O 4o CONGRESSO DO RIO GRANDE DO SUL VISTO POR DOMINGOS PASSOS ( * )

(*) Domingos Passos, havia sido deportado de São Paulo, para o Oiapoque, campo de concentração na selva amazônica, de onde fugiu para participar deste Congresso.

"O 3o. Congresso Operário do Rio Grande do Sul'', realizou-se no governo de Artur Bernardes, sob os efeitos das deportações e expulsões de trabalhadores estrangeiros, e com a intervenção de alguns partidários do bolchevismo, cujo partido embrionário já influía nos debates, provocando desarmonia entre o  proletariado. Todavia, assim mesmo, o sindicalismo continuava vigoroso naquela região sulina, menos atacada pela repressão do governo bernardista . Dir-se-ia que era o único reduto da liberdade em terras brasileiras, pois, ali ainda se permitia a realização de um "4o. Congresso Operário", de amplas proporções anarco-sindicalistas.

Domingos Passos, um dos mais ativos militantes anarco-sindicalistas, que particípou do 4o. Congresso, presta o seu depoimento .

"Com a chegada da delegação de Porto Alegre no dia 2, iniciou-se os trabalhos do Congresso .
Estavam representados os seguintes organismos :

“Federação Local de Porto Alegre'', "Trabalhadores de S . Paulo", "Federação da C . T. do Pará", "Sindicato de  Canteiros de Santos", "Liga Operária de Pelotas", "Sindicato de Ofícios Vários", "Vila Petrópolis", Bagé, "União G. dos Trabalhadores", "União Geral dos Trabalhadores de Uruguaiana", "Sindicato dos Canteiros de Porto Alegre". "União Operária Beneficente de Caciqui", "União O. Beneficente de Alegrete", "Liga O. Internacional", Poços de Caldas, "Sindicato dos Canteiros do Capão do Leão", entre outros.

Fizeram-se representar também : "Grupo Libertário de S . Paulo", "Grupo Cultural Livre Pensamento", "Grupo Braço e Cérebro", "Grupo de Propaganda Social do Pará", “Grupo de Propaganda Social de Pelotas", "Grupo GerminaI do Rio Grande".

Ao iniciarem-se os trabalhos, o secretário da "F.O.R.G.S." propõe que fosse aclamado um relator e um secretário para os trabalhos, sendo apontado o 1o. representante dos trabalhadores de S. Paulo, que recusa alegando estar encarregado de elaborar os relatórios para as organizações que representa .

Constitui-se a mesa, com os delegados João Martins e Pinto

Florentino propõe que os delegados libertários devem ter voz e voto no congresso, aconselhando, também, que se aumente o número de representantes, sendo aprovado.

Reduzindo, após propor que o secretário fosse efetivo, lê as condições funcionais da "Federação Estadual", dizendo que durante todo o ano não foi recebida nenhuma contribuição, e que a "Federação Local de Bagé", está em idênticas condições.

Florentino historia o movimento da "Federação O. de Porto Alegre", mostrando como se desenvolveu a campanha pró Sacco e Vanzetti - tendo, por esta ocasião, sido levados a efeito 30 reuniões públicas . Que das organizações operárias, a única que em Porto Alegre corresponde às necessidades do momento, é o "Sindicato dos Canteiros". Lembra a greve dos marítimos, que, apesar de ter sido filiada à federação, desviou-se deste caminho, enveredando pela ação indireta, estando, porém, atualmente, em vias de entendimento com a Federação . Movimenta-se agora o "C.F.", no sentido de organizar ferroviários.

João Francisco fala sobre os estivadores de Pelotas, dizendo que entre eles trabalha-se para a organização, ao lado dos trabalhadores revolucionários, tendo ultimamente realizado duas reuniões, nas quais Passos falou Iongamente, propondo a ação direta .

Pinto chama a atenção do Congresso para a organização de Uruguaiana, onde os militantes predominam na “União Geral", que é um dos mais sólidos e confortáveis edifícios sociais, cujos associados lutam agora pela aquisição de uma tipografia para a publicação de um jornal.

Mostra como Uruguaiana está destinada a influir na cidade argentina Libres, tendo a sociedade desta cidade pedido filiação à "Federação de Uruguaiana". Não só no norte da Argentina esta organização pode desenvolver a propaganda, mas também ao norte do Uruguai e do Paraguai .

O "Comitê Pró-Presos e Deportados", declara que distribuiu bônus pró-deportados do Oiapoque (*), não tendo até certa data sido recebidos.

