Acontecimentos Recentes que Envolveram o Coletivo de Estudos Anarquistas Domingos Passos

Neste momento, encontramo-nos no dever de expressar nossas opiniões sobre acontecimentos recentes que diretamente nos dizem respeito. Esta carta dirige-se principalmente àqueles que consideramos nossos companheiros, mas chegará certamente a outros mais, provavelmente já predispostos a não assimilar nada e refutar cada detalhe. Nunca nos afetamos com tais atitudes para além da discordância, pois somos avessos ao sectarismo e à calúnia praticada por alguns militantes do meio anarquista. Para evitar obscurantismos, citamos então que estes são integrantes da Federação Insurreição. Tal não os torna nossos inimigos, ao menos do nosso ponto de vista, mas infelizmente nos torna adversários, com os quais nunca deixamos de jogar limpo, e ao contrário das acusações infundadas, não atacamos pelas costas. Pelo contrário, muitos foram os anarquistas comprovadamente caluniados por estes integrantes, e entre eles encontram-se membros do Coletivo Domingos Passos.

Reafirmamos que nossos inimigos são o Estado, o Capital e o Imperialismo, e não pretendemos nos desviar da luta contra seus agentes diretos. Humildemente reconhecemos nossos limites nesta luta, atitude esta que esperamos de todo partidário deste mundo novo que cresce a cada instante em nossos corações, pois este é um mundo que só podemos construir com nossas próprias mãos, sem delegar a qualquer iluminado, por mais capaz que seja ou pense ser, a tarefa de nos guiar. Assim, negamos a atitude daqueles que se propõe a serem os guias e arautos da revolução social, principalmente quando os fins que pregam parecem justificar meios que discordamos que possam alcançá-los. Deixemos claro também que o cerne da questão não são as desavenças pessoais, mas as atitudes de calúnia e desrespeito repetidamente praticadas contra militantes sinceros da causa. Sempre condenamos e condenaremos o famigerado “anarcômetro” e, longe de estabelecer quem é mais e menos anarquista, devemos criticar construtivamente, demonstrar e debater os pontos onde divergimos, sem falácias e falsidades, para que o anarquismo tenha vigor e não mingüe em sectarismos.

Primeiro, deixemos claro qual a finalidade do Coletivo de Estudos Anarquistas Domingos Passos. Este foi formado por alguns militantes anarquistas com a intenção de constituir-se num espaço de uma formação coletiva autodidata dentro do anarquismo e que estivesse acessível aos moradores de Niterói e São Gonçalo. Tivemos a grata surpresa de que a ele somaram-se anarquistas do Rio de Janeiro e de Rio Bonito, onde inclusive neste último município, formaram também seu próprio coletivo. Outro objetivo foi o da propaganda anarquista. Ambos objetivos alcançaram algum êxito, mas cujos frutos são colhidos apenas a longo prazo. Não nos propomos a confundir instâncias, e é justamente por ser um espaço também de recepção a pessoas que travam seus primeiros contatos com grupos anarquistas, que cuidamos para que ninguém aí pratique da cooptação. Muitos de nós nos dedicamos à causa também em atividades que vão além do Coletivo, mas respeitamos sempre as possibilidades de cada um, o que é um princípio, aliás, do comunismo-anárquico. Há os que têm uma dedicação quase que exclusiva ao movimento, como na luta pela moradia universitária, nos pré-vestibulares populares, no movimento estudantil secundarista, na extensão da universidade, na luta sindical e na própria organização do anarquismo, mas isto não os dá, e não pode dar, qualquer autoridade sobre aqueles que necessitam desempenhar outras tarefas, que enfrentam problemas pessoais, que trabalham quase todo o tempo e assim por diante. Assim mantemos os nossos trabalhos com base na ética libertária e no desejo da construção coletiva.

Mas qual não foi a surpresa de encontrarmos no meio anarquista pessoas dispostas a difamar, a caluniar, para poder cooptar e autoafirmar-se. Não só militantes, como o próprio espaço do Coletivo foi caluniado, e por isso nos sentimos no dever de responder. Como podem companheiros com a vida tão dedicada à causa e tão atribulada quanto a de qualquer pessoa serem levianamente chamados de burgueses e liberais? Já não vimos este filme antes? A história nos mostra que foram muitos os anarquistas sinceros e lutadores que foram assim acusados e condenados por pretensos revolucionários. E foi, para além da estratégia vitoriosa, em cima de calúnias e mentiras que se ergueram os regimes pseudo-socialistas autoritários. Por tudo isso, reafirmamos nosso compromisso com a ética, e não estamos atacando indiscriminadamente a Federação Insurreição nem nenhum de seus membros, mas determinadas atitudes com as quais discordamos. O que humildemente aprendemos com Bakunin é que, diferente dos jacobinos, devemos condenar e abolir primeiramente os atos autoritários e não os atores, pois enquanto houver a cultura do autoritarismo, haverá quem exercê-lo. O anarquismo que preconizamos, o que consideramos seus princípios básicos, é o anarquismo organizativo, filho da luta de classes. Defendemos o autodidatismo e a autonomia de pensamento, o que está muito distante de qualquer individualismo, e muito pelo contrário, os maiores individualistas da história foram os grandes chefes de Estado, megalômanos que se apoiaram nos rebanhos que se abstiveram de sua decisão política.

