Paulo Carrão
A
revista A Vida era uma publicação mensal de Filosofa
libertária que existiu no Brasil de Novembro de 1914 a Maio
de 1915. Saíram 7 número: da revista e o grupo que a
produzia se dispersou logo depois. Apesar da existência efêmera,
a sua importância foi significativa.
Esta
revista pode ser considerada como uma das primeiras no Brasil a se
preocupar com a formação ideológica e com a consciencialização
da classe trabalhadora. Os editores desta publicação
também se preocupavam com a organização concreta
da classe operária e incentivavam as suas lutas do dia a dia
os seus sindicatos.
Foi
uma revista não-sectária, aberta, chegando a publicar
obras escritas por religiosos que atacavam o sindicalismo revolucionário.
Nela aparecem artigos contra a guerra e o imperialismo, sobre o internacionalismo,
sobre a questão da mulher, preocupa-se com a história
dos primeiros núcleos de trabalhadores organizados no país
e discute com o positivismo, através de interessante polêmica
com Teixeira Mendes, um dos "papas" desta filosofia no Brasil.
A
revista A Vida também canalizou energias para a reflexão
sobre a educação e esta preocupação educativa
perpassa grande parte de artigos e seções da revista.
A seção que aparece a partir do segundo exemplar denominada
Leitura que recomendamos - O que todos devem ler é
um bom exemplo da preocupação da revista com a formação
intelectual dos militantes anarquistas.
Nesta
seção aparecem referências a vários livros,
folhetos e jornais libertários, livros como os de Kropotkin,
Jean Grave, Neno Vasco, Eliseu Reclus, Sébastien Faure e vários
outros autores importantes. É interessante notar que na lista
de obras relacionadas como recomendadas aparecem O Capital
de Karl Marx e Assim Falava Zarathustra de Nietzsche, o que
vem demonstrar a abertura intelectual destes libertários brasileiros
do início do século.
Nesta mesma seção aparece também a referência
aos livros do educador libertário português Adolfo Lima.
Os exemplares citados são: O contracto do trabalho;
O ensino de História (um volume de 63 páginas);
O teatro na escola (um volume de 32 páginas) e Educação
e Ensino (Educação integral). Estes livros divulgaram
várias noções sobre a educação libertária
e devem ter sido lidos; pelo menos, por uma dúzia, de anarquistas
no início do século.
Estes brasileiros que, orientados pela Filosofia socialista revolucionária,
refletiram sobre a realidade brasileira e propuseram soluções
baseadas nos interesses dos trabalhadores podem ser considerados como
uns dos primeiros intelectuais orgânicos dos subalternos do Brasil.
A revista mensal A Vida apresentou três artigos escritos
especialmente sobre o tema educação. São os seguintes:
"As escolas e sua influência social - o ensino oficial e
o ensino racionalista" (PENTEADO, João, dez. 1914); "A
instrução e o Estado" (LIMA, Efren, Jan. 1915); "A
escola - prelúdio da caserna" (PINHO, Adelino de. , mar.
1915). Existe também uma série de textos de José
Oiticica denominada O desperdício da energia feminina
onde, tratando da questão da mulher na sociedade capitalista,
o autor escreve sobre o papel das mães na educação
dos seus filhos.
O artigo de João Penteado mostra a importância da escola
para manutenção ou mudança da hegemonia da ideologia
burguesa. A classe dominante tem claro que é nas escolas "que
reside o segredo da força mantenedora dos preconceitos patrióticos,
da convenções sociais, das superstições
e dos dogmas religiosos" (PENTEADO, J. A Vida, n. ° 2, dez.
1914, p. 8). Por isso, o Estado e a Igreja disputam o controle da instrução
do povo e têm o objetivo de formar mentalidades adaptadas aos
seus interesses de classe. É nas escolas oficiais do Estado e
nas escolas confessionais que se amoldam e se mutilam as consciências
das classes populares. Nestas escolas se cultiva e se cultua a atrofia
da razão e são infiltradas nas crianças das classes
subalternas as mentiras patrióticas e religiosas.
