Mikhail
Bakunin
É verdade que há [no povo] uma grande força elementar, uma força
sem dúvida nenhuma superior à do governo e à das classes dirigentes
tomadas em conjunto; mas sem organização uma força elementar não é
uma força real. É nesta incontestável vantagem da força organizada
sobre a força elementar do povo que se baseia a força do Estado.
Por isso o problema não é saber se o povo pode se sublevar, mas se
é capaz de construir uma organização que lhe dê os meios de se chegar
a um fim vitorioso - não por uma vitória fortuita, mas por um triunfo
prolongado e derradeiro. (Maximoff, 367, 70).
Diga-se o que se disser, o sistema atualmente dominante é forte,
não por suas idéias e pela sua força moral intrínseca, que são nulas,
mas por toda a organização mecânica, burocrática, militar e policial
do Estado, pela ciência e pela riqueza das classes que têm interesse
em mantê-lo. (Obras, VI. 352-353, 71).
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A sublevação do proletariado das cidades não é suficiente; com ele
teríamos somente uma revolução política, que teria necessariamente
contra e1a a reação natural e legítima do povo dos campos, e esta
reação, ou unicamente a indiferença dos camponeses, esmagaria a revolução
das cidades, como aconteceu ultimamente na França(1). Só a revolução
universal é suficientemente forte para inverter e quebrar o poder
organizado do Estado, sustentado pelos recursos das classes ricas.
Mas a revolução universal é a revolução social, é a revolução simultânea
dos povos dos campos e das cidades. É isso que é preciso organizar,
- porque sem uma organização preparatória, os elementos mais fortes
são impotentes e nulos. (Obras, VI, 403, 71 ).
Nos momentos de grandes crises políticas ou econômicas, em que o
instinto da massa, posto em brasa, se abre em todas as inspirações
felizes, em que estes rebanhos de homens escravos, vergados, esmagados,
mas nunca resignados, revoltam-se enfim contra o seu jugo, mas sentem-se
desorientados e impotentes porque estão completamente desorganizados;
dez, vinte ou trinta homens, entendendo-se bem e estando bem organizados,
e que saibam para onde vão e o que querem, arrastarão facilmente cem,
duzentos ou até mais. Vimos isso recentemente na Comuna de Paris.
A organização séria, apenas iniciada durante o cerco, não foi muito
perfeita e nem muito forte; e contudo foi suficiente para criar uma
resistência formidável.
O que acontecerá
então quando a Associação Internacional estiver melhor organizada;
quando ela tiver muitas seções agrícolas e, em cada seção, o dobro
e o triplo do número de membros que tem presentemente? O que acontecerá
sobretudo quando cada um de seus membros souber, melhor que presentemente,
o objetivo final e os verdadeiros princípios da Internacional, assim
como os meios para realizar o seu triunfo? A Internacional tornar-se-á
uma forca irresistível .
Mas para
que a Internacional possas adquirir realmente este poder, para que
a décima parte do proletariado, organizado por esta associação, possa
arrastar os outros nove décimos, é preciso que cada membro, em cada
seção, esteja muito mais penetrado pelos princípios da Internacional
do que está hoje. Só com esta condição é que nos tempos de, paz e
de calma ele poderá executar eficazmente a missão de propagandista
e de apóstolo, e, nos tempos de luta, a de um chefe revolucionário
(Obras, VI, 90 a 92, 71 ).
Este programa
[da Internacional] traz com ele uma ciência nova, uma nova filosofia
social, que deve substituir todas as antigas religiões, e uma política
totalmente nova... Para que todos os membros da Internacional possam
executar, de uma maneira consciente, seu duplo dever de propagandistas
e de chefes naturais das massas na Revolução, é preciso que cada um
deles esteja também penetrado, tanto quanto possível, por esta ciência,
por esta filosofia e por esta política. Não lhes basta saber e dizer
que querem a emancipação econômica dos trabalhadores, o usufruto integral
do seu produto por cada um, a abolição das classes e servilismo político,
a realização da totalidade dos direitos humanos e a equivalência dos
deveres e dos direitos para cada um, - a realização da fraternidade
humana, numa palavra. Tudo isto é sem dúvida muito bom e muito justo,
mas, se os operários da Internacional pararem nesta verdade, sem aprofundar
as condições, as conseqüências e o espírito, e se se contentarem em
repeti-las sempre nesta forma geral, correm o risco de fazer delas
dentro em pouco, palavras ocas e estéreis, lugares comuns incompreendidos.
