"Chegou
a hora da sociedade civil"
Em entrevista exclusiva ao Diplô,
o líder dos zapatistas diz que o movimento tem fôlego para
continuar resistindo, analisa os impasses da esquerda e expõe
sua teoria sobre como restabelecer, numa sociedade transformada, as
"pontes entre o povo e a política"
Manuel Vázquez Montalbán,* enviado especial ao México
O
governo mexicano ainda cerca os zapatistas e descumpre os acordos de
paz. Mesmo assim, o subcomandante Marcos reapareceu em julho, e incentivou
mobilizações sociais como a revolta dos estudantes. Desde
1º de janeiro de 1994, nada é como antes e a erupção
do zapatismo é o espelho que reflete a imagem do México
que realmente existe. Marcos defende que, ao lado dos partidos políticos
e dos sindicatos, a sociedade civil e o movimento social tornaram-se
os novos atores sociais, portadores de capacidades de mudança
mais eficazes. E justifica-se com uma constatação: o sistema
político atual embaralha as identidades de classe, o que permite,
em contrapartida, o despertar do cidadão, da sociedade civil
e do movimento social. Este não pertence a nenhuma corrente política
pré-determinada. Não é como o antigo movimento
operário, que, segundo os leninistas ou os trotskistas, "pertencia"
naturalmente ao Partido Comunista. Para Marcos a sociedade civil e o
movimento social constituem os mais poderosos atores da mudança
contemporânea -- por muito pouco fiéis que sejam aos valores
de esquerda --, porque, sendo desprovidos de dogmatismos, conseguem
mobilizar em seu favor as forças da convicção e
da razão.
[Montalbán] Assim como Jean-Jacques Rousseau, que acreditava
no "bom selvagem", tenho a impressão de que você
acredita na "boa" sociedade civil, no "bom" movimento
social. Mas há de tudo no seio da sociedade civil e há,
sem dúvida, um número significativo de reacionários,
de conservadores, de imobilistas e de intolerantes. O que pensa fazer
para mobilizar a boa sociedade civil e não a má?
[Marcos] O problema não está no fato de haver essas duas
tendências no seio da sociedade. O problema é não
haver democracia, liberdade e justiça suficientes para que as
aspirações mais razoáveis dos cidadãos possam
ser expressas e apresentadas ao conjunto do corpo social e encontrem,
de uma forma ou de outra, um espaço político. Se o poder
econômico julgar ser do seu interesse que possam emergir, por
exemplo, as propostas de caráter fascista que de fato existem
na sociedade, então não hesitará em fazê-lo,
criando, se for o caso, o aparelho necessário. E fará
o possível para que nenhuma outra proposta venha lhes fazer concorrência.
Não temos medo das tendências fascistas que possam existir
no seio da sociedade. Costumamos dizer: estamos convencidos de que se
for possível utilizar convenientemente os grandes meios de comunicação
de massa e entrar diretamente em contato com as pessoas, as propostas
mais humanas, as mais racionais, as mais justas, as mais livres e as
mais democráticas acabarão por levar a melhor. E apostamos
nisso. Não se trata de proibir as idéias que não
são nossas, mas sim de permitir que todas as idéias se
exprimam no perímetro do espaço político, até
mesmo as mais hostis às nossas convicções, e de
deixar as pessoas decidirem. Não é a força que
deve decidir, mas a razão.
[Montalbán] Você não subestima a capacidade
de repressão do regime mexicano?
[Marcos] É efetivamente um regime em que há um poderoso
establishment que controla o poder real, rodeado por um setor que com
ele pactua, porque dele recebe os benefícios mais imediatos,
e que se apóia num outro círculo, composto por todas as
redes de clientelas de todas as camadas da sociedade, que, por sua vez,
tiram partido da sua proximidade e do seu apoio ao poder. Todo este
edifício desconfia do mínimo movimento social. Vê
nele uma manobra para destruí-lo. E a partir do momento em que
sente medo, o regime não hesita em fazer barulho com a sua máquina
de propaganda -- os meios de comunicação de massa e os
aparelhos culturais --, e até mesmo em recorrer à repressão
direta.
[Montalbán] Até quando poderão agir assim?
Até quando poderão sustentar a idéia de que são
os indígenas que ameaçam a classe média mexicana,
e não o grande poder transnacional?
