Margarita Ortega
A grande luta por Terra e Liberdade no México
Como outros grupos revolucionários
- zapatistas, villistas e etc - o movimento anarquista da México,
encabeçado pelo Partido Liberal Mexicano, havia lançado-se
às armas contra a brutal ditadura do general Porfirio Díaz.
Com a luta e sob terrível repressão, a influência
das idéias anarquistas de Magón e seus companheiros
estendia-se cada vez com maior força no seio das sociedades
camponesa e operária do norte do México e Baixa Califórnia,
do mesmo modo que no sul acontecia a rebelião zapatista.
No inicio de 1911 uma
das pessoas encarregadas do contato entre combatentes libertários
magonistas era uma mulher: Margarita Ortega. Sua arriscada tarefa
consistia em atravessar as linhas inimigas guiando os grupos que transportavam
as armas, víveres e medicamentos até as agrupações
que estavam armadas, e que viviam escondidas nas montanhas ou misturadas
nas cidades e vilas. Sua valentia em combate e sua habilidade como
amazona - que lhe permitiram escapar de várias emboscadas -,
era proverbial entre os guerrilheiros.
A história daquela
extraordinária mulher, que aparecia em canções
populares, era bem conhecida e admirada entre os revolucionários.
Ainda que filha de uma família estabelecida, desde de muito
cedo preocupou-se com o destino dos trabalhadores e, como ela dizia,
dos deserdados, vítimas da injustiça social. Seus familiares
- que aspiravam fazer parte da burguesia endinheirada - não
só rechaçavam as idéias que a filha tinha, como
se vê nas músicas, mas odiavam e repudiavam sua atitude.
E nessa ambiente, Margarita se casou e em pouco tempo, deu a luz a
uma filha que pôs o nome de Rosaura e devotará a ela
um grande afeto.
Durante a infância
de Rosaura, a mãe se vinculou ao movimento anarquista de Flores
Magón. Desde o primeiro momento desenvolveu uma atividade organizativa
extraordinária que lhe valeu a confiança dos grupos
clandestinos. Mas a medida que chegava o fim da sangrenta ditadura,
a luta tornava-se mais dura. Em princípios de 1911, alguns
meses antes da queda do ditador, Margarita - segundo o próprio
Magón - propôs ao marido irem juntos combater na guerrilha:
Eu te amo - ela disse -, mas amo também a todos que sofrem
e pelos quais luto e arrisco minha vida. Não quero ver mais
homens e mulheres dando sua força, saúde, inteligência,
seu futuro para enriquecer os burgueses; não quero que por
mais tempo haja homens mandando em outros homens. O marido negou-se.
Então Margarita dirigiu-se a sua jovem filha, Rosaura Gortari:
E você, minha filha, está disposta a me seguir ou prefere
ficar com a família? Rosaura não duvidou em seguir a
sua mãe e ambas ingressaram como combatentes nos grupos armados.
Quando em 21 de Maio de 1911 cai Porfirio Díaz, uma explosão
de alegria sacode todo o México. O povo - aquele imenso gentio
de deserdados que havia levado com coragem férrea a dura guerra
- saiu a rua acreditando que a liberdade e o fim da miséria
estavam ao alcance da mão. Também Margarita Ortega e
sua filha regressaram a cidade e compartilharam com sua gente a ingênua
ilusão de que o fim da exploração estava próximo.
Entretanto, pouco durou
a alegria e a esperança. Uma vez que Madero foi nomeado presidente,
ele nega ao povo tudo aquilo porquê havia lutado. Não
acontece a reforma agrária, nem a devolução das
terras comunais. E nas oficinas continuam as jornadas abusivas e salários
infames. Os mineiros permanecem escravizados aos interesses das companhias
estrangeiras que saqueiam o país... Em poucos meses, as prisões
se enchem de novo. Os fuzilamentos e execuções sumárias
se sucedem por todo o país e muitos revolucionários
têm que retornar às montanhas. Entre eles Zapata, Flores
Magón...
Margarita e sua filha Rosaura.
