Sobre a Plataforma Organizacional

INTRODUÇÃO HISTÓRICA à 1a edição irlandesa, pelo Movimento da Solidariedade Operária

NESTOR MAKHNO e PIOTR ARCHINOV, com outros anarquistas russos e ucranianos exilados em Paris, lançaram, em 1925, o excelente bimestral Dielo Truda. O periódico era uma critica teórica anarco-comunista de alta qualidade. Anos antes, quando estavam presos na masmorra de Butirky, em Moscou, eles haviam elaborado secretamente a idéia de tal critica. Agora, estavam colocando-a em prática. Makhno escreveu aproximadamente um artigo para cada número, durante três anos. Em 1926, IDA METT (escreveu "A Comuna de Kronstadt", uma denúncia do bolchevismo), que recentemente havia saído da Rússia, aderiu ao grupo. No mesmo ano, foi publicada a "Plataforma Organizacional". A "Plataforma" foi recebida com hostilidade e indignação por muita gente do movimento anarquista internacional. O primeiro a atacá-la foi o anarquista russo Volin, também exilado na França, que juntamente com Sebastian Faure havia elaborado a proposta denominada "Síntese", que tentava justificar a vigente mixórdia de anarco-comunismo, anarco-sindicalismo e anarco-individualismo. Com Molly Steiner, Fleshin e outros, Volin afirmava que "sustentar que o anarquismo é apenas uma teoria de classes é o mesmo que limitá-lo a um único ponto de vista". Mantendo a iniciativa, o grupo Dielo Truda publicou, em 5 de fevereiro de 1927, um convite para uma 'conferência internacional', cujo encontro preliminar deveria ser realizado no dia 12 do mesmo mês. Presentes nesse encontro, além do grupo Dielo Truda, estavam um delegado da Juventude Anarquista Francesa, Odeon; um búlgaro, Pavel, como indivíduo; um delegado do grupo anarquista polonês, Ranko, e outro polonês como indivíduo; alguns militantes espanhóis, entre eles Orobon Fernandez, Carbo e Gibanel; um italiano, Ugo Fedeli; um chinês, Chen; e um francês, Dauphlin-Meunier, todos como indivíduos. O primeiro encontro foi realizado nos fundos de um pequeno café parisiense.

Uma comissão provisória foi organizada, composta por Makhno, Chen e Ranko. Uma circular foi enviada para todos os grupos anarquistas, no dia 22 de Fevereiro. Uma conferência internacional foi convocada e se realizou, em 20 de Abril de 1927, no Hay-les-Roses, nas imediações de Paris, no cinema Les Roses.

Além dos que participaram do primeiro, encontro havia um delegado italiano que apoiava a 'Plataforma', Bifolchi, e outra delegação italiana, da revista 'Pensiero e Volontá', Luigi Fabbri, Camillo Berneri e Ugo Fedeli. Havia dois delegados franceses, um do Odeon, favorável à 'Plataforma', e outro com Severin Ferandel.

Uma proposta foi apresentada, no sentido de afirmar:

a) A luta de classes como aspecto mais importante da idéia anarquista.
b) O Anarco-Comunismo como base do movimento.
c) O sindicalismo como principal método de luta.
d) A necessidade da 'União Geral dos Anarquistas', baseada na unidade ideológica e tática, além da responsabilidade coletiva;
e) A necessidade de um programa positivo para realizar a revolução social.

Após uma longa discussão, algumas modificações da proposta original foram adiadas. Entretanto nada foi concretizado porque a polícia invadiu o local do encontro e prendeu todos os presentes. Makhno foi ameaçado de deportação, mas uma campanha liderada pelos anarquistas franceses impediu que isso acontecesse. Porém, a proposta de criar uma "Federação Internacional de Revolucionários Comunistas Anarquistas" frustrou-se, e alguns daqueles que haviam participado da conferência preferiram não levá-la adiante.