[Marcos] Pouco tempo. Mesmo que a televisão continue muito controlada,
não é possível esconder tudo, ocultar tudo para
sempre. As mentiras acabam por se gastar. Também já não
podem vender o fantasma da Guerra Fria. Já não podem dizer
que é o ouro de Moscou que financia as desestabilizações.
Porque agora é evidente que a estabilidade financeira e política
de um país já nem sequer depende dos governos. Assim como
também não depende dos nossos resistentes do Chiapas.
Depende dos mercados financeiros, que os governos já não
controlam. Eles é que são o inimigo. O governo mexicano
não dispõe do apoio popular para poder destruir o movimento
zapatista. E, apesar da sua extraordinária máquina de
propaganda, não consegue convencer as pessoas de que nós
somos o inimigo. As pessoas têm perfeitamente consciência
de que o inimigo está noutro lugar.
[Montalbán] A sua concepção política
da sociedade civil e do papel que esta tem no movimento social é
bastante original. E até mesmo surpreendente. Porque o neoliberalismo
também glorifica a sociedade civil, e o faz para melhor enfraquecer
o Estado. Em Cuba, Fidel Castro saca o revólver sempre que se
evoca a sociedade civil, sob pretexto de que a sociedade civil é
precisamente aquilo que o imperialismo norte-americano propõe
para substituir o partido único. Daí que a sua interpretação
política da sociedade civil seja tão interessante. Mas
é arriscada. Até que ponto uma sociedade civil poderá
mobilizar-se a si própria? Não necessitará ela
de uma... deixe-me procurar o termo...
[Marcos] Uma vanguarda?
[Montalbán] Estava à procura de uma expressão
mais forte que vanguarda. Por exemplo: consciência externa, discurso
crítico. Um discurso que alguns qualificam de pessimista e que
não cessa de repetir: "Isto não está bem.
Não é assim que se deve fazer. Não se pode aceitar
isto, etc." O neoliberalismo procura a todo o custo desqualificar
este discurso crítico, desacreditá-lo, porque se opõe
ao inexorável avanço da globalização. Qual
seria então a consciência externa, o discurso crítico
que atualmente conseguiria mobilizar a faixa mais ativa da sociedade
civil? Serão os restos das tradicionais forças de esquerda?
Os restos dos movimentos sociais de combate? Os restos dos nostálgicos
militantes de Maio de 68?
[Marcos] Pensamos que a forma como a esquerda vê as coisas --
tal como a direita ou o centro (se existir) --, isto é, a análise
política tradicional que os políticos profissionais fazem
da situação atual, está em crise. Em profunda crise.
Porque muitas coisas mudaram. O sujeito, o cidadão a quem se
dirigem já não é o mesmo. Já não
é aquele para quem os políticos julgam falar. E o raciocínio
político da esquerda tradicional não está preparado
para compreender o momento histórico contemporâneo. A evolução
tecnológica, a mutação econômica e a mudança
sociológica estão alterando tudo. Atualmente, aqui, ninguém
à esquerda pode dizer o que vai acontecer, o que é preciso
fazer, como se deve agir. Nem à direita. Constatamos que a classe
política profissional afastou-se radicalmente do seu principal
interlocutor, que é a sociedade. Agora, há duas realidades:
a dos políticos, falsa, e a da sociedade, real. Se não
conseguirmos voltar a fazê-las coincidir, a História virá
pedir satisfações. De forma brutal. E isto é válido
para qualquer país. Por isso dizemos que é indispensável
construir pontes, estabelecer laços que ponham de novo o povo
e os políticos em estreita relação, e que ajudem
estes últimos a pousar de novo os pés na terra. As pessoas
dizem aos partidos: "Olhem para nós. Estamos aqui. Existimos".
E se os partidos e dirigentes políticos permanecerem cegos perante
o que se passa, não compreenderem e não tentarem corrigir
o estado das coisas, então acabarão por desaparecer enquanto
tal. Pensamos que esse é precisamente o objetivo que o liberalismo
busca: o desaparecimento dos partidos, o apagamento dos dirigentes,
a liquidação da política.
