No quadro
da discussão que houve, entre nossos camaradas de diversos
países, em torno do projeto de Plataforma da União Geral
dos anarquistas, publicada pelo grupo dos anarquistas russos no exterior,
pergunto-me sobre as inúmeras maneiras de dedicar um artigo
específico à questão da defesa da revolução.
Esforçar-me-ei para tratá-la com a maior atenção,
mas presumo que meu dever é, desde já, advertir os camaradas
que esta questão não é o ponto central do projeto
de Plataforma. Sua parte essencial consiste na necessidade de unir
nossas fileiras comunistas libertárias da maneira mais conseqüente.
Essa parte carece de ser emendada e completada antes de ser posta
em execução. Ou então, se não agruparmos
nossas forças, nosso movimento estará condenado a sucumbir
definitivamente sob a influência dos liberais e dos oportunistas
que freqüentam nosso meio: especuladores e aventureiros políticos,
uma corja que, na melhor das hipóteses, se dedica à
tagarelice e às intrigas, incapaz que é de lutar pela
realização de nossos grandiosos objetivos. Nossos objetivos
só serão alcançados se juntarmos a nós
todos os que instintivamente acreditam na justeza de nossa luta e
desejam conquistar para a revolução a liberdade e a
independência mais completas, a fim de construir uma vida e
uma sociedade novas, onde cada um poderá enfim afirmar sua
vontade criadora para o bem de todos.
No que diz respeito à
questão particular da defesa da revolução, eu
me apoiarei sobre a experiência que vivi durante a revolução
russa na Ucrânia, no curso da luta ilegal, porém decisiva,
conduzida pelo movimento revolucionário dos trabalhadores ucranianos.
Essa experiência me ensinou que, em primeiro lugar, a defesa
da revolução está diretamente ligada à
sua ofensiva contra a contra-revolução; em segundo lugar,
seu crescimento e sua intensidade colidirão sempre com a resistência
dos contra-revolucionários; em terceiro lugar, em conseqüência
do que já foi dito: as ações revolucionárias
dependem intimamente do conteúdo político, da estruturação
e dos métodos organizacionais empregados pelos destacamentos
revolucionários armados, que devem combater, numa extensa frente,
os exércitos convencionais contra-revolucionários.
Na luta contra seus inimigos,
a revolução russa começou por organizar, sob
a direção dos bolcheviques, os destacamentos de guardas
vermelhos. Logo se percebeu que eles não suportariam a pressão
das forças inimigas - no caso, os corpos expedicionários
alemães, austríacos e húngaros -, pela simples
razão de que agiam, na maior parte do tempo, sem qualquer orientação
operacional geral. Eis por que os bolcheviques recorreram à
organização do exército vermelho, na primavera
de 1918.
Foi então que nós
lançamos a palavra de ordem da organização de
“batalhões livres” de trabalhadores ucranianos.
Rapidamente, tornou-se visível que essa organização
era impotente para enfrentar as provocações internas
de todo tipo, pela falta de critérios sociais e políticos
com que aceitava todos os voluntários, que desejavam unicamente
pegar em armas e combater. O fato é que as unidades armadas
constituídas por essa organização foram traiçoeiramente
entregues ao inimigo, circunstância que as impediu de cumprir
até o fim seu papel histórico na luta contra a contra-revolução
estrangeira. Contudo, diante desse primeiro fracasso da organização
de “batalhões livres” – que poderiam ser
qualificados de unidades combatentes para a defesa imediata da revolução
– nós não perdemos a cabeça. A organização
foi um pouco modificada em sua forma, incluindo cavalaria e infantaria.
Esses destacamentos tinham por tarefa agir na retaguarda profunda
do inimigo. Essa organização foi posta à prova
nas ações contra os corpos expedicionários austro-alemães
e os bandos do hetman (chefe cossaco) Skoropadsky, durante o fim do
verão e o outono de 1918.
Apegando-se a essa forma
de defesa da revolução, os trabalhadores ucranianos
conseguiram arrancar, das mãos dos contra-revolucionários,
o laço de forca que ameaçava a revolução
na Ucrânia. Além disso, não se contentando com
a defesa da revolução, aprofundaram-na tanto quanto
foi possível. Cabe assinalar que, nesse momento, os bolcheviques
não dispunham de qualquer força militar na Ucrânia.
