Marco
Lara Klahr e Mario Cerillo. La Realidad, Chiapas, México.
De repente, com aquele andar preciso, de passos curtos, seguros, silenciosos,
ao qual estão acostumados os homens da selva, o "comandante
Tacho" aparece ao longe, atravessa um rio, se aproxima e deixa
cair delicadamente umas poucas palavras: "Por favor, vão
se preparando para a entrevista com o Subcomandante Marcos". Até
aqui, já faz um bocado que a espera entre o silêncio, as
montanhas e a mata fechada devorou toda a noção biológica
do tempo, mas é evidente que o que começa a tingir o horizonte
de um vermelho vivo é o pôr do sol.
No fim de uma breve caminhada, com "Tacho" na cabeça,
aparece uma cerca sobre a qual o "Subcomandante Insurgente Marcos"
apoia o peso do seu corpo. Muito magro. Com suas mãos calejadas.
Olha pra elas pensativo. O pouco do seu rosto que o passamontanhas deixa
transparecer é queimado pelo sol. Vem ao encontro, camisa cor
café, calça preta, botas sujas de lama, cartucheiras no
peito, o boné, que já foi bege, remendado até o
impossível, as armas postas e um fone de ouvido de comunicação
de rádio. Antes que eu consiga apertar-lhe a mão, numa
saudação forte, chega o cheiro do tabaco que o envolve
como uma nuvem.
Há sete anos de sua aparição pública, com
a imagem angular do general Emiliano Zapata atrás das costas,
ao redor de uma mesa rústica segura firme o seu cachimbo e, como
um mágico, vai tirando assuntos da sua cartola. Só ele
sabe como faz para estar ao par da situação, mas não
deixa solta uma única ponta, porque, além do mais, esta
tem sido a sua maneira de fazer a guerra e de procurar insistentemente
a paz.
Durante horas de conversa, o chefe rebelde entra em todos os assuntos.
Nem pestaneja ao reconhecer que a viagem à Cidade do México
esconde vários perigos. Propõe ao governo foxista que,
ao negociar, corrija sua política de "feirante enrolão".
Diz com firmeza que sobretudo os zapatistas querem a paz o quanto antes.
Refuta diversas posições de figuras públicas antizapatistas.
Se inflama ao falar do neoliberalismo. Exalta as virtudes do projeto
de lei sobre direitos e cultura indígenas. E da cartola saem
mais coisas.
Todavia, acima de qualquer outro acontecimento, o inquieta isso que
chama de "sujeira" em certas atitudes do chanceler Jorge G.
Castañeda e do assessor presidencial Adolfo Aguilar Zinser que
estão lutando por esse posto" (ou seja, pelo que hoje é
ocupado por Luis H. Álvarez). Especificamente, denuncia que ambos
montaram uma estratégia agressiva para negociar à margem
da comissão para a paz e capitalizar o mérito de assinar
o acordo de paz com os zapatistas.
Na medida em que se aproxima o dia 24 de fevereiro, quando os comandantes
zapatistas começarão a viagem pelo país que chegará
até a capital (onde tratará de encontrar-se com os legisladores)
no dia 11 de março, aparecem mais opiniões contrárias
e com uma carga ainda mais venenosa. O alto clero, a cúpula empresarial,
setores de ultradireita, a direita e os priistas, funcionários
públicos, legisladores, todos os que têm algo a dizer.
"Subcomandante", para os zapatistas, quais são
as forças que aparecem como as mais adversas no caminho rumo
à construção do diálogo? De onde vem o maior
obstáculo?
Vemos que o maior obstáculo está nas disputas da classe
política. Está em jogo quem, do outro lado, vai capitalizar
o eventual êxito da negociação com o EZLN e isso
faz com que nessas disputas internas se trate de sabotar o sucesso da
mesa. É a mesma história destes 7 anos: quando algo começa
a dar certo tem que ser detonado, "porque queremos o lugar que
ele tem", neste caso, ele que está diante dos zapatistas;
porque além do prestígio e da autoridade moral, é
ele quem vai sair na foto; porque vai poder dizer "nós conseguimos
a paz e reconhecemos uma dívida histórica, o que ninguém
tinha feito em 500 anos". É este o principal obstáculo
entre a classe política profissional. Estou me referindo não
só a deputados, senadores e membros do gabinete, mas também
ao alto clero que faz política, como no caso de Onésimo
Cepeda.
