Ultimamente,
parece que a única coisa que se discute na mídia é Big Brother (seguido
por uma infinidade de reality shows cretinos) e o crescimento
da violência. Nada de mais relevante existe nesse país, nenhum mísero
problema. Excetuando os dois temas, vivemos no vácuo da rotina quotidiana:
será que a partir de agora, no limiar do glorioso “novo milênio”,
nossas vidas serão resumidas a acordar, trabalhar, assistir B.B. e
dormir, ao mesmo tempo que desviamos de balas perdidas e escapamos
de seqüestros relâmpago?
Que
diabo de televisão é essa, que quando pensamos não poder ficar pior,
consegue se superar e metamorfosear-se em algo homogêneo: bosta. É
impressionante o salto cultural que demos em tão pouco tempo, um grande
salto para cima, para cairmos direto na vala! Só estamos esperando
que se dê a descarga...
Câmeras!
Câmeras! Câmeras! Vivemos a cultura das câmeras! Câmeras nos bancos,
câmeras de trânsito, nos shoppings, nas escolas, reality shows,
onde você possa imaginar, espionando o cotidiano. Claro, a intimidade
também pode ser comercializada. Talvez eles coloquem câmeras dentro
das bocas dos artistas de novelas, para nos masturbarmos com
o movimento das línguas. Vão colocar câmeras nas privadas,
para que possamos ver como é a merda dos artistas e famosos. E no
dia seguinte, uma enxurrada de inúteis programas de promoção e fofocas
das vidas dos mesmos artistas e famosos, discutirá a respeito obturações
e questões escatológicas. É a celebração da espionagem da vida alheia,
da intimidade que não interessa a ninguém, só aos artistas, e famosos
é claro, que querem se promover. Aliás muita gente questiona essa
brilhante classe da sociedade receber o título de artistas. Como não?
Claro que são artistas, artistas do grotesco, do patético, da arte
da ostentação e da miséria mental. Nossos idolatrados modelos movidos
à cocaína.
A
violência também pode ser comercializada, gerando ibope. Desde os
programas fasci-sensacionalistas, tipo Cidade Alerta, passando pelos
telejornais, até os programas de auditório, sempre é possível espremer
o tema até a última gota, sempre há um político idiota ou um convidado
cretino para dar sua inútil opinião ou sua fórmula mágica para o fim
do caos social. Ao mesmo tempo, os veículos de comunicação passam
a “mensagem”. Repare que só se fala em investir em polícia, criar
equipes gestapo-tarefa, usar desde as câmeras de trânsito até o exército
contra o crime, e muitas outras perversões. É claro, essa é a prática
de todo governo autoritário disfarçado de democrático: anunciar medidas
de impacto para acalmar principalmente
a classe média e a elite; planos incríveis que prometem resultados
em poucos meses, a mesma conversa de sempre! Não podemos esquecer
dos vagabundos que vivem além da realidade, e utilizam a mídia para
vomitar pena de morte, mais repressão e controle, tolerância zero,
etc. em arroubos coléricos em favor de sua “liberdade”.
Mas,
e aqueles que moram nas comunidades? Alguém vai perguntar pra eles
se dá pra dormir com granada anti-tanque estourando na porta de casa?
Não! A quem interessa? É tão bonito ver a zona sul do Rio mobilizada,
toda de branco pedindo paz (só gostaria de saber para quem). Mas enquanto
só o pobre tomava tiro e era estuprado ninguém ia pra rua pedir paz!
Ninguém fala da brutal desigualdade social, da crescente miséria,
acham que vão acabar com a violência botando um policial nas costas
de cada cidadão. Na verdade não querem acabar com nada, o tráfico
de drogas dá lucro pra elite e a miséria é o projeto das elites globais
para países como o nosso.
Em
nossa sociedade da era industrial, a cultura de massas rege nossas
necessidades, é a cultura do consumo. “Modelos” mostram como e o que
devemos consumir para que tenhamos status, aquele que consome tem
necessidades, e se ele tem necessidades deve consumir. Ficamos anestesiados,
passando a vida toda em busca de sonhos, sonhos criados para nos manter
correndo em círculos. O objetivo é a liberdade, mas a liberdade capitalista,
do consumo, de poder ser como um dos milhares de “modelos” com os
quais devemos nos identificar. Acontece que apenas uma minoria tem
condições de consumir nesse país, e quando sua liberdade de consumo
é impedida é que essa minoria começa a reclamar e se mobilizar. Quando
o sujeito não pode andar com o relógio novo, no seu carro zero, não
pode pegar dinheiro no caixa eletrônico, sofre seqüestro relâmpago,
enfim, quando não é mais apenas o pobre que sofre a violência e ela
chega também aos bairros da elite, é que a mesma sai às ruas e faz
campanha bonita com artista de novela pedindo paz! O sonho não pode
ser interrompido, eles vivem apenas para o consumo, para o ter, para
a aparência e o status.
É
o pão e o circo da classe média, só que o pão é vendido no shopping
e o circo passa na tv. Dane-se o social! Polícia nas ruas! Policia
nos morros! Mas só apontam o dedo na cara do morro: bandido! Traficante!
Ninguém quer saber o que pensam, ou que a maioria daqueles que lá
moram são pessoas que acordam de madrugada, pegam mais de uma condução
e passam o dia dando duro, dando duro, entre outras coisas, para construir
a casa em que você mora, para fazer o pão que você come todo dia,
para limpar a rua em que você pisa, para te atender atrás do balcão,
para vender bala no ônibus, para montar o carro e os aparelho que
você usa, para deixar a classe média feliz. Pessoas que também sentem
dor quando apanham da polícia, que também sofrem quando o filhos morrem
de bala “perdida”.
Está
na hora do nosso show da realidade, mas da realidade cotidiana, a
verdadeira realidade. Nós somos os astros desse show e todos devemos
sair vencedores. E é importante que saibamos muito bem quem deve ser
eliminado: as elites e seu agente, o governo. Passo a passo pelo caminho
que leva à revolução social e à autogestão!
Coletivo
de Estudos Anarquistas Domingos Passos, 2002