Princípios da Federação Anarquista Francesa

Princípios de Base

 Preâmbulos

 Nossos objetivos

 Nosso papel

 Engajamento militante

 A ação da Federação Anarquista

 Organização

 O Comitê de relações

 Funcionamento do Comitê de relações

 O Boletim Interno

 O Congresso

 A Adesão

Preâmbulos

Nós, anarquistas, reunidos na Federação Anarquista, estamos conscientes da necessidade da organização específica. Propagamos nossas idéias e queremos realizar uma revolução radical e global, simultaneamente econômica e social, a fim de que sejam destruídas as sociedades fundadas sobre a propriedade privada ou estatal dos meios de produção e de distribuição, todas as explorações, a igno­rância e a miséria, bem como as relações de autoridade.

Nossos objetivos

Os anarquistas lutam por uma sociedade livre, sem classe nem Estado, tendo como objetivos primeiros:

 a igualdade social e econômica de todos os indivíduos.

 a posse coletiva ou individual dos meios de produção e de distribuição, excluindo toda possibilidade para alguns de viverem explorando o trabalho dos outros.

 a igualdade desde o nascimento dos meios de desenvolvimento, isto é, de educação e instrução em todos os campos da ciência, da indústria e das artes.

 a organização social sobre as bases da livre federação dos produtores e dos consumidores, feita e modificável segundo a vontade de seus componentes.

 a livre união dos indivíduos segundo suas conveniências e suas afinidades.

 a abolição do salariado, de todas as instituições estatais e formas de opressão que permitem e mantêm a exploração do homem pelo homem, o que implica a luta contra as religiões e os misticismos, ainda que se ocultem sob o manto da ciência, contra o patriotismo e pela fraternização de todos os grupos humanos, e pela abolição das fronteiras.

É a sociedade inteira que queremos reconstruir sobre uma base de respeito e apoio mútuo, não para um indivíduo, uma classe ou um partido, mas para todos os indivíduos; a questão social não pode ser resolvida definitivamente e de fato, senão em escala mundial.

Nosso papel

O anarquismo é um objetivo de sociedade global, um ideal, mas também os meios para chegar a ele, sendo estes embasados nos mesmos princípios organizacionais e éticos: federalismo e apoio mútuo. Enquanto indivíduos conscientes de sua exploração, os anarquistas entendem lutar com todos os explorados contra todos os governos, reconhecendo, assim, a existência da luta de classes cuja finalidade deve ser a instauração de uma sociedade anarquista.

Devemos fazer com que as classes sociais exploradas adquiram a capacidade política necessária à sua emancipação. São as classes exploradas que realizarão a sociedade anarquista, pois os exploradores nunca se deixarão despojar e empregarão todas as forças, mesmo brutais, contra a emancipação dos trabalhadores.

A propaganda das idéias sozinha sendo insuficiente, a participação em lutas contínuas reivindicativas e emancipadoras revela-se necessária para que os indivíduos queiram cada vez mais e melhor, até alcançar uma situação de ruptura que permitirá sua emancipação total.

Devemos incitar os trabalhadores e o conjunto dos explorados a combater as mediações que vão de encontro a seus interesses de classe, e a optar pela ação direta (isto é, por ações decididas e conduzidas sem intermediário), e sua coordenação sobre o modo federalista.

Inimigos de todo despotismo, os anarquistas rejeitam todas as teorias autoritárias, dentre as quais aquelas inspiradas no marxismo, no clericalismo, no monarquismo, no fascismo, no liberalismo burguês e em qualquer outro.

A revolução é necessariamente constituída de fases destrutivas das instituições de opressão e de fases construtivas da nova sociedade. Esta sociedade, queremos que ela seja gerida por todos e que se instaure desde o início sobre a base de estruturas anarquistas.

Eis por que a Federação Anarquista deve ser um instrumento adaptado para a revolução, até a concretização dos objetivos precedentemente definidos.

Engajamento militante

A Federação Anarquista é uma organização que agrupa militantes conscientes quanto à ideologia e à prática, tendo conhecimento dos diferentes aspectos do anarquismo e da Federação Anarquista. É organizada segundo o princípio do livre federalismo, que conserva aos grupos e indivíduos que a compõem, sua autonomia no âmbito dos Princípios de Base. É a todos os militantes que cabe fazê-la progredir, pois ela não conhece em seu seio a divisão dirigente/executor.