Há um fato sintomático em tudo isso: oficialmente, o comissário
para a paz é Luis H. Álvarez, todavia, membros do gabinete
estão tratando de estabelecer um contato conosco para dialogar;
por exemplo, Jorge Castañeda e Adolfo Aguilar Zinser.
Por conta própria ou como enviados de plantão do governo
federal?
Por conta própria, digo eu, porque se fossem enviados, então,
para que consta Luis H. Álvarez. Fox nos diz: "Vou tratar
com vocês através de Luis H. Álvarez". E respondemos:
"Sim, o respeitamos, ainda que agora seja do governo e temos que
tratá-lo como representante do governo". Então por
que o seu chanceler e o seu responsável pela segurança
nacional estão tentando contatar-nos?
Para vocês, qual seria a razão disso?
Porque estão lutando por este posto (ou seja, o de Álvarez),
porque sabem que nossa vontade é sincera e que vamos nos sentar
até que haja paz, e pensam: "Se este posto vai ser de Luis
H. Álvarez, pois não pode ser, nós o queremos".
Sabem também que não é a mesma coisa que ajeitar
Tabasco ou Yucatán, pois, no nosso caso, estariam resolvendo
um problema de impacto nacional e internacional, Por isso, Castañeda
e Aguilar Zinser nos fazem chegar mensagens, nos mandam dizer: "Quero
isto e aquilo". Achamos que isso não é sério
e nos leva a perguntarmo-nos o que está acontecendo no gabinete
pois, além do mais, têm nos sugerido que Luis H. Álvarez
não serve em função da idade avançada.
Desse jeito?
Sim.
Com quanta gente do governo federal temos que falar? Quantos são
os comissários? O que devem fazer o Ministro das Relações
Exteriores e o responsável pelo Conselho de Segurança
Nacional? Com essa atitude estão dando coices e vemos isso com
preocupação porque foi assim que nos arruinaram em negociações
anteriores.
Tem havido quem diga, explicitamente, "O senhor é de terceira
idade e não serve para negociar"?
Sim, e o dizem a nós zapatistas, quando para nós as pessoas
de idade têm um lugar especial, porque delas vêm a sabedoria
indígena. O jogo deles é feito exatamente desse tipo de
sujeira. Sugerem que, "na melhor das hipóteses não
há um contato com Luis H. Álvarez, não porque o
governo não deu sinais, e sim porque Álvarez está
velhinho ou porque nós não queremos ele" e se oferecem
em seu lugar.
Como vão responder a estas tentativas de sedução
que se repetem?
Sendo claros. Para nós o comissário para a paz é
o que Fox designar e, uma vez cumpridos os três sinais, nós
vamos sentar a dialogar com ele. Se Fox quer colocar outro, que o diga
e falaremos com esse outro, mas não vamos abrir outro canal.
Entendemos que tenham essa briga no interior do gabinete, mas não
podemos apostar o futuro da paz para ver de quem nós gostamos
mais ou por falar com três ao mesmo tempo. O problema é
que eles não estão pensando na paz e nos direitos indígenas,
e sim em aparecer na foto diante de nós.
Diante das opiniões mais recentes do clero, do empresariado,
de funcionários a respeito do EZLN, vocês têm uma
resposta profunda, se armam de paciência, ironizam?
Algumas são honrosas. Por exemplo, quando o setor empresarial
vá a Los Pinos para pedir a Fox: "Não deixe sair
os zapatistas de Chiapas" (para nós) é uma grande
lisonja; significa que alguém não é o Ricky Martin
dos pobres com o qual você não deve se preocupar, porque
não te deixa preocupado uma personagem que só está
na mídia, ainda que por toda parte; o que mais inquieta é
que haja agitação social. Então, com a sua atitude,
os empresários estão dizendo: "Reconhecemos que os
zapatistas são um ator social e não um fenômeno
de mídia". Quanto a Onésimo Cepeda me dá vontade
de rir, porque, logo mais, ele mostra como vai mudando. Apoiava Labastida
até a morte, no dia 2 de julho se tornou foxista e na hora em
que os zapatistas tiverem êxito dirá: "Eu sempre fui
zapatista. Que vivam os pobres diabos!" isso sim dá vontade
de rir.
Por outro lado, o que nos preocupa, e esperamos que seja só um
problema de acomodação no interior do poder, é
o murmúrio do qual falava antes (e esclareço que não
há dúvidas de que veio do chanceler uma das propostas
para dialogar, marginalizando Luis H. Álvarez). Nos preocupa
que comecem a bombardear o negociador de Fox, e é assim que também
lemos isso de que "não haverá mais sinais até
que nos sentemos para dialogar" ou o que agora colocam: "Não
vamos retirar o exército, não vamos dar sinais para que
os zapatistas se sentem com Luis H. Álvarez, vamos procurá-lo
(o diálogo) melhor por outro lado".