(*) Oiapoque, região amazônica escolhida para construção de um campo de trabalhos forçados, pelo governo de Artur Bernardes. Lá perderam a vida alguns dos mais esclarecidos militantes operários: José Alves do Nascimento, Nicolau Parada, Biófilo Panclasta, Pedro Augusto Mota e Nino Martins, entre outros.

Procedendo-se à leitura dos temas apresentados, verificou-se que todos eles coincidem sobre a organização, sendo colocado que se começasse a discutir "do sindicato à confederação" .

 

1a. PARTE

Pinto, representando a organização operária de Uruguaiana, propõe a formação de uma associação denominada "Associação Proletária Regional Gaúcha", que seria o conjunto de todas as associações operárias do Estado, e que estas associações perdessem por completo o seu caráter retintamente sindicalista, abandonando a sua norma de combate ao patronato pelas conquistas imediatas . Acha que o mal que sofrem atualmente os trabalhadores, deve-se ao sindicalismo, ainda que se diga revolucionário.

Exemplificando, diz que em Bagé existe um grupo que se denomina "Federação Operária do Rio Grande do Sul", e outro que se denomina "União Geral", e assim por diante. Que, em Porto Alegre, apesar dos inúmeros títulos de organizações e Federações, só existe, em verdade, o "Sindicato dos Canteiros".

Passos, usando da palavra demonstra o que a respeito concluiu o "3o. Congresso Operário Brasileiro", quando aconselhou que aos sindicatos de ofícios, preferíssemos o sindicato da indústria, e, quando estas fossem insuficientes devido ao pouco número de seus aderentes, ainda teríamos o recurso dos sindicatos de ofícios vários.

Florentino define lucidamente que o trabalho de organização divide-se em duas partes: a primeira, de preparação da mentalidade, e a segunda, depois de ter feito compreender a necessidade da organização; então, é chegada a ocasião de lançar a organização.

A principal necessidade é de que cada um procure dedicar-se com todo o ardor a organizar os trabalhadores nas localidades onde residem .

Depois então, de haver séria organização nos locais onde residem, devem dedicar-se aos lugares afastados.

Pinto é contrário à organização sindicalista, procurando evitar até o nome de sindicato que, a seu ver, tem causado desorientações aos militantes anarquistas; que as necessidades de momento e da região o levou a propor a organização de "Associações Proletárias Sociais", que admitam em seu meio todos os proletários manuais e intelectuais de todos os ofícios, em conjunto, as quais corporificarão a "Federação Operária do Rio Grande do Sul", que passará a denominar-se "Associação Proletária Regional Gaúcha".

Nos moldes adotados gela F.O.R.A. e a U.S.A., cheios de vícios, condena em absoluto o sindicalismo, quer seja. ele neutro ou revolucionário; é pela organização moldada pelos métodos bakunianos, que, segundo ele, foram experimentados em 1870, e, mais tarde, desviados de sua rota inicial por elementos sindicalistas. .

Florentino fala da organização por ofícios ou por indústrias, afirmando ser um fenômeno da organização capitalista, as quais, na expressão da luta, não representam mais que simples órgãos de defesa à exploração burguesa. Para demonstrar a falência destes órgãos, cita o caso de Sacco e Vanzetti, dizendo que, neste caso, primeiro tratavam os sindicatos de seus interesses, deixando a solidariedade para não prejudicar o organismo .

0 sindicato não corresponde à transformação igualitária e econômica. A organização, baseada nos moldes apresentados no Congresso, não é novidade, já tendo sido experimentada em muitos países da Europa e em S. Paulo, onde milhares de trabalhadores estiveram agregados em associações proletárias, dando os melhores resultados.

Quanto à finalidade, acha que deve ser anarquista; não é o anarquismo que afugenta os trabalhadores das associações operarias .

As discussões consumiram nada menos que três sessões de 4 horas cada uma . Motivado pela oposição do delegado de S. Paulo, que procurava demonstrar a todo o transe que qualquer profunda transformação na estrutura orgânica das associações operárias poderia atirar todas as associações nas mãos dos nossos inimigos .

Na quarta reunião, iniciada terça-feira, 2, às 9 horas, Pinta terminou com a seguinte proposta :

"a) Adotar um sistema de organização compatível com as necessidades da região e da propaganda, formando somente com as nossas organizações, a se constituírem em "Associações Proletárias locais".

b) Estas organizações declaram-se anti-estatais, combatendo todas as manifestações que visem consolidar ou reformar o Estado, e, particularmente, a manifestação religiosa, por considera-la um êmulo do mesmo e um dos maiores obstáculos à evolução natural do cérebro humano.

c) As "Associações P. locais", darão corpo à "Federação P. Regional".

d) As "Federações P. Regionais", darão corpo à "Confederação P. Brasileira".

