O
subcomandante Marcos revela a Gabriel García Márquez seus
sonhos e paradoxos.
Cidade do México. O subcomandante Marcos chegou em 1984 à
selva lacandona de Chiapas no sudeste do México, e ali viveu
durante 17 anos com as comunidades indígenas tzotziles e tzeltales
até 11 de março de 2000, quando a marcha que encabeçou
e que cruzou meio país terminou com uma manifestação
gigantesca na Praça da Constituição – mais
conhecida como Zócalo – na Cidade do México.
Nesse lugar, carregado de um enorme peso histórico, o chefe do
Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZNL),
sem nenhuma arma, tornou oficial sua decisão de fazer política
pacificamente. Desde esse dia, os mexicanos têm a alma inquieta,
pois sabem que, em boa medida, o destino do país depende do êxito
ou do fracasso das gestões desse misterioso homem encapuzado
e de um punhado de compõe seu estado maior.
Sua missão é conseguir a aprovação de uma
lei de direitos para os indígenas e sentar-se, cara a cara, com
o governo do presidente Vicente Fox numa mesa de negociação.
Marcos se instalou com sua gente na Escola Nacional de Antropologia
e História (Enah), ao sul da cidade, cujas salas de aula improvisadas
como dormitórios e recintos de reuniões se converteram
no centro da atenção da opinião pública
mundial, devido à importância de seus inquilinos atuais
e á enxurrada de notícias de implicações
definitivas geradas ali minuto a minuto.
O subcomandante dos zapatistas não havia conseguido que o Congresso
lhe permitisse expor as idéias sobre a lei dos direitos indígenas
diante de todos os deputados, pois a divisão de opiniões
nos partidos políticos impediu que se alcançasse qualquer
consenso.
Por fim, na quinta-feira, surgiu uma luz de esperança quando
o Congresso aprovou, numa votação apertada, a proposta
de escuta-lo. Entretanto, Marcos e Fox buscavam se êxito pôr-se
de acordo sobre qual é a melhor maneira de dar o primeiro passo
para iniciar um firme processo de conversações de paz
entre a guerrilha e o governo.
A semana passada terminou num suspense tremendo. Antes da decisão
do Congresso, os zapatistas haviam anunciado sua determinação
de regressar a Chiapas por considerar que a classe política estava
se fechando ao diálogo. Para detê-los, Fox respondeu com
a ordem de levantar os postos de vigilância militar na zona de
conflito e com o anúncio de que libertaria os guerrilheiros que
ainda estão na prisão. O temor que gerara o ingresso zapatista
na Cidade do México para exigir os direitos dos indígenas
parecia ter sido superado pela inquietude que produzia a possibilidade
de regressarem a sua terra com as mãos vazias.
Através de uma cadeia de mensagens entre amigos comuns, o subcomandante
Marcos aceitou falar com os jornalistas da revista "Cambio".
O encontro era às 21h30m de uma noite da semana passada. A entrada
principal da Escola de Antropologia estava protegida por agentes da
polícia e um grupo de estudantes, que mantêm guarda as
24 horas do dia, vigiando as salas de aula onde estão os zapatistas.
Depois de atravessar os dois anéis de segurança, chegamos
ao lugar da reunião, onde não havia mais que uma mesa
e três cadeiras. Cinco minutos depois, Marcos chegou e falou conosco.
Sete
anos depois de o Exército Zapatista de Libertação
Nacional (ELZN) anunciar que um dia entraria triunfante na Cidade do
México, o senhor chegou à capital e encontrou o Zócalo
(praça central da capital mexicana) lotado. O que o senhor sentiu
ao subir no palanque e ver aquele espetáculo?
SUBCOMANDANTE MARCOS: Seguindo a tradição zapatista de
anticlímax, o pior lugar para se ver uma manifestação
no Zócalo é de um palanque. Havia muito sol, tínhamos
dor de cabeça e estávamos muito preocupados contando as
pessoas que iam desmaiando diante de nós. Eu dizia a um companheiro,
comandante Tacho, que devíamos nos apressar porque, quando começássemos
a falar, não teria sobrado ninguém na praça. Não
conseguia ver toda a extensão. A distância que tínhamos
das pessoas, por uma questão de segurança, era também
uma distância emotiva e não soubemos o que se passou no
Zócalo até lermos os jornais do dia seguinte. Pensamos
que foi a culminação de uma etapa, que nosso discurso,
nossa palavra naquele dia foi a mais apropriada, que desconcertamos
os setores que esperavam que tomaríamos o palácio ou pregaríamos
uma insurreição generalizada e também os que pensavam
que nosso discurso se limitaria a questão poética ou lírica.