Para ampliar a informação sobre o sentido da viagem dos
24 comandantes zapatistas. O que exatamente irão buscar?
O que estamos colocando é que este é um bom momento para
chegar à paz, mas antes é necessário dialogar,
porque há uma declaração de guerra e um exército
rebelde, o nosso, que coloca uma série de reivindicações.
Não podemos fazer tábua rasa da história destes
sete anos, mas, em geral, temos visto que por parte do governo o diálogo
tem sido uma farsa e que, na realidade, se pretendia sempre tratar de
resolver o problema pela via militar; ora através da pressão
militar contra as comunidades, ora tentando golpes cirúrgicos
contra o Comando Geral do EZLN e o Comitê Clandestino Revolucionário
Indígena.
Foi o que aconteceu no dia 3 de janeiro de 1998, quando saia (Emilio)
Chuayffet e vinha (Francisco) Labastida, quando o exército entrou
em La Realidad tentando nos prender. Ou no dia 10 de janeiro de 1995,
quando tínhamos um encontro com (Esteban) Moctezuma e, apesar
disso, o governo lançou a ofensiva contra Guadalupe Tepeyac,
entre outros lugares.
E hoje tememos que a aparente disposição ao diálogo
de Vicente Fox não passe de uma estratégia de mídia
na crista da onda da campanha, porque ainda que as campanhas presidenciais
já tenham se encerrado e o dia 2 de julho tenha se resolvido,
parece que Vicente Fox continua em campanha eleitoral e quer usar Chiapas,
o diálogo e os zapatistas como algo que lhe sirva para realçar
a sua imagem na mídia, sobretudo num período no qual a
suposta transição de veludo é muito áspera;
aí estão os exemplos de Tabasco e Yucatán, o auge
do narcotráfico e do crime organizado, a fuga de "El Chapo"
Guzmán. Há muitas peças do quebra-cabeças
que estão soltas e, entre todas elas, uma tem impacto internacional:
a luta zapatista.
A partir do momento em que o neoliberalismo se torna dominante no mundo
todo, a imagem internacional é o que mais pesa sobre os governos;
e, neste caso, por suas peculiaridades, a luta zapatista tem muito impacto
internacional e tememos que a ânsia de diálogo de Fox não
seja para resolver o conflito, e sim para projetar uma imagem favorável
nos meios de comunicação a nível internacional.
Nós queremos dar início ao diálogo e chegar à
paz; acabar com a guerra e dedicar-nos a outras coisas como pessoas
comuns. Precisamos chegar a acordos com a outra parte e que estes acordos
se cumpram. Diante disso tudo, a pergunta inicial é: Fox quer
realmente dialogar conosco ou somos um elemento de mídia em sua
campanha pós-eleitoral? E nós colocamos essa pergunta
ao senhor Fox.
De acordo com algumas sondagens de opinião feitas pela televisão,
há pessoas que acham que o presidente Fox está fazendo
mais do que "Marcos" para chegar ao diálogo.
Então, por que tem medo de nós?
Durante a marcha ao centro do país, poderia estar esperando por
vocês algo semelhante ao dia 9 de fevereiro de 1995, quando a
administração de Zedillo expediu ordens de prisão
contra você?
Sim. Nós, os 24 delegados, estamos dispostos a sermos detidos,
a sermos mortos, ao que der e vier, mas o que não estamos dispostos
a fazer é a continuar fingindo o diálogo.
Agora, se é correto isso que dizem de que não devemos
sair, então não há porque temer que o façamos,
porque quando estivermos passando ninguém vai reparar, todos
vão estar vendo Fox pela televisão e ninguém vai
ouvir o que dizem os zapatistas. Se é verdade que vamos chegar
à Cidade do México sem fazer nenhum barulho, só
para falar com dois ou três legisladores, porque os demais acreditam
em Fox; se é verdade que nos daremos conta de que ninguém
nos quer e que nossa luta é inútil, então não
sei do que é que eles têm medo! O medo deles é porque
sabem que não vai ser assim, por isso, chegam ao absurdo de discutir
se iremos ou não com os passamontanhas. Vocês não
ouviram isso porque estavam aqui, mas Ricardo Garcia Cervantes, presidente
da Câmara dos Deputados, que é do PAN, acaba de declarar
que ninguém o verá sentado com encapuzados, porque não
se prestará ao ridículo e à gozação.