Por seu lado, a sociedade também é um dos alvos prediletos
do liberalismo. Está em estado de risco máximo, tenta
sobreviver. E não pode sobreviver apoiada em critérios
de homogeneidade, como julgavam aqueles que pregavam um igualitarismo
esterilizador. A imagem de uma sociedade exclusivamente constituída
por operários todos vestidos da mesma maneira é um pesadelo.
É o decalque invertido de uma sociedade exclusivamente constituída
por famílias de tipo American Way of Life. Repetimos sem parar:
é absurdo, não é possível; há diferenças;
há as nossas diferenças. E essas diferenças não
se organizam, não são reconhecidas. Não se trata
de uma nação estilhaçada, mas sim de tantas nações
e de tantos conflitos quantos são os bairros e os lares que existem.
[Montalbán] Em sociedades tão pouco igualitárias
quanto as latino-americanas pode-se imaginar que, a certa altura, será
impossível aceitar mais desigualdades. Noutras sociedades, em
contrapartida, as desigualdades são disfarçadas pelo fato
de as pessoas, mesmo sendo pobres, poderem aproveitar as promoções
das grandes lojas, e alimentarem a ilusão de se vestir como o
patrão. Ainda há um certo encantamento social na Europa
Ocidental ou nos Estados Unidos; as pessoas estão convencidas
de que o sucesso é possível, acreditam no sonho americano
ou europeu. Na América Latina, não é assim. Um
protesto de massa é possível. E parece-me que o poder
de repressão do sistema continua a ser terrível. Se os
setores hegemônicos sentirem medo, serão severos. E arrasarão
os que protestam.
[Marcos] Pensamos o mesmo. Mas constatamos igualmente que o poder desses
setores começa a enfraquecer. Percebem que os setores mais fracos
-- haverá algo mais fraco do que um indígena que nem sabe
usar a língua, nem o discurso, e que não dispõe
de nenhum recurso material? -- ousam agora desafiá-los, enfrentá-los.
De que lhes serve então toda a sua imponente máquina de
repressão? Não podem esmagar ninguém. Talvez conseguissem
arrasar uma guerrilha bem equipada, bem armada. Mas não podem
fazer nada contra indígenas mal armados. É assim. A nossa
guerrilha, mal armada, mal treinada, mal alimentada, desfruta paradoxalmente
de um grande sucesso.
[Montalbán]
É verdade que o surgimento da guerrilha zapatista constitui uma
enorme surpresa para os detentores do sistema. O aparecimento do movimento
é desarmante, no sentido literal do termo. Eles não podem
enfrentar vocês porque o próprio fato de terem surgido
lhes diz coisas muito fortes, muito evidentes, muito culpabilizantes.
E porque o que vocês procuram são soluções
para os problemas, e não poder. Num universo como o latino-americano,
é extremamente importante o papel do guru, do mestre da linguagem,
do detentor do código. Mas já não é assim
na Europa. Depois de Jean-Paul Sartre, ninguém herdou o papel
de guru. E mesmo que o neocapitalismo triunfasse definitivamente na
Europa, o herdeiro ultraliberal de Sartre seria provavelmente o patrão
do Banco Central Europeu, porque é ele quem doravante determina
as condutas e as normas. Sempre que você se refere às "culturas
literárias nacionais", sente-se no seu discurso que o papel
do intelectual que orienta continua muito importante. Como analisa a
atitude e a evolução dos intelectuais perante o seu movimento?
[Marcos] Você está introduzindo no debate a relação
entre os intelectuais e o poder. No caso dos intelectuais mexicanos,
muitos deles -- mandarins que julgam ser uma elite internacional --
próximos de Otavio Paz acabaram se aproximando mais do poder
que qualquer pessoa, sob pretexto da neutralidade e da objetividade.
Mas, devido à constatação que faziam da miséria
do campo socialista e do fim daquilo que chamamos de Terceira Guerra
Mundial 1, outros intelectuais acabaram por duvidar das tradicionais
teorias da esquerda. Nós lançamos a eles um desafio. Dissemos:
"Há aqui uma nova realidade; tentemos todos compreender
o que se passa. Porque a missão prioritária, a nossa e
de vocês, consiste em tentar compreender a sociedade. Talvez assim
entendam coisas novas e talvez se juntem a nós nas nossas próprias
análises". Os intelectuais-mandarins sentiram-se intimidados
porque nós ameaçávamos o sistema e nem sequer foram
capazes de produzir uma crítica inteligente do zapatismo. E,
no entanto, posso assegurar-lhe que era o que esperávamos. Precisávamos
disso. Eu diria mesmo que merecíamos críticas.