Outros ataques à "Plataforma", por parte de Fabbri, de Berneri, do historiador Max Nettlau e de Malatesta, ocorreram logo após. O grupo Dielo Truda replicou com "Resposta aos Confusionistas do Anarquismo". Posteriormente, em 1929, Archinov redigiu um longo arrazoado introdutório à "Plataforma". Contrariado pela reação à "Plataforma", Archinov retornou à Rússia em 1933. Acusado de "tentar restaurar o anarquismo na Rússia", foi executado em 1937, durante os expurgos de Stálin.

A "Plataforma" não se estabeleceu internacionalmente, mas influenciou vários movimentos. Na França, ocorreram inúmeras cisões e fusões; os plataformistas às vezes controlavam a principal organização anarquista, outras vezes eram forçados a deixá-la e criar seus próprios grupos. Na Itália, os adeptos da "Plataforma" organizaram uma pequena "União Anarco-Comunista Italiana", que rapidamente desapareceu. Na Bulgária, a discussão sobre organização contribuiu para a reconstituição da Federação Anarco-Comunista da Bulgária (F.A.C.B.), com uma "plataforma concreta", "por uma permanente e estruturada organização anarquista específica", "baseada nos princípios e táticas do comunismo libertário". Porém, os plataformistas linha dura recusaram-se a reconhecer a nova organização e a denunciaram, no semanário "Prubujdanie", pouco antes de se dissolverem.

Similarmente, a Federação Anarquista da Polônia propugnou a destruição do capitalismo e do estado através da luta de classes e da revolução social, a criação de uma nova sociedade baseada nos conselhos de operários e camponeses e uma organização especifica edificada sobre uma só teoria, mas rejeitou a "Plataforma" alegando que ela continha tendências autoritárias. Quanto à Espanha - segundo Juan Casas, em sua "Organização Anarquista: A Historia Da F.A.I." - "o anarquismo espanhol tinha como preocupação conservar e aumentar a influência que obtivera desde que a Internacional aterrissou na Espanha. Os anarquistas espanhóis não se preocupavam, naquela época, com o isolamento nem competiam com os bolcheviques. Na Espanha, a influência bolchevique ainda era pequena. A "Plataforma" quase não afetou o movimento espanhol. Quando a "Federação Anarquista Ibérica" foi criada, em 1927, a "Plataforma" ainda não podia ser discutida, embora estivesse na ordem do dia, porque não havia sido traduzida para o espanhol. J. Manuel Molinas, na época secretário dos Grupos Anarquistas de Língua Espanhola na França - escreveu mais tarde para Juan Casas: "A plataforma de Archinov e outros anarquistas russos teve muito pouca influência no movimento espanhol, entre os exilados e no país... "A Plataforma" foi uma tentativa de renovar, de fornecer um caráter e uma capacidade maiores ao movimento anarquista internacional, à luz da Revolução Russa. Hoje, depois de nossa experiência, parece-me que o esforço deles não foi totalmente apreciado."

A segunda guerra mundial interrompeu o desenvolvimento das organizações anarquistas, mas a controvérsia sobre a "Plataforma" ressurgiria com a fundação da Federação Comunista Libertária, na França, e os Grupos Anárquicos de Ação Proletária, na Itália, nos primeiros anos da década de cinqüenta. Ambos tomaram a "Plataforma" como ponto de referência (havia também uma pequena Federação Comunista Libertária de exilados espanhóis). E, assim prosseguiria, até o final dos anos sessenta e começo dos anos setenta, com a fundação de grupos tais como a Organização dos Anarquistas Revolucionários, na Inglaterra, e a Organização Revolucionária Anarquista, na França. A "Plataforma" continua a ser uma valiosa referência histórica, para os anarquistas que defendem e praticam a luta de classes. Os mesmos que, em busca de maior eficiência e de ruptura com o isolamento político, a estagnação e confusão, tentam solucionar os problemas que encontram.

