Plano Colômbia
Numa entrevista exlusiva
a La Jornada (03/09/2000), Noam Chomsky comenta a intervenção
dos EUA na Colômbia e a revolução bolivariana
da Venezuela, encabeçada por Hugo Chavez
Porquê
a viagem do presidente Bill Clinton à Colômbia?
"A Colômbia tem
uma terrível história de violência, que dura
há mais de um século. Nos anos 60, a violência
tomou um rumo novo, graças a uma forte intervenção
do governo de J. F. Kennedy, com missões das forças
especiais estado-unidenses a acessorar as forças armadas
colombianas.
"Isso foi parte do projecto
geral de Kennedy de converter os exércitos da América
Latina em forças de segurança que controlassem a sua
própria população, mediante a violência.
Tratava-se duma alteração da estratégia de
defesa hemisférica (remeniscente da Segunda Guerra Mundial)
nas forças armasdas latinoamericanas, rumo à segurança
interna, ou seja, rumo à guerra com a sua própria
população.
"Na Colômbia,
a missão das forças especiais estado-unidenses era
a de ensinar as forças armadas colombianas a formar grupos
de paramilitares, para levar a cabo o que chamam de "terror
paramilitar", contra "proponentes comunistas conhecidos"
(no original,known communist proponents).
"Proponentes comunistas
é um nome muito vago que pode incluir camponeses organizados,
líderes sindicais, activistas dos direitos humanos, intelectuais
independentes, candidatos políticos, qualquer coisa; e esta
política de organização do terror militar,
que incluia o respectivo treino, levou a uma nova fase de violência
organizada do Estado: em parte através dos militares e, em
parte, através dos paramilitares e isto continua desde essa
altura.
"Nos anos 90, a Colômbia
tinha o pior registo de violação de direitos humanos
do hemisfério ocidental; isto deve-se à redução
do terrorismo de Estado massivo noutros países. Dos quase
10 assassinatos políticos que se cometem todos os dias, o
Departamento de Estado atribui a grande maioria, entre 70% e 80%,
aos paramilitares, que estão muito perto dos militares. O
resto atribui-se à guerrilha.
O
problema da droga
"A guerrilha conseguiu
desenvolver, agora, uma base substancial em grande parte da população,
a tal ponto que o governo cedeu, basicamente, uma parte do país
à guerrilha, que, por seu lado, nunca esteve integrada na
Colômbia. Nessas regiões, os camponeses foram obrigados,
basicamente, à produção de coca; não
porque alguém lhes tenha apontado uma pistola à cabeça,
mas porque, simplesmente, não há outra forma de sobreviver.
"Este problema remonta
aos anos 50. A Colômbia tinha uma produção de
trigo que foi orientada para agro-exportações subsidiadas
pelos EUA, sob a fachada dos "alimentos por paz" (Food
for Peace). Nos anos 60, o Movimento dos Não-Alinhados (grupo
dos 77) e a UNCTAD impulsionaram a ideia criar um marco de referência
para uma nova ordem económica internacional, que beneficiaria
a produção dos camponeses pobres.
"Um dos primeiros programas
que a UNCTAD tratou de implementar foi a estabilização
dos preços dos seus produtos, que oscilavam de acordo com
a oferta e a procura, entre outros factores. Uma mercadoria muito
importante do comércio internacional da altura foi o café,
que constituia uma das principais exportações da Colômbia.
"Para o agrobusiness,
as oscilações selvagens dos preços não
têm grande importância, porque se o preço duma
mercadoria baixa num determindado ano, eles utilizam outras. Mas,
se fores um camponês pobre, não podes dizer aos teus
filhos 'não comas este ano, talvez comas no próximo'.
Ou seja, a oscilação de preços é devastadora
para os pequenos produtores.
"A proposta da UNCTAD
de estabilização dos preços, que está
de acordo com o que sucede nos países industriais ricos,
como os EUA ou a União Europeia, que estabilizam constantemente
os preços internos, não foi permitida ao Terceiro
Mundo: foi bloqueada. Um dos efeitos foi que a pequena produção
agrícola se tornou inviável e, entre esta, a do café.
"Naturalmente, os camponeses
viraram-se para produtos viáveis, basicamente a folha de
coca, a marijuana e os produtos que, no Ocidente, se chamam drogas
ilegais. Depois, chegou a repressão, o que chamam 'a guerra
contra as drogas', e, agora, isto é uma parte significativa
do sistema socioeconómico colombiano.
"O problema principal
na Colômbia é, como tem sido há muito tempo,
o de uma situação muito repressiva nos planos político
e socioeconómico. Trata-se, basicamente, dum país
muito rico, mas onde grande parte da população vive
numa pobreza miserável. Tem um sistema muito brutal e repressivo.
Há cerca de uma década, a tentativa de permitir partidos
políticos independentes, a Unión Patriótica,
por exemplo, redundou num desastre. Os seus candidatos políticos,
alcaides, candidatos presidenciais, etc., foram, pura e simplesmente,
assassinados. Disto, os EUA não deram conta.
"Dizem que a Colômbia
é uma democracia florescente, sem se preocuparem com o facto
de o principal partido da oposição ter sido destruido.
Chamam-lhe democracia, porque os partidos que sobreviveram foram
os dos empresários (business parties), os que se adequam
aos interesses dos EUA.
"Esta situação
piorou durante os anos 90. Particularmente na era Clinton, presidente
que inundou o país com armas e instrutores militares. A Colômbia
recebeu mais armas e treino militar do que qualquer outro país
do hemisfério. Na proporção destes mantimentos
aumentam, por assim dizer de forma normal, as atrocidades.