Creio que de uma forma ou de outra o EZLN estava falando no Zócalo
no dia 11 de março, mas não 2001. Estava falando de algo
que ainda está para acontecer: esse sentimento que significa
que a derrota definitiva do racismo se converterá em política
educativa, num sentimento de toda a sociedade mexicana. Como dizemos
os militares, a batalha estava ganha, mais ainda havia combates a travar.
Creio, finalmente, que o Zócalo do dia 11 de março nos
dizia que fora acertado deixar as armas de lado, que a aposta numa mobilização
pacífica era correta e dava resultados. Falta que o estado mexicano
entenda isso.
O senhor utilizou a expressão "como dizemos os militares".
Para nós, colombianos, que temos ouvido nossa guerrilha, seu
discurso soa como militar. O quanto de militar há no senhor e
no seu movimento e como descreve a guerra em que tem lutado?
MARCOS: Nossa estrutura é militar. O subcomandante Marcos é
o chefe militar de um exército. Em todo caso é um exército
diferente porque o que estamos propondo é deixarmos de ser um
exército. O militar é uma pessoa absurda que tem que recorrer
às armas para poder convencer os outros de que sua razão
é que deve prevalecer. Nesse sentido, o movimento não
tem futuro se seu futuro for militar. Ele fracassará como opção
de idéias, de posição, de posição
frente ao mundo. E o pior que poderia acontecer, além disso,
seria chegar ao poder e se instalar como um exército revolucionário.
O que seria um êxito para uma organização político-militar
nas décadas de 60 e 70, que surgiu com movimentos de libertação
nacional, para nós seria um fracasso. Vimos que essas vitórias
eram derrotas ocultas por trás de sua própria máscara.
O que estava pendente sempre era o lugar das pessoas, da sociedade civil,
do povo. É uma disputa entre duas hegemonias. Um poder opressor
que, de cima, decide pela sociedade e um grupo de iluminados que decide
conduzir o país a um bom rumo, tira aquele outro grupo do poder,
toma o poder, e também decide pela sociedade. Para nós
é uma luta de hegemonias e sempre há uma boa e uma má.
Para o resto da sociedade, as coisas estão mudando no que é
fundamental. Chega em um momento em que o ELZN é ultrapassado
pelo que é zapatismo. O E da sigla fica diminuído, com
as mão amarradas, de tal forma que para nós não
apenas não significa um peso nos mobilizarmos sem armas, como
é também um alívio. A farda pesa menos que antes,
assim como a parafernália militar que necessariamente leva um
grupo armado na hora do diálogo.
O Senhor parece ter diferenças em relação à
esquerda tradicional também quanto aos setores sociais que esses
grupos representam.
MARCOS: Vou apontar duas ausências na esquerda latino-americana
revolucionária. Uma delas são os povos indígenas
e a outra são os grupos supostamente minoritários. Esses
setores são esquecidos nos discursos da esquerda latino-americana
das últimas décadas e na presente. Também foi posto
o marco teórico do que então era o marxismo-leninismo:
prescindir desses setores e vê-los como parte do processo que
deve ser eliminado. O homossexual, por exemplo, é suspeito de
traição, um elemento nocivo para o movimento e para o
Estado socialista. E o índio é um elemento de atraso que
impede as forças produtivas... blá, blá, blá.
Isso corresponde a eliminar esses setores, alguns em centros de reclusão
ou reeducação, e outros com sua assimilação
do processo produtivo e sua transformação em mão
de obra qualificada. Proletários, em outras palavras.
Os guerrilheiros costumam falar em nome da maioria. É surpreendente
que o senhor fale em nome das minorias, quando poderia faze-lo em nome
do povo pobre e explorado. Por que faz isso?
MARCOS: Toda a vanguarda supõe que represente a maioria. No nosso
caso, achamos que isso é falso e que, no melhor dos casos, não
vai além de um desejo. No pior, é um claro exercício
de usurpação. Na hora em que se põe em jogo as
forças sociais, nos damos conta de que a vanguarda não
é vanguarda e os representantes não se reconhecem nela.