[Montalbán] Em certas revistas mexicanas, por exemplo, alguns
intelectuais desqualificavam o bispo de Chiapas, D. Samuel Ruiz, que
apóia a causa de vocês, mas que eles acusam de "fundamentalismo
indígena".
[Marcos] Fazem-no provavelmente sem a mínima prova. E não
hesitam em usar como argumentação os relatórios
policiais, que têm o único objetivo de reforçar
as posições do partido do governo, o PRI. Esses intelectuais
de que me fala são bastante desprovidos de cérebro. Incapazes
de tecer a mínima crítica inteligente. E, no entanto,
sabe Deus os pontos fracos que temos. Sujeitamo-nos frequentemente à
crítica. Não é assim tão difícil
sublinhar os nossos defeitos, as nossas insuficiências. Com todo
o rigor e honestidade, poderíamos ser muito duros conosco próprios.
Mas esses intelectuais são incapazes disso; limitam-se a repetir
os argumentos falaciosos do governo. Em livros, programas televisivos
ou discursos oficiais, acabam por repetir sempre a mesma coisa, as mesmas
mentiras. E constato que esses intelectuais de referência têm
cada vez mais dificuldade em revelar entusiasmo na defesa de um Estado,
de um sistema, de um poder que já não acredita em nada.
Nem mesmo na sua própria sobrevivência.
Os membros do aparelho de Estado, para citar apenas esse exemplo, sentem
a maior dificuldade -- e até mesmo vergonha -- em defender o
Estado mexicano. Por isso é que recorrem a esses intelectuais
mercenários. Para que estes lhes forneçam uma argumentação
teórica que lhes permita fazer de conta que defendem um sistema
indefensável. Só que não há argumentos sérios
para defender a decomposição social e o desabar do Estado-nação
vividos no México. Eu ignoro o que se passa noutros lugares,
mas aqui a guerra zapatista fez com que o corredor central por onde
vagueava confortavelmente a maioria dos intelectuais começasse
a se estreitar cada vez mais, até ficar tão exíguo
quanto o fio de uma lâmina. Sendo obsessão de qualquer
um desses intelectuais de salão ficar abrigado no centro, eles
sentem uma certa dificuldade em manter o equilíbrio sobre o fio
da navalha e acabam por cair. Geralmente para o lado do Estado e do
PRI. Porque, caso contrário, teriam que se juntar aos zapatistas,
aos sublevados, aos rebeldes, a Marcos; e isso seria demasiado comprometedor.
A moda está agora em guardar as distâncias perante o zapatismo,
para tentar reconstituir um espaço centrista. Mas o governo não
quer. E exige que se afastem radicalmente de nós e se aproximem
do PRI.
[Montalbán] Mas a fratura da sociedade mexicana não
pode ser restaurada com falsas medidas. Há um antes e um depois
da revolta zapatista. Além disso, vocês favoreceram o desencadeamento
de uma crise profunda num sistema em que os detentores do poder começam
agora a se matar entre eles. Subitamente, descobrem-se cadáveres
nos armários do PRI, uma corrupção ainda pior do
que se temia. É como se vocês tivessem acendido o rastilho
da autodestruição do sistema político mexicano.
Foram o detonador pelo qual os cidadãos esperavam. A pedra que
estilhaça o espelho que deforma a sociedade.
[Marcos] Fomos tudo isso e muito mais. No dia 1º de janeiro de
1994, quando as pessoas souberam da nossa existência, muitos juntaram-se
a nós, outros nos atacaram, mas milhões de mexicanos aproveitaram
esse momento, em que se quebrou um encantamento, para se conscientizar
de que queriam outra coisa. Foi nessa ocasião que o Estado descobriu
que havia uma extraordinária oposição no país
e que as pessoas estavam dispostas a tudo para mudar o estado de coisas.
Do nosso lado, percebemos que o mundo não era tão simples,
que não se dividia entre amigos e inimigos, que havia outros
grupos com outras aspirações e outras formas de ver as
coisas e que era preciso ouvi-los. Poderíamos não tê-lo
feito e tudo teria sido diferente.