Diego Fernández de Cevallos diz algo semelhante. Por que diz
isso? De nossa parte não estamos pedindo que tire as calças
para falar conosco! Em que momento a lei diz que não se pode
estar com os passamontanhas?
Além do mais, vamos à Cidade do México para dialogar
com os legisladores e ainda que Fernández de Cevallos ou Garcia
Cervantes não queiram, haverá outros do PAN para nos ouvir,
assim como do PRI, do PRD, do PT e do Verde Ecologista, porque este
é o trabalho deles.
E as armas?
Não vão. Aí a lei é muito clara: sem armas.
Chegamos desarmados aos diálogos nos quais temos ido fora da
nossa área. Todas as vezes que vamos a um fórum vamos
desarmados, em sinal de que vamos para dialogar. Quando temos saído
armados significa que vamos lutar, foi assim no dia primeiro de janeiro
de 1994.
E quanto ao espaço geográfico do diálogo que a
lei menciona, este se estende até onde irá se realizar,
seja qual for o lugar?
A lei para o diálogo não estabelece que ele deve acontecer
entre este e aquele paralelo, de forma tal que sair de Chiapas não
nos faz infringir a lei. Neste momento, há um processo de diálogo
que continua pendente. Uma vez que estiver encerrado ou declarado rompido,
poderão deter-nos. Mas o acordo é que quem declara a ruptura
do diálogo é a Comissão de Concórdia e Pacificação
(do Congresso da União), levando em consideração
a Comissão Nacional de Intermediação (CONAI) ...
e agora a CONAI não existe.
Pois, em resposta às declarações dos empresários
e do bispo Onésimo Cepeda, insistimos no fato de que vamos sair.
Se nos detiverem, que nos detenham; se vão nos matar, que nos
matem, mas sairemos.
Já pensaram em como iriam se defender na eventualidade de uma
agressão?
Vamos nos defender com as mãos, porque não levaremos as
armas. Não temos nada a não ser as pessoas que queiram
estar conosco, a sociedade civil que estiver disposta a mobilizar-se
e os legisladores que queiram nos acompanhar para evitar que isso aconteça
... tomara que não aconteça.
Dá a impressão de que os zapatistas confiam no fato de
que a sociedade civil será o grande fator que irá desfazer
as armadilhas do diálogo e do processo de paz. Vocês sentem
que a sociedade está madura?
Vemos uma sociedade muito politizada e que recebe muitas informações.
Acontecem muitas coisas e agora a mídia está muito aberta,
você fica por dentro de muitas coisas (ainda que, às vezes,
não de maneira correta, porque há meios de comunicação
tendenciosos). Hoje as pessoas não podem dizer: "Não
sei do que se trata", "não sei do que estão
falando". Já não há esta atitude de irresponsabilidade
e cinismo, de dizer "não me importo com isso". Daí
à mobilização é um passo.
É uma sociedade mais disposta a fazer valer esta opinião
e esta informação num determinado momento como ocorreu
no dia 2 de julho. Nesse dia, setores sociais disseram: "já
estamos informados sobre o que é o regime priista e não
o queremos, e aqui está o nosso voto". E esse "não"
ora foi um "sim" ao PAN, ora um "sim" ao PRD, ora
uma abstenção, um "eu não quero isso".
O que nós zapatistas procuramos fazer é convencer essa
sociedade para que essa informação e essa opinião
sirvam para chegar à paz em Chiapas. Como? Conseguindo o reconhecimento
dos direitos e da cultura indígenas, conseguindo que se abra
um espaço de diálogo que leve a acordos e, finalmente,
à paz; que leve, ao final disso, a que não haja armas,
passamontanhas e nem visitas do El Universal à Selva, tendo que
agüentar o frio.
É possível um cenário de indolência e de
aborrecimento? O que aconteceria se as pessoas dissessem: "deixem-nos,
estamos vivendo a euforia foxista, não queremos ouvir falar de
conflitos"?
Não. A onda que tornou possível o dia 2 de julho está
ainda longe de apagar-se e o principal sinal de que a sociedade está
inquieta e quer fazer mais coisas é a preocupação
da equipe de Fox. Por que o senhor Fox não acabou sua campanha
presidencial em 2 de julho? Lhe dá continuidade porque precisa
convencer o povo disso: "Você já fez a sua parte!
Agora deixe-me o lugar, sou eu quem governa. Você continue fazendo
o que fazia antes, conforme-se".
