Carta
de Princípios do Coletivo de Estudos Anarquistas Domingos Passos
HISTÓRICO____________________________________________________________________________
O
Coletivo de Estudos Anarquistas Domingos Passos nasceu de um desdobramento
das propostas do antigo GEA, Grupo de Estudos Anarquistas, um ciclo
de leitura e discussão. Este por sua vez surgiu da necessidade
de militantes de Niterói e São Gonçalo, engajados
na luta social, poderem aglutinar-se em torno das propostas anarquistas
de organização e teoria política e social, e abrindo
também as portas da filosofia e do movimento anarquista para
aqueles que se interessassem, não permanecendo assim isolados
nos seus diversos trabalhos. Contamos em diversos momentos, com a colaboração
de companheiros também do Rio de Janeiro, de Maricá e
da Baixada Fluminense.
A evocação desse valoroso lutador social, Domingos Passos,
operário carpinteiro, nascido e criado na cidade do Rio de Janeiro,
negro, reúne em si uma intensa história de vida, como
também evoca a história de valentes combatentes operários
que enfrentaram sucessivos regimes de opressão, e com coragem
ameaçaram políticos, militares, policiais e patrões.
Teve seu corpo marcado pelas duras penas pelas quais passou, os calos
da luta que acumulou pelas inúmeras privações e
prisões.
Não vergava! Enfrentou persistentemente as autoridades, e inúmeras
vezes "repousou" algumas semanas na cadeia por agitar nos
comícios. Suas palavras eloqüentes não eram apenas
frutos da importância que dava à leitura esse operário
autodidata, mas carregadas pela dura experiência das penúrias
e torturas por que passavam os lutadores anarquistas de sua época,
quanto mais se como ele, além de pobres, fossem negros. Seu destemor
enfurecia os soldados patronais, atormentados com sua audácia.
Foi primordial nas atividades de seu sindicato e também na organização
intersindical. Sua sobrevivência ao campo de concentração
de Clevelândia, no Oiapoque, e sua fuga através da fronteira
com a Guiana, atravessando a selva amazônica, tinha algo de cinematográfico,
impressionante, sendo batizado assim de Bakunin brasileiro pelas suas
audaciosas fugas da polícia, pela coragem, por sua persistência
e resistência às péssimas condições
e torturas nas prisões, assim como pelos seus discursos agressivos
e coerentes.
Depois de sua fuga mais espetacular até então, muda-se
para São Paulo onde volta à ativa no Comitê de agitação
pró-Sacco e Vanzetti, da FOSP. Em São Paulo conhece ainda
mais as prisões e a tortura. Sua última prisão
foi ao voltar do Rio Grande do Sul, tendo escapado anteriormente da
polícia inúmeras vezes, é encarcerado finalmente
na difamada Bastilha de Cambuci, odiada pela população
por sua clara função repressiva e pelas condições
com que eram tratados os presos. Lá passou alguns meses numa
cela escura, sem janela, onde recebia pouca comida e permanecia incomunicável.
Da cela foi retirado pela polícia com o corpo coberto de chagas
e atirado na mata de Sengés, no interior paulista. Conseguiu
atravessar a mata, chegando em situação deplorável
a um povoado, de onde escreveu uma carta para velhos companheiros. Estes
enviaram-lhe uma pessoa insuspeita da polícia com algum dinheiro
para que sobrevivesse algum tempo. Esta foi a última pessoa a
dar notícias de Domingos. As únicas notícias posteriores
são as de boatos.
Em sua história de luta do Rio de Janeiro a São Paulo,
Paraná e Rio Grande do Sul, enfrentou tanto a polícia
como os políticos reacionários do PCB, que se utilizavam
dos métodos mais covardes para tirar as organizações
sindicais das mãos dos trabalhadores e controlá-las para
suas próprias finalidades. Muito contribuiu então para
a manutenção da autonomia sindical, a organização
libertária dos trabalhadores, os ideais revolucionários,
a resistência à repressão policial, além
de contribuir com seu maior talento: a agitação.
Evocamos este bravo lutador, inconformado de sua penúria, insurgente
do povo, que com imensa coragem enfrentou a ordem da miséria
e da injustiça. Insurgiu-se contra a opressão reinante,
combateu os mercenários e carrascos dos donos do poder, deu o
sangue para abrir com seus companheiros o caminho para uma nova ordem,
uma ordem de pão e de justiça. Evocamos um combatente
digno, convicto em seus ideais, coerente na sua vida, cujas feridas
não lhe venceram, um homem de ferro.
OBJETIVOS____________________________________________________________________________
O
Coletivo tem como objetivo o estudo do anarquismo e assuntos de cunho
filosófico, ecológico, cultural, religioso, social, econômico,
político, étnico, gênero ou qualquer outro tema
que venha a somar-se à causa anarquista e que estimule a crítica
e o pensamento.
Somos
um coletivo de estudos, não um grupo de militância, apesar
de o Coletivo ser formado também por alguns militantes. Isso
não impede que participemos de manifestações ou
atuemos politicamente como indivíduos, e até, dependendo
da situação, como coletivo.
