por
Mikhail Bakunin
A
primeira questão que temos de considerar hoje é esta:
Poderá ser completa a emancipação das massas
operárias enquanto recebam uma instrução inferior
à dos burgueses ou enquanto haja, em geral, uma classe qualquer,
numerosa ou não, mas que por nascimento tenha os privilégios
de uma educação superior e mais completa? Propor esta
questão não é começar a resolvê-la
Não é evidente que entre dois homens dotados de uma
inteligência natural mais ou menos igual, o que for mais instruído,
cujo conhecimento se tenha ampliado pela ciência e que compreendendo
melhor o encadeamento dos factos naturais e sociais, compreenderá
com mais facilidade e mais amplamente o carácter do meio em
que se encontra, que se sentirá mais livre, que será
mais hábil e forte que o outro Quem souber mais dominará
naturalmente a quem menos sabe e não existindo em princípio
entre duas classes sociais mais que esta só diferença
de instrução e de educação, essa diferença
produzirá em pouco tempo todas as demais e o mundo voltará
a encontrar-se em sua situação actual, isto é,
dividido numa massa de escravos e num pequeno número de dominadores,
os primeiros trabalhando, como hoje em dia, para os segundos.
Entende-se
agora porque os socialistas burgueses não pedem mais que 'instrução'
para o povo, um pouco mais que agora, e porque nós, democratas
socialistas, pedimos para o povo 'instrução integral',
toda a instrução, tão completa quanto requer
a força intelectual do século, a fim de que por cima
da classe operária não haja de agora em diante nenhuma
classe que possa saber mais e que precisamente por isto possa explorá-la
e dominá-la. Os socialistas burgueses querem a manutenção
das classes, pois cada uma deve, segundo eles, representar uma função
social diferente. Eles queriam, conservando-as, aliviar, minorar e
dissimular as bases históricas da sociedade actual, a desigualdade
e a injustiça, que nós queremos destruir. Do que resulta
que entre os socialistas burgueses e nós não é
possível acordo, conciliação nem coalizão
alguma. Mas, se dirá - e este é o princípio a
que se nos opõe e que os senhores doutrinários de todas
as cores consideram irresistível - que é impossível
que a humanidade inteira se dedique à ciência: morreria
de fome. É preciso, portanto, que enquanto uns estudam, outros
trabalhem para produzir os objectos necessários para viverem
em primeiro lugar e depois para os homens que se dedicam exclusivamente
a trabalhos intelectuais; pois estes homens não trabalham só
para eles: seus descobrimentos científicos, além de
ampliar o conhecimento humano, não melhoram a condição
de todos os seres humanos, sem excepções, ao aplicá-los
na indústria e na agricultura e, em geral, na vida política
e social? Suas criações artísticas, não
enobrecem a vida de todo mundo? Mas não. Não de todo
mundo. E o repúdio maior que teríamos que dirigir à
ciência e às artes é precisamente não estender
seus benefícios e não exercer sua influência útil
mais que sobre uma mínima parte da sociedade, excluindo e por
conseguinte prejudicando a imensa maioria.
Hoje
pode-se afirmar acerca do progresso da ciência e das artes o
que se diz, e com razão, nos países mais civilizados
do mundo, acerca do prodigioso desenvolvimento da indústria,
do comércio, do crédito, da riqueza social, em uma palavra.
Esta riqueza é totalmente exclusiva e tende a ser cada dia
mais, ao concentrar-se sempre em mãos de uns poucos e lançar
a pequena burguesia, as capas inferiores da classe média, em
direcção ao proletariado, de maneira que o desenvolvimento
e o progresso está em razão directa com a miséria
crescente das massas operárias. Assim resulta que se abre cada
dia mais o abismo que separa a minoria feliz e privilegiada dos milhões
de trabalhadores que vivem com o trabalho de suas mãos, e que
enquanto mais felizes são os felizes exploradores do trabalho
popular, mais infortunados são os trabalhadores. Que se recorde,
frente a fabulosa opulência do grande mundo aristocrático,
financeiro, comercial e industrial da Inglaterra, a situação
miserável dos operários deste mesmo país. Que
se leia e releia a carta, tão ingénua e dilaceradora,
escrita faz pouco tempo por um inteligente e honesto ourives em Londres,
Walter Dugan, que se envenenou 'voluntariamente' com sua mulher e
seus filhos para escapar às humilhações da miséria
e as torturas da fome; então haverá que confessar que
esta civilização tão glorificada não significa,
desde o ponto de vista material, mais que opressão e ruína
para o povo. E o mesmo ocorre com os modernos avanços da ciência
e das artes. São imensos estes progressos, é verdade.
Mas,
quanto mais extraordinários são, mais se convertem em
causas de escravidão intelectual e, portanto, material; origem
de miséria e inferioridade para o povo, pois também
elas alargam a distância que já separa a inteligência
popular da das classes privilegiadas. A primeira, desde o ponto de
vista da capacidade natural, está hoje evidentemente menos
usada, menos sofisticada e menos corrompida pela necessidade de defender
interesses injustos e é, por conseguinte, mais forte que a
inteligência burguesa; mas, por outro lado, esta última
possui todas as armas da ciência e estas armas são formidáveis.
Sucede a princípio que um operário muito inteligente
se vê obrigado a emudecer ante um erudito tonto, que lhe faz
calar não por maior finura de espírito, da qual carece,
mas por instrução, da qual o operário é
privado e que o outro pôde receber, pois enquanto sua estupidez
se desenvolvia cientificamente nas escolas, o trabalho do operário
lhe vestia, lhe dava casa, o alimentava e lhe proporcionava tudo,
os professores e os livros necessários a sua instrução.