Tanto não consegue que o povo lhe dê atenção,
que persiste neste afã contra nós para nos esmagar seguidamente:
"O bom sou eu e não os zapatistas". Se as pessoas já
estivessem convencidas disso, qual seria a preocupação
com a nossa saída? Se os índices de popularidade de Fox
são tão altos, por que se preocupa com a nossa viagem?
Significa que está lhe faltando algo. Além do mais, temos
que nos perguntar se é possível ter esta atitude e ao
mesmo tempo um interesse real para que se resolva o conflito.
De nossa parte, não queremos que ao final digam: "Na disputa
pela popularidade na mídia ganhou o EZLN e Fox perdeu",
o que procuramos é: "a paz chegou". Não apostamos
nossas estratégias políticas, ideológicas e de
mídia para ter triunfos de "rating"... nada disso,
os povos não nos deixariam, se queixariam conosco de que: "uma
coisa é fazer isso e outra muito diferente é a razão
pela qual nos levantamos em armas". Articulamos todas as nossas
estratégias para conseguir nossas reivindicações
e se pudermos chegar a isso sem que haja destruição e
morte, temos que fazê-lo; seríamos dirigentes irresponsáveis
se não o fizéssemos! Por isso é que não
queremos guerra. Mas insistimos nas reivindicações. Abram-nos
o caminho para consegui-las pacificamente! E pedimos isso não
só ao governo, mas, sobretudo, à sociedade. Abram-nos
este caminho e vamos jogar peso nisso; estamos tão dispostos,
que corremos o risco de que, ao saírem, os nossos dirigentes
sejam presos, lhes mandem um presente de grego, sejam pegues por franco-atiradores
ou que possa acontecer algo horrível com eles.
Estamos dispostos a tudo para que o processo de paz avance. Se o governo
de Fox insistir no fato de que o conflito é no terreno da mídia,
na melhor das hipóteses ele ganha, na melhor ele perde, nossa!
De qualquer forma não haverá paz. E nós, o que
é que vamos ganhar? Quantas vezes nos deram por mortos do ponto
de vista da mídia e quantas vezes não voltamos a aparecer?
Nós zapatistas não ganhamos e nem perdemos nada para que
digam que temos mais "rating" ou que uma pesquisa indique
que o povo acredita mais em Fox. Insisto, o que precisamos é
que se chegue ao processo de paz e seria importante que Fox entendesse
isso, que a disputa não é de mídia, que não
está mais em campanha, e sim governando um país, e tem
que resolver os problemas, um dos quais é esse.
A ênfase nessa política de mídia explica as mudanças
de posição do governo a respeito das condições
do EZLN para o diálogo?
De nossa parte, o sinal que demos é a palavra. Não estamos
pedindo a retirada de todo o exército, mas só de sete
posições. Não estamos pedindo que o governo caia,
mas só que reconheçam os direitos indígenas. Tampouco
pedimos que nos entreguem uma fatia do poder, e sim que nossos presos
saiam. Feito isso, nos sentamos outra vez e vamos ver o que já
foi acordado: a questão dos direitos e da cultura indígenas
já fica liquidada se for aprovada no Congresso. Seguem democracia
e desenvolvimento; logo depois educação mulher e o processo
final de negociação. Será rápido? Muito,
se abandonarem a política de enrolações. O governo
não está vendo como os feirantes tratam os indígenas
nos velhos filmes, como se o processo de paz fosse um processo de compra-venda
numa banca de feira (para usar uma imagem da qual o senhor Fox gosta
tanto), onde se você me pede três, te dou dois ou trato
de enganar-te.
Queremos que Fox se decida, que diga: "Topo, estas são as
condições que me pedem para cumprir, aqui estão;
agora não me peçam mais nada". De fato, no dia 2
de dezembro de 2000 ele disse que estava contente, não falou
que nossas condições eram muitas.
Então, vocês vão sair da selva também
para fazer com que o presidente se defina e responda com clareza.
Não só isso, como também para fazer com que a sua
resposta seja positiva; ou seja, não basta que o diálogo
aconteça, e sim que tenha êxito. Se Fox quer dialogar e
ele é realmente quem manda no Exército, poderá
dar sinais retirando as sete posições. Se nos considera
interlocutores não deve tratar-nos como delinqüentes e as
pessoas presas por serem zapatistas têm que ser libertadas. Se
a sociedade mexicana, o governo e o Congresso reconhecem que há
um dever coletivo para com os povos indígenas, irão garantir
que não se repita um primeiro de janeiro de 1994 reconhecendo
na Constituição os direitos e a cultura indígenas.