Naqueles dias, em um dos atos de crueldade aos que tão aficcionados
são governadores e militares, o general Rodolfo Gallegos ordenou
que se levasse as duas mulheres até o deserto e as colocasse
em marcha sobre o imenso areal, debaixo de um sol abrasador, sem água,
sem alimentos e a pé, com a advertência de que seriam
passadas pelas armas se voltassem ao povoado.
Durante vários
dias, mãe e filha arrastaram-se por aquele imenso areal, que
fazia fronteira com os Estados Unidos. A sede e a fome foram minando
a resistência de ambas. Rosaura, a menina, foi a primeira a
cair exausta com os lábios inchados e o rosto queimado. A mãe,
ao vê-la cair desmaiada e com os olhos fechados, acreditou que
tudo havia terminado decidindo assim suicidar-se, mais ao apontar
o revólver para a cabeça viu que a filha a observava.
Tirando forças sabe-se lá de onde conseguiram alcançar
as cercanias do povoado de Yuma, já nos EUA.
Ainda não recuperadas
do sofrimento, os inspetores da imigração norte-americana
arrastaram as duas mulheres e pretendiam deportá-las para o
México, entregando-as a uma morte certa. Afortunadamente, em
Yuma havia uma importante seção do movimento anarquista
de Flores Magón que, em seguida, organizou a fuga. Margarita
e sua filha, - que todavia não haviam superado as penalidades
vividas no deserto - foram transferidas pelos compatriotas magonistas
para Phoenix, Arizona, trocando seus nomes respectivos por os de Maria
Valdés e Josefina. Entretanto, apesar dos cuidados da mãe
e dos companheiros a pequena Rosaura não pode salvar-se, falecendo
logo que chegou. Durante algum tempo a mãe pareceu desesperar-se
mas, com o passar dos dias, tendo os olhos dirigidos para a terrível
fronteira que havia levado a sua filha, pouco a pouco foi reanimando-se
em Margarita a necessidade de continuar a luta que havia iniciado
com a sua querida filha. De algum modo, Rosaura continuaria vivendo
nela, se manteria a esperança em um ideal comum. Assim o fez.
Com o companheiro Natividad Cortés - conta Flores Magón
- empreendeu a tarefa de organizar o movimento revolucionário
no norte de Sonora, tendo como base de operações o vilarejo
de Sonoyta, do dito estado.
Mas a tragédia
a perseguia sob o nome do general Rodolfo Gallegos, agora partidário
do novo chefe Carranza e contra o ditador Huerta que havia assassinado
Madero e ocupado o cargo de presidente da República.
Em outubro de 1913, Gallegos
havia sido encarregado por Carranza de vigiar a fronteira e cumprindo
este trabalho policial, em uma triste casualidade, pôs as mãos
nos anarquistas. Natividad Cortés foi fuzilado no ato, e Margarita
levada prisioneira até a Baixa Califórnia, onde Gallegos
mandou deixá-la em um lugar que forçosamente seria vista
e aprisionada pelos huertistas, deixando a esses a tarefa de assassina-la.
Apenas um mês mais
tarde, em 20 de novembro, Margarita foi entregue as tropas do ditador
Huerta. Em um campo próximo a Mexicali. Submetida a tortura
para que delatasse os companheiros que lutavam contra a nova ditadura
e que sustentavam a organização anarquista clandestina,
Margarita resistiu em silêncio. Durante quatro dias a obrigaram
a ficar de pé e quando caia a levantavam por meio de chutes
e coronhadas. Diante de seu obstinado silêncio, na manhã
de 24 de novembro a jogaram no deserto e ali a fuzilaram, deixando
seu cadáver estirado.
No ano seguinte chegada
a brutal notícia ao conhecimento de Flores Magón, este
escreve uma dolorida crônica - que serviu de base para estes
apontamentos - que segue, passo a passo, o terrível, enérgico
testemunho desta mulher indomável, que será como uma
premunição de si mesma.
M. Genofonte
Texto livremente traduzido
pelo Coletivo Editoria do Libera..., da revista La Campana números
58 e 59 ( Pontevedra, Galícia)
Libera
edição 82, Março de 1998