Para Chomsky, EUA são os verdadeiros
terroristas
SÉRGIO DÁVILA
da Folha de S.Paulo 30/01/2002
Com a escritora Susan Sontag
e o jornalista Richard Reeves, Noam Chomsky forma a atual trindade
de anticristos da opinião pública norte-americana.
Assim como seus dois colegas liberais, o renomado linguista já
foi hostilizado nas ruas e na imprensa por suas opiniões
e passou a ser persona non grata em diversos ambientes intelectuais
depois do ataque de 11 de setembro.
Também, pudera. Para ele, os EUA são os verdadeiros
terroristas, como disse em entrevista à Folha: "É
preciso uma boa dose de disciplina por parte dos intelectuais do
Ocidente para "não perceberem" que a tal Guerra
contra o Terror é protagonizada pelo país que mais
foi condenado em instâncias internacionais por suas práticas
terroristas".
Chomsky chega ao Brasil amanhã para o Fórum Social
Mundial, que acontece em Porto Alegre em paralelo ao Fórum
Econômico Mundial de Nova York.
O intelectual ensina linguística
no prestigioso Massachusetts Institute of Technology (MIT) e, nas
horas vagas, exerce a profissão de que mais gosta desde a
Guerra do Vietnã: a de principal crítico do governo
norte-americano, de seus aliados e da globalização.
Seus detratores dizem que
este papo já virou lengalenga. Seus defensores afirmam que
não fosse por ele o ambiente intelectual nos EUA seria uníssono.
Leia a seguir os principais trechos de sua entrevista, concedida
por e-mail.
Folha
- Na sua opinião, o mundo mudou para pior ou para melhor
depois dos ataques terroristas de 11 de setembro?
Noam Chomsky - Por centenas
de anos, a Europa e seus asseclas praticaram terror em larga escala
e atrocidades no resto do mundo. Em 11 de setembro, pela primeira
vez, eles foram o alvo das mesmas atrocidades. Obviamente a reação
tem sido extremamente violenta, liderada pelos Estados Unidos e
por seu parceiro júnior, o Reino Unido, ambos com vasta experiência
em lidar com o extermínio de "raças menos favorecidas".
É preciso uma boa
dose de disciplina por parte dos intelectuais do Ocidente para "não
perceberem" que a tal Guerra contra o Terror é protagonizada
pelo país que mais foi condenado por suas práticas
terroristas em instâncias internacionais como o Tribunal de
Justiça Internacional e o Conselho de Segurança da
ONU, em resolução que teve veto dos EUA e abstenção
do Reino Unido.
O
ataque a civis afegãos é tão selvagem e destruidor
quanto o que o motivou, mas passa quase despercebido pela mídia
internacional, já que, diferentemente daquele, não
foge à regra histórica. E é preciso dizer que
a tal Guerra contra o Terror é apoiada por países
que querem aval para legitimar suas atrocidades, como a Rússia
e sua ação na Tchetchênia.
Mas no geral o mundo mudou para pior, pelo menos temporariamente.
Os responsáveis pelos ataques de 11 de setembro cometeram
um terrível crime não só contra as vítimas
americanas mas também contra os pobres do mundo todo, ao
detonarem uma reação em cadeia que vai vitimar países
em geral pobres, democracias frágeis e os direitos humanos.
Folha
- A situação do Afeganistão, pelo menos, não
melhorou após a guerra, com a queda do regime do Taleban?
Chomsky - Primeiro, poucos
sabem que a tal ajuda humanitária que os Estados Unidos vêm
prometendo aos afegãos só está começando
a sair agora, quatro meses depois de prometida. Depois, as pessoas
que estão sendo alçadas de volta ao poder no Afeganistão
pelas mãos do governo dos EUA são as mesmas que nos
anos 90 levaram o povo à miséria absoluta e prepararam
o terreno para a aparição e ascensão do Taleban.
Folha
- O sr. concorda que o presidente Bush é o homem certo no
lugar certo, como parecem dizer pesquisas de opinião pública?
Chomsky - A pergunta pressupõe
que o que ele vem fazendo é o certo, e isso só pode
ser afirmado por quem apoia o terrorismo, a violência e a
atrocidade em larga escala, o que não é absolutamente
o meu caso. Quanto às pesquisas de popularidade, sugiro cautela.
Quando indagado se apoia
o uso de violência contra os responsáveis pelos ataques
terroristas, o povo norte-americano concorda em peso, mas se a pergunta
menciona as inevitáveis perdas civis decorrentes, os números
de aprovação caem bastante.
Folha
- O presidente Fernando Henrique Cardoso ainda se define como um
social-democrata. O sr. concorda com ele?
Chomsky - Tenho minha opinião
sobre esse assunto, fique certo disso, mas prefiro não me
manifestar a respeito.
Folha
- Se convidado, o sr. participaria do Fórum Econômico
Mundial, seja em Nova York, seja em Davos, na Suíça?
Chomsky - Só se fosse
para me juntar aos manifestantes...
Folha
- Como será sua participação no Fórum
Social Mundial de Porto Alegre?
Chomsky - Não sei
ao certo, mas acredito que os programas defendidos neste evento,
como o fim desta globalização comandada pelas empresas
multinacionais, são saídas importantes para os cada
vez mais graves problemas da sociedade globalizada.
www.uol.com.br/folha/brasil/ult96u28814....