Foi por nossa autonomia que ganhamos a antipatia de alguns membros da Federação Insurreição, que esperavam que abríssemos o espaço mensalmente para suas palestras “iluminadas”, e que déssemos aos mesmos um tratamento, portanto, diferenciado de qualquer outro participante do espaço. Ao menos esta é uma leitura possível, já que depois de recusado este auto-convite, fomos intimados a retirar-nos da sala da Oficina de Ciências Sociais curiosamente por membros da Federação Insurreição, demonstrando portanto sentirem-se realmente os donos do local. Isto ocorreu exatamente em um dia em que estes se propuseram a apresentar um tema. Portanto, tudo corria normalmente, e condenamos esta como qualquer outra prática traiçoeira dentro do movimento anarquista. Sinceramente não sabemos até onde sabem os demais membros da Oficina de Ciências Sociais de todas estas decisões tomadas fora do espaço de decisão coletivo da mesma. E inclusive, pelo destacado sectarismo de alguns membros da Federação Insurreição que dela fazem partem, a Oficina constituiu-se em um espaço com poucas atividades e membros. Quando propomos realizar nossas atividades na sala da Oficina, nos propomos primeiramente a fortalecer este projeto. Funcionamos muito bem, mesmo quando não tínhamos um espaço certo, e prova disto é que continuaremos funcionando. Colocamos isto apenas para ressaltar que nossa ida para a Oficina foi uma decisão política de apoio ao projeto. Mas nunca foi colocado que para utilizar o espaço da Oficina de Ciências Sociais, teríamos que cessar uma vez por mês nossa atividade para ficar escutando o proselitismo político dos auto-intitulados proprietários da Oficina, ou seja, de membros da Federação Insurreição. Ao menos é assim que a nós se demonstraram. Os fatos, portanto, mostram que nunca deixamos de nutrir simpatias pelo projeto da Oficina, mas preocupa-nos muito o rumo que lhe está sendo dado.

Divergimos com estes membros da Federação Insurreição também por tratarem os participantes e membros do Coletivo Domingos Passos sempre com uma postura de autoridade, sem qualquer humildade, sempre como porta-vozes da verdade última em termos de “anarquia”. Justamente para evitar este tipo de postura foi que muito antes de qualquer tensionamento redigimos uma carta de princípios, aprovada de forma democrática. Sendo esta carta de domínio público, estes poderiam muito bem respeitá-la para participar igualmente do espaço, mas esta não foi a postura adotada, mas sim o tensionamento. Sendo este engendrado, portanto, propositalmente, e baseado majoritariamente em especulações e boatos, além de falsas acusações. Mesmo assim mantemos nossa carta, nossa postura e nossa divergência. Mantemos que a crítica interna é saudável ao anarquismo, mas que a troca de acusações apenas facilita o trabalho da burguesia. Reafirmamos que estamos aqui criticando algumas posturas.

Advertimos, a todos os que venham a ler este material, que sejam críticos e auto-críticos. Que não se deixem levar pelas interpretações de uma meia dúzia. Não seria a primeira nem a última vez que alguns poucos aproveitam-se de pessoas aproximadas ou recém-chegadas ao anarquismo para fazerem valer suas práticas. Sabemos o que historicamente ocorreu quando alguns militantes perderam suas referências no anarquismo. José Oiticica e Edgard Leuenroth combateram naquele tempo o sectarismo e o autoritarismo surgido no seio do movimento anarquista. Sabemos das conseqüências da perda da referência e da identidade. Do que ocorre ao buscar-se referência nos movimentos autoritários. Não podemos perder a nossa autonomia e identidade. O autoritarismo é um verme que deve ser extirpado. Não há igualdade sem liberdade, não há liberdade sem igualdade.

Avante a Organização Anárquica!!!
Avante o Socialismo Libertário!!!
Viva a Terra Livre!!!

Viva Domingos Passos, José Oiticica, Edgard Leuenroth, Fábio Luz, Florentino de Carvalho,
Ideal Peres, Maria Lacerda de Moura, todos e todas que lutaram pelo Socialismo e pela Liberdade!!!

Coletivo de Estudos Anarquistas Domingos Passos. Niterói, novembro de 2003