[Montalbán] De início, o governo se vangloriava de
poder esmagar a revolta zapatista. Mas retratou-se perante a reação
da sociedade civil e os apoios populares internacionais, concordou em
negociar e, ao mesmo tempo, montou uma operação de desgaste.
[Marcos] Eles utilizam técnicas antiguerrilha, que aprenderam
em Harvard ou em academias menos chiques. Mas como esperam poder vencer
pelo do cansaço um movimento que já existe há cinco
séculos? Nós dissemos, na nossa primeira declaração:
"Somos o produto de cinco séculos de exploração".
[Montalbán] No livro "Marcos, la géniale imposture"
2, os autores Bertrand Delagrange e Rico Maite sustentam que essa primeira
declaração era feita numa linguagem muito convencionalmente
revolucionária. Penso que é um erro. Assemelha-se mais
a um grito de protesto ao estilo do século XIX. Não tem
nada a ver com o materialismo histórico ou coisas desse gênero.
Mas, a partir da segunda declaração, surge uma das grandes
contribuiçoes zapatistas: o apelo à sociedade civil enquanto
sujeito histórico que deve exigir a mudança. Vocês
internacionalizam o combate. Recusam o tratamento dado ao patriotismo
por certas revoluções socialistas. Por outro lado, quando
reivindicam a nação ou a pátria, fazem-no enquanto
entidades pertencendo às pessoas, e não em nome de uma
abstração metafísica. Na verdade, reivindicam uma
identificação nação-sociedade civil e consideram,
por exemplo, que os indígenas são totalmente indígenas
e totalmente mexicanos. E, outro aspeto importante, não mitificam
a morte; aqui, contrariamente ao que se passa em Cuba, vocês não
gritam: "A pátria ou a morte", "O socialismo ou
a morte".
[Marcos] Brincamos freqüentemente entre nós com essa alternativa:
"A pátria ou a morte". Mas preferimos viver pela pátria.
A análise política que fazemos é singular. E aquilo
que o movimento zapatista representa não é fácil
de transportar para outro cenário. Não se trata de um
kit político ou de guerrilha que se poderia montar em casa, ou
que se aplica a cada caso. Mas também somos um desafio. Um desafio
para um mundo cada vez mais desumanizado, globalizado, ultraliberal.
E, enquanto desafio, aí sim, o zapatismo pode ser transportado
para outros lugares do planeta, embora sob formas diferentes. Recusamo-nos
a constituir uma Internacional Zapatista (acho que seria a 7ª Internacional,
já houve tantas…). A reflexão e a ação
políticas ganham qualidade quando as pessoas que participam desenvolvem
sua própria reflexão sobre o sentido do movimento social,
sobre o significado da luta e sobre o momento histórico. É
muito melhor do que criar uma nova arquitetura teórica, que se
oporia ao neoliberalismo. Ainda é muito cedo para isso. Nós
acreditamos nas redes, nas trocas. Ainda temos muito para aprender,
para ouvir, para observar. Não se deve fazer do zapatismo um
novo dogmatismo planetário. Queremos simplesmente continuar a
ser uma vanguarda".
* Escritor e ensaísta espanhol. Autor, entre outros, de Sabotage
olympique, 10-18 (Paris, 1999); Le Prix, (Paris: Bourgois, 1999); Pasionaria
et les Sept Nains (Paris: Seuil, 1998); Y Dios entró en La Habana,
Madri: El País-Aguilar, 1998). [voltar]
1 Marcos refere-se à disputa entre EUA e União Soviética.
No artigo "A quarta guerra mundial começou" (Le Monde
Diplomatique, agosto de 97) ele diz que ela foi tão cruenta quanto
a primeira e a segunda guerras. Terminou com a vitória norte-americana
e com o início da etapa neoliberal do capitalismo (a "quarta
guerra"), na qual a arma mais poderosa seriam as "bombas financeiras"
[Nota dos editores brasileiros].
2 Marcos, la géniale imposture, de Bertrand Delagrange e Rico
Maite, Paris: Plon, 1998.
Publicado
em agosto de 1999. Traduzido pelos editores do "Diplô"
em Portugal.