No
anarquismo, assim como na vida, a teoria não se dissocia da prática.
O Coletivo é apenas uma semente das várias que o movimento
planta, e, dessa forma, trabalhamos não só para receber
aqueles que queiram tomar contanto com a anarquia, além de militantes
do movimento, mas também queremos encaminhar à prática
militante. O Coletivo não se resume a um conjunto de pessoas
estudando um tema, ele é formado, e também freqüentado,
por aqueles que atuam no movimento, e aquele que vem ao Coletivo está
tomando contato com o movimento.
Pretendemos
ainda:
-
Ser
um espaço público do Socialismo Libertário/Anarquismo.
-
Ser um coletivo de estudos aberto a todos os interessados, dedicado
à formação e informação para os militantes
sociais.
-
Estimular a propagação do Socialismo Libertário
no “interior fluminense”, mesclado ao resgate da história
de lutas do “povo local”, dando à face do Anarquismo
o rosto do nosso povo.
-
Resgatar e estimular criticamente a cultura popular.
-
Incentivar,
apoiar e estimular o surgimento de mais coletivos de estudos semelhantes
ao nosso, com a conseqüente formação de uma rede.
-
Apoiar toda e qualquer forma de luta popular combativa, onde a classe
e a comunidade sejam protagonistas do processo.
-
Incentivar a luta contra o racismo e qualquer forma de discriminações
com os oprimidos e excluídos, seja étnica, cultural, religiosa,
sexual ou por opção de consciência.
-
Incentivar e promover um debate amplo sobre diversas questões
e temas que afligem o nosso tempo, sem esquecer de um resgate histórico
permanente das lutas populares no Brasil, América Latina e no
mundo.
-
Promover a compreensão e o diálogo com outras “matizes
teóricas” além do Anarquismo.
-
Apoio aos povos em luta na América Latina e no mundo.
-
Estimular, incentivar e promover o autodidatismo, autoformação
coletiva cultural, educacional e socialista.
-
Resgatar a história oral e a cultura local, visando ao resgate
e apreensão de outras práticas e formas de sabedoria que
não puramente a ciência.
-
Ser um espaço de reflexão dos mais diversos tipos de militantes
sociais e interessados.
-
Produzir cultura social, educação e informação
alternativa de resistência.
PRINCÍPIOS____________________________________________________________________________
-
Internacionalismo;
-
Respeito à religiosidade como escolha individual;
-
Estímulo ao socialismo e ao anticapitalismo;
-
Pedagogia libertária;
-
Anti-racismo;
-
Identidade sócio-cultural, Afro-indígena popular;
-
Apoio mútuo;
-
Apoio aos movimentos populares;
-
Ecologia de lutas;
-
Congraçamento entre companheiros (camaradagem);
-
Cultura popular de lutas e história social (visão dos
oprimidos);
-
Incentivo permanente à inserção social;
PRÁTICAS DE CONDUTA E ÉTICA DO COLETIVO_________________________
É
preciso haver uma ética, um ideal de conduta que todo anarquista
deve procurar seguir, e da mesma maneira, assim deve ser para aqueles
que compõe e participam do Coletivo.
Nós
reproduzimos as praticas da sociedade capitalista porque crescemos e
fomos educados nela. Mas o anarquista, tomando consciência de
sua condição de explorado nessa mesma sociedade, reconhece
em si todos os embustes ideológicos, políticos e morais
presentes em sua formação como indivíduo. É
obrigação de todo anarquista combater estes vícios
degenerativos para não ser um hipócrita, que da boca para
fora é libertário, mas em suas práticas reproduz
aquilo que diz combater.
Estando
sempre atento a sua conduta, e é uma tarefa difícil, aquele
que participa do Coletivo deve respeitar as diferenças de religião,
raça e opção sexual, deve estar atento a sexismos,
machismo, etc., evitando todo tipo de piadinhas e comentários
irônicos ou ofensivos que poderíamos deixar escapar. Tolerância
para com as outras linhas de pensamento. Às vezes apenas um simples
diálogo, sem cóleras ou menosprezo, pode levar à
reflexões , novas conclusões e futuros aliados.
A
responsabilidade também faz parte da ética anarquista.
A liberdade almejada pelo anarquismo é a liberdade com responsabilidade,
afinal, a verdadeira liberdade é aquela que vem acompanhada de
responsabilidade. E responsabilidade é procurar deixar um pouco
o Eu de lado e ter uma prática mais coletiva junto aos companheiros
com que atua. No anarquismo não existem chefes, heróis
ou super-lideranças que vão resolver tudo para todos.
Ao contrário, cada um tem uma responsabilidade para com todos,
o meio anarquista não é formado por indivíduos
isolados e é importante ter sempre na consciência que um
precisa do outro, e o trabalho final é resultado da ação
conjunta. Portanto, se o ego tem mais prioridade que a responsabilidade
coletiva, vai haver sobrecarga de tarefas e o coletivismo não
passará de uma falácia.
Respeito
entre aqueles que participam do Coletivo, porque o anarquista faz a
propaganda da idéia através da prática.
