Jean Paul Sartre - Serviços Prestados à Ação Transformadora do Homem

O presente texto tem por objetivo lançar breves considerações sobre a linha filosófica sartriana, suas idéias acerca da existência e do homem, bem como entender de que modo suas apreciações se encaixam em um tipo de expectativa específica, localizada historicamente em princípios dos anos 60.

Basicamente, a filosofia existencialista elaborada por Sartre tem como ponto central de discussão a questão da liberdade. Esta pode ser entendida não apenas como algo inerente ao próprio ato de existir, mas –fundamentalmente –como uma criação que visa dar um sentido próprio e muito claro a esse existir. E, sendo uma construção em sua essência, tal liberdade, encarada segundo tal interpretação como um pressuposto ou “algo” criado, é uma meta que só pode ser alcançada através da plena tomada de consciência de seus agentes principais. Estes, para Sartre, são parte integrante do conjunto geral da humanidade, que tem responsabilidade direta em tal processo. Em linhas gerais, é possível dizer que, segundo o princípio fundamental do conceito existencialista presente na filosofia sartriana, ser livre necessariamente implica em ser responsável por fazer acontecer a liberdade. Esta mesma é tomada quase como que servindo de sinônimo para existência –em seus mais variados aspectos. Fazendo uma comparação com o princípio físico da Mecânica elaborado por Issac Newton, a liberdade seria o sentido trilhado por um móvel (a existência humana), sendo que o esforço pela busca e consciência da liberdade se presta ao papel de força motriz responsável pelo movimento desse móvel.

Tomando por base a última afirmação, que procura resumir, grosso modo, o binômio liberdade = responsabilidade que está presente nas análises acerca da realidade humana feitas pelo existencialismo sartriano, é que podemos entender o ateísmo convictamente alegado e defendido pelo filósofo como forma ideal da humanidade enxergar o que aparentemente não pode ser explicado por vias racionais. Ateísmo que se expressa na negação feita por Sartre da concepção tradicional criada pelo Ocidente acerca de um Deus (ou entidade espiritual suprema) imanente e superior à existência, pois que, segundo as premissas existencialistas, a própria idéia de “Deus” ocorre, tal qual as demais criações e construções culturais e religiosas humanas, posteriori à existência propriamente dita do ser humano. Aliás, sendo o próprio existir resultante da observação e da experiência de vida dos seres humanos –portanto criada a partir dessa última perspectiva –a liberdade torna-se, para Sartre, o ditame sobre o qual a exist6encia está alicerçada. Nesse sentido, é a ação direta dos seres humanos –sob a forma de buscarem, todos, alcançar a liberdade –a grande responsável pela construção, segundo esta linha interpretativa, do sentido próprio de existir –bem como da existência em si mesma.

Princípios dos anos 60: movimentos políticos e populares, não somente no Brasil mas no restante do mundo, procuravam contestar um tipo de ordem política e social específica. Esta se expressava no misto de modernização e avanço tecnológico crescente dos meios e bens de produção (cujo consumo se tornava então cada vez mais acessível) mesclados à permanência de princípios ideológicos e culturais conservadores –quando não reacionários –de ordenação e/ou legitimação de práticas e exercícios de poder e domínio, fossem no nível dos governos oficiais ou das pequenas aristocracias detentoras de prestígio e status político, econômico e social. Será justamente nesse tipo de conjuntura histórica que os movimentos que buscavam, sob os mais variados prismas ideológicos, a completa emancipação da humanidade, vão encontrar nos princípios do existencialismo sartriano a base filosófica pela qual buscavam semear, entre a opinião pública geral, a legitimidade de seus objetivos.

Episódios como a Primavera de Praga, o –ainda hoje emblemático –Maio de 1968, os movimentos de contracultura e de luta por direitos civis de minorias étnico-sociais (sobretudo o de negros, cuja faceta militante expressa principalmente na ação dos “Panteras Negras” é significativa nesse sentido). Em suma, é possível perceber em todos esses episódios e escaramuças levadas à frente por vários movimentos sociais o depósito simbólico de parcela importante de sua disposição e ímpeto para as lutas em prol da liberdade do ser humano nos princípios do existencialismo de Jean-Paul Sartre que, sendo também participante ativo de muitos desses movimentos, ligou-se e apoiou estes mesmos sob as mais variadas formas e maneiras. Sua contribuição para uma nova leitura acerca da necessidade de se lutar pela construção de uma sociedade humana mais justa e digna para todos e –sobretudo –do papel protagonista da humanidade no cumprimento desse objetivo é de valor inestimável.

Coletivo de Estudos Anarquistas Domingos Passos, outubro de 2002