Mickail Bakunin
Programa elaborado clandestinamente por Mickail Bakunin
em outono de 1868. Tradução de Zilá Bernd.
A Associação dos Irmãos Internacionais
quer a revolução universal, social, filosófica,
econômica e política ao mesmo tempo, para que da ordem
atual das coisas, fundada sobre a propriedade, a dominação
e o princípio de autoridade quer religiosa, quer metafísica
e burguesamente doutrinária, quer até mesmo jacobinamente
revolucionária, não sobre em toda Europa num primeiro
momento, e depois no resto do mundo, pedra sobre pedra. Ao grito de
paz aos trabalhadores, liberdade a todos os oprimidos e morte aos
dominadores, exploradores e tutores de qualquer espécie, queremos
destruir todos os Estados e todas as igrejas, com todas as suas instituições
e suas leis religiosas, políticas, jurídicas, financeira,
policiais, universitárias, econômicas e sociais para
que todos estes milhões de pobres seres humanos escravizados,
atormentados, explorados, libertos de todos os diretores e benfeitores
oficiais e oficiosos, associações e indivíduos,
respirem enfim em completa liberdade.
Convencidos de que o mal individual e social reside
muito menos nos indivíduos do que na organização
das coisas e nas posições sociais, nós seremos
humanos tanto por sentimento de justiça quanto por cálculo
de utilidade, e destruiremos sem piedade as posições
e as coisas a fim de poder, sem nenhum perigo para a revolução,
poupar os homens. Negamos o livre-arbítrio e o pretenso direito
da sociedade de punir. A própria justiça tomada no seu
sentido mais humano e mais amplo, é apenas uma idéia,
por assim dizer, negativa e de transição; ela coloca
o problemas social mas não o resolve, indicando apenas o único
caminho possível para a emancipação, isto é,
de humanização da sociedade pela liberdade na igualdade;
a posição positiva só poderá ser dada
pela organização cada vez mais racional da sociedade.
Esta solução tão desejada, ideal de todos nós,
é a liberdade, a moralidade, a inteligência e o bem-estar
de cada um pela solidariedade de todos, a fraternidade humana.
Todo o indivíduo humano é o produto
involuntário de um meio natural e social no seio do qual nasceu,
desenvolveu-se e do qual continua a sofrer influência. As três
causas de toda a imoralidade humana são: a desigualdade tanto
política quanto econômica e social; a ignorância
que é seu resultado natural e sua conseqüência necessária:
a escravidão.
A organização da sociedade sendo sempre
e em todos os lugares a única causa dos crimes cometidos pelos
homens, há hipocrisia ou absurdo evidente da parte da sociedade
em punir os criminosos, um vez que toda a punição supõe
a culpa e os criminosos não são nunca culpados. A teoria
da culpa e da punição surge da teologia, isto é,
do casamento de absurdo com a hipocrisia religiosa. O único
objetivo que se pode reconhecer à sociedade, em seu estado
atual de transição, é o direito natural de assassinar
os criminosos produzidos por ela mesma no interesse de sua própria
defesa e não a de julgá-los e condená-los. Este
não será propriamente um direito, na acepção
estrita do termo, será antes um fato natural, aflitivo mas
inevitável, signo e produto da impotência e da estupidez
da sociedade atual: e quanto mais a sociedade souber evitar de utilizá-lo,
mais ela estará próxima de sua real emancipação.
Todos os revolucionários, os oprimidos, os sofredores, vítimas
da atual organização da sociedade e cujos corações
estão naturalmente cheios de vingança e de ódio,
devem lembrar-se de que os reis, os opressores, os exploradores de
toda espécie são tão culpados quanto os criminosos
saídos da massa popular: eles são malfeitores mas não
culpados, pois são, como os criminosos comuns, produtos involuntários
da atual organização da sociedade. Não devemos
nos espantar se no primeiro momento, o povo rebelado mate muito. Será
talvez um infelicidade inevitável, tão fútil
quanto os estragos causados por uma tempestade.
Mas este fato natural não será nem moral,
nem mesmo útil. A este respeito, a história está
cheia de ensinamentos: a terrível guilhotina de 1793 que não
pode ser acusada nem de preguiça, nem de lentidão, não
chegou a destruir a classe nobre da França. A aristocracia
foi se não completamente destruída ao menos profundamente
abalada, não pela guilhotina, mas pelo confisco e venda de
seus bens. E em geral, pode-se dizer que a carnificina política
nunca matou os partidos; mostram-se sobretudo impotentes contra as
classes privilegiadas, porque a força reside menos nos homens
da que nas posições ocupadas pelos homens privilegiados
na organização das coisas, isto é, a instituição
do Estado e sua conseqüência assim como sua base natural,
a propriedade individual.