O que nos propomos com a saída rumo ao Distrito Federal é,
primeiro, uma interlocução primordial com a sociedade
civil, para dizer a ela que o que queremos é que a guerra acabe
e precisamos que nos ajude, porque não podemos sair sozinhos.
O governo não vai nos dar o que queremos, a não ser que
a sociedade civil faça um esforço, para que ao mesmo tempo
em que salda sua dívida com as comunidades indígenas permita
que um grupo armado clandestino e tudo o que é o EZLN, faça
a transição à vida civil e à via pacífica
de fazer política, este é um sinal importante para os
demais movimentos armados do México e, me atreveria a dizer,
do mundo.
Logo, iremos ao Congresso e trataremos de convencer os legisladores
de que o projeto de lei que queremos ver aprovado não fomos nós
a redigi-lo e nem o são os Acordos de San Andrés, mas
foi elaborado pelos legisladores de quatro partidos políticos
(PRI, PAN, PRD e PT) e de maneira nenhuma pretende a secessão
de uma parte do México ou a autonomia absoluta para os indígenas.
Se conseguirmos tudo isso e obtivermos estas respostas positivas do
governo, nos sentamos para dialogar sem maiores condições.
O EZLN concede a Fox o benefício da dúvida?
Não. Isso foi quando colocamos estes sinais no dia 2 de dezembro,
pensando: "Não sabemos o que quer o senhor Fox, por isso
estamos colocando a ele esta pergunta". Mas ele está nos
respondendo com sinais que significam: "Quero e não quero";
"talvez quero ou talvez não" ou "talvez vou querer,
caso seja conveniente à minha campanha publicitária".
E esse é um sinal muito negativo para o diálogo porque
este vai depender de como anda a sua campanha nos meios de comunicação,
de se ele vai ser verdadeiro ou só uma farsa. Pois é,
Fox não se decide em responder-nos "não", mas,
tampouco "sim".
Como vocês interpretam o afanar-se do empresariado para evitar
que os delegados zapatistas viajem à capital?
O dia 2 de julho abriu um espaço que está em disputa.
Quem mandava já não manda e quem se supõe que vai
mandar ainda não engrenou. Está se acomodando todo e um
setor, o dos empresários (que inclui o clero a eles vinculado),
teme que nesse cenário de novas acomodações o povo
ocupe espaços e seja mais difícil impor-lhe políticas
econômicas antipopulares. Eles só pensam num Estado que
vele por sua segurança e interesses, por sua prosperidade econômica,
ainda que isso implique no empobrecimento dos demais.
Neste momento, nós zapatistas não estamos colocando nada
que esteja relacionado com o programa econômico, a saída
é só para os direitos e a cultura indígenas. Pois
então, o setor empresarial tem medo do que? Que se chegue à
paz e isso sirva de exemplo a outros movimentos armados. Que se reconheça
que há um setor da população, o dos indígenas,
que é diferente e quer ser parte do México, mas sem deixar
de ser o que é.
Com sua atitude, o empresariado e os demais setores estão comprando
para mais adiante um conflito de maior envergadura, mais fundamentalista
que zapatista; estão comprando a desestabilização
e a crise constantes. De uma maneira ou de outra, ao opor-se às
demandas indígenas estão comprando, a médio prazo,
o cenário da ex-Iugoslávia.
Se a sociedade mexicana não dá o sinal definitivo de que
a negociação é o caminho para resolver os conflitos,
os diferentes estarão sempre protestando; não só
os indígenas como os homossexuais, as lésbicas, os jovens,
os estudantes, os professores. Lembremos de Beirute no Líbano;
era como uma rede: em cada um dos quadrados havia um grupo, era uma
cidade de ninguém. O mesmo pode acontecer com o país.
Cada lugar, cada centro geográfico, cada colônia será
área reservada de alguém, não haverá nação,
não vai haver Estado, nada, e sim a lei do mais forte.
Nesta linha, o que vocês vão dizer aos setores duros, a
Fernández de Cevallos e Manuel Bartlett, para os quais, no caso,
a autonomia seria um quarto nível de governo?
Para a classe política está claro que os zapatistas caminham
para a paz, o problema é que ela está preocupada com a
questão de quem levará o capital político de assiná-la.
