que simule uma mudança para que tudo continue
como está, e sim uma transição para a democracia como projeto
de reconstrução do país; a defesa da soberania nacional; a justiça
e a esperança como anseios; a verdade e o mandar obedecendo como
diretrizes; a estabilidade e a segurança provenientes da democracia
e da liberdade; a diálogo, a tolerância e a inclusão como nova
forma de fazer política.
Este
projeto está pra ser construído e será obra, não de uma força
política hegemônica ou da genialidade de um indivíduo, mas de
um amplo movimento opositor que recolha os sentimentos da nação.
Estamos no meio de uma grande guerra que sacudiu o México neste
final de século. A guerra entre os que pretendem a perpetuação
de um regime social, cultural e político que eqüivale ao delito
de traição à Pátria, e os que lutam por uma transformação democrática,
livre e justa. A guerra zapatista é só uma parte desta grande
guerra, que é a luta entre a memória que aspira ao futuro e o
esquecimento com vocação estrangeira.
Hoje,
uma nova sociedade plural, tolerante, includente, democrática,
justa e livre só é possível, em uma nova Pátria. Ela não será
construída pelo poder. Hoje o poder é só o agente de venda dos
escombros de um país destruído pelos verdadeiros subversivos e
desestabilizadores: os governantes.
Quanto
aos projetos independentes da oposição, temos uma carência que
hoje torna-se mais decisiva: nos opomos a um projeto de país que
implica a sua destruição, porém carecemos de uma proposta de nova
nação, uma proposta de reconstrução. Parte dela, e não o todo
e nem sua vanguarda, tem sido e é o EZLN no esforço pela transição
para a democracia. Apesar das perseguições e ameaças, superando
os enganos e as mentiras, o EZLN, legítimo e coerente, segue adiante
em sua luta pela democracia, liberdade e justiça para todos os
mexicanos.
Hoje,
a luta pela democracia no México é uma luta pela libertação nacional.
Hoje,
com o coração de Emiliano Zapata e tendo escutado a voz de todos
os nossos irmãos, chamamos o povo do México a participar de uma
nova etapa da luta pela libertação nacional e da construção de
uma nova Pátria, por meio desta ... Quarta Declaração da Selva
Lacandona, na qual conclamamos todos os homens e mulheres
honestos a participar da nova força política nacional que nasce:
a Frente Zapatista de Libertação Nacional, organização civil e
pacífica, independente e democrática, mexicana e nacional, que
luta pela democracia, liberdade e justiça do México. A Frente
Zapatista de Libertação Nacional nasce hoje e convidamos a participar
dela os operários da República, os trabalhadores do campo e da
cidade, os indígenas, os colonos, os professores e estudantes,
as mulheres mexicanas, os jovens de todo o país, os artistas e
intelectuais honestos, os religiosos coerentes, todos os cidadãos
mexicanos que não querem o poder e sim a democracia, a liberdade
e a justiça para nós e nossos filhos.
Convidamos
a sociedade civil nacional, os sem partido, o movimento social
e cidadão, todos os mexicanos, a construir uma nova força política.
Uma nova força política que seja nacional. Uma nova força política
com base no EZLN.
Uma
nova força política que seja parte de um grande movimento opositor,
o Movimento para a Libertação Nacional, como lugar de ação política
cidadã, para onde confluam outras forças políticas da oposição
independente, espaço de encontro de vontades e coordenador de
ações voluntárias.
Uma
força política cujos integrantes não desempenhem, nem aspirem
desempenhar, cargos de eleição popular ou postos governamentais
em quaisquer de seus níveis. Uma força política que não aspire
à tomada do poder. Uma força que não seja um partido político.
Uma
força política que possa organizar as demandas e propostas dos
cidadãos para que quem mande, mande obedecendo. Uma força política
que possa organizar os problemas coletivos, mesmo sem a intervenção
dos partidos políticos e do governo. Não necessitamos pedir permissão
para ser livres. A função do governo é prerrogativa da sociedade
e é seu direito exercer esta função. Uma força política que lute
contra a concentração da riqueza em poucas mãos e contra a centralização
do poder. Uma força política cujos integrantes tenham como único
privilégio a satisfação do dever cumprido.
Uma
força política com organização local, estadual e regional, que
cresça a partir da base, de sua sustentação social. Uma força
política nascida dos comitês civis de diálogo.
Uma
força política que se chama Frente porque trata de incorporar
esforços políticos não partidários, porque possui muitos níveis
de participação e muitas formas de luta.
