Bolívia: A Um Passo da
Insurreição
Um
morto por semana, um ferido por dia, dezenas de denúncias de
torturas, dezenas de sindicalistas perseguidos, uma centena de presos
políticos, o encerramento de rádios ligadas a movimentos
sociais e sindicais. Em menos de seis meses, esse é o saldo
do regime mais atroz que se viveu na Bolívia desde a queda
das ditaduras militares, há 20 anos.
A tônica destes dias acompanha-se do bombardeamento da mídia
que criminaliza qualquer protesto social, orquestrando a imposição,
por parte do estado, de um sistema econômico e político
de sociedade. Tudo sob a férula do imperialismo capitalista
que exerce uma feroz incursão de dominação geopolítica,
que se esbarra contra a ira mobilizada do proletariado boliviano.
A classe trabalhadora em ascensão desde o ano 2000 fortalece
progressivamente a sua unidade e aclara objetivos. Apesar de as burocracias
não terem em nenhum momento alterado as suas posturas chauvinistas
e conciliadoras, o esforço das massas trabalhadoras forçou
os líderes sindicais a somarem-se à cada vez mais radicalizada
luta de classes que tem lugar na Bolívia.
Face à violência do Estado-Capital, o proletariado está
a exercer a autodefesa. No último mês, três militares
e um polícia foram mortos em Chapare; enquanto em Sucre, um
pequeno grupo de devedores, que se defendiam dos ataques, lançaram
gasolina a um pelotão de polícias e pegaram-lhe fogo;
na localidade de Pocitos, milhares de trabalhadores da fronteira puseram
a polícia de elite em fuga e queimaram o posto fronteiriço
com a Argentina; no passado dia 2 de Fevereiro, uma marcha de milhares
de operários, camponeses plantadores de coca, universitários,
professores, pequenos devedores, trabalhadores da saúde, das
águas e trabalhadores sem direito a reforma, acabou com o lançamento
de pedras, petardos e tintas contra o quartel da polícia da
cidade de Cochabamba, em protesto contra a feroz repressão
exercida pelos corpos de elite - os "dálmatas" -
acusados de torturar os presos políticos com descargas elétricas
nas gengivas. Por fim , um grupo de jovens vestidos de negro atirou
uma bomba caseira cujos estilhaços feriram cinco polícias,
entre eles um major.
Cochabamba converteu-se desde há duas semanas no epicentro
dos protestos, as suas ruas foram tomadas por milhares que levantaram
barricadas e fogueiras, incendiando veículos nalguns casos
e atacando lojas de luxo, assim como o palácio de justiça,
semeando arame farpado e vidros para evitar a passagem do brutal corpo
policial, que chegou ao extremo de prender crianças de 11 anos
e utilizar armas de guerra, fato que foi cinicamente justificado pelo
governo, que explicava o fato argumentando que se tinham acabado as
reservas de gases.
O movimento social em Cochabamba, que engloba os plantadores de coca,
exige a abolição do parlamento e a formação
de uma assembléia popular. Os distúrbios rebentaram
após a expulsão do deputado camponês Evo Morales,
líder sindical dos produtores de coca. Os chamados "cocaleros",
que estão dispersos em toda a região de Chapare, dedicam-se
ao cultivo da folha de coca, cuja compra e venda o governo recentemente
declarou ilegal na zona, condenando à fome mais de 35.000 famílias.
Tudo sob o mandato de Washington e no contexto da suposta guerra às
drogas.
Tradicionalmente a coca é utilizada há mais de mil anos,
atualmente grandes setores indígenas e mestiços usam-na
habitualmente como parte da sua cultura. Razão pela qual, o
movimento "cocalero" qualificou a campanha de erradicação
e comercialização de coca como um genocídio cultural,
além de humanitário. As tropas militares e policiais
assassinaram, só numa região, mais de oitenta "cocaleros",
ferindo com tiros e torturando centenas, além de saquearem
e queimarem povoações inteiras.
A verdadeira intenção do imperialismo capitalista, o
financiador desta campanha, seria o controle da Amazônia e dos
Andes e uma peça nessa estratégia é eliminar
qualquer resistência social na região.
A férrea resistência do movimento "cocalero"
explica-se, em parte, pela organização flexível
que pratica, baseando-se em tradições comunitárias
horizontalistas do "ayllu" e do "ayni" de perspectiva
autogestionária.
Uma organização similar é desenvolvida pelos
indígenas do planalto, que nesta semana se somaram às
mobilizações, cortando estradas juntamente com camponeses
de outras regiões, exigindo entre muitas outras reivindicações
a expulsão da ENRON do país. Em suma, estradas de quase
todas as regiões da Bolívia são bloqueadas em
diversos graus. No entanto, a grande maioria das estradas são
desobstruídas por soldados até ao meio-dia, para logo
aparecerem bloqueadas. O sucesso da interrupção não
se mede pelo tempo que duram as barricadas, mas sim pela insegurança
que geram a quem transita nas estradas.
Várias organizações camponesas e dos povos indígenas
advertiram que a guerra pela terra será mais grave que a da
coca, visto que se está a favorecer os grandes latifundiários
do oriente com as reformas da Constituição Política
do Estado.
O movimento social em luta abarca múltiplos setores, inclusive
há quatro dias os polícias de Santa Cruz amotinaram-se
pedindo bônus de alimentação, e ainda que não
atue premeditadamente coordenado, a solidariedade entre os diversos
sectores é uma constante e está a pôr à
margem o governo e a fé na democracia burguesa.
O governo do presidente Quiroga é uma cadáver que continua
a governar graças ao apoio da embaixada norte-americana. A
sua existência torna-se paradoxal num país convulsionado
e com grande tradição golpista. É uma expressão
dos tempos que vive a América Latina sob o jugo imperialista
capitalista. É imperiosa a presença de uma oposição
enraizada no seio do movimento proletário, que se oriente para
sepultar não só o governo de Quiroga, mas também
o Estado-Capital. Nenhum dirigente dos diferentes movimentos que sacodem
o país orienta a sua luta mais para além do plano reivindicativo,
o que retira toda a perspectiva histórica à luta que
desenvolvem os trabalhadores para subsistirem num regime que não
tem outra alternativa que descarregar o peso da sua crise sobre as
costas dos trabalhadores. Conquistados pela propaganda imperialista
e burguesa, estes dirigentes dão por certa a derrota do socialismo
e protegem os seus privilégios.
Urge superar as burocracias ou seremos vítimas da crise capitalista
que se vislumbra no horizonte e cujas conseqüências já
sentimos. Só a revolução social e a construção
de uma nova sociedade podem oferecer um futuro aos trabalhadores que
lutam, não só por solucionar os seus problemas imediatos,
mas também por construir um futuro autogestionário,
horizontalista, comunista libertário.
As lutas sociais que se desenvolvem na Bolívia são parte
duma mesma guerra de classes que, historicamente, o proletariado desenvolve
contra o Estado e o Capital. Por isso, este deve reconhecer-se nos
combates que desenvolvem @s trabalhador@s bolivian@s e promover ações
internacionalistas à altura das circunstâncias.
A LUTA CONTRA O CAPITAL-ESTADO SERÁ COMUNISTA, AUTOGESTIONÁRIA,
INTERNACIONALISTA E ANTI-AUTORITÁRIA OU NÃO SERÁ
NADA
6 de Fevereiro de 2002
Juventudes Libertarias, Bolívia.
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