-
Respeitar
a metodologia de reuniões do Coletivo.
-
Não verbalizar demasiadamente palavras de baixo calão
nas reuniões.
-
Tratar com cordialidade todos aqueles que vierem pela primeira vez ao
coletivo, convidando-os a se apresentar.
-
Não serão tolerados comportamentos autoritários,
desrespeito aos companheiros ou práticas que vão contra
a dinâmica determinada pelo grupo;
-
Agressões físicas resultarão na expulsão
do coletivo.
-
Agressões verbais resultarão numa “chamada de atenção”,
na segunda vez, numa suspensão.
-
O Coletivo não é espaço nem lugar para “tirar
a prova” de divergências existenciais,políticas ou
táticas oriundas do ambiente externo (não é lugar
de disputas de grupos).
-
O(A) companheiro(a) deve cultivar a humildade e placidez.
-
Não é considerado educado o flerte (paquera) excessivo
ou agressivo dentro do Coletivo.
-
O clima do Coletivo deve ser o de cordialidade libertária.
-
Não fumar na mesa de discussão.
METODOLOGIA DE REUNIÕES DO COLETIVO____________________________
-
Aconselhamos
a leitura prévia do texto, que dará uma base para melhor
participação na discussão;
-
Procurar não fugir do tema proposto, no momento da discussão;
-
Aquele que quiser “puxar” uma discussão deve ter
uma participação no coletivo de pelo menos um mês;
-
Aquele
que se comprometer a "puxar" a discussão deverá
trazer um texto base;
-
De preferência, o texto deve ser colocado na pasta 120 da fotocopiadora
do bloco N na reunião anterior a que será apresentado;
-
A escolha dos temas será mensal e já com os expositores
definidos;
-
Cada um deverá ter um tempo definido para falar, seguindo uma
ordem de inscrição;
-
Escolha de um companheiro, em cada discussão, para contar o tempo
e fazer as inscrições;
-
Não interromper o expositor ou inscrito, a menos para observações
ou comentários extremamente breves;
-
Procurar chegar na hora (18h);
-
Tolerância para início da discussão (15min.), e
teto para finalização dela (21h);
-
As reuniões serão iniciadas por informes. Qualquer informe
adicional ou daqueles que chegarem durante a discussão deverá
ser feito ao término da reunião;
-
A Carta de Princípios do Coletivo deverá ser entregue
a todos que participem, mesmo que pela primeira vez, da reunião.
CONTRIBUIÇÃO
FINENCEIRA__________________________________________
Considerando
os gastos do Coletivo com fotocópias, propaganda, gastos com
eventos ou palestras, etc., é necessária uma contribuição
daqueles que participam do Coletivo, visto que o dinheiro proveniente
da venda de material anarquista muitas vezes não cobre nossas
despesas. A contribuição ocorre de duas formas:
-
Mensalmente
– depois do dia 10 (dez) de cada mês, para aqueles que participam
efetivamente das tarefas do coletivo. Não há valor específico.
-
Semanalmente – em toda reunião será solicitada uma
contribuição daqueles que estiverem presentes. A contribuição
não é obrigatória e o valor não é
especificado.
CONSELHO GESTOR DO COLETIVO____________________________________
O
Conselho Gestor é a “oficialização”
do trabalho de quem “carrega o piano” no Coletivo, não
significando que os outro(a)s companheiro(a)s estejam alijados do
processo. O Conselho Gestor não está acima ou à
parte do Coletivo de estudos.
Para
quê ou por quê o Conselho Gestor?
Há
a necessidade (e houve) que se toquem os trabalhos que são
essenciais para o andamento das atividades do Coletivo, e isto é
vital e fundamental. Para a entrada no Conselho Gestor é necessário
participar assiduamente do Coletivo, além de comprometer-se
e cumprir os trabalhos. O(A) companheiro(a) que quiser integrar o
Conselho Gestor, além da assiduidade, terá que ser aceito
por todos os membros já integrantes.
São
tarefas do Conselho Gestor:
-
Formação
Política:
- Proposição dos temas
- Escolha dos textos
- Verificação das pastas
- Formulação de sínteses
- Arquivamento dos textos
-
Política Editorial:
- Formatação do Boletim
- Confecção do material de propaganda
- Atualização da página virtual
- Coleta dos textos a publicar
- Contato com editores
-
Correspondência:
- Receber as cartas da caixa postal
- Corresponder as cartas eletrônicas
- Enviar materiais pelo correio
- Manter uma lista de correspondentes
- Arquivar a correspondência
-
Propaganda:
- Estabelecer prioridades de divulgação
- Contatar espaços para a propaganda
- Organizar a distribuição do Boletim
- Propor colagens e panfletagens
- Atentar para atos e eventos
-
Finanças:
- Organizar a contribuição
- Desenvolver meios de auto-sustentação
- Fomentar o escambo
- Distribuir os recursos
- Atualizar balanço do caixa
Coletivo
de Estudos Anarquistas Domingos Passos. Niterói, janeiro de 2003.
Revisto em janeiro de 2005.
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