O
Plano Colômbia
"O plano actual consiste
em aumentar isto de forma muito significativa, dando aos militares
1 600 milhões de dólares. O pretexto é a guerra
contra as drogas, mas é difícil encontrar um analista
que leve esse pretexto muito a sério. Os paramilitares, da
mesma forma que os militares, estão metidos até aos
narizes no narcotráfico e a guerra não se dirige contra
eles.
"A guerra é dirigida
contra comunidades campesinas que se tornaram parte das regiões
dominadas pelas Fuerzas Armadas Revolucionárias de Colombia
(FARC). As FARC criam impostos sobre o narcotráfico, mas
dizem que gostariam de ver implementado um programa com culturas
alternativas; têm, de facto, um programa social deste tipo.
"Recentemente, líderes
governamentais e das FARC foram à Europa. Aqui, nos EUA,
isto foi apresentado no sentido de que as FARC tinham que ser civilizadas
e tinham que presenciar como funcionam os países civilizados.
Não foi isto, exactamente, o que se passou. O que se passou
é que o governo colombiano e o estado-unidense, mostraram
que têm que ser civilizados para entender como é que
as democracias sociais funcionam. Isto eu não sei se aconteceu,
mas se tiver acontecido, será um passo em frente para a Colômbia
e para os EUA, no sentido da implementação de políticas
económicas e sociais mais construtivas.
" No entanto, o caminho
que tomam é o financiamento dos paramilitares, o que conduzirá
a um desastre ainda maior. Esta manhã, os jornais relatavam
novas matanças dos paramilitares na região de Medelin
e isto aumentará, porque os assassinos são do exército
colombiano.
Qual
é a influência da Venezuela no conflito colombiano?
"A longo prazo, a Venezuela
será o país mais importante da área. É
um país muito rico, com enormes reservas de petróleo.
Foi um domínio britânico, até que os EUA, sob
a presidência de Woodrow Wilson os expulsaram, nos anos 20.
Desde então, os EUA têm sido o poder dominante na Venezuela.
De facto, a Venezuela foi o principal exportador de petróleo
até aos anos 70 e ainda é um dos mais importantes,
para os EUA. Também tem recursos importantes noutras matérias
que os EUA exploram e que, portanto, não verão com
bons olhos se lhes começarem a fugir do controle.
"De facto, uma das informações
pouco conhecidas sobre a crise dos mísseis em Cuba revela
que uma das principais preocupações dos irmãos
Kennedy consistia no facto de Cuba se estar a tornar demasiado independente:
poderia impedir os planos para uma invasão estado-unidense
da Venezuela que se contemplavam por aqueles tempos, devido aos
movimentos guerrilheiros e populares. Ou seja, este não é
um assunto que os EUA encarem de forma ligeira.
"Parte da preocupação
sobre a Colômbia está vinculada, de facto, à
Venezuela. Neste momento, a posição de Washington
em relação à Venezuela é ambivalente.
Parece-me que ninguém sabe com exactidão para onde
se dirige o processo venezuelano. Ninguém sabe que parte
do discurso de Hugo Chávez é populista e que parte
reflecte uma tendência para reformas substanciais. Os Estados
Unidos estão preocupados.
"Também existe
um problema sério com os investimentos na indústria
petrolífera, que têm sido baixos, devido à corrupção
e à má administração dos últimos
anos, de tal forma que se pode aumentar a produção
à velocidade que agradaria aos EUA. Ou seja, é uma
situação complexa que Washington quererá manter
sob controle, de forma a assegurar que não vai na direcção
que consideram errada.
Hugo
Chávez poderá acabar como Salvador Allende?
"A Venezuela é
um país rico e importante, que tem muitos problemas. Os seus
problemas económicos são muito graves e existe uma
dívida interna socio-económica que tem que ser resolvida.
Muita gente sofre seriamente, porque a riqueza do país não
lhes chega. Se houver esforços sérios para alterar
esta situação com um programa popular de reformas
e se esse programa incluir controlar os recursos do país
e usá-los para esses fins, então os EUA não
vão gostar nada. Washington sempre esteve contra isto. O
grau do seu descontentamento dependerá do nível de
cooptação que isto logre.
"Já anteriormente
houve situações deste género. Por exemplo,
nos anos 50, a CIA estimou que as piores crises para os EUA eram
as da Bolívia e Guatemala. Ambos os países tinham
governos populares. Na Bolívia, o poder estava nas mãos
de um grupo trotskista-trabalhista; na Guatemala, tratava-se dos
governos democráticos de Juan José Arévalo
e Jacobo Arbenz. E nenhum destes agradava aos EUA. Queriam neutralizá-los
e destrui-los, a ambos. Mas fizeram-no de formas muito diferentes.
"No caso da Guatemala,
organizaram, pura e simplesmente, uma invasão militar que
derrubou o governo e começou 40 anos de terror massivo. Na
Bolívia, usaram um caminho diferente: essencilmente, cooptaram
o governo, o que, de certa forma, foi surpreendente, porque, tecnicamente,
se tratava de um governo marxista, de direcção trotskista.
Mas, lentamente, foi sendo integrado no sistema estado-unidense
e acabou subordinado ao seu poder. De facto, isto são decisões
tácticas.
Importa
à América Latina quem será o vencedor das eleições
estado-unidenses?
"Não, não
muito"
Entrevista feita por: Heinz
Dietrich Steffan