Uma
força política que se chama Zapatista porque nasce com a esperança
e o coração indígena que, junto ao EZLN, voltaram a descer das
montanhas mexicanas.
Uma
força política que se chama de Libertação Nacional, porque sua
luta é pela liberdade de todos os mexicanos e em todo o país.
Uma
força política com um programa de luta de 13 pontos, os da Primeira
Declaração da Selva Lacandona, enriquecidos ao longo de dois
anos de insurgência. Uma força política que lute contra o sistema
de Partido de Estado. Uma força política que lute pela democracia
não apenas na hora das eleições. Uma força política que lute por
uma nova constituinte e uma nova Constituição.
Chamamos
a todos os homens e mulheres do México, aos indígenas e aos não
indígenas, a todas as raças que formam a nação; aos que concordam
em lutar por moradia, terra, trabalho, pão, saúde, educação, informação,
cultura, independência, democracia, justiça, liberdade e paz;
aos que entendem que o sistema de Partido de Estado é o principal
obstáculo para o trânsito à democracia no México; aos que sabem
que democracia não quer dizer alternância de poder e sim governo
do povo, para o povo e pelo povo; aos que estão de acordo com
que se faça uma nova Constituição que incorpore as principais
demandas dos mexicanos e garanta o cumprimento do Artigo 39, mediante
plebiscito e referendum; aos que não aspiram ou pretendem exercer
cargos públicos ou postos de eleição popular; aos que têm o coração,
a vontade e o pensamento do lado esquerdo do peito; aos que querem
deixar de ser espectadores e estão dispostos a não ter remuneração
e privilégio algum a não ser o de participar da reconstrução nacional;
aos que querem construir algo novo e bom, para formar a Frente
Zapatista de Libertação Nacional.
Aqueles
cidadãos sem partido, aquelas organizações sociais e políticas,
aqueles comitês civis de diálogo, movimentos e grupos que subscrevem
esta Quarta Declaração da Selva Lacandona comprometem-se
a participar do diálogo para formular a estrutura orgânica, o
plano de ação e a declaração de princípios da Frente Zapatista
de Libertação Nacional.
Com
a unidade organizada dos zapatistas civis, a luta iniciada em
1º de janeiro de 1994 entrará em uma nova etapa. O EZLN não desaparece,
porém seu esforço mais importante seguirá pela luta política.
Em seu tempo e condições, o EZLN participará diretamente da Frente
Zapatista de Libertação Nacional.
Hoje,
1º de janeiro de 1996, o Exército Zapatista de Libertação Nacional
assina esta Quarta Declaração da Selva Lacandona. Convidamos
o povo do México para que faça o mesmo.
Irmãos:
Muitas
palavras caminham pelo mundo. Muitos mundos se fazem. Muitos mundos
nos fazem. Há palavras e mundos que são verdades e verdadeiros.
Nós somos feitos por palavras verdadeiras.
No
mundo do poderoso não cabem mais que os grandes e seus servidores.
No mundo que nós queremos cabem todos.
O
mundo que queremos é um onde caibam muitos mundos. A Pátria que
queremos construir é uma onde caibam todos os povos e suas línguas;
que todos os passos a caminhem, que todos a riam, que todos a
façam amanhecer.
Falamos
a unidade inclusive quando calamos. Baixinho e debaixo da chuva,
falamos as palavras que encontram a unidade que nos abraça na
história e faz rejeitar o esquecimento que nos enfrenta e destrói.
Nossa
palavra, nosso canto e nosso grito é para que os mortos já não
morram mais. Para que vivam, lutamos; para que vivam, cantamos.
Vive
a palavra. Vive o Já Basta! Vive a noite que se faz manhã. Vive
o nosso digno caminhar junto a todos aqueles que choram. Para
destruir os planos de morte do poderoso, lutamos. Para um novo
tempo de vida, lutamos.
A
flor da palavra não morre, ainda que em silêncio caminhem nossos
passos. Em silêncio se semeia a palavra. Para que floresça a gritos,
se cala. A palavra se faz soldado, para não morrer de esquecimento.
Para viver, se morre a palavra, semeada para sempre no ventre
do mundo. Nascendo e vivendo morremos. Sempre viveremos.
Não
nos renderemos. Zapata vive e, apesar de tudo, a luta continua.
Das
montanhas do sudeste mexicano,
Comitê
Clandestino Revolucionário Indígena - Comando Geral do Exercito
Zapatista de Libertação Nacional
1º
de janeiro de 1996