Florentino continua em sua severa crítica ao Sindicalismo, dizendo que por ele chegamos à concepção sindicalista do anarquismo, em vez de chegarmos à concepção anárquica do sindicalismo.

Reduzindo fala do movimento e dos desvios da "Federação Unitária da França", da "Federação Nacional da Espanha", e de outros organismos federativos da Europa e a U.S.A., que lhe merecem veementes censuras. Elogia a organização da "F.O.R.A.

Pinto, aparteando, toma a palavra. para dizer que tendo militado muito tempo na Argentina, observou que, tanta na U.S.A . como na F.O.R.A. , existem bons militantes anarquistas, e que todos os dois organismos faltam a sua missão histórica, por culpa exclusiva da doutrina sindicalista; tendo os defeitos originários desta doutrina. Continuando, afirma que as organizações que pretende não são sindicalistas nem anarquistas, e que, tão pouco pretende a organização de grandes massas.

Devemos trabalhar seriamente pela organização do maior número possível, e, dentro destas organizações, procurar propagar o nosso ideal e os nossos métodos de luta. Se o sindicato no sul não tem correspondido à expectativa foi por causa, como se tem observado, das próprias declarações dos delegados; os anarquistas aparecem nos sindicatos como estranhos, superiores ou messias; acham que nos devemos confundir com os trabalhadores, e não destacar-nos; é preciso que nossas palavras encontrem eco no coração do povo, e não se assemelhem a ordens ou lições. Concorda que os anarquistas formem agrupações suas, e, que, depois destas formadas, procurem arrastar para elas todos os homens, indistintamente.

Mostra como a incompreensão das nossas atividades, pode levar os trabalhadores a um descalabro.

2a. PARTE

Como auxiliar as Federações?

João Martins e Deontino, propõem diversas percentagens. Florentino concorda com o método adotado nos 2.° e 3.° congressos nacionais, e no 3o. de Porto Alegre. O congresso, concordando com as propostas apresentadas, lembra a conveniência de se adotarem cadernetas federais para todo o Estado, e que as organizações paguem 25% sobre as cotizações, sendo 10% às federações locais e 15% de auxílio estadual. As que estiverem aderidas diretamente à estadual, pagarão 25% a esta.

Foi proposta e aceita a volta da "Federação Estadual" para Porto Alegre .

3a. PARTE

Da confederação

Dada a palavra ao representante dos trabalhadores do Pará e S. Paulo, este estende-se em considerações sobre o trabalho dos 3 congressos operários brasileiros, demonstrando que a reorganização da "C.O.B.", não poderia ser considerada como uma obra arbitrária pois iria o "Congresso do Rio Grande do Sul" dar vida a um organismo criado no "1o. C.O.B. ", e referendada pelos 2 congressos nacionais que se seguiram .

O movimento sindical do Brasil, e o estado em que se encontra, ao menor descuido nosso, deita por terra a obra de organização que tantos sacrifícios nos tem custado. Podemos contar com o apoio dos trabalhadores que representam no congresso, além das organizações revolucionárias do Rio e Ceará, que nos acompanharão. E termina propondo a criação de um "Comitê de reorganização da C.O.B .", composto dos camaradas "F.O. do Rio Grande do Sul", de S . Paulo, do Rio e do Pará, e que Este "Comitê pró-reorganização da Confederação", publique, o mais brevemente possível, a "Voz do Trabalhador".

Sendo aprovado, o congresso escolheu o militante Domingos Passos como representante da "Federação Operária do Rio G. do Sul", no Comitê .

Militantes de Porta Alegre, propõem que a Confederação tenha orientação genuinamente anarquista.

O delegado de S. Paulo e Pará, diz que a orientação da Confederação será traçada pelo "4o. Congresso O. Brasileiro", de cuja realização irá empregar esforços o "Comitê da Reorganização da C.O.B.".

O Congresso, reconhecendo a necessidade de continuar a publicação de "O Sindicalista", como órgão da "F.O. do G.S.", resolve que o mesmo saia com o formato do Bolhetim da C.E. do 3o. C.O.", a fim de facilitar sua tiragem nas oficinas tipográficas da mesma Federação.

E assim terminaram os trabalhos do 4o. Congresso Operário do Rio Grande do Sul", debaixo da maior fraternidade possível.

 

Edgar Rodrigues