Quando o Exército Zapatista de Libertação Nacional
renuncia a vanguarda, está reconhecendo seu horizonte real. Acreditar
que podemos falar por aqueles além de nós mesmos é
masturbação política. Estamos tratando de ser honestos
com nós mesmos e alguém pode pensar que é bondade.
Não é. Podemos ser inclusive cínicos e dizer que
só representamos as comunidades indígenas zapatistas do
sudeste mexicano. Mas nosso discurso chegou ao ouvido de muito mais
gente. Até aí chegamos. Não mais que isso.
Os discursos da marcha zapatista foram surgindo a cada povoado até
a chegada à Cidade do México ou o senhor os planejou desde
o começo, sendo que o último não precisava ser
necessariamente mais forte?
MARCOS: Há a versão oficial e a real. A oficial é
que percebemos agora que tínhamos que fazer. A real é
que o discurso foi sendo construído nestes sete anos. Chega um
momento em que o zapatismo do EZLN é ultrapassado por muitas
coisas. Estamos respondendo não ao que éramos antes de
1994 e tampouco ao que fomos nos primeiros dias de 94, quando estávamos
combatendo, mas sentimos e adquirimos uma série de compromissos
éticos ao longo desses sete anos. O que aconteceu é que
pretendíamos levar um arado, o que finalmente não conseguimos
na hora, mas bastou a sola dos pés tocando a terra enquanto caminhávamos
para que brotasse o que queríamos. Em cada praça fomos
dizendo: "Não viemos para dirigi-los, não viemos
para dizer-lhes o que fazer, mas viemos para pedir-lhes ajuda."
Ainda assim, ao longo da marcha, ouvimos reclamações que
vinham desde antes da revolução mexicana, à espera
de alguém que resolvesse o problema. Se pudéssemos resumir
o discurso da marcha zapatista, seria: Ninguém fará por
nós". É preciso mudar as formas de organização
e de fazer política para que isso seja possível. Quando
dizemos não aos líderes, no fundo também dizemos
não a nós mesmos.
O senhor e os zapatistas estão no auge do seu prestígio;
acaba de cair o PRI no México; há um projeto de lei no
Congresso que cria um estatuto indígena e as negociações
que o senhor reivindica podem começar. Como vê esse panorama?
MARCOS: Como uma luta entre um relógio de ponto, que marca a
chegada dos empregados a uma empresa, e que é o relógio
de Fox, e o nosso relógio de areia. A disputa é fazer
com que nos acomodemos ao relógio de ponto e Fox ao de areia.
Mas não vai ser uma coisa nem outra. Temos que entender, ele
e nós, que temos que construir outro relógio de comum
acordo, para marcar o ritmo do processo de diálogo e, finalmente,
a paz. Estamos no terreno deles, onde a classe política está
no lugar em que se desenvolveu. Estamos numa organização
perfeitamente ineficaz na hora de fazer política. Somos trôpegos,
balbuciantes e temos vontade. Do outro lado estão os que manejam
bem esses códigos. É outra vez uma disputa e acho, de
novo, que não será nem uma coisa nem outra. Quando fizemos
a guerra, tivemos que desafiar o governo, mas todo o Estado mexicano.
Não há uma mesa para nos sentarmos e conversarmos com
o governo. Temos que construí-la. Temos que convencer o governo
de que deve fazer essa mesa, que deve sentar-se e que vai ganhar. E
que, se não fizer isso, vai perder.
Quem deve estar nessa mesa?
MARCOS: De um lado, o governo e de outro, nós.
Fox não está aceitando de fato essa mesa quando diz que
quer falar com o senhor e que o recebe no lugar que o senhor escolher?
MARCOS: O que ele está dizendo é que quer sua parte da
torta de publicidade, porque não converteu isso num processo
de diálogo e negociação, mas numa corrida de popularidade.
O que Fox quer é conseguir a foto para garantir sua presença
nos meios de comunicação. Não só constrói
estes processos com fotos, mas dando sinais, sentando-se e dedicando-se
a isto. Estamos dispostos a falar com Fox, se ele se responsabilizar
pela negociação até o fim.