Nick Heath,1989


PREFÁCIO à 1a edição irlandesa, publicada pelo Movimento da Solidariedade Operária

Em 1926, um grupo de anarquistas russos exilados na França, o Dielo Truda (Causa Operária), publicou este panfleto. Ele não surgiu de um estudo acadêmico, mas de suas experiências na revolução Russa de 1917, quando participaram da derrubada da velha classe dominante, e do desabrochamento dos conselhos operários e camponeses, compartilharam o otimismo generalizado de um novo mundo socialista e livre... e testemunharam sua sangrenta substituição pelo estado capitalista e pela ditadura do partido bolchevique. O movimento anarquista russo não era uma parcela insignificante na revolução. Na época, havia uns 10.000 ativistas anarquistas na Rússia, sem incluir o movimento na Ucrânia, liderado por Nestor Makhno. Havia no mínimo quatro anarquistas, no Comitê Militar Revolucionário dominado pelos bolcheviques que organizaram a tomada do poder em outubro de 1917. Significativamente, os anarquistas estavam inseridos nos comitês de fábricas que haviam surgido depois da revolução de Fevereiro. Esses comitês formaram-se nos locais de trabalho, eram eleitos pela assembléia dos trabalhadores e realizavam a supervisão do funcionamento da fábrica e sua coordenação com outros locais de trabalho, na mesma indústria ou região. Os anarquistas eram particularmente influentes entre os mineiros, estivadores, carteiros, padeiros; tiveram uma atuação importante na Conferência dos Comitês de Fábricas Russas, que ocorreu em Petrogrado, às vésperas da revolução. Os anarquistas viam esses comitês como uma base para a nova autogestão, que seria encaminhada depois da revolução.

Porém, o espírito revolucionário e a unidade de outubro de 1917 não duraram muito. Os bolcheviques estavam ansiosos para suprimir todas as forças de esquerda, que consideravam como obstáculos no caminho para o poder de "um só partido", o deles. Os anarquistas e alguns outros setores da esquerda acreditaram que a classe operária era capaz de exercer o poder, através de seus próprios comitês e sovietes (conselhos de delegados eleitos). Os bolcheviques pensavam diferente, que os trabalhadores ainda não eram capazes de assumir seu próprio destino e que, portanto, os bolcheviques tomariam o poder e o exerceriam interinamente durante um "período de transição". Essa falta de confiança nas capacidades das pessoas comuns e a usurpação do poder acarretou a traição dos interesses, esperanças e sonhos da classe operária.

Em Abril de 1918, as sedes anarquistas em Moscou foram atacados, 600 anarquistas presos e muitos assassinados. O pretexto alegado foi o de que os anarquistas eram "incontroláveis" - não importa o que isso tenha significado, a não ser pelo simples fato de recusarem obediência aos líderes bolcheviques. Mas o motivo real foi a formação da Guarda Negra, que havia surgido para lutar contra as provocações brutais e os abusos da Cheka (precursora da atual KGB).

Os anarquistas tiveram de escolher onde ficar. Uma parte atuou com os bolcheviques e acabou se unindo a eles, supostamente preocupada com a eficiência e a unidade contra a reação. Outra parte combateu duramente, defendendo as conquistas da revolução contra o que – aliás, corretamente – viu que estava se desenvolvendo: uma nova classe dominante. O movimento makhnovista na Ucrânia e o levante de Kronstadt foram as últimas batalhas importantes. Em 1921, a revolução antiautoritária estava morta. Essa derrota causou efeitos profundos e duradouros no movimento internacional dos trabalhadores. A esperança dos autores era que tal desastre não aconteceria novamente. Como contribuição, eles escreveram um texto que se tornou conhecido como "A Plataforma". Esse texto sintetiza as experiências do movimento anarquista russo e seu fracasso em construir na classe operária uma presença suficientemente grande e efetiva para frustar a tendência dos bolcheviques e outros grupos políticos de substituírem a classe operária. A Plataforma é um guia necessário para a organização dos anarquistas, caso queiram ser minimamente eficazes.