A participação efetiva dos militantes às obras coletivas da organização é um princípio de ética e solidariedade, que não prejudica, contudo, o princípio de liberdade.

O federalismo da Federação Anarquista permite o pluralismo das idéias e ações compatíveis com os seus princípios.

Tudo o que precede só pode evidentemente indicar as grandes linhas dos objetivos perseguidos pelos anarquistas. Será necessário, para aprofundá-los, tomar conhecimento dos escritos anarquistas e acompanhar os trabalhos dos grupos.

A ação da Federação Anarquista

A ação da Federação Anarquista tem por base, antes de tudo, a defesa dos explorados e suas reivindicações revolucionárias; mas sem que seja perdido de vista o fato de que são simultaneamente as classes e as posições de espírito que se opõem à anarquia.

Essa ação é conduzida sobre todos os planos da atividade humana, segundo os pontos de vista de cada tendência.

Por esta razão, a Federação Anarquista reconhece:

 a possibilidade e a necessidade da existência de todas as tendências libertárias no seio da organização.

 a autonomia de cada grupo.

 a responsabilidade pessoal e não coletiva.

 o jornal do movimento não pode ser o órgão de uma única tendência; elas têm, portanto, toda possibilidade de editar jornais particulares, com a garantia de que o jornal do movimento conceder-lhes-á toda publicidade, assim como toda atividade exercendo-se no âmbito da cultura, da pesquisa, da ação ou da propaganda anarquista.

 a necessidade de relações cordiais, compreensivas, com os movimentos seguindo na direção anarquista sobre um ponto particular.

Enfim, quando uma tendência engaja uma ação, desde que esta não seja contrária às idéias de base do anarquismo, as outras tendências, se elas não estiverem de acordo para participar dessa ação, observam em relação a ela uma abstenção amigável. Sua crítica permanece livre após o evento.

Os grupos têm a faculdade de se dar a orientação de sua escolha: anarco-sindicalismo, anar­co-comunismo, anarco-individualismo, anarco-pacifismo etc.

Eles têm naturalmente a possibilidade de acumular todas essas tendências.

Regiões podem ser formadas e só o podem ser sobre a iniciativa dos grupos que as compõem, sendo que o Comitê de Relações pode apenas dar sugestões nesse campo.

Organização

O Comitê de Relações

Um comitê de coordenação existe com o objetivo de tornar conhecidas as informações, sugestões, proposições podendo emanar de um indivíduo ou de um grupo, sem outro direito, para os companheiros que compõem esse comitê, senão o de qualquer outro militante, apresentar proposições, sugestões, informações.

A única derrogação, para isso, pode ser constituída por iniciativas que digam respeito à adesão a um congresso, comitê (exemplo: congresso anarquista internacional).

É evidente que, nesses diversos organismos, o próprio fundamento de nossa ideologia não deve ser questio­nado, e que nossa presença só deve visar a objetivos precisos: oposição à guerra, esforços para salvar militantes condenados à morte, protestos contra agressões contra um povo...

Secretário geral

Seu papel é distribuir a correspondência e as responsabilidades entre os diferentes membros, zelar pelo bom entendimento no seio desse comitê, assegurar a realização do congresso segundo resolução do precedente, por relatórios em tempo definido com os companheiros que se encarregam de sua constituição.

Secretário de relações internas

Seu papel é assegurar a correspondência com os grupos; mantê-los a par das cartas, fax’s e e-mails dos simpatizantes de suas regiões desejosos de juntar-se a nós; difundir as sugestões interessantes, quer emanem de uma região, de um grupo ou de uma individualidade; informar o movimento em seu conjunto das possibilidades de ação do qual dispõe: nomes de propagandistas, seus temas de conferência, sua possibilidade de deslocamento; assegurar a propaganda por campanhas cujos temas possam ser sugeridos por outros militantes, ou por ele mesmo (os grupos em desacordo com a eficácia de uma campanha têm sempre a possibilidade de não participar dela); desenvolver em todo lugar onde a Federação Anarquista puder pela criação de novos grupos; apresentar o balanço, quando de cada congresso, da progressão, da estagnação ou do recuo de nossa organização, embasado nos relatórios dos grupos.