Aí está a verdadeira disputa! Porque nem Fernández
de Cevallos e nem Bartlett querem que seja o presidente Fox a capitalizar
isso. As disputas no interior da classe política sobre "se
vamos ou não com o passamontanhas", "se saímos
ou não", "se somos ou não separatistas",
não têm a ver com as reivindicações indígenas
e nem com a lei da COCOPA; trata-se de um problema de protagonismo.
A polêmica em torno da lei eles a perderam nos últimos
três anos de (Ernesto) Zedillo. Houve uma polêmica muito
forte nos meios de comunicação, durante a qual se esclareceu
que não há cisão do país, que a lei não
propõe um Estado dentro do Estado e que não se trata de
um quarto nível de governo. E quanto ao tema dos usos e costumes,
está se propondo que sejam homologados; ou seja, incorporados
ao corpo penal, legislativo, jurídico referentes às formas
específicas de fazer justiça.
Mas à classe política isso não interessa e nem
se preocupa com nada disso; só está se perguntando quem
estará do outro lado da mesa, diante dos zapatistas, na hora
de assinar a paz, porque será ele a ter um capital político
importante para 2006. Não estão pensando enquanto legisladores,
porque se o fizessem diriam: "Esta lei não é inconstitucional,
é completa e está remediando uma injustiça histórica,
além de garantir a paz diante de um movimento armado".
Fernández de Cevallos não se dá bem com Fox e já
está disputando com ele o 2006, e dá pra ver que pode
pegá-lo pelo lado dos zapatistas, o fará, para arruinar-lhe
o cenário. Quando foram assinados os acordos de San Andrés,
quem estava representando o governo era (Marco Antonio) Bernal, e naquele
momento começou a sua derrubada; começaram a pegar no
pé dele. Antes, quando Camacho começou a ter êxito
nos diálogos conosco, pegaram ele, e ele foi derrubado. No momento
em que Fox tiver êxito (se é que vai topar isso) vão
golpeá-lo, o mesmo acontecerá com o Congresso.
Como zapatistas, vocês se colocam a possibilidade de uma guerra
aberta contra o governo, caso não vingue o projeto de lei sobre
direitos e cultura indígenas?
Estamos preparados para uma guerra de resistência; se nos atacam
estamos em condições de resistir, de não desaparecer,
porque não somos aniquiláveis em termos militares, do
mesmo modo que o Exército federal não pode ser derrotado
em termos militares. De fato, achamos que faz tempo que esta guerra
deixou de ser um problema que pode ser resolvido por este caminho; tem
que ser resolvido em termos políticos.
Também achamos que a solução do conflito seguirá
o modelo do diálogo de San Andrés; do lado do governo
já não tem ninguém que quer lembrar dele, mas em
San Andrés não se impôs o que dizíamos, nem
o que dizia o governo, e sim o que se construiu com o diálogo,
essa é a verdade. Se agora se chega a um processo de negociação,
a paz será construída por ambas as partes e, nesse sentido,
para nós não haverá ganhador e nem perdedor, nem
em termos militares e nem políticos; ainda que não o reconheçamos,
vamos saber que o outro teve algo a ver com a paz.
Em outros tempos os tarahumaras ou os apaches lutaram, combateram por
seus direitos, chegaram a um acordo de paz e entregaram as armas, mas,
em conseqüência disso, a longo prazo, foram sendo encurralados.
É que nós zapatistas não só temos formados
um exército, como temos construído uma forma de vida e
de resistência. Há sete anos, desde o dia 12 de janeiro
de 1994, não usamos as armas e temos conseguido manter-nos. Além
do exército, nós, povos zapatistas, construímos
uma forma de organização social que tem a ver com experiências
ancestrais e com o contato com a sociedade. Neste sentido, no interior
das comunidades o EZLN é pouco militar e muito organizativo.
Por que? Porque desde o princípio colocamos um processo de paz,
que foi este: estavam acabando conosco sem sequer olhar para nós,
e não era porque os soldados tinham vindo para invadir as comunidades,
e sim porque estavam nos matando de fome. Não queríamos
fazer um outro país, e sim ser mexicanos, conservando nossas
diferenças. E pensamos: "Precisamos levantar-nos em armas
para que nos vejam outra vez, para que nos ouçam".
Em 1995, o "Subcomandante Marcos" escreveu no livro "Eu,
Marcos" que o passamontanhas era uma forma de não individualizar
a luta. Na véspera de sua viagem ao DF, esta idéia continua
de pé?
A nossa presença lá vai apontar o paradoxo deste país:
não se virou para olhar os seus povos indígenas até
que estes cobriram o rosto e não os ouviu até que se levantaram
em armas, ou seja, quando deixaram de falar e começaram a combater.