A Plataforma enuncia verdades simples, tais como: uma organização não deve incluir tendências ou grupos que possuam concepções mutuamente excludentes do anarquismo. E assinala que precisamos de estruturas fundamentadas em bases de acordo formais, que definam o papel e a responsabilidade de cada um, deveres de direitos dos militantes etc.;

um tipo de estrutura que permita uma grande e efetiva organização.

Quando foi publicada pela primeira vez, a Plataforma foi alvo da crítica de algumas das mais conhecidas personalidades anarquistas da época, como Errico Malatesta e Alexander Berkman. Eles a acusaram de estar "apenas um degrau distante do bolchevismo" e de ser uma tentativa de "bolchevizar o anarquismo". Essa reação foi excessiva, mas pode ter sido em parte provocada pela proposta de uma União Geral de Anarquistas. Os autores da Plataforma não explicaram devidamente que tipo de relação deveria existir entre essa organização e os outros grupos de anarquistas. E isto para não dizer claramente que não haveria nenhum problema em que diferentes organizações anarquistas atuassem juntas, nas questões em que compartilhassem um ponto de vista e estratégia.

Tampouco, como tem sido dito, por seus difamadores ou alguns de seus companheiros dos últimos dias, a Plataforma é um programa para "levar o anarquismo a um comunismo libertário". Os dois termos são completamente intercambiáveis. A Plataforma foi escrita para apontar precisamente a razão do fracasso dos anarquistas Russos em sua confusão teórica; e, portanto, na falta de uma coordenação nacional, na desorganização e incerteza política. Numa palavra: ineficiência. Ela foi escrita para abrir um debate no interior do movimento anarquista. Ela destaca, sem nenhum compromisso com políticas autoritárias, para a necessidade vital de criar uma organização que combinará uma atividade efetivamente revolucionária com princípios anarquistas fundamentais.

A Plataforma não é hoje um programa perfeito, tampouco o foi em 1926. Ela tem suas fraquezas. Não explica nem aprofunda suficientemente algumas de suas idéias, e pode-se mesmo dizer que não acrescenta nada sobre algumas questões importantes. Mas lembrem-se de que ela é um panfleto e não uma enciclopédia com 26 volumes. Os autores deixaram bem claro, em sua introdução, que a Plataforma não é nenhuma espécie de 'bíblia'. Não é, também, uma análise completa ou um programa, mas uma contribuição para um debate necessário - um bom ponto de partida.

Para que ninguém duvide de sua relevância atual, deve ser dito que as idéias básicas de "A Plataforma" ainda são mais avançadas do que as idéias que prevalecem internacionalmente no movimento anarquista.

Os anarquistas tentam mudar o mundo para melhor, este panfleto indica algumas ferramentas necessárias para essa tarefa.

Alan MacSimoin, 1989


Atualização de 2001

Com o rápido crescimento do anarquismo na sequência da queda do muro de Berlim a plataforma tornou-se novamente um documento importante para grupos e indivíduos buscando para superar tendências anti-organizativas de partes do novo anarquismo.

A Fevereiro de 2001 a influência da Plataforma é maior do que nunca fôra, com traduções para o turco, polonês, sueco, inglês, hebraico, espanhol, português, holandês e italiano (tendo sido escrito em françês). Novos grupos emergiram na Europa Oriental e na América do Sul com certa freqüência, sendo as idéias principais da plataforma "reinventadas" antes desses grupos descobrirem o texto histórico. Há grupos anarquistas na França, Itália, Uruguai, Líbano, Suíça, Grã-Bretanha, Polônia, Irlanda, Brasil, Argentina, Chile, EUA, Canadá e República Tcheca que fundamentam seus métodos de organização atuais em algumas das idéias da Plataforma.

Andrew Flood, Fevereiro de 2001.

 

Movimento da Solidariedade Operária - MSO - Primeira Edição em Dublin, Irlanda, 1989.