O secretário de relações internas, quando da constituição de um grupo, entrará em contato direto com ele, quer estabelecendo ele próprio, quer delegando, para representá-lo e prestar-lhe contas, a um companheiro conhecido, residindo nas cercanias do novo grupo.

Esses contatos, além de suas características humanas, constituirão pelo diálogo engajado uma medida de probidade intelectual, tanto da parte do grupo postulante em relação à Federação Anarquista, quanto da Federação em relação ao grupo postulante.

Secretário de relações externas

Seu papel é assegurar contatos amigáveis com agrupamentos paralelos, simpatizantes ou, inclusive, independentes; divulgar dentro desses agrupamentos nosso jornal, em resumo, mostrar-nos a eles sob nossa verdadeira face; preparar ações em comum com eles quanto a objetivos precisos em favor de organismos de ligação ou simplesmente de campanhas específicas. Tal esforço pode permitir-nos a difusão de nossas publicações em suas manifestações, a colagem de nossos cartazes em seus locais, a reprodução de nossos comunicados e artigos em seus jornais, e até mesmo nossa participação em suas manifestações. Desnecessário dizer que tais resultados não podem ser obtidos sem reciprocidade.

Secretário de relações internacionais

Seus contatos exercem-se com as organizações anarquistas de línguas estrangeiras. Ele mantém-se em relação com elas para tudo o que concerne aos eventos mundiais e às ações dos anarquistas, e documenta-se na medida em que puderam inspirá-los e impulsioná-los. Informa os camaradas de todos os países sobre o clima e a atividade dos anarquistas no mundo. Permite igualmente trazer informações corretivas àquelas dadas pela imprensa oficial. Enfim, pode alimentar a rubrica internacional de nosso jornal.

Tesoureiro

O tesoureiro percebe diretamente dos grupos ou das individualidades pertencentes à Federação Anarquista uma cotização anual mínima (soma fixada voluntariamente, pouco elevada, para permitir que todos possam contribuir, geralmente ultrapassando o valor estipulado).

No respeito à autonomia dos grupos, o tesoureiro não tem a incumbência de conhecer os nomes e os endereços dos aderentes de cada grupo, mas tão-somente seu número, confiando no tesoureiro do grupo que o declara.

O tesoureiro mantém a par o secretário do Boletim Interno da lista dos aderentes (grupos ou individualidades) com o intuito de enviar o citado boletim (reservado unicamente aos membros da Federação Anarquista). A tesouraria permite assegurar as despesas de correspondência, as despesas com os deslocamentos dos membros do comitê ao congresso, ajudar eventualmente na impressão de um cartaz, na divulgação de uma campanha ou apoiar nosso jornal.

Administração

Os administradores são nomeados pelo congresso. Seu papel é zelar pela publicação regular do jornal e pelo bom andamento das obras do movimento: jornal, livraria etc.

Assim como todos os outros responsáveis nomeados pelo congresso, eles podem cercar-se, para ajudá-los em sua tarefa, de um ou vários militantes remunerados ou não.

Comitê de redação

O Comitê de redação tem por função assegurar a edição regular do jornal. Todos os artigos submetidos à sua apreciação, salvo oposição de princípio motivada por um de seus membros, são publicados.

Um artigo recusado é devolvido a seu autor, com as razões da recusa.

Nomeados e revogáveis pelo congresso, os membros do Comitê de redação podem cooptar, durante o mandato, por unanimidade, um ou vários camaradas em caso de defecção de um ou vários de seus membros.

Secretário de documentação e história

Sua função é reunir, arquivar diferentes documentos (cartazes, brochuras, panfletos, livros, revistas, jornais etc) dizendo respeito ao movimento anarquista em geral e à Federação Anarquista em particular, com o objetivo de salvaguardar nossa memória militante. Para assegurar essas funções, o secretário pode cercar-se de militantes.

Funcionamento do Comitê de relações

A leitura do que precede indica assaz claramente a interpenetração das diferentes funções, e notadamente a ligação que não pode cessar de existir entre os secretários de relações internas e de relações externas, isso em contato com o tesoureiro, que regula, em função de suas possibilidades, a envergadura e a periodicidade das ações a serem empreendidas.