Mas, dir-se-á,
todos os operários, só pelo fato de serem membros da Internacional
não podem tornar-se sábios; e não bastará que no seio desta associação
se encontre um grupo de homens que possuam, tão completamente quanto
possível nos nossos dias, a ciência, a filosofia e a política do socialismo,
para que a maioria, para que o povo da Internacional, obedecendo com
fé a sua direção e ao seu comando fraternal (no estilo
de Sr Gambetta, o ditador jacobino por excelência), possa estar certo
de não se desviar da via que o deve conduzir à emancipação definitiva
do proletariado?
Eis um raciocínio
que ouvimos freqüentemente, não abertamente exprimido, - não se é
tão sincero e tão corajoso para isso, mas que se desenvolve secretamente,
com toda espécie de reticências mais ou menos hábeis e com elogios
demagógicos dirigidos à sabedoria suprema e à onipotência do povo
soberano, pelo partido autoritário, hoje triunfante na Internacional
de Genebra. Nós sempre os combatemos apaixonadamente, porque estamos
convencidos - e também o estão sem dúvida conosco, companheiros -
que, desde o momento em que a Associação Internacional se dividir
em dois grupos: um deles, compreendendo a grande maioria e sendo composto
por membros cuja a única ciência seria a fé cega na sabedoria teórica
e prática de seus chefes, e o outro, composto unicamente por algumas
dezenas de indivíduos dirigentes, esta instituição que deve emancipar
a humanidade se transformaria ela própria numa espécie de Estado
oligárquico, o pior de todos os Estados; e ainda mais, esta
minoria clarividente, sábia e hábil... se tornaria dentro de pouco
tempo cada vez mais despótica, maléfica e reacionária. (Obras, VI,
93 a 96, 71).
... Acreditamos
que o povo pode enganar-se muitas vezes, mas não há ninguém no mundo
que possa corrigir seus erros e reparar o mal que sempre resulta deles,
a não ser ele próprio; todos os outros reparadores e retificadores...
nunca fazem nem podem senão aumentar os erros e o mal. (Lehning, I-
1, 242, 71).
Educação
militante. Relação entre as organizações socialistas e os sindicatos:
Necessidade e papel do partido.
Eu gosto
muito desses socialistas burgueses que nos gritam sempre: "Instruamos
primeiro o povo e depois o emancipemos". Pelo contrário nós dizemos:
Ele que se emancipe primeiro e se instruirá ele próprio... Deixam-no
maçar-se com o seu trabalho quotidiano e com sua miséria, e dizem-lhe:
"instruam-se!".
Não, senhores,
apesar do nosso respeito pela questão da instrução integral, declaramos
que hoje esta já não é a maior questão para o povo. A primeira questão
é a da sua emancipação econômica que engendra imediatamente e ao mesmo
tempo a sua emancipação política, e muito em breve sua emancipação
intelectual e moral. (Obras, V, 42, 69).
Mas como
chegar, do abismo da ignorância, de miséria e de escravatura, no qual
os proletários dos campos e das cidades estão mergulhados, a este
paraíso, a esta realização da justiça e da humanidade na terra? -
Para isso, os trabalhadores só têm um único meio: a associação. (Obras,
V, 42, 69).
Pois só
resta uma única via, é a da [sua] emancipação pela prática.
(Obras, V, 182, 69).
