Dia Internacional da Mulher
Que
muitos desconheçam o verdadeiro significado do dia 8 de março
não é de se surpreender em um mundo predominantemente
machista. O que é patético é desviá-lo
de seu valor histórico e fazer dele um dia em que as mulheres
adquirem o "privilégio" de serem "lembradas"
e "homenageadas" por seus patrões, parentes, maridos,
apresentadores e entrevistadores de TV, como se esse dia fosse um
prêmio de consolação para todas as lutas cotidianas
e históricas contra a diferenciação extremada
que se deu ao longo dos séculos entre homens e mulheres.
Mas
o que significou realmente o dia 8 de março? A nossa expectativa
para esse dia é que as pessoas tenham a oportunidade de pensarem
no que nos 365 dias de homens não é o assunto posto
na mesa, a opressão muitas vezes silenciosa que ainda permeia
o ser mulher.
E
o que vem a ser isso exatamente ? Não é difícil
concluir que ainda hoje a mulher é vista e diferenciada pelo
seu caráter biológico, recebendo qualificações
que a "coisificam" ou a animalizam de tal forma, que o peso
da mulher na sociedade fica muito mais restrito e desconsiderado.
Qual a mulher que nunca se sentiu exposta em uma vitrine de açougue
ao ouvir cantadas e comentários dos homens em relação
ao seu corpo, ou uma "fêmea" capinando ao ser comparada
a uma égua, a uma vaca, a uma cadela e outras coisas mais?
Tal inferiorização advém do fato de o "ser
mulher" sempre ter sido construído de acordo com a divisão
sexual dos papéis preestabelecidos através de determinismos
biológicos. Já ao nascerem, homens e mulheres são
preparadas pelas instituições sociais (família,
escola, igreja, meios de comunicação) para seguirem
o "script" dos estereótipos criados com a intenção
de manter imóvel a forma de organização política
vigente e, principalmente, perpetuar o poder predominantemente masculino
e opressor.
O
8 de março significou mais do que um dia trágico do
século passado e na história da humanidade, ele na verdade
exponenciou ao máximo a violência e a tirania para com
as mulheres operárias, que, num movimento grevista, ao ocuparem
a fábrica têxtil em que trabalhavam, foram queimadas
sem qualquer piedade por estarem dando um basta à exploração
e à desigualdade tanto salarial quanto social em relação
aos homens. Com uma jornada de trabalho de 16 horas diárias
e péssimas condições trabalhistas, muitas operárias
morreram indiscriminadamente ao lutarem por seus direitos, ao fazerem
greves, ao distribuírem panfletos e ao organizarem as massas.
E
o que restou dessas memórias de luta, o que restou desse massacre
e de muitos outros que ficaram abafados na história? A resposta
é simples, porém não muito animadora. Eles estão
aí junto com outros episódios tão criminosos
quanto o do dia 8 de março, expostos na prateleira pós-moderna,
onde todos os conflitos são passageiros e banalizados por olhares
sem perspectiva de futuro e extremamente individualistas, típico
de uma ideologia capitalista e burguesa.
É
preciso atentarmos para o descaso com que o Ocidente trata a política
do Taliban para com as mulheres afegãs, que sofrem torturas
e discriminações diárias tão graves, por
motivos que nos chocariam. Algumas mães preferem matar suas
bebês para não passarem o mesmo sofrimento de não
poderem refugiar-se nem em seu próprio corpo, por este ser
um patrimônio da família. Isso só prova que o
mundo ainda segue uma linha predominantemente machista e, será
que às vésperas do séc. XXI é possível
se falar em emancipação?
No
Brasil, a situação não chega a ser muito diferente
quando se trata de mulheres operárias, de baixa renda ou com
péssimas condições de vida. No primeiro caso,
muitas vezes são oprimidas pela família ou pelos patrões;
não tendo a chance de escolherem ou tentarem uma vida mais
digna, sendo obrigadas a trabalhar muitas vezes sem benefícios
para contribuir na renda de casa. No segundo caso, entra uma grave
questão, que pelo fato de não fazer parte do eixo econômico
Rio-São Paulo, muitos brasileiros desconhecem ou ignoram: o
caso vergonhoso de prostituição infantil, em que estrangeiros
recebem meninas brasileiras como verdadeiras mercadorias a serem comercializadas,
e que, na verdade, são iludidas com o sonho de conseguirem
uma vida melhor no exterior.