Neste processo tão longo, o senhor vai continuar assim, vestido
de guerrilheiro em um recinto universitário? Como é o
seu dia?
MARCOS: Eu me levanto, dou entrevistas e já chega a hora de voltar
a dormir (risos). Fazendo interlocução com vários
destes grupos que mencionei. Um monte de mundos ou submundos –
depende de como estejam perseguidos ou marginalizados – que o
discurso zapatista tem alcançado. O que estamos fazendo é
ter duas mesas e uma daquelas giratórias de rodilhas que existiam
quando eu era jovem. Estamos neste momento numa mesa com o Congresso
e em outra com as comunidades da Cidade do México. Mas nos preocupa
que o Congresso nos esteja dando o tratamento que dá a qualquer
um que pede para ser atendido e que digam para esperar porque estão
cuidando de outros assuntos. Se for assim, são muitas as coisas
a serem lastimadas, pois não está em jogo apenas reconhecimento
dos direitos indígenas. Seria um mau sinal porque muitos seriam
atingidos. As pessoas não vão aceitar que voltem o olhar
para elas apenas nas eleições. Além disso, seria
um sinal para os grupos políticos e militares mais radicais,
que cresceram com a bandeira de que a negociação é
capenga.
O senhor disse que havia cadeiras giratórias quando era jovem.
Quantos anos tem?
MARCOS: Tenho 518 anos... (risos).
O diálogo que o senhor propõe busca a criação
de novos mecanismos de participação popular para a tomada
de decisões do governo ou está atrás de decisões
do governo que considera necessária para o país?
MARCOS: O diálogo significa simplesmente chegar a um acordo sobre
as regras para que a disputa que acontece entre elas e nós se
dê em um outro terreno. O que está na mesa de diálogo
não é o modelo econômico. É algo que Vicente
Fox tem que entender. Nós não vamos nos tornar forxitas
à mesa de diálogo. O que a mesa tem que construir é
um ambiente para que esta balaclava (a máscara que cobre o seu
rosto) saia com dignidade e que nem eu nem ninguém tenha que
regressar à parafernália militar.
Sua
indumentária é estranha: um lenço puído
amarrado no pescoço e um gorro rasgado. Mas às vezes leva
uma lanterna que aqui não é necessária, um aparelho
de comunicação que parece muito sofisticado e tem um relógio
em cada pulso. São símbolos? O que significa isto?
MARCOS: A lanterna é porque nos meteram num buraco onde não
há luz e o rádio é para que meus assessores de
imagem ditem as respostas às perguntas dos jornalistas. Não,
sério. Este é um walkie talkie ligado à segurança
e à nossa gente na selva para que se comuniquem se houver problemas.
Temos recebido várias ameaças de morte. O lenço
era vermelho e novo quando tomamos San Cristóbal de lãs
Casas há sete anos. E o gorro foi com o que cheguei à
selva lacandona há 18 anos. Com um relógio, cheguei à
selva. O outro é de quando começou o cessar-fogo. Quando
as horas coincidirem, significa que acabou o zapatismo como exército
e que seguem outra etapa, outro relógio, outro tempo.
Em meio a todos esses problemas, o senhor ainda tem tempo para ler?
MARCOS: Claro. O que fazemos? Nos exércitos antes, o militar
aproveitava o tempo para limpar sua arma. No nosso caso, como nossas
armas são as palavras, temos que estar com o nosso arsenal o
tempo todo.
Tudo o que o senhor diz e a forma como diz demonstram uma formação
literária muito séria e muito antiga. Como ela foi construída
e de onde saiu?
MARCOS: Tem a ver com nossa infância. Em nossa família,
a palavra tinha um valor muito especial. A forma de ver o mundo era
através da linguagem. Não aprendemos a ler na escola,
mas lendo os jornais. Meu pai e minha mãe nos davam logo livros
que permitiam enxergar as coisas. De uma ou de outra forma, adquirimos
a consciência da linguagem não como uma forma de comunicar,
mas de construir algo. Como se fosse um prazer, mais do que um dever.
Quando vem a etapa das catacumbas, para os intelectuais burgueses a
palavra não é o mais valorizado, fica relegada a um segundo
plano. Mas, quando chegamos às comunidades indígenas,
a linguagem chega como uma catapulta. Você se dá conta
de que te faltam palavras para expressar muitas coisas e isso obriga
a um trabalho sobre a linguagem; voltar uma e outra vez sobre as palavras
para armá-las e desarma-las.