Esse comitê reúne-se de modo regular e sob convocação do secretário geral.

Cada secretário é responsável por sua função e, por conseqüência, decide sozinho quanto às medidas de sua atribuição a serem tomadas. Todavia, ele não pode fazê-lo, tanto por razões práticas quanto morais, sem ter debatido com todos e sem ter levado em conta objeções, oposições que lhe podem ter sido trazidas. Assim, se o trabalho realiza-se em equipe, as decisões em última instância são tomadas pelos representantes de cada um dos cargos, únicos responsáveis diante do congresso, pelo que lhes concerne.

Cada secretário pode cercar-se de uma comissão de sua escolha para ajudá-lo em sua tarefa e pela qual assume inteira responsabilidade.

O Boletim interno

O Boletim interno é independente do Comitê de relações, por seu conteúdo e por seu financiamento. O Comitê de relações não pode exercer sobre ele qualquer direito de censura ou proibição. Ele é aberto a todos sem que ocorra a mínima censura por parte daqueles que têm a tarefa de publicá-lo.

Todos os artigos têm direito à publicação, exceto aqueles que puderem ter um caráter de calúnia.

Todo artigo recusado pelo Comitê de redação do jornal pode aparecer com essa menção no Boletim interno. Enfim, o Comitê de relações recorre a ele para seus comunicados aos grupos, suas ações, seus relatórios de atividades quando da ocasião de cada congresso.

O controle dos textos (grupos e indivíduos) não deve existir no Boletim interno.

O grupo gestionário do Boletim deve alcançar o número seguinte para dar sua posição, ao mesmo título que os outros grupos.

As assinaturas do Boletim interno.

Quando o grupo gestionário do Boletim interno recebe um pedido de assinatura, ele solicitará à tesouraria a conformidade do pertencimento do solicitante à organização. Os mesmos controles se efetuarão para as adesões por intermédio do grupo, a fim de que os grupos não recebam um número superior de boletins ao número de aderentes, mais um para os arquivos. Em caso de desistências, a tesouraria informa os gestionários das desistências de indivíduos ou de grupos. Os secretários de grupos assinalarão diretamente as desistências em seus grupos para retificar o número de boletins a receber.

O Boletim interno será mensal (exceto se não houver artigos).

Em caso de incapacidade do grupo responsável, o secretário geral pode confiar provisoriamente a tarefa de edição do Boletim a outro grupo.

O Congresso

O Congresso, aberto unicamente aos membros da Federação Anarquista (salvo convite feito pelo Comitê de relações), é organizado pelo grupo proposto e designado pelo congresso precedente, em ligação com o secretário geral, e tem por objeto:

 esclarecer a situação moral e financeira da Federação Anarquista e de suas obras.

 debater moções, proposições, estudos apresentados pelos grupos, indivíduos ou organismo da Federação Anarquista, e disso extrair as grandes linhas das campanhas a serem conduzidas no transcurso do ano, assim como as decisões necessárias ao bom andamento da Federação.

A adesão

A adesão à Federação Anarquista repousa sobre dois fatores:

 um material: o pagamento das cotizações

 o outro moral: a aceitação sem reservas dos princípios enunciados pela presente declaração.

Os princípios de base não podem ser completados ou modificados (após proposição de textos submetidos quatro meses antes do início do congresso) senão por unanimidade deste, mas sem que possam ser questio­nados nossos conceitos indicados nos preâmbulos: autonomia dos grupos e pluralidade das tendências.

Todo membro da Federação Anarquista tem o direito e não a obrigação de aderir a organizações culturais, filosóficas, sindicais, pacifistas, segundo sua escolha, na medida em que essas adesões forem compatíveis com a anarquia.

Entretanto, toda liberdade é deixada ao plano de organização do grupo para preparar com esses movimentos ações comuns.

Quem quer que subscreva essa declaração pode aderir à Federação Anarquista, seja por meio de um grupo, seja individualmente (em razão de seu afastamento de todo grupo ou simplesmente porque deseja permanecer isolado).

Tradução Plínio Augusto Coêlho