Chomsky:
Agora é Que a Guerra Começou
Se há algo que mostra
com clareza a história das guerras, é que se pode
prever muito poucas coisas. No Iraque, a força militar mais
temível da história da humanidade atacou um país
muito mais fraco, em uma tremenda disparidade de poder.
Será preciso certo
tempo para poder avaliar, inclusive de forma preliminar, as conseqüências.
É preciso dedicar todos os esforços para diminuir
ao mínimo os danos e proporcionar ao povo iraquiano os enormes
recursos necessários para que possam reconstruir sua sociedade,
à sua maneira, e não como ditem uns governantes estrangeiros.
Não há motivos
para duvidar da opinião quase universal de que a guerra no
Iraque só servirá para aumentar a ameaça do
terror e o desenvolvimento e uso das armas de destruição
massiva, com fins vingativos ou dissuasivos.
No Iraque, o governo de George
W. Bush pespegue uma “ambição imperial”
que está atemorizando o mundo, com razão, e transformando
os Estados Unidos em um pária internacional. A intenção
explícita da política norte-americana atual é
reafirmar um poder militar que já é o maior do mundo,
e impossível de desafiar.
Os Estados Unidos podem travar
guerras preventivas à vontade. Guerra preventivas e não
ações para impedir um perigo imediato. Sejam quais
forem os motivos que, em certas ocasiões, justificam uma
ação preventiva no curto prazo, não servem
para justificar uma categoria muito diferente de guerra preventiva:
o uso da força para eliminar uma ameaça artificial.
Esta política cria
bases para uma luta prolongada entre os Estados Unidos e seus inimigos,
alguns deles criados pela violência e pela agressão,
e não só no Oriente Médio. Neste sentido, o
ataque dos Estados Unidos ao Iraque é uma resposta às
súplicas de Osama Bin Laden.
É muitíssimo
o que o mundo influi na guerra e no pós-guerra. Por não
escolher mais do que uma das numerosas possibilidades, a desestabilização
no Paquistão poderia provocar a venda de armas nucleares
descontroladas à rede mundial de grupos terroristas, que
muito bem podem se ver fortalecidos pela invasão e ocupação
militar do Iraque. É fácil imaginar outras circunstâncias
não menos sinistras.
No entanto, não se
pode perder a esperança de que se produzam conseqüências
mais benéficas, começando pelo apoio mundial às
vítimas da guerra e das sanções assassinas
no Iraque.
Um indício prometedor
é que a oposição à invasão, antes
e depois de ocorrer, atingiu um nível sem precedentes. Ao
contrário, quando o governo de Jonh F. Kennedy anunciou –
neste mês há 41 anos – que pilotos norte-americanos
estavam bombardeando e arrasando o território do Vietnã,
os protestos foram quase inexistentes. Não atingiram nenhum
volume significativo até vários anos depois.
Hoje existe um movimento
popular contra a guerra em grande escala, comprometido e baseado
nos princípios, nos Estados Unidos e em todo o mundo. O movimento
pacifista atuou com energia e antes mesmo de começar a nova
guerra do Iraque. Este dado reflete o fato de que, ao longo dos
anos, cada vez há menos vontade de tolerar as agressões
e atrocidades, uma das numerosas mudanças produzidas no mundo.
Os movimentos ativistas dos últimos 40 anos tiveram um efeito
civilizador.
Agora, a única forma
que os Estados Unidos têm de atacar um inimigo muito mais
fraco é fabricar uma enorme ofensiva propagandística
que o represente como o mal supremo ou inclusive uma ameaça
para a nossa sobrevivência. Isso é o que tem feito
Washington com o Iraque. No entanto, os pacifistas estão
agora em uma posição muito melhor para deter o próximo
recurso à violência, e este é um aspecto de
extraordinária importância.
Grande parte da oposição
à guerra de Bush se baseia na convicção de
que o Iraque não é mais do que um caso especial de
“ambição imperial” energicamente proclamada
na Estratégia de Segurança Nacional, no mês
de setembro passado.
Para ter certa perspectiva
com relação a nossa situação atual,
pode se tornar útil observar a história recente. Em
outubro, a natureza das ameaças contra a paz ficou destacada
com grande dramatismo na reunião realizada em Havana para
comemorar o 40º aniversário da crise dos mísseis,
uma reunião da qual participaram importantes participantes
de Cuba, Rússia e Estados Unidos.
As novas descobertas demonstram
com grande clareza os riscos terríveis e imprevisíveis
de atacar “um inimigo muito mais fraco” para obter “uma
mudança de regime”, riscos que não se torna
exagerado dizer que poderiam nos condenar a todos. Os Estados Unidos
estão abrindo rotas novas e perigosas diante de uma oposição
mundial quase unânime.
Washington pode reagir de
duas formas diante de ameaças que, em parte, derivam de suas
próprias ações e proclamações.
Uma forma é tentar desarmar tais ameaças prestando
atenção na irritação legítima
e aceitando se transformar em membro civilizado de uma comunidade
mundial, capaz de respeitar a ordem mundial e suas instituições.
Outra é construir
máquinas de destruição e de domínio
ainda mais temíveis, com o objetivo de poder esmagar qualquer
coisa que considerem um desafio, por distante que seja, o que provocará
novos e maiores desafios.
(*) Destacado pensador e
lingüista norte-americano.
rgc/nc
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