Diante
de todos esses fatos, não há mais muito o que dizer,
mas sim resta muito a fazer, pois vemos que as mulheres ainda estão
engatinhando, aprendendo a se equilibrar no vasto Universo concebido
pela lei do mais "forte". Falta-nos ousadia para questioná-lo,
transpô-lo e reconstruí-lo, não sob uma ótica
"feminina", mas sob uma ótica menos dicotomizada
e menos extremista, que não divida o mundo em dois pólos
totalmente desconhecidos um do outro, mas que exija destes uma proposta
de união e cooperação entre iguais. Para isso,
ambos homens e mulheres serão obrigados a se reprogramarem
e a se enfrentarem diariamente com as contradições.
"O
que aconteceria se uma mulher despertasse de manhã transformada
em homem? E se a família não fosse o campo de treinamento
onde o menino aprende a mandar e a menina a obedecer? E se houvessem
creches? E se o marido participasse da limpeza e da cozinha? E se
a inocência se fizesse dignidade? E se a razão e a emoção
andassem de braços dados? E se os pregadores e jornais dissessem
a verdade? E se ninguém fosse propriedade de ninguém?"
Eis o sonho de Charlotte Gillman, um mundo ao contrário onde
desfazendo-se a divisão entre opressores e oprimidos não
existiria também o predomínio do sexo masculino sobre
o feminino.
Contudo,
da mesma forma que a condição de exploração
e dominação entre as pessoas não surge "do
nada" também não se desfaz naturalmente. Tendo
em mente que esta condição deriva de determinado projeto
de poder, contra ele precisamos organizar a nossa luta. Esta luta,
que deve ser ampla, precisa reconhecer também cada ponto particular
da identidade deste poder central e exterior à sociedade. Neste
texto nossa intenção é delimitar a característica
machista deste poder.
Não
é de hoje que as mulheres vem resistindo e combatendo o machismo,
porém, uma causa tão abrangente comporta orientações
diversas de luta, muitas das quais, sob nosso ponto de vista, desvirtuadas,
em que mulheres buscam, guiadas pelos valores capitalistas, assumir
o papel que é dos homens, passando de oprimidas a novas opressoras
sem promover transformações estruturais e significativas.
Ao longo do tempo, as mulheres conquistaram certa ascensão
econômica, mas, na esfera política sua inserção
ainda é insuficiente. A política além de ter
se tornado assunto para especialistas, continua sendo "coisa
de homem", haja vista a pequena participação das
mulheres em partidos ou outros movimentos políticos.
É
basicamente no que diz respeito aos princípios da luta contra
a opressão que a mulher libertária se distingue. Ainda
tratando da questão "o que é ser mulher",
entendemos que não existe uma homogeneidade, há sobretudo
uma identidade de classe. A mulher libertária além de
pertencer ou optar pela classe trabalhadora, caracteriza-se por ser
contra toda e qualquer tipo de autoridade. Dessa forma, ela luta para
libertar a si e a sociedade, não só com retórica,
mas com ação direta e através dos princípios
libertários, na sua militância contra o Estado, contra
a burguesia e contra o machismo.
Foram
mulheres como Maria Lacerda de Moura, Matilde Magrassi, Isabel Cerruti,
Antonia Soares, Maria Angelina Soares, Maria de Oliveira, Tibi e Miriam
Moreira Leite que, aderindo à causa anarquista em meados de
1920 em prol do movimento operário, ajudaram a fundar a Federação
Internacional Feminina, onde discutia-se direitos da criança
e da mulher, a importância da educação, cadeiras
como Pedagogia, Higiene e Pediatria nos cursos superiores, a criação
de uma cadeira como "História da Mulher", e questões
sociais como assistência, sistemas coercitivos, trabalhos domésticos
e trabalho industrial, seduções, jogo, infância
delinqüente, investigação à paternidade,
júri, direitos civis e políticos da mulher, tráfico
de mulheres, coeducação, casamento, divórcio,
salário, crimes da maternidade fora da lei, eugenia, proteção
aos animais, etc. Movimentos como esses são cada vez mais necessários
e imprescindíveis para o apontar de uma nova visão e
divisão de mundo em que o gênero não seja mais
um dos divisores de água, mas sim uma conquista que simbolize
a união e a solidariedade na construção de uma
sociedade calcada em princípios e valores extremamente humanitários,
onde a liberdade e a ética sejam a cartilha do dia-a-dia de
cada um em prol de um coletivo.
Ana
Luiza e Denise
Principais Fontes Bibliográficas:
GALEANO, Eduardo. Memórias de Fogo
RAGO, Margareth. Anarquismo e Feminismo no Brasil
Libera edição
99, Março/Abril de 2000