Podemos falar de sua família?
MARCOS: Era uma família de classe média. O pai, chefe
de família, era professor de escola rural na época do
cardenismo, quando, como ele dizia, cortavam as orelhas dos professores
acusados de comunistas. Minha mãe, também professora rural,
finalmente muda de lugar e se faz uma família de classe média.
Quero dizer que era uma família sem qualquer dificuldade. Tudo
isto na zona rural, onde o horizonte cultural são as páginas
sociais dos jornais. O mundo de fora ou o grande mundo era a Cidade
do México e suas livrarias porque isso era o grande atrativo
para vir para cá. Às vezes havia feira do livro nas zonas
rurais e era quando podíamos conseguir algo, García Márquez,
Fuentes, Monsiváis, Vargas Llosa (independentemente de como pense),
para mencionar alguns dos grandes nomes que me chegaram por meus pais.
"Cem anos de solidão" era para explicar o que era o
interior de então. "A morte de Artemio Cruz", o que
tinha acontecido na revolução. "Dias de guardar",
o que estava acontecendo na classe média. Estávamos saindo
para o mundo da mesma forma como estávamos saindo para a literatura.
Isto marcou. Não víamos o mundo através das notícias
de telex, mas través de um romance, um ensaio, um poema.
Onde entra "Dom Quixote" em meio a todas essas leituras?
MARCOS: Deram-me um livro de presente quando completei 12 anos. Lindo,
de capa dura. Era "Dom Quixote de la Mancha". Eu já
tinha lido, mas nessas edições juvenis. Era um livro caro,
um presente muito especial. Shakespeare foi que veio depois. Mas se
pudesse pôr na ordem, diria que em literatura primeiro veio o
que se chamou de boom latino-americano, depois Cervantes, depois García
Lorca, e aí veio uma etapa de poesia. De forma que o senhor (aponta
para García Márquez) é co-responsável por
tudo isso.
Os existencialistas e Sartre passaram por aí?
MARCOS: Não. Chegamos tarde a tudo isso. À literatura
existencial e antes dela à literatura revolucionária,
chegamos já muito deteriorados, como diriam os ortodoxos. De
modo que Marx e Engels entramos muito viciados pela literatura, seu
sarcasmo e seu humor.
Não havia leituras de teoria política?
MARCOS: Na primeira etapa, não. Do A, B, C, D passamos à
literatura e daí aos textos teóricos e políticos
até entrar na preparatória.
Seus companheiros acreditavam que o senhor era ou podia ser comunista?
MARCOS: Não, acho que não. Talvez o máximo que
chegaram a dizer é que eu era um rabanete vermelho por fora e
branco por dentro.
O que está lendo agora?
MARCOS: "Dom Quixote" é o que está na minha
cabeceira. Regularmente carrego "O romanceiro gitano" de García
Lorca. "Dom Quixote" é o melhor livro de teoria política,
seguido de "Hamlet" e "Machets". Não há
melhor forma de se entender um sistema político mexicano em sua
parte trágica e em sua parte cômica. "Hamlet",
"Macbeth" e "Dom Quixote". Melhor do que qualquer
coluna de análise política.
O senhor escreve à mão ou num computador?
MARCOS: Em computador. Somente nesta marcha é que tive de escrever
muito à mão porque não havia tempo de trabalhar.
Faço um rascunho, depois outro e outro. Parece brincadeira, mas
é lá pelo sétimo que sai.
Que livro está escrevendo?
MARCOS: Estava tentando escrever um despropósito, que é
tentar explicar nós mesmos, que é quase impossível.
O que temos que contar é o paradoxo que somos. Por que um exército
revolucionário não pensa em tomar o poder, por que um
exército não combate se este é o seu trabalho.
Todos os paradoxos que temos enfrentado: que crescemos, que nos tornamos
fortes em um setor que está completamente distanciado dos canais
culturais.
Se todo mundo sabe quem é o senhor, para que a máscara?
MARCOS: Um pouco de charme. Não sabem quem sou, mas também
não importa. O que está em jogo aqui é o que é
e não o que foi o subcomandante Marcos.
Entrevista
retirada de um jornal publicado no dia 25 de março de 2001