Suas primeiras unidades combatentes só vieram da Rússia
bem mais tarde; logo ocuparam uma frente paralela à nossa,
esforçando-se na aparência para se unir aos trabalhadores
ucranianos, organizados de maneira autônoma e sobretudo livres
de seu controle estatal, mas de fato os bolcheviques se ocuparam,
dissimuladamente, de sua decomposição e desaparecimento
em seu (dos bolcheviques) benefício. Para atingir esse objetivo,
os bolcheviques não desdenharam nenhum meio, chegando à
sabotagem direta do apoio que haviam se comprometido a fornecer sob
a forma de munições e de obus; isso, no exato momento
em que nós desenvolvíamos, sobre toda a nossa frente,
uma grande ofensiva, cujo sucesso dependia sobretudo da potência
de fogo de nossa artilharia e de nossas metralhadoras, e quando era
grande nossa escassez de munições. Na medida em que
se desenvolvia no país, a contra-revolução interior
recebia a ajuda de outros países, não somente em armas
e munições, mas também em soldados. Apesar disso,
nossa organização da defesa da revolução
também cresceu e adotou, simultaneamente e em função
das necessidades, uma nova forma e os meios mais apropriados para
a luta.
Sabe-se que a frente contra-revolucionária
mais perigosa da época foi constituída pelo exército
do general Denikin. No entanto, o movimento insurrecional conseguiu
barrá-lo durante cinco ou seis meses. Muitos dos melhores comandantes
denikinianos quebraram o pescoço enfrentando nossas unidades
equipadas unicamente com armas tomadas ao inimigo. Nossa organização
contribuiu grandemente para isso: sem usurpar a autonomia das unidades
combatentes, reorganiza-as em regimentos e brigadas, coordenadas por
um estado-maior operacional comum. É verdade que a criação
desse estado-maior só aconteceu graças à tomada
de consciência, pelas massas trabalhadoras revolucionárias,
que combatiam tanto na frente quanto na retaguarda, da necessidade
de um comando militar único. Ou seja, sempre influenciadas
pelo nosso grupo comunista libertário camponês de Gulai-Polé,
os trabalhadores se preocuparam também com a determinação
de direitos iguais para cada indivíduo, na participação
da nova edificação social, em todos os domínios
e inclusive a obrigação de defender essas conquistas.
Assim, enquanto a frente denikiniana ameaçava de morte a revolução
libertária, acompanhados com um vivo interesse pela população,
os trabalhadores revolucionários se uniram à base de
nossa concepção organizacional da defesa da revolução,
fazendo-a sua e reforçando o exército insurrecional
pelo fluxo regular de novos combatentes, que substituíam os
feridos ou esgotados.
Ademais, as exigências
práticas da luta impunham que, no interior de nosso movimento,
fosse criado um estado-maior operacional e organizacional de controle
comum para todas as unidades combatentes.
Na continuidade dessa
prática, não posso aceitar o pensamento de que os anarquistas
revolucionários rechaçam a necessidade de um tal estado-maior
para orientar estrategicamente a luta armada revolucionária.
Estou convencido de que todo anarquista revolucionário que
se encontrar em condições idênticas às
que conheci durante a guerra civil na Ucrânia será obrigado
a agir como nós agimos. Se, no decorrer da próxima revolução
social autêntica, houver anarquistas que neguem esses princípios
organizacionais, eles serão no interior de nosso movimento
meros tagarelas ou, ainda, elementos frenadores e nocivos, que não
tardarão a ser rejeitados.
Dedicando-se a resolver
o problema da defesa da revolução, os anarquistas devem
se incumbir do caráter social do comunismo libertário.
Diante de um movimento revolucionário de massas, devemos reconhecer
a necessidade de organizá-lo e de fornecer-lhe os meios dignos.
Portanto, engajarmo-nos totalmente nele. Caso contrário, se
nós lhes parecemos sonhadores e utópicos, então
não deveremos dificultar a luta dos trabalhadores, em particular
dos que seguem os socialistas-estatistas. Sem dúvida, o anarquismo
foi e continua sendo um movimento social revolucionário, eis
porque sou e serei sempre um partidário de sua organização
bem estruturada e da criação, no momento da revolução,
de batalhões, regimentos, brigadas e divisões, tendendo
a se fundir, em certas circunstâncias, num exército comum,
sob um comando regional único, sob a forma de estados-maiores
organizacionais de controle. Estes se encarregarão, segundo
as necessidades e as condições da luta, de elaborar
um plano operacional federativo, coordenando as ações
dos exércitos regionais, com o objetivo de levar à vitória
os combates em todas as frentes, esmagando a contra-revolução
armada. A defesa da revolução não é uma
tarefa das mais fáceis; ela pode exigir das massas revolucionárias
um imenso esforço organizativo. Os anarquistas devem saber
disso e estar prontos para ajudá-las nessa tarefa.
Dielo
Trouda, n° 25, junho de 1927.