Hoje continuam a virar-se para olhar só porque temos nossos rostos
cobertos e se nos descobrimos já não olham para nós,
significa que a história continua a mesma, que o primeiro de
janeiro de 1994 foi inútil e isso é o que não vamos
permitir.
Pensando que seja possível chegar à paz, para onde evoluiria
o EZLN? Como criar uma alternativa política consolidando o espaço
por vocês construído?
Sabemos que estamos sendo procurados pelos "head hunters".
- responde o chefe insurgente enquanto o coro de uma gargalhada rompe
a harmonia da selva.
Já pediram o seu currículo?
Não, mas se deixassem "uma secretaria de Estado" já
seria de bom tamanho - responde novamente entre as risadas.
Irão se transformar em partido político?
Não. E nem vamos aspirar a cargos de eleição popular
por uma razão muito simples: já dissemos que não;
ou seja, amarramos nossas mãos desde antes.
"Tacho", você gostaria de ser deputado?
Não, não, que horror! - responde o "comandante Tacho"
do fundo do seu passamontanhas preto. Todo mundo ri.
Então, quais são os caminhos?
Nós pensamos que é possível construir uma outra
forma de fazer política e, portanto, uma outra forma de organização.
Poderíamos construir um grupo político que se decida a
organizar os cidadãos sem ter como objetivo a tomada do poder.
É algo difícil de entender pra muita gente.
Trata-se de subverter a relação de poder, a relação
entre governante e governado. Se si consegue fazer com que a sociedade
se organize e consiga que o governante mande obedecendo, aí já
se subverteu a relação de poder. É algo maior do
que a democracia eleitoral. Supõe-se que você tome decisões,
é isso que diz a constituição; diz que a tua palavra
deve ser levada em consideração, mas a ignoram. Se podemos
organizar a sociedade exatamente para isso, começará a
funcionar de outra forma. Seria a construção de uma cidadania,
é isso, e não se trata de algo altruísta.
O EZLN é a única saída que a esquerda tem?
De maneira nenhuma, aí somos mais modestos. Podemos reanimá-la,
mas há muitos espaços da esquerda que não poderíamos
preencher. Para não ir muito longe, os da esquerda eleitoral:
na medida em que não nos colocaríamos como um partido
político, não poderíamos ser opção
eleitoral de esquerda. Basicamente, a nossa força está
no campo indígena e talvez um pouco no campo cultural, porque
o zapatismo tem sido também um movimento cultural. Mas não
somos uma opção ao ativismo obreiro, camponês, estudantil
ou do magistério, aí há movimentos de esquerda.
Se tivermos sorte, o que podemos chegar a ser é uma espécie
de reanimador dessas forças de esquerda que estão cada
uma no seu canto, de tal forma que não voltam a chegar ao auge.
Qual é o futuro do "Subcomandante Marcos" como símbolo
que é?
Primeiro temos que acabar o que começamos e vamos consegui-lo.
Depois, se abrirá um novo espaço no qual cada um terá
de redefinir o seu lugar. Entre outras coisas "Marcos" é
parte de uma estrutura militar, o que será dele se esta estrutura
desaparece? É algo que se definirá mais tarde. Quando
uma organização para fazer a guerra chega à paz,
se transforma e o lugar de cada um deve ser repensado.
Se houver paz, "Marcos" desapareceria logo, ou teria continuidade
como pessoa que está por trás do passamontanhas?
Pois, aí ele acaba. O símbolo de uma luta termina com
ela. Ficará para a história. Se dirá: "Havia
alguém que se chamava Marcos". Na verdade, às pessoas
não interessa quem é ele. Além do mais, o que sustenta
a personagem desapareceria. Honestamente, "Marcos" não
seria "Marcos" sem as comunidades e sem o EZLN. Concretamente,
ninguém me leria se não fosse por isso. Eu poderia dizer:
"Eu fui o «Subcomandante Marcos». "Pois, sim,
compadre, você f-o-i, mas você já não é,
porque já não existe o que te fez ser o «Subcomandante
Marcos»".
Pessoalmente, o que faria se "Marcos" desaparecesse?
Vamos continuar a luta política de outra forma; se nos deixarem,
continuaremos incomodando, nesse caso, sem passamontanhas e sem armas.
Este ... não vejo futuro para a minha carreira literária,
me falta prática e paciência; mas, onde for possível
e os companheiros mandem, estaremos aí, organizando pessoas,
falando.