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A seção
central, já dissemos, foi o primeiro germe, o primeiro corpo constituinte
da Associação Internacional em Genebra; ela deveria continuar a ser
sua alma, a sua inspiradora e a sua propagandista permanente. É neste
sentido, sem dúvida, que muitas vezes se lhe chamou a "seção
da iniciativa". Ela criou a Internacional em Genebra, devia conservar
e desenvolver seu espírito. Sendo todas as outras seções corporativas(2),
os operários estão aí reunidos e organizados não pela idéia, mas pelo
fato e pelas próprias necessidades de seu trabalho idêntico. Este
fato econômico, o de uma indústria especial e de condições particulares
de exploração desta indústria pelo capital, a solidariedade íntima
e particularmente os interesses, as necessidades, os sofrimentos,
a situação e as aspirações que existem entre todos os operários que
fazem parte da mesma seção corporativa, tudo isso forma a base real
da sua associação. A idéia vem depois, como explicação ou como expressão
equivalente do desenvolvimento e da consciência coletiva e refletida
deste fato. (Obras, VI, 55-56, 71)
As seções
centrais não representam nenhuma indústria em especial, visto que
os operários mais avançados de todas as indústrias possíveis encontram-se
aí reunidos. Então o que é que elas representam? A própria idéia da
Internacional. Qual é a sua missão? O desenvolvimento e a propaganda
desta idéia. E esta idéia o que é? É a emancipação dos trabalhadores
de tal indústria e de tal país, mas também de todas as indústrias
possíveis e de todos os países do mundo... Tal é a força negativa,
belicosa ou revolucionária da idéia. E a força positiva? É a fundação
de um novo mundo social (Obras, VI, 65, 66, 71).
As seções
centrais são os Centros ativos e vivos onde se conserva, se desenvolve,
e se explica a nova fé. Lá ninguém entra como operário especial desta
ou daquela profissão; lá entram todos unicamente como trabalhadores
em geral, com o fim da emancipação e da organização geral do trabalho
e do novo mundo social baseado no trabalho, em todos os países. Os
operários que fazem parte dela, deixando à entrada a sua qualidade
de operários especiais ou "reais”, no sentido da especialidade,
apresentam-se lá como trabalhadores "em geral". Trabalhadores
de que? Trabalhadores da idéia, da propaganda e da organização do
poder tanto econômico como militante da Internacional: Trabalhadores
da Revolução Social.
Vê-se que
as seções centrais têm um caráter totalmente diferente das seções
de profissão e até diametralmente oposto. Enquanto que as últimas,
seguindo a via de desenvolvimento natural, começam pelo fato para
chegar à idéia, as seções centrais, pelo contrário, seguindo a do
desenvolvimento ideal ou abstrato, começam pela idéia para chegar
ao fato. É evidente que em oposição ao método tão completamente realista
ou positivo das seções de profissão, o método das seções centrais
apresenta-se como artificial e abstrato. Esta maneira de proceder
da idéia ao fato é precisamente a de que se têm servido eternamente
os idealistas de todas as escolas, teólogos metafísicos e cuja importância
final foi constatada pela história...
Se só tivesse
havido na Associação Internacional dos Trabalhadores seções centrais,
não há dúvida de que ela não teria atingido nem a centésima parte
da força considerável de que agora se glorifica. As seções centrais
teriam sido igualmente academias operarias onde seriam sempre debatidas
todas as questões, incluindo naturalmente a da organização do trabalho,
mas sem a mínima tentativa séria nem mesmo sem aláuma possibilidade
de realização: e isto por uma razão muito simples: o trabalho "em
geral" não é senão uma idéia abstrata que não encontra a sua
"realidade" senão numa imensa diversidade de indústrias
especiais, em que cada uma tem sua natureza própria, as suas próprias
condições, as quais não se pode adivinhar e muito menos determinar
pelo pensamento abstrato, mas que, só se manifestando pelo fato do
seu desenvolvimento real, podem determinar sozinhos o seu equilíbrio
particular, as suas relações e o seu lugar na organização geral do
trabalho, - organização , que, como todas as coisas gerais, tem de
ser a resultante sempre reproduzida de novo pela combinação viva e
real de todas as indústrias particulares e não o seu princípio abstrato,
imposto violenta e doutrinariamente, como o queriam os comunistas
alemães, partidários do Estado popular.
Se só tivesse
havido, na Internacional, seções centrais, provavelmente elas já teriam
conseguido formar conspirações populares para a inversão da ordem
atual das coisas, conspirações de intenção, mas muito fracas para
atingir seus fins, porque elas nunca poderiam arrastar e receber no
seu seio senão um pequeníssimo número de operários, os mais inteligentes,
os mais enérgicos, os mais convencidos e os mais dedicados. A imensa
maioria, os milhões de proletários ficaria de fora, e, para inverter
e destruir a ordem política e social que hoje nos esmaga, é preciso
a concorrência destes milhões.
Só os indivíduos,
e somente um pequeno número de indivíduos se deixa definir pela "idéia"
abstrata e pura. Os milhões, as massas , não só no proletariado, mas
também nas classes esclarecidas e privilegiadas, só se deixam arrastar
pela força e pela lógica dos "fatos", só compreendendo e
encarando, a maior parte do tempo, os seus interesses imediatos e
as suas paixões de momento, sempre mais ou menos cegas. Portanto,
para interessar e para arrastar todo o proletariado na obra da Internacional,
era preciso e é preciso aproximar-se dele não com idéias gerais e
abstratas, mas com a compreensão real e viva dos seus males reais;
e os seus males do dia a dia, ainda que apresentem um caráter geral
para o pensador, e ainda que sejam na realidade efeitos particulares
das causas gerais e permanentes, são infinitamente diversos, tomando
uma multiplicidade de aspectos diferentes, produzidos por uma variedade
de causas passageiras e reais. Tal é a realidade quotidiana destes
males. Mas a massa do proletariado, que é forçada a viver sem pensar
no dia de amanhã, agarra-se aos males de que sofre e dos quais é eternamente
a vítima, precisa e exclusivamente nesta realidade, e nunca ou quase
nunca na sua generalidade.
Então, para
tomar o coração e conquistar a confiança,o consentimento, a adesão,
a afluência do proletariado..., é preciso começar por lhe falar, não
dos males gerais de todo o proletariado internacional, nem das causas
gerais que lhe dão nascença, mas dos seus males particulares, quotidianos,
privados. É preciso lhe falar de sua profissão e das condições do
seu trabalho precisamente na localidade em que habita; da duração
e da grande extensão do seu trabalho quotidiano, da insuficiência
do seu salário, da maldade do seu patrão, da carestia dos víveres
e da sua impossibilidade de nutrir e de instruir convenientemente
a sua família. E lhe propondo meios para combater os seus males e
para melhorar a sua posição, não é preciso lhe falar logo dos objetivos
gerais e revolucionários que constituem neste momento o programa de
ação da Associação Internacional dos Trabalhadores, tais como a abolição
da propriedade individual hereditária e a instituição da propriedade
coletiva; a abolição do direito jurídico e do Estado, e a sua substituição
pela organização e federação livre das associações produtivas; provavelmente
ele não compreenderia nada destes objetivos, e poderia mesmo acontecer
que, estando influenciado pelas idéias religiosas, políticas e sociais
que os governos e os padres procuraram inculcar-lhe, repelisse com
desconfiança e cólera o propagandista imprudente que quisesse convertê-lo
com esses argumentos. Não, primeiramente só é preciso propor-lhe objetivos
que o seu bom senso natural e a sua experiência quotidiana não possam
ignorar a utilidade, nem repeli-los. (Obras, 68 a 72, 71).
Logo que
entre para a seção, o operário neófito vai aprender lá muitas coisas.
Explica-se-lhe que a mesma solidariedade que existe entre todos os
membros da mesma seção estabelece-se igualmente entre todas as diferentes
seções ou entre todas as corporações de profissões da mesma localidade;
que a organização desta solidariedade mais larga, abraçando indiferentemente
os operários de todas as profissões, tornou-se necessária porque os
patrões de todas as profissões entendem-se entre eles [etc...]
...melhor
do que pelas explicações verbais que recebe de seus camaradas, depressa
reconhece todas as coisas pela sua própria experiência pessoal doravante
inseparável e solidária com a dos outros membros da seção. (Obras,
VI, 73, 71).
Numa palavra,
a única solidariedade que lhe é oferecida como um benefício e ao mesmo
tempo como um dever é, em toda a acepção da palavra, a solidariedade
econômica, mas uma vez que esta solidariedade é seriamente
aceita e estabelecida, produz todo o resto - , os princípios mais
sublimes e subversivos da Internacional... não sendo senão os desenvolvimentos
naturais e necessários desta solidariedade econômica. E a grande vantagem
prática das seções de profissão sobre as seções centrais consiste
precisamente nisto, que estes desenvolvimentos e estes princípios
demonstram-se aos operários não com argumentos teóricos, mas pela
experiência viva e trágica de uma luta que se torna cada vez maior,
mais profunda, mais terrível: de modo que o operário menos instruído,
menos preparado , mais brando, constantemente arrastado mais para
a frente pelas próprias conseqüências desta luta, acaba por se reconhecer
revolucionário, anarquista e ateu, muitas vezes sem saber como o conseguiu
ser.
É claro
que só seções de profissão podem dar esta educação prática aos seus
membros, e conseqüentemente, só elas podem arrastar para a organização
da Internacional a massa do proletariado, esta massa, já dissemos,
sem a forte ajuda da qual o triunfo da revolução nunca será possível.
Se só houver
na Internacional seções centrais, estas não seriam senão almas sem
corpos, sonhos magníficos sem realização possível.
Felizmente,
as seções centrais, emanações do fogo principal que se formou em Londres,
foram fundadas não por burgueses, não por sábios de profissão, nem
por homens políticos, mas por operários socialistas. Os operários,
é essa a sua grande vantagem sobre os burgueses, graças à sua situação
econômica e também graças ao que a educação doutrinaria, clássica,
idealista e metafísica, que envenena a juventude burguesa, os poupou
até aqui, têm o espírito eminentemente prático e positivo. Eles não
se contentam com ideais, eles precisam de fatos, e só acreditam nas
idéias quando elas se apóiam em fatos. Esta inclinação feliz lhes
permitiu evitar dois obstáculos contra os quais encalham todas as
tentativas burguesas: a academia e a conspiração platônica. Aliás
o programa da Associação Internacional dos Trabalhadores... indicou-lhes
claramente a única via que eles podiam e deviam seguir.
Em primeiro
lugar, eles deviam se dirigir às massas em nome da sua emancipação
econômica, não da revolução política: primeiro, em nome dos seus interesses
materiais, para chegar mais tarde aos seus interesses morais, sendo
os segundos, enquanto interesses coletivos, unicamente a expressão
e a conseqüência lógica dos primeiros. Eles não podiam esperar que
as massas os viessem procurar, tinham de ir procurá-las onde elas
estão, na sua realidade quotidiana, e esta realidade é o trabalho
quotidiano, especializado e dividido em corporações de profissões,
já mais ou menos organizado pelo trabalho coletivo em cada indústria
particular, para que eles aderissem ao objetivo econômico, à ação
comum da grande Associação dos Trabalhadores de todos os países, numa
palavra, para os filiar à Internacional, deixando-lhes a sua autonomia
e a sua organização particulares. O que quer dizer que a primeira
coisa que eles deviam fazer e que efetivamente fizeram, foi organizar,
em volta de cada organização central, tantas seções de profissão quantas
indústrias diferentes existissem.
Foi assim
que as seções centrais, que, em todos os países, representam a alma
ou o espírito da Internacional, formaram uma corporação, tornando-se
organizações reais e fortes. Uma vez realizada esta missão, as seções
centrais deviam dissolver-se, só permitindo a existência de seções
de profissão. Parece-nos que isso é um grande erro. Pois...
...A grande
tarefa que se impôs a Associação Internacional dos Trabalhadores...
não é unicamente uma obra econômica ou simplesmente material, é ao
mesmo tempo uma obra social, filosófica e moral; também é, se se quiser,
uma obra eminentemente política. (Obras, VI, 75 a 79, 71 ).
******
a quem nos
perguntar para que serve a existência da Aliança quando existe a Internacional,
nós responderemos: a Internacional é, evidentemente, uma magnífica
instituição, é incontestavelmente a mais bela, a mais útil, a mais
benéfica criação deste século. Ela criou a base da solidariedade dos
trabalhadores de todo o mundo. Ela deu-lhe um começo de organização
através da fronteira de todos os Estados e fora do mundo dos exploradores
e dos privilegiados. Ela fez mais, já contém hoje os primeiros germes
da organização da unidade que há de existir e ao mesmo tempo deu ao
proletariado de todo o mundo o sentimento de sua própria força. Estamos
certos também do grande serviço que ela prestou à grande causa da
revolução universal e social. Mas ela não é de modo nenhum uma instituição
suficiente para organizar e dirigir esta revolução.
Todos os
revolucionários sérios que tiveram uma parte ativa nos trabalhos da
Internacional, seja em que país fosse, desde 1864, ano de sua fundação,
devem estar convencidos disso. A internacional prepara os elementos
da organização revolucionária, mas não a realiza. Ela os prepara organizando
a luta pública e legal dos trabalhadores solidários de todos os países
contra os exploradores do trabalho, capitalistas, proprietários e
empreiteiros das indústrias, mas nunca vai além disso. A única coisa
que ela faz fora desta obra já tão útil, é a propaganda teórica das
idéias socialistas nas massas operárias, obra igualmente muito útil,
muito necessária à preparação da revolução das massas.
A Internacional,
numa palavra, é um meio imenso favorável e necessário a esta organização,
mas ainda não é esta organização. A Internacional aceita no seu seio,
abstraindo-se completamente de todas as diferenças de crenças políticas
e religiosas, todos os trabalhadores honestos, com todas as suas conseqüências
a solidariedade da luta dos trabalhadores contra o capital burguês
explorador do trabalho. Esta é uma condição positiva, suficiente para
separar o mundo dos trabalhadores do mundo dos privilegiados, mas
insuficiente para dar ao primeiro uma direção revolucionária. (Nettlau,
287-288, 72).
... os fundadores
da Associação Internacional agiram com grande sabedoria eliminando
primeiramente do programa desta Associação todas as questões políticas
e religiosas. Sem dúvida, de modo nenhum lhes faltou opiniões políticas,
nem opiniões anti-religiosa bem marcadas; mas abstiveram-se de as
emitir neste programa , porque o seu principal objetivo, em primeiro
lugar, era unir as massas operárias de todo o mundo civilizado numa
ação comum. Necessariamente que tiveram de procurar uma base comum,
uma série de princípios simples sobre os quais os operários, sejam
quais forem as suas aberrações políticas e religiosas, por pouco que
sejam sérios, isto é, homens duramente explorados e sofredores, estão
e têm de estar de acordo.
Se tivessem
içado a bandeira de um sistema político ou anti-religioso, longe de
unir os operários da Europa os teriam dividido mais ainda. (Obras,
V, 172-173, 69).
...acreditam
que se se escrevesse esta simples palavra “ateísmo", no estandarte
da Internacional, esta associação teria podido reunir no seu seio
centenas de milhares de aderentes? Todos sabem que não, não por o
povo ser verdadeiramente religioso, mas por ele acreditar sê-lo; e
ele acreditará sê-lo enquanto uma revolução social não lhe facultar
os meios para realizar todas as suas aspirações neste mundo. É certo
que se a Internacional pusesse o ateísmo, como um princípio obrigatório,
no seu programa, teria excluído do seu seio a flor do proletariado,
- e por esta palavra eu não quero dizer, como o fazem os marxistas,
a camada superior, a mais civilizada e a mais desembaraçada do mundo
operário, essa camada de operários quase burgueses de que eles querem
precisamente servir-se para construir a sua quarta classe
governamental, e que é verdadeiramente capaz de formar uma, se
não os pusermos na ordem dos interesses da massa do proletariado,
porque, com o seu bem estar relativa quase burguês, não está infelizmente
senão profundamente penetrada por todos os preconceitos políticos
e sociais e pelas estreitas aspirações e pretensões dos burgueses.
Pode-se dizer que esta camada é a menos socialista e a mais individualista
de todo o proletariado.
Pela flor
do proletariado, eu entendo sobretudo esta grande massa, estes
milhões de não-civilizados, de deserdados, de miseráveis e de analfabetos
que o Sr Engels e o Sr Marx pretendem submeter ao regime paternal
de um governo muito forte... Por flor do proletariado, eu entendo
esta carne para governo, esta grande canalha popular que, estando
quase virgem de toda civilização burguesa, traz no seu seio, nas suas
paixões, nos seus instintos, nas suas aspirações, em todas as necessidades
e misérias da sua posição coletiva, todos os germes do socialismo
futuro, e que só ela é suficientemente forte para inaugurar e para
fazer triunfar a Revolução Social. (Obras, IV, 413-414, 72).
A Aliança
é o complemento necessário da Internacional... -Mas a Internacional
e a Aliança, tendendo para o mesmo objetivo final, perseguem ao mesmo
tempo objetivos diferentes. - Uma tem por missão reunir as massas
operárias, os milhões de trabalhadores, através das diferenças das
nações e dos países, através das fronteiras de todos os Estados, em
um só corpo imenso e compacto; a outra, a Aliança, tem por missão
dar às massas uma direção verdadeiramente revolucionária. Os programas
de uma e de outra, sem serem opostos em nada, são diferentes pelo
próprio grau do seu desenvolvimento respectivo. 0 da Internacional,
se o tomarmos a sério, também é em germe, mas só em germe, todo o
programa da Aliança. 0 programa da Aliança é a explicação última do
da Internacional. (Nettlau, 286, 72).
Reconheço
com alegria que, em todos os países, as classes privilegiadas perderam
muito da sua força passada. Perderam totalmente a sua força moral;
já não têm fé nos seus direitos, sabem que são iníquas e odiosas,
desprezam-se a si próprias.
É bastante.
Tendo perdido sua força moral, elas perdem ostensiva e necessariamente
também a força inteligente. Elas são muito mais sábias que o proletariado,
mas isso não as impede de se tornarem cada vez mais brutas. Elas perderam
toda a coragem intelectual e moral... O proletariado, cuja vivacidade
herdou da sua anterior capacidade intelectual e moral, prepara-se
hoje para as forçar nos seus últimos refúgios políticos e econômicos.
Tudo isto
é verdade. Mas não se pode ter ilusões. Esses refúgios são ainda muito
fortes: são o Estado, a Igreja, a Bolsa, a polícia, o exército e também
esta grande conspiração internacional e pública , legal, armada, a
que se chama diplomacia.
Tudo isto
é organizado sabiamente e é forte pela organização. E em presença
desta organização formidável, o proletariado ainda que unido, agrupado
e solidarizado pela Internacional, continua desorganizado. Que faz
o seu número? O povo mesmo que seja um milhão, vários milhões, será
posto em xeque por algumas dezenas de milhares de soldados, sustentados
e disciplinados às suas custas, contra ele, pelos escudos burgueses
produzidos pelo seu trabalho.
Por exemplo,
a seção mais numerosa, mais avançada e melhor organizada da Internacional
- o está para o combate? Sabem que não. Em mil trabalhadores, seria
muito se reunissem uma ou no máximo duas centenas no dia do combate.
É que para organizar uma força, não basta unir os interesses, os sentimentos,
o pensamento. É preciso unir as vontades e o caráter. Os nossos inimigos
organizam as suas forças com a força do dinheiro e com a autoridade
do Estado. Nós só podemos organizar as nossas com a convicção, com
a paixão
Nós não
podemos e não queremos unir outro exército senão o povo. Mas para
que esta massa se erga em conjunto simultaneamente - e só com esta
condição que ela pode vencer - o que fazer? Sobretudo como fazer para
que as massas mesmo eletrizadas, quando sublevadas, não se contradigam
e não se paralisem pelos seus movimentos opostos?
Só há um
único meio: é assegurar-se da participação de todos os chefes populares.
Eu chamo chefes populares a indivíduos saídos do povo: vivendo com
ele, da sua vida, e que, graças à sua superioridade intelectual e
moral, exercem nele uma grande influência. Há muitos entre eles que
abusam desta superioridade e a fazem servir os seus interesses pessoais.
São homens muito perigosos e que é preciso evitar como a peste, que
é preciso combater e aniquilar sempre que possível. É preciso procurar
os bons chefes, os que só defendem os seus interesses nos interesses
de todos. Mas como encontra-1os e reconhece-los, e qual é o indivíduo
tão inteligente, tão perspicaz e tão forte, para não se enganar em
absolutamente nada, primeiro na sua escolha e em seguida para os convencer
e para os organizar sozinho.
É evidente
que esse não pode ser o trabalho de um só homem, que só muitos homens
associados podem empreender e conduzir a bom termo uma empresa tão
difícil. Mas para isso, é necessário primeiro que se entendam entre
eles e que dêem as mãos para esta obra comum. Mas tendo esta obra
um objetivo prático, revolucionário, o entendimento mútuo que é a
condição necessária não pode se fazer publicamente; se se fizesse
em público, atrairia sobre os iniciadores as perseguições de todo
o mundo oficial e oficioso, e se veriam esmagados antes mesmo de terem
podido fazer a mínima coisa.
Pois este
entendimento e esta associação que tem de sair dele, só podem ser
feitos em segredo. Quer dizer que é preciso estabelecer uma conspiração,
uma sociedade secreta a sério.
Também é
assim o pensamento e o objetivo da Aliança. É uma sociedade secreta
formada no seio da própria Internacional, para dar a esta última uma
organização revolucionária, para a transformar, a ela e a todas as
massas populares que estão fora dela, numa força suficientemente organizada
para aniquilar a reação político-clérico burguesa, para destruir todas
as instituições econômicas, jurídicas, religiosas e políticas dos
Estados. (Nettlau. 289 a 291, 72).
******
... mesmo
que conseguissem, à custa de uma luta enérgica e hábil, salvaguardar
a existência dos vossas seções públicas, eu acho que acabariam mais
tarde ou mais cedo por compreender a necessidade de formar entre elas
núcleos compostos por membros mais seguros, mais dedicados,
mais inteligentes e mais enérgicos, numa palavra, pelos mais íntimos.
Estes núcleos intimamente ligados entre sí e com núcleos semelhantes
que se organizam ou se organizarão nas outras regiões da Itália ou
do estrangeiro, terão uma dupla missão: primeiro, a formação da alma
inspiradora e vivificante deste grande corpo a que chamamos Associação
Internacional dos Trabalhadores tanto na Itália como em qualquer outro
lado; e em seguida se ocuparão dos problemas que são impossíveis
de se tratar publicamente. Eles formarão a ponte necessária
entre a propaganda das teorias socialistas e a prática revolucionária.
... Naturalmente,
esta aliança secreta só aceitaria no seu seio um pequeníssimo número
de indivíduos...; pois neste tipo de organização, não é a quantidade,
mas a qualidade que é preciso procurar... Vocês só querem uma revolução
popular; por isso não vão recrutar um exército, pois o vosso exército
é o povo. O que devem formar, são os estados-maiores, a rede bem organizada
e bem inspirada dos chefes do movimento popular. (Cerretti, 194-195,
72).
notas:
(1) Aqui
Bakunin se refere à Comuna de Paris, ocorrida em 1871
(2) Aqui
é preciso que se entenda a diferença de papéis entre as duas instâncias,
a seção central tem um papel organizador e político, enquanto as seções
corporativas desempenham um papel social. como um sindicato.
Socialismo
e Liberdade
Mikhail Bakunin
Coletivo Luta Libertária