A burguesia, através do Estado capitalista, cria portanto a subordinação
intelectual no sentido desenvolvido por António Gramsci. Subordinação
intelectual é um conceito utilizado por este pensador para apresentar
a sua visão da dimensão ideológica da dominação
de classe na sociedade capitalista.
No
pensamento gramsciano a dominação do capital sobre o trabalho,
que resulta na exploração das classes subalternas, é
o momento da dominação econômica. Existe também
uma dominação político-ideológica que se
faz pela repressão (exército, policia, prisão,
etc.) e/ou pela dominação ideológica (consenso
social que é expresso pela aceitação, pela maioria
da população, da direção que a classe dominante
dá à sociedade). Os socialistas libertários em
geral percebem esta importante faceta da dominação burguesa.
É através das escolas oficias estatais e das escolas confessionais
que se generaliza a dominação ideológica capitalista.
Para Gramsci, a dominação dos subalternos acontece por
dois fatores essenciais: o primeiro é a interiorização
da ideologia dominante pelas classes subalternas e o segundo é
a ausência de uma visão de mundo coerente e homogênea
por parte desta mesma classe. Na teorização e na prática
anarquista eles enfrentam estes dois problemas. Para solucionar o primeiro,
que explica a participação massiva dos trabalhadores nos
combates da 1' Guerra Mundial, os libertários propõem
a denúncia da ideologia burguesa, veiculada através das
escolas do Estado e da Igreja e implementam a criação
das suas escolas anarquistas e/ou racionais e/ou modernas, que apesar
de modestas, travarão o combate para a criação
de uma ideologia proletária, que proporcionará à
classe subalterna uma visão de mundo coerente e homogênea
que desencadeará a luta pela criação e desenvolvimento
da sociedade acrata.
A burguesia procura monopolizar a instrução popular
para evitar "o progresso das idéias novas que levam
os trabalhadores à revolta, à luta, à guerra
contra todas as explorações do homem pela homem, contra
todas as injustiças, contra todos os privilégios sociais."
(PENTEADO; idem, ibidem).
A
classe dos capitalistas, por meio da escola oficial estatal, procura,
através de um premeditado e constante trabalho, inocular na
juventude popular a sua ideologia. O autor exemplifica citando a 1°
Guerra Mundial, em que a escola incentiva o patriotismo e o militarismo
preparando a juventude para aceitar naturalmente o derramamento de
sangue, o saque e a devastação de cidades que esta guerra
trouxe.
João
Penteado, sintonizado nos ideais libertários, propõe
como alternativa à escola oficial estatal a criação
de escolas racionais. Estas escolas "excluem de seu programa
todos os preconceitos patrióticos e religiosos, tendo sempre
em mira, antes de tudo, a educação e a instrução
da infância de acordo com a razão e com a verdade das
cousas que constituem o objetivo principal de nossa vida e a razão
de nossos atos, já fazendo despertar-lhe todas as aptidões
naturalmente manifestadas para o trabalho produtivo, para a ciência
e para as artes, já encaminhando-a de modo humano e racional
para a conquista de todas as felicidades, descortinando para as suas
vistas horizontes novos, fulgurantes, iluminados." (PENTEADO,
idem, p.9).
A
proposta libertária de João Penteado realça a
importância de trabalhar no educando as suas aptidões
naturais, deixando-as fluírem com liberdade para que o jovem
possa aproveitar ao máximo as suas potencialidades. Tal proposta
visa à formação de um ser humano que atue e crie
nas várias áreas da atividade social, um homem que seja
capaz de desenvolver uma atividade produtiva concreta, que produza
ciência com interesse e que também atue no campo das
artes.
Esta
proposta de educação segue o ideário libertário
que não acredita na possibilidade da transformação
revolucionária da escola estatal ou confessional. Portanto,
os anarquistas procuram criar novas escolas que trabalhem baseadas
no ideal racional-libertário. No texto de João Penteado,
ele faz referência à criação em São
Paulo de uma escola racionalista:
"É
este, pois, se bem que modestamente, o trabalho que temos iniciado
em Sãa Paulo e que precisa, de certo, da decidida boa vontade
de todas as consciências livres, da cooperação
de todos aqueles que sentem a verdadeira e urgente Necessidade de
se opor uma barreira à tanta degenerescência moral que
se observa nos espíritos de nossos contemporâneos."
(PENTEADO, idem, ibidem).
Outra
referência a uma iniciativa de criação de uma
escola racionalista, no início do século, é o
anúncio que aparece na revista libertária A Vida de
Março de 1915:
"Escola
Nova Acaba de instalar-se em São Paulo, a rua Alegria , 26
(sobrado), um instituto de instrução e educação,
para meninos e meninas, e que se serve dos métodos racionais
e científicos da pedagogia moderna.
As
matérias de ensino são ministradas em três cursos
especiais, primário, médio e superior.
Curso
primário: português, aritmética, geografia, botânica,
zoologia, caligrafia e desenho.
Curso
médio: português aritmética, geografia, mineralogia,
botânica, zoologia, física, química, geometria,
história universal, caligrafia, desenho.
Curso
superior: aritmética, álgebra, botânica, zoologia,
mineralogia, física, química, história universal,
geologia, astronomia, desenho, português, italiano, espanhol,
etc.
Os
cursos primário e médio acham-se a carga dos "
educacionistas. Florentino de Carvalho e Antonia Soares. O curso superior
acha-se sob a direção de intelectuais de reconhecida
competência, figurando entre eles o professor Saturnino Barbosa,
Drs. Roberto Feijó, Passos Cunha, A. de Almeida Reqo, Alfredo
Júnior, os quais lecionam matérias de sua respectiva
especialidade.
Como
se vê, a Escola Nova é uma bela iniciativa, que merece
todo o apoio dos amigos da educação racionalista"
(A Vida, no. 5, 31/1/1915, p.79-80).
É
importante realçar que, em praticamente todas as escolas fundadas
por anarquistas no Brasil do início de século, eles
implantaram a propostas de Ferrer de coeducação de ambos
os sexos. Como para o educador espanhol, os libertários do
Brasil não aceitavam de modo algum uma educação
em separado para as mulheres.
Podemos
também perceber, pelo anúncio da Escola Nova da rua
Alegrai, que os cursos oferecidos por esta escola apresentavam um
amplo leque de disciplinas. No curso superior, a palavra etc demonstra
bem a predisposição dos anarquistas a se abrir para
o novo, vontade de acolher novas sugestões e de oferecer novas
matérias, abrindo assim o programa para uma permanente reformulação.
Existem
várias referências de criação de escolas
racionais no Brasil de início do século. Estas escolas,
apesar das grandes dificuldades, sobreviveram durante anos e eram,
na visão socialista libertária, um dos principais recursos
se atingir a sociedade acrata.
O
texto de Efren Lima, que aparece na revista A Vida no. 3, de 31 /
1 / 1915, trata de vários temas relacionados com a educação
do ser humano.
O
autor afirma como é maléfico para o ensino de sua época
a dependência do Estado. Para a educação é
de fundamental importância existir a liberdade. Para E. Lima,
o Estado controla o ensino porque percebe a sua importância para
a submissão das massas à autoridade da burguesia. É
o Estado que nomeia os professores e impõe às escolas
públicas primárias e superiores.
"uns programas instrutivos, cuidadosamente compilados pelos
governos e consoantes com os seus interesses econômicos, políticos,
partidários etc." (Lima, Efren, A Vida, 31 / 1 / 1915,
p. 6).
O educador libertário do início do século XX demonstra
clara noção da importância do Estado capitalista
na organização da dominação burguesa. O
critério de recrutamento de professores e de programas é
de vital importância para a consolidação da dominação
ideológica burguesa. A criação do consenso social,
que consiste na aceitação acrítica da dominação
e da direção que a classe burguesa dá à
sociedade, passa pelo controle do aparelho educacional e da instrução
popular.
O aumento de escolas para o povo, patrocinado pelo Estado capitalista
no início do século XX, tem a preocupação
de ensinar aos alunos "crenças religiosas, amor pelas
pátrias, respeito às autoridades, obediência às
leis, proteção à propriedade privada, e milhares
de monstruosidades análogas" (LIMA, idem, ibidem).
Esta escola procura e consegue passar para os subalternos a ideologia
que interessa à burguesia. criando a hegemonia desta.
Hegemonia, que na concepção gramisciana, é o conjunto
das funções de domínio e direção,
exercido por uma classe social dominante no decurso de um período
histórico, sobre outra classe social e até mesmo sobre
o conjunto das classes da sociedade. A hegemonia tem duas funções:
uma de domínio e outra de direção intelectual e
moral. O domínio supõe o acesso ao poder e o uso da força,
compreendendo a função coercitiva; a direção
intelectual e moral se faz através de persuasão, promove
a adesão por meios ideológicos, constituindo a função
propriamente hegemônica.
Efren Lima reflete sobre as bibliotecas da escola oficial estatal e
sobre os escritores que "elaboram obras pueris, concordes com
as tolerâncias do meio, que acham bom como é, e ao qual
nunca ousariam tentar uma depuração" (LIMA,
idem, ibidem). Nestas bibliotecas existem obras de escritores, que na
verdade colaboram para anestesiar e alienar os trabalhadores. Estes
escritores são os verdadeiros intelectuais orgânicos da
classe burguesa e cumprem eficientemente o seu papel em troca de boas
remunerações.
Tais escritores, intelectuais orgânicos da classe dominante, têm
a função de divulgar os seus princípios no senso
comum, ofuscando ainda mais o núcleo de bom senso dos subalternos.
Em contrapartida, temos os intelectuais orgânicos das classes
subalternas que difundem a concepção do mundo revolucionário
entre as massas exploradas e dominadas. Podemos considerar os editores
da revista A Vida e os organizadores das escolas racionais como sendo
intelectuais orgânicos dos trabalhadores.
A experiência recente da história do Brasil nos mostra
o quanto é importante, para o despertar da consciência
de classe, a leitura de periódicos progressistas, a luta concreta
do dia a dia e a participação em cursos livres patrocinados
por entidades ligadas aos trabalhadores. A fornada de líderes
ligados aos interesses populares, que década de 80 produziu,
reforça estas afirmações. O aparecimento de lideres
operários no Brasil, transcendem a visão simplista do
senso comum e se transformam em intelectuais orgânicos das classes
subalternas, se deu prioritariamente através da luta e da formação
intelectual alternativa.
Para E. Lima, um grande atraso para o homem é a lei do hábito.
Um ser habituado é ser escravizado. Para o ser humano livrar-se
do hábito que corresponde à quietude, ao aniquilamento
do libertar-se, é de grande importância a educação
racional. O autor rende homenagem à grande referência dos
libertários da época, que é Francisco Ferrer y
Guardia, e faz uma bonita convocatória aos educadores anarquistas:
"Irmãos nossos, fugi, fugi do hábito, caminhai
para a liberdade, para a mutação, para a perfeição
inacabável. Jamais até hoje um segundo homem compreendeu
melhor do que Ferrer, a necessidade de um ensino racional, novo e que
afastando-se do dogmatismo pedagógico presente, ministrasse uma
educação realmente impecável, e que evoluisse a
par com o desenvolvimento das ciências. Ao mártir excelso
coube a gloria de realizar este ideal tão puro, e os homens filantrópicos
cumpre o dever de amparar a obra iniciada, consolida-la e multiplica-la
infinitamente." (LIMA, idem, p. 7).
Outra interessante reflexão do autor está relacionada
à importância da educação e transformação
das relações sociais e econômicas para a consolidação
de uma sociedade fraterna, igualitária e democrática.
Para ele o indivíduo socializado é o resultado de três
fatores: a hereditariedade, a educação e o meio.
Nesse sentido, o homem vem ao mundo com predisposições.
Estas podem ser transformadas e aperfeiçoadas pela atuação
da educação e do meio. E. Lima propõe a proliferação
de escolas racionais e no meio social o seu saneamento, que corresponde
ao término da opressão e da desigualdade. Ou seja, a realização
de uma revolução social de cunho libertário.
O autor, para complementar o raciocínio anterior, escreve as
esclarecedoras palavras:
"A energia primordial adquirida por via biológica poderá
ser apaziguada ou extinta, por via de adaptações deformantes
e posteriores. Portanto um esforço coletivo de todas as pessoas
das várias nações das diversa raças terrestres,
e tendente a tornar a educação dos novos indivíduos
a primeira preocupação da humanidade, colocando-a em nível
superior e purificando zelosamente o meio racial, deveria constituir
o horizonte para o qual seriam dirigidos os valores máximas das
nossos trabalhos " (LIMA, idem, p. 6).
O terceiro artigo, o de Adelino de Pinho, educador que desenvolveu várias
iniciativas de criação e manutenção de escolas
racionais, reflete sobre importantes aspectos relacionados com o ensino
da sua época.
A conjuntura da 1ª Guerra Mundial também marcou as reflexões
de Adelino e o título de seu artigo é sintomático
A escola, o preludio da caserna. O autor percebe a relação
estreita entre a escola primária e a formação das
crianças com a preparação e o desenrolar da 1°
Guerra Mundial, que tantos prejuízos trouxe para a humanidade.
A escola primária trabalha para a formação e manutenção
da ideologia burguesa, que neste período acentua a sua face militarista.
Adelino afirma que a escola primária confessional ou governamental
tem como objetivo lançar
"mão dos cérebros infantis e modela-los a seu
bel prazer, enchendo-os de formulas metafísicas e abarrotando-os
de palavrões estragados, como pátria, fronteira, estrangeiro
e inimigos, acostumando os ternos infantes a desconfiar dos outros povos
e a precaver-se contra eles, o que leva os do país estranho a
fazer o mesmo e vice-versa." (PINHO, Adelino de. A Vida, mar.
1915, pp. 75-6).
Este tipo de formação leva à desconfiança
entre os povos e às guerras, o que destrói a necessária
solidariedade entre os trabalhadores dos vários países.
Esta visão belicista é contrária a um dos mais
caros princípios do socialismo libertário que é
o internacionalismo.
O que Adelino de Pinho constata com tristeza é a eficiência
da escola oficial estatal ou confessional. As novas gerações
da Europa, saídas destas escolas, assimilaram totalmente a ideologia
burguesa e militarista e partiram céleres para a sangrenta 1ª
Guerra Mundial.
Como os demais autores libertário, Adelino reflete sobre o papel
do Estado na educação. Afirma que a burguesia, percebendo
a decadência da influência da Igreja sobre as classes populares
e a sua necessidade de mão-de-obra mais qualificada, passa a
investir na criação de escolas. O Estado burguês
procura investir no ensino com o objetivo de dominação
hegemônica e também com o objetivo de dar o mínimo
de qualificação para a mão-de-obra proletária,
que vai trabalhar nas máquinas e nas indústrias dos capitalistas.
Esta necessidade aumenta na proporção em que a sociedade
de base industrial se consolida e se espalha pelo mundo.
Portanto para a burguesia, a educação tem um papel instrumental
importantíssimo para a sua dominação sobre os trabalhadores.
É por isso que "esses agentes governamentais - o.rs professores
- que são obrigado a cingir-se ao programa e não ultrapassa-lo
, nem quase criticá-lo" (PINHO, idem, p. 76) são
selecionados pelo Estado e seguem um programa preestabelecido pelo mesmo.
O Estado só deixa ensinar o que lhe é útil para
a consolidação de sua hegemonia. Todos os Estados, segundo
o autor, ouviram a frase de Leibnitz: "Fazei-me senhor do ensino
e eu me encarrego de transformar a face do mundo".
Adelino de Pinho escreve que
"... todo este carinho revelado pelos mandões a respeito
da instrução do povo, não é sincero, nem
honesto, nem desinteressado, mas somente uma manobra habilíssima
para que se apoderem dos filhos dos trabalhadores e prepara-os, como
já acontece aos pais, amolgando-lhes os cérebros e deprimindo-lhes
o caráter, a serem obedientes, humildes, submissos e respeitadores
do status quo, bons manequins, dentro da oficina, quando ha necessidade
de produção, e bons manequins, no campo de batalha, guando
os stocks de mercadorias abundam nos armazéns e se faz mister
conquistar mercados à força de punho, a ferro e fogo,
para dar saída aos produtos invendíveis." (PINHO,
idem, p. 77).
Para as classes populares coloca-se um clilema: ser carne da oficina
ou ser carne de canhão para a burguesia. Dilema que pode ser
resolvido com uma terceira alternativa que é a abertura e manutenção
de escolas racionais, onde as mentes e os corpos infantis se desenvolvam
livres de toda pressão e imposição. O autor compreendendo
a importância que as primeiras impressões exercem no
ulterior desenvolvimento individual e coletivo das pessoas, propõe
como um dos meios mais eficazes para conseguirmos "... um
mundo melhor onde todos gozem a alegria de viver, satisfeitos da vida
e libertos da fome, da opressão e da ignorância bestial...
" (PINHO, idem, ibidem) a generalização de
escolas racionais que trabalhem com as crianças desde a mais
tenra infância.
Os
artigos de José Oiticica saem nos cinco primeiros números
da revista mensal A Vida. Eles levam o título de O desperdício
da energia feminina. Neles o autor propõe analisar a situação
da mulher através da história.
Oiticica
desenvolve interessante argumentação sobre a Energética,
teoria da energia do Cosmos e do homem. Para ele "as energias
humanas são de cinco espécies: físicas, intelectuais,
morais, práticas e sociais. " (OITICICA, A Vida,
n° 1, nov 1914, p. 6). A sociedade capitalista burguesa do início
do século no Brasil e no mundo provocava um grande desperdício
de energia humana e acentuadamente da feminina.
Quando
o autor analisa o desperdício energia intelectual, refere-se
ao ensino e ao papel das mães na educação dos
filhos. Para Oiticica, a educação da massa de trabalhadores
se dá por funcionários do Estado, por ele chamados de
ambíguos, isto é, pessoas que são dirigidas pela
classe dominante, mas que ao mesmo tempo dirigem os subalternos.
O
objetivo deste ensino é "ministrar aos trabalhadores idéias,
ou antes, os preconceitos favoráveis à supremacia dos
dirigentes." (OITICICA, idem, ibidem). Para a elite dominante
é importante manter grande parte da população
analfabeta ou semi-analfabeta. Para Oiticica, "É evidente
que essa classe de ignorantes representa uma formidável soma
de energia intelectual desperdiçada ". (OITICICA, idem,
p.7).
A
mulher, neste caso, sofre as piores conseqüências permanecendo,
salvo raras excepções, na mais profunda ignorância.
As que se revoltam contra o homem e os preconceitos burgueses sofrem
tenaz repressão.
Para o autor é lastimável que a mulher não tenha
acesso à cultura porque:
"Basta considerar a educação do filho, para medir
o alcance da educação intelectual da mulher. Criar um
filho, educar um filho é um problema que exige uma instrução
vasta e variada. Toda mãe de família deveria ser uma pedagoga;
mas pedagogia se baseia na psicologia e na fisiologia, que supõem
o preparo em ciências correlatas, digamos melhor em todas a ciências."
(OITICICA, idem, ibidem).
O papel da mãe, portanto, é de grande importância
na formação intelectual das crianças. O autor demonstra
uma ampla visão de educação, não restringindo
esta apenas às escolas. As mães ignorantes passam para
as crianças a ideologia dominante, contribuindo assim para a
manutenção da ordem burguesa.
Oiticica não concebe a educação da juventude apenas
sob a responsabilidade e exclusividade da escola. Ele percebe a importante
contribuição que a família pode dar na educação
dos jovens. É certo que a família atual tem que ser revolucionada
e organizada sob uma orientação libertária. A família
libertária baseada no amor é assim explicada por Heliodoro
Salgado:
"Desde que o homem e a mulher se desejem, se gozem, se estimem,
tudo mais resulta como os corolários de uma premissa. O amor
implica responsabilidade, o respeito, o cuidado, a solïdariedade
plena em todas as alegrias e em todas as dores.
Desde que se torne precisa a intervenção da lei é
porque o amor cessou. E desde que o casamento repouse sobre o amor,
cessado este, está dissolvido aquele, espontaneamente dissolvido,
reassumindo cada qual dos membros do par conjugal a sua inteira liberdade.
Assim comprometida, a união livre não é a anulação
da família; é a sua dignificação pelo respeito
da liberdade, da personalidade dos esposos (. . .).
(...) O que impede (o amor livre) a sua generalização
não é o crédito, das velhas instituições
familiares; são as necessidades econômicas dum regime das
riquezas fundadas na ´ legitimação dos filhos ´
.
Desde, porém, que o socialismo tenha conseguido minar e derruir
as instituições econômicas que herdamos dum passado
bárbaro e desumano, essa justificação da família
legal terá desaparecido, e a família libertada passará
a ter apenas por base , por garantia e por lei, o amor.
Assim, a família não se extinguirá, a não
ser que se extinga a própria humanidade; mas depurar-se-á
no sentimento e na prática da liberdade. " (Salgado H. apud
SOARES, V. Os trabalhadores e a questão da saúde –
1890. 1985, pp. 25-6).
O autor conclui sua argumentação, afirmando a importância
da mulher numa futura sociedade acrata e o seu papel na extinção
do desperdício da energia intelectual humana:
"ninguém deveria ser mais enciclopédico do que a
mãe de família e portanto do que a mulher. Uma sociedade
bem constituída seria aquela em que todas as mulheres pudessem
ser amplamente instruídas. "
(OITICICA, A Vida, n° 1, nov, 1914, p. 7).
Termino por aqui. Os textos de João Penteado, Efrem Lima, Adelino
de Pinho e José Oiticica são riquíssimos e permitiriam
maiores análises.
Espero
que estas linhas contribuam para o nascer de uma sociedade igualitária,
libertária e fraterna e que a educação no terceiro
milênio cumpra a sua missão histórica, ou seja,
propiciar o desenvolvimento de seres livres e sem preconceitos.
Bibliografia
Centro
de Memória Sindical/Archivo Storico del Movimento Operario Brasiliano
(org.) A Vida – Periódico Anarquista
(1914-1915).
Edição fac similar. São Paulo: Ícone, 1988.
COUTINH0,
Carlos Nelson. Gramsci - Fontes do Pensamento Político. Porto
Alegre: LPM, 1981.
GRAMISCI,
Antonio. Concepção Dialética da História.
Rio de Janeiro. Civilização Brasileira, 1987