Para fazer um revolução radical é
preciso, pois, atacar as posições e as coisas, destruir
a propriedade e o Estado, assim não se terá a necessidade
de destruir os homens, e de condenar-se à reação
infalível e inevitável que o massacre dos homens nunca
deixou e não deixará nunca de produzir em cada sociedade.
Mas para ter o direito de ser humano para com os homens,
sem perigo para a revolução, será preciso ser
impiedoso para com as posições e as coisas: será
preciso destruir tudo e, principalmente e antes de tudo, a propriedade
e seu corolário inevitável: o Estado. Este é
o segredo da revolução.
Não é preciso espantar-se se os jacobinos
e os blanquistas que se tornaram socialistas antes por necessidade
que por convicção, e para quem o socialismo é
um meio, não o objetivo da Revolução. Pois eles
querem a ditadura, quer dizer, a centralização do Estado
e que o Estado os leve por necessidade lógica e inevitável
à reconstituição da propriedade, é natural,
dizemos nós, que não querendo fazer uma revolução
radical contra as coisas, sonhem com uma revolução sanguinária
contra os homens. Mas esta revolução sanguinária
baseada na construção de um Estado revolucionário,
fortemente centralizado, teria como resultado inevitável, como
provaremos mais tarde, a ditadura militar com um novo senhor. Logo,
o triunfo dos jacobinos e dos blanquistas seria a morte da Revolução.
Somos inimigos naturais destes revolucionários,
futuros ditadores, regulamentadores e tutores da revolução,
que, antes mesmo que os estados monárquicos, aristocráticos
e burgueses atuais sejam destruídos, sonham com a criação
de novos Estados revolucionários, tão centralizados
e mais despóticos do que os Estados que existem hoje, que possuem
uma vocação tão grande para ordem criada por
uma autoridade qualquer e um horror tão grande pelo que lhes
parece desordem e que nada mais é do que a franca e natural
expressão da vida popular, que, antes mesmo que uma boa e saudável
desordem se produza pela revolução, sonham já
com o fim e o cerceamento pela ação de um autoridade
qualquer que só terá o nome da revolução,
mas que efetivamente nada mais será do que uma nova reação
pois será uma outra condenação das massas populares,
governadas por decretos, à obediência, à imobilidade,
à morte, isto é, à escravidão e à
exploração por uma nova aristocracia pouco revolucionária.
Compreendemos a revolução no sentido
do desencadeamento do que se chama hoje de más paixões
e da destruição do que da mesma língua se chama
"ordem pública".
Não tememos, invocamos a anarquia, convencido
de que esta anarquia, ou melhor, da manifestação completa
da vida popular desencadeada, deve sair a liberdade, a igualdade,
a justiça, a ordem nova, e a própria força da
revolução contra a reação. Esta vida nova,
a revolução popular, não tardará sem duvida
a organizar-se, mas criará sua organização revolucionária
de baixo para cima e da circunferência para o centro, conforme
o princípio de liberdade, e não de cima para baixo nem
do centro para a circunferência conforme a moda da autoridade,
pois pouco importa se esta autoridade se chama Igreja, Monarquia,
Estado Constitucional, República burguesa ou até mesmo
Ditadura revolucionária. Detestamos e rejeitamos todos da mesma
forma como fontes infalíveis de exploração e
de despotismo.
A revolução tal como a entendemos deverá,
desde o primeiro dia destruir radical e completamente o Estado. As
conseqüências naturais desta destruição serão:
•A bancarrota do Estado;
•A cessação do pagamento das dívidas
privadas pela intervenção do Estado, deixando a cada
devedor o direito de pagar as suas, se quiser;
•A cessação dos pagamentos de
qualquer imposto e do adiantamento de todas as contribuições,
sejam diretas ou indiretas;
•A dissolução do exército,
da magistratura, da burocracia, da polícia e do clero;
•A abolição da justiça
oficial, a suspensão de tudo o que juridicamente se chamava
direito, e o exercício desses direitos;
•Por conseqüência, a abolição
do auto-de-fé de todos os títulos de propriedade, formais
de herança, de venda, de doação, de todos os
processos, de toda a papelada jurídica e civil, em uma palavra.
Em todo o lugar e em todas as coisas o fato revolucionário,
em vez do direito criado e garantido pelo Estado;
•O confisco de todos os capitais produtivos
e instrumentos de trabalho em proveito da associação
de trabalhadores que deverão produzi-los coletivamente;
•O confisco de todas as propriedades da Igreja
e do Estado assim como dos metais preciosos dos indivíduos
em benefício da Aliança Federativa de todas as associações
operárias, Aliança que constituirá a comuna.
Em troca dos bens confiscados, a Comuna dará o estritamente
necessário à todos os indivíduos que foram despojados,
que poderão mais tarde, com seu próprio trabalho ganhar
mais se puderem e se quiserem.
Para a organização da Comuna: a federação
das barricadas permanentes e a função de um conselho
revolucionário da Comuna pela delegação de uma
ou duas pessoas de cada barricada, uma por rua ou por bairro, delegados
investidos de mandatos imperativos, sempre responsáveis e sempre
revogáveis. O Conselho comunal assim organizado poderá
escolher, entre os seus, comitês executivos separados por cada
ramo da administração revolucionária da Comuna.
Declaração da capital insurgida e organizada
em Comuna que, depois de ter destruído o Estado autoritário
e tutelar, o que ela tinha o direito de fazer porque era escrava como
todas as outras localidades, renuncia a seu direito, ou melhor, a
qualquer pretensão de governar, de impor-se às províncias.
Chamado a todas as províncias, comunas e associações,
convidando a todos a seguirem o exemplo dado pela capital, de organizar-se
primeiro revolucionariamente e, após, delegar, em um local
convencionado de reunião, seus delegados, todos investidos
de mandatos imperativos, responsáveis e revogáveis,
para constituir a federação das associações,
comunas e províncias insurgidas em nome dos mesmos princípios,
e para organizar uma força revolucionária capaz de triunfar
sobre a reação. Envio não de comissários
revolucionários oficiais com faixas distintivas, mas de propagadores
revolucionários em todas as províncias e comunas, sobretudo
entre os camponeses que não poderão revoltar-se nem
por princípios, nem pelos decretos de uma ditadura qualquer,
mas somente pelo próprio fato revolucionário, quer dizer,
pelas conseqüências que produzirá infalivelmente
em todas as comunas a cessação completa da vida jurídica,
oficial do Estado.
Abolição do Estado nacional ainda no
sentido de todo o país estrangeiro, província, comuna,
associação ou até indivíduos isolados,
que se revoltaram em nome do mesmo princípio, sejam recebidos
na federação revolucionária independente das
fronteiras atuais dos Estados, embora pertencendo a sistemas políticos
ou nacionais diferentes, e que as próprias províncias,
comunas, associações, indivíduos que tomarem
partido da reação estarão excluídos. É,
pois pelo próprio fato da eclosão e da organização
da revolução com vistas à defesa mútua
dos países insurgidos que a universalidade da revolução,
baseada na abolição das fronteiras e na ruína
dos Estados, triunfará.
Não pode haver revolução política
triunfante, a menos que a revolução política
se transforme em revolução social, que a revolução
nacional precisamente por seu caráter radicalmente socialista
e destrutivo do Estado se transforme em revolução universal.
A revolução devendo fazer-se, em toda
a parte, pelo povo, e a suprema direção devendo estar
sempre no povo organizado em federação livre de associações
agrícolas e industriais, organizando-se de baixo para cima
por meio da delegação revolucionária abrangendo
todos os países insurrectos em nome dos mesmos princípios
independentemente das velhas fronteiras e das diferenças de
nacionalidade, terá por objetivo a administração
dos serviços públicos e não o governo dos povos.
A aliança da revolução universal contra a aliança
de todas as reações será a nova pátria.
Esta organização exclui qualquer idéia
de ditadura e de poder dirigente tutelar. Mas, para o próprio
estabelecimento desta aliança revolucionária, e para
o triunfo da revolução contra a reação,
é necessário que em meio à anarquia popular que
constituirá a própria vida e toda a energia da revolução,
a unidade de pensamento e de ação revolucionária
encontre um órgão. Este órgão deve ser
a Associação Secreta e Universal do Irmãos Internacionais.
Esta associação parte da convicção
de que as revoluções nunca são feitas nem pelos
indivíduos nem mesmo pelas sociedades secretas. Elas se fazem
por si próprias, produzidas pela força das coisas, pelo
movimento dos acontecimentos e dos fatos. Elas se preparam durante
muito tempo na profundeza da consciência instintiva das massas
populares, depois explodem, suscitadas aparentemente por causas fúteis.
Tudo o que um sociedade organizada pode fazer é, primeiramente,
ajudar o nascimento de uma revolução difundindo entre
as massas idéias correspondentes aos instintos das massas de
organizar, não o exército da revolução
- o exército deve ser sempre o povo - mas uma espécie
estado-maior revolucionário composto de indivíduos dedicados,
enérgicos, inteligentes e, sobretudo, amigos sinceros, e não
ambiciosos nem vaidosos, do povo, capaz de servir de intermediário
entre a idéia revolucionária e os instintos populares.
O números destes indivíduos não
deve, portanto, ser enorme. Para a organização internacional
em toda a Europa, cem revolucionários forte e seriamente aliados,
bastam. Duas ou três centenas de revolucionários bastarão
para a organização do maior país.
